Em fevereiro do ano passado, um novo avião Boeing 737 Max, da Southwest Airlines, estava em um de seus primeiros voos quando um sistema de estabilização automatizado pareceu não funcionar, forçando os pilotos a fazer um pouso de emergência logo após a decolagem.
Menos de dois meses depois, um 737 Max da Alaska Airlines, com oito horas de voo total, teve os voos paralisados por um breve tempo, até que os mecânicos resolvessem um problema com um sistema de detecção de incêndio. E, em novembro, um motor de um 737 Max recém-entregue à United Airlines falhou a 37 mil pés.
Esses incidentes, que as companhias aéreas revelaram à Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês), não foram amplamente divulgados. Não havia indicações de que alguém estivesse em perigo, e não ficou claro quem era o responsável por esses problemas. Mas, desde 5 de janeiro, quando um painel que cobria a porta de emergência de um jato 737 Max 9 da Alaska Airlines, com dois meses de uso, explodiu em pleno voo, episódios como esses ganharam nova ressonância, levantando mais questões sobre a qualidade dos aviões que a Boeing está produzindo.
“Há muitas áreas em que as coisas parecem não ter sido montadas corretamente”, disse Joe Jacobsen, engenheiro e especialista em segurança da aviação que passou mais de uma década na Boeing e mais de 25 anos na FAA. “O mote é buscar atalhos o tempo inteiro - não fazer o trabalho direito”, acrescentou.
Esses relatórios e entrevistas com especialistas em segurança de aviação e mais de duas dúzias de funcionários e ex-funcionários da Boeing mostram um quadro preocupante de uma empresa que há muito tempo é considerada o auge da engenharia dos EUA. Eles sugerem que a Boeing ainda luta para melhorar a qualidade, anos depois que dois acidentes com aviões Max 8, em 2018 e 2019, mataram quase 350 pessoas.
Algumas das camadas cruciais de redundâncias que supostamente garantem que os aviões da Boeing sejam seguros parecem estar sob tensão, disseram as pessoas. O nível de experiência da força de trabalho da Boeing caiu desde o início da pandemia. O processo de inspeção destinado a fornecer uma verificação vital do trabalho realizado por seus mecânicos foi enfraquecido ao longo dos anos. E alguns fornecedores tiveram dificuldades para aderir aos padrões de qualidade e, ao mesmo tempo, produzir peças no ritmo desejado pela Boeing.
Sob pressão para mostrar aos órgãos reguladores, companhias aéreas e passageiros que a empresa está levando a sério sua última crise, a Boeing anunciou mudanças radicais em sua liderança na segunda-feira, 25. O CEO Dave Calhoun deixará a empresa no final do ano, e Stan Deal, chefe da divisão de aviões comerciais, que fabrica o 737 Max, se aposentou imediatamente. O presidente do conselho da empresa, Larry Kellner, deixou o cargo e não tentará ser reeleito para a diretoria.
Quando assumiu o cargo principal em janeiro de 2020, Calhoun disse que estava determinado a melhorar a cultura de segurança da empresa. Ele acrescentou diretores com experiência em engenharia e segurança e criou um comitê de segurança em seu conselho. A Boeing disse que havia aumentado o número de inspetores de qualidade para aviões comerciais em 20% desde 2019 e que as inspeções por avião também haviam aumentado.
Após os acidentes com o Max 8, a Boeing e os reguladores se concentraram principalmente na causa desses acidentes: projeto e software defeituosos. No entanto, alguns funcionários atuais e ex-funcionários afirmam que os problemas com a qualidade da fabricação também eram evidentes para eles na época, e deveriam ter sido para os executivos e reguladores também.
Após o acidente de 5 de janeiro, uma auditoria de seis semanas da FAA na produção do 737 Max documentou dezenas de lapsos nas práticas de controle de qualidade da Boeing. A agência deu à empresa três meses, ou seja, até o final de maio, para resolver os problemas de controle de qualidade.
As autoridades federais atribuíram a explosão do painel à fábrica da Boeing em Renton, Washington, onde o 737 Max é montado. De acordo com o National Transportation Safety Board, o painel foi removido, mas parece ter sido reinstalado sem os parafusos que o prendiam no lugar. Esse painel é conhecido como “plugue de porta” e é usado para cobrir a lacuna deixada por uma saída de emergência desnecessária.
Funcionários atuais e antigos da Boeing disseram que o incidente refletiu problemas de longa data. Vários deles disseram que os funcionários frequentemente enfrentavam intensa pressão para cumprir os prazos de produção, o que às vezes levava a práticas questionáveis que eles temiam que pudessem comprometer a qualidade e a segurança.
Davin Fischer, ex-mecânico em Renton, que também falou ao canal de TV KIRO 7, de Seattle, disse ter notado uma mudança cultural a partir de 2017, quando a empresa apresentou o Max. “Eles estavam tentando aumentar a velocidade de produção do avião e, depois, continuaram a trabalhar para ir mais rápido, mais rápido, mais rápido”, disse ele.
O Max foi introduzido em resposta a um novo avião com baixo consumo de combustível do fabricante europeu Airbus.
A Boeing aumentou a produção de cerca de 42 jatos Max por mês no início de 2017 para cerca de 52 no ano seguinte. Esse ritmo caiu para praticamente zero logo após o segundo acidente, na Etiópia, quando os órgãos reguladores de todo o mundo suspenderam o avião. Os voos a bordo do Max foram retomados no final de 2020, e a empresa começou a aumentar a produção novamente para evitar ficar ainda mais atrás da Airbus.
Agora, alguns executivos da Boeing admitem que cometeram erros.
“Durante anos, priorizamos o movimento do avião pela fábrica em vez de fazê-lo corretamente, e isso tem de mudar”, disse Brian West, diretor financeiro da empresa, em uma conferência com investidores na semana passada.
Calhoun também reconheceu que a Boeing precisa melhorar, mas defendeu a abordagem da empresa com relação à produção. “Nos últimos anos, tomamos muito cuidado para não acelerar demais o sistema e nunca hesitamos em diminuir o ritmo, interromper a produção ou interromper as entregas para ter o tempo necessário para fazer as coisas direito”, disse ele, em janeiro.
Qualidade prejudicada
Atuais e ex-funcionários da Boeing, a maioria dos quais falou sob condição de anonimato porque não estavam autorizados a falar com repórteres e temiam retaliação, ofereceram exemplos de como a qualidade foi prejudicada ao longo dos anos. Muitos disseram que ainda respeitavam a empresa e seus funcionários e queriam que a Boeing fosse bem-sucedida.
Um trabalhador que atualmente trabalha na fábrica do 787 Dreamliner da Boeing em North Charleston, Carolina do Sul, descreveu ter visto vários problemas nos aviões que estavam sendo montados, incluindo fios que estavam sendo roteados incorretamente, aumentando o risco de que eles pudessem se esfregar uns nos outros, resultando em danos.
Os funcionários, às vezes, também iam “comprar inspetores” para encontrar alguém que aprovasse o trabalho, disse o funcionário.
Algumas das preocupações ecoaram as acusações de lapsos de qualidade feitas por vários denunciantes da fábrica da Boeing na Carolina do Sul que falaram ao Times em 2019.
Vários funcionários atuais e antigos na Carolina do Sul e no Estado de Washington disseram que os mecânicos que construíam aviões podiam, em alguns casos, inspecionar seu próprio trabalho. Essa “autoverificação” remove uma camada crucial de controle de qualidade, disseram eles.
A Boeing disse em um comunicado na quarta-feira que havia eliminado as autoinspeções na Carolina do Sul em 2021 e que a prática era responsável por menos de 10% das inspeções em outros locais. A empresa inspeciona cada avião antes da entrega para se certificar de que os feixes de fios estão adequadamente espaçados, disse o comunicado, e não permite a “compra” de inspetores.
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Outro fator em jogo nos últimos anos foi o fato de os funcionários da Boeing terem menos experiência do que tinham antes da pandemia.
Quando a pandemia se instalou, no início de 2020, as viagens aéreas despencaram, e muitos executivos da aviação acreditavam que levaria anos para que os passageiros voltassem em grande número. A Boeing começou a cortar postos de trabalho, com demissões incentivadas e estímulos à aposentadoria. No final, ela perdeu cerca de 19 mil funcionários em toda a empresa - incluindo alguns com décadas de experiência.
Atualmente, a Boeing emprega 171 mil pessoas, inclusive em suas divisões de aviões comerciais, defesa, serviços e outros. Esse número aumentou cerca de 20% em relação ao final de 2020. Mas muitos dos novos trabalhadores são menos experientes, disseram funcionários atuais e antigos.
Um funcionário da Boeing que conduziu inspeções de qualidade em Washington até o ano passado disse que a empresa nem sempre forneceu treinamento suficiente aos novos funcionários, às vezes deixando-os aprender habilidades cruciais com colegas mais experientes.
A Boeing disse que, desde 5 de janeiro, os funcionários pediram mais treinamento e que estava trabalhando para atender a essas necessidades, adicionando também treinamentos no chão de fábrica este mês.
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