Em meio a maior crise de sua história - que envolve dois acidentes com seu principal avião, o 737 MAX, e a paralisação do setor aéreo em decorrência da pandemia da covid-19 -, a Boeing anunciou que encerrou as negociações para comprar a divisão de aviação comercial da Embraer. As empresas haviam anunciado o acordo de US$ 4,2 bilhões em julho de 2018 e o fim das conversas deixa a empresa brasileira em situação delicada.
A Boeing responsabilizou a Embraer pela não conclusão do negócio. Em nota, a americana afirmou que “exerceu seu direito de rescindir (o contrato) após a Embraer não ter atendido as condições necessárias”, mas não especificou quais eram essas condições. Segundo fontes brasileiras, a americana trabalha para evitar o pagamento de eventuais multas. O prazo limite para uma das partes romper o acordo era sexta-feira, 24.
“A Boeing trabalhou diligentemente nos últimos dois anos para concluir a transação com a Embraer. Há vários meses temos mantido negociações produtivas a respeito de condições do contrato que não foram atendidas, mas em última instância, essas negociações não foram bem-sucedidas”, disse Marc Allen, presidente da Boeing para a parceria com a Embraer e operações do grupo.
"É uma decepção profunda. Entretanto, chegamos a um ponto em que continuar negociando dentro do escopo do acordo não irá solucionar as questões pendentes", acrescentou, em nota.
Problemas de caixa
O mercado já vinha aventando a possibilidade de a transação não ser concluída. No último domingo, reportagem do Estado mostrou que, entre os entraves levantados por analistas, estava a capacidade de a empresa americana pagar os US$ 4,2 bilhões pelos quais o acordo foi fechado. Além dos dois acidentes com os aviões 737 MAX, que mataram 346 pessoas e levaram o modelo a parar de operar, a crise do coronavírus vem prejudicando a situação de caixa da companhia.
A Boeing inclusive indicou que a indústria aeroespacial americana necessitará de US$ 60 bilhões do governo americano para sobreviver a crise. A empresa será a principal beneficiada se esse montante chegar a ser liberado. Nos Estados Unidos, porém, a possibilidade de parte do dinheiro ser usada para comprar uma empresa brasileira é alvo de críticas.
Outro problema que apareceu recentemente nas negociações foi o valor do contrato. Um dia antes do negócio ser anunciado, a Embraer valia R$ 19,8 bilhões no mercado. Hoje, esse número é de R$ 6,1 bilhões, um recuo de 69%, o que torna elevado o valor que seria pago pela Boeing.
Apesar de sempre ter sido dado como certo, o acordo entre as empresas vinha sofrendo dificuldade, desde o ano passado, para conseguir aval das autoridades reguladoras da União Europeia, o que atrasou a conclusão do negócio. A previsão inicial era que a americana assumisse os 80% da divisão de jatos comerciais da brasileira no fim do ano passado.
Além do braço de aviação comercial da Embraer, o acordo previa a criação de uma joint venture para a comercialização do cargueiro militar C-390 Millenium, o maior avião já desenvolvido no Brasil e cujo projeto foi recém-concluído. Havia possibilidade de essa nova empresa, da qual a Embraer seria sócia majoritária, instalar uma linha de produção do modelo nos Estados Unidos, para pode ampliar seu potencial de vendas para o governo americano e outros países parceiros de Washington.
Com a rescisão do contrato, a criação dessa joint venture também foi cancelada. As duas companhias, no entanto, manterão um acordo para que a Boeing venda e faça manutenção do C-390 em parceria com a Embraer.
A Embraer ainda não se pronunciou sobre o assunto e seus funcionários não foram avisados, até agora, do fim das negociações.