Bom Retiro: como a concorrência chinesa e o comércio online têm mudado o tradicional polo de moda


Bairro paulistano tem visto suas ruas se esvaziarem com o fechamento de lojas e mudança no perfil do comércio

Por Lilian Cunha
Atualização:

Basta dar uma volta pela José Paulino, a principal rua do tradicional bairro paulistano do Bom Retiro, para notar vários imóveis fechados. As faixas de “Aluga-se” ou “Passa-se o Ponto” estão espalhadas pelas ruas periféricas do polo de comércio de moda, tanto no atacado quanto no varejo.

Ao todo, são 117 lojas fechadas, segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro. É um número que vem crescendo. Em fevereiro, eram 112. Em junho do ano passado, 77. E em fevereiro de 2020, antes da pandemia, 60.

O pico, claro, foi durante a quarentena do coronavírus. Em setembro de 2020 havia 190 lojas vagas e, em maio de 2021, 181. Depois disso, os espaços vazios começaram a diminuir e caíram para 64 em dezembro de 2022. Mas desde junho do ano passado, o número voltou a subir.

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Bom Retiro convive com lojas fechadas e ruas mais vazias Foto: Werther Santana/Estadão

“O bairro está mudando muito. O movimento de pessoas por aqui não é mais o mesmo”, diz Bruno Cezario, dono de uma grife que se instalou no bairro em agosto do ano passado, a Lemmut, que vende tanto no atacado quanto no varejo.

Karina Bifulco, dona da Vipy modas, não só notou a diferença como viu a mudança se refletir em seu faturamento. “Em relação a 2019, antes da pandemia, minhas vendas caíram de 60% a 70% e não se recuperaram mais”, diz ela, que decidiu fechar a loja de 20 metros quadrados na José Paulino e se mudar para o Brás.

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No tradicional bairro de moda popular, ela alugou um espaço bem menor, de seis metros quadrados. Mas, em vez de pagar quase R$ 8 mil de aluguel, vai desembolsar R$ 2 mil.

Karina Bifulco diz que vendas caíram entre 60% e 70% desde 2019 Foto: Werther Santana/Estadão

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Não foi só ela que mudou de bairro. A campineira Valéria Goes era a chamada rata do Bom Retiro. Desde 2010 ela visitava o bairro pelo menos duas vezes por ano para comprar “roupas de shopping pela metade do preço”.

Recentemente, entretanto, ela passou a ir para o Brás. E não voltou mais para a José Paulino. “No Brás, todas as lojas são de varejo. No Bom Retiro, tem muitas que não vendem para o consumidor final. Mas o problema é que o Bom Retiro ficou caro. No Brás, mesmo tendo muita porcaria, garimpando, você acha coisa boa muito mais barato”, afirma ela.

O Bom Retiro é um bairro desenvolvido inicialmente por judeus e italianos. Ao longo do tempo, no entanto, o tradicional reduto paulistano da moda, criado no início do século passado, foi sendo dominado pelos coreanos. E hoje também conta com chineses.

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E porque o bairro ficou caro?

O problema, mais uma vez, é a concorrência chinesa, que provoca uma briga entre varejistas locais e asiáticos. Está no Congresso Nacional a decisão sobre a taxação, por exemplo, das compras online de plataformas estrangeiras. A proposta é de uma taxa de 20% sobre as importações.

No Bom Retiro, a maioria das lojas vende o que é fabricado por elas mesmas. O bairro tem cerca de 1 mil confecções de moda. “A gente gasta de R$ 190 a R$ 200 para fazer um blazer. Top de linha. Mas se você importar da China, eles vendem um fardo com 25 blazers que sai R$ 110 cada peça. E a qualidade não é tão inferior assim”, explica Cezario, da grife Lemmut. Para vencer essa competição com os chineses, o jeito é sofisticar as peças e atingir outro público, que não é o que vai bater perna no bairro em busca de pechinchas. Por isso, as ruas por lá vão ficando cada vez mais vazias.

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O problema é que nem toda confecção consegue fazer essa virada por sofisticação. Então, muitas delas fecham as portas para sempre. A CDL calcula que de 2012 para cá, entre 500 e 1 mil confecções encerraram as atividades. “Muitas se endividaram demais na pandemia. Outras, são empresas familiares que não conseguiram passar o negócio para a segunda geração, principalmente entre os coreanos”, diz Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro.

Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro: de 2012 para cá, aproximadamente 1 mil lojas encerraram as atividades na região Foto: Werther Santana/Estadão

E teve também a competição com o online. Muita gente deixou de bater perna na Zepa (apelido da José Paulino) para ficar navegando em sites como o da chinesa Shein. “Vários dos lojistas do bairro tiveram dificuldade para operar no digital”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de varejo Gouvêa Malls.

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Por outro lado, as empresas que são mais concentradas nas vendas para outros lojistas (atacado) se deram bem com a convergência para a internet. Elas diminuíram custos. “O lojista não precisa experimentar para comprar. Então, em vez de sair de outra cidade ou Estado para ir ao Bom Retiro, ele compra online”, diz Marinho. E isso acabou deixando o bairro mais vazio.

Consequentemente, os alugueis também começaram a cair. “Os valores estão 30% abaixo do que eram antes da pandemia e não fizemos mais as correções anuais”, diz Jaime Rabinovitsch, sócio-proprietário da Rebeca Imóveis, tradicional imobiliária da região.

Essa queda nos preços acabou trazendo lojas de outros setores para a região. “Na José Paulino não havia loja de capinha de celular. Hoje tem umas três”, explica Marinho. Pagando menos por metro quadrado, comerciantes que trabalham com produtos que oferecem menor margem de lucro passaram a se instalar ali. E empresas do ramo alimentício também. “Temos visto muitos cafés e restaurantes abrindo por aqui. Na rua Prates, por exemplo, temos muitas ‘bakeries’ coreanas agora”, diz Tranquez, se referindo a pequenas confeitarias.

Dark Stores

Mas há um tipo de comércio que o bairro não quer. Eles começaram a se instalar em lojas desocupadas, principalmente nas regiões menos valorizadas do Bom Retiro. Funcionam sem vitrine e a portas fechadas. Por isso, quem anda por ali, vê muito espaço apenas com as portas cerradas, sem placa de aluga-se. São as “dark stores”: imóveis alugados principalmente por comerciantes chineses para armazenar estoque. Eles importam roupas da China para vender online. Por isso não abrem a loja para a rua, nem têm vitrine.

O problema é que, sendo uma região próxima à cracolândia, ter endereços com vários imóveis trabalhando a portas fechadas atrai moradores de rua e isso provoca uma degradação da área. Assim, muitos donos de imóveis já estão se recusando a alugar lojas que não vão trabalhar abertas para o público e estão colocando essa condição em contrato.

Basta dar uma volta pela José Paulino, a principal rua do tradicional bairro paulistano do Bom Retiro, para notar vários imóveis fechados. As faixas de “Aluga-se” ou “Passa-se o Ponto” estão espalhadas pelas ruas periféricas do polo de comércio de moda, tanto no atacado quanto no varejo.

Ao todo, são 117 lojas fechadas, segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro. É um número que vem crescendo. Em fevereiro, eram 112. Em junho do ano passado, 77. E em fevereiro de 2020, antes da pandemia, 60.

O pico, claro, foi durante a quarentena do coronavírus. Em setembro de 2020 havia 190 lojas vagas e, em maio de 2021, 181. Depois disso, os espaços vazios começaram a diminuir e caíram para 64 em dezembro de 2022. Mas desde junho do ano passado, o número voltou a subir.

Bom Retiro convive com lojas fechadas e ruas mais vazias Foto: Werther Santana/Estadão

“O bairro está mudando muito. O movimento de pessoas por aqui não é mais o mesmo”, diz Bruno Cezario, dono de uma grife que se instalou no bairro em agosto do ano passado, a Lemmut, que vende tanto no atacado quanto no varejo.

Karina Bifulco, dona da Vipy modas, não só notou a diferença como viu a mudança se refletir em seu faturamento. “Em relação a 2019, antes da pandemia, minhas vendas caíram de 60% a 70% e não se recuperaram mais”, diz ela, que decidiu fechar a loja de 20 metros quadrados na José Paulino e se mudar para o Brás.

No tradicional bairro de moda popular, ela alugou um espaço bem menor, de seis metros quadrados. Mas, em vez de pagar quase R$ 8 mil de aluguel, vai desembolsar R$ 2 mil.

Karina Bifulco diz que vendas caíram entre 60% e 70% desde 2019 Foto: Werther Santana/Estadão

Não foi só ela que mudou de bairro. A campineira Valéria Goes era a chamada rata do Bom Retiro. Desde 2010 ela visitava o bairro pelo menos duas vezes por ano para comprar “roupas de shopping pela metade do preço”.

Recentemente, entretanto, ela passou a ir para o Brás. E não voltou mais para a José Paulino. “No Brás, todas as lojas são de varejo. No Bom Retiro, tem muitas que não vendem para o consumidor final. Mas o problema é que o Bom Retiro ficou caro. No Brás, mesmo tendo muita porcaria, garimpando, você acha coisa boa muito mais barato”, afirma ela.

O Bom Retiro é um bairro desenvolvido inicialmente por judeus e italianos. Ao longo do tempo, no entanto, o tradicional reduto paulistano da moda, criado no início do século passado, foi sendo dominado pelos coreanos. E hoje também conta com chineses.

E porque o bairro ficou caro?

O problema, mais uma vez, é a concorrência chinesa, que provoca uma briga entre varejistas locais e asiáticos. Está no Congresso Nacional a decisão sobre a taxação, por exemplo, das compras online de plataformas estrangeiras. A proposta é de uma taxa de 20% sobre as importações.

No Bom Retiro, a maioria das lojas vende o que é fabricado por elas mesmas. O bairro tem cerca de 1 mil confecções de moda. “A gente gasta de R$ 190 a R$ 200 para fazer um blazer. Top de linha. Mas se você importar da China, eles vendem um fardo com 25 blazers que sai R$ 110 cada peça. E a qualidade não é tão inferior assim”, explica Cezario, da grife Lemmut. Para vencer essa competição com os chineses, o jeito é sofisticar as peças e atingir outro público, que não é o que vai bater perna no bairro em busca de pechinchas. Por isso, as ruas por lá vão ficando cada vez mais vazias.

O problema é que nem toda confecção consegue fazer essa virada por sofisticação. Então, muitas delas fecham as portas para sempre. A CDL calcula que de 2012 para cá, entre 500 e 1 mil confecções encerraram as atividades. “Muitas se endividaram demais na pandemia. Outras, são empresas familiares que não conseguiram passar o negócio para a segunda geração, principalmente entre os coreanos”, diz Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro.

Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro: de 2012 para cá, aproximadamente 1 mil lojas encerraram as atividades na região Foto: Werther Santana/Estadão

E teve também a competição com o online. Muita gente deixou de bater perna na Zepa (apelido da José Paulino) para ficar navegando em sites como o da chinesa Shein. “Vários dos lojistas do bairro tiveram dificuldade para operar no digital”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de varejo Gouvêa Malls.

Por outro lado, as empresas que são mais concentradas nas vendas para outros lojistas (atacado) se deram bem com a convergência para a internet. Elas diminuíram custos. “O lojista não precisa experimentar para comprar. Então, em vez de sair de outra cidade ou Estado para ir ao Bom Retiro, ele compra online”, diz Marinho. E isso acabou deixando o bairro mais vazio.

Consequentemente, os alugueis também começaram a cair. “Os valores estão 30% abaixo do que eram antes da pandemia e não fizemos mais as correções anuais”, diz Jaime Rabinovitsch, sócio-proprietário da Rebeca Imóveis, tradicional imobiliária da região.

Essa queda nos preços acabou trazendo lojas de outros setores para a região. “Na José Paulino não havia loja de capinha de celular. Hoje tem umas três”, explica Marinho. Pagando menos por metro quadrado, comerciantes que trabalham com produtos que oferecem menor margem de lucro passaram a se instalar ali. E empresas do ramo alimentício também. “Temos visto muitos cafés e restaurantes abrindo por aqui. Na rua Prates, por exemplo, temos muitas ‘bakeries’ coreanas agora”, diz Tranquez, se referindo a pequenas confeitarias.

Dark Stores

Mas há um tipo de comércio que o bairro não quer. Eles começaram a se instalar em lojas desocupadas, principalmente nas regiões menos valorizadas do Bom Retiro. Funcionam sem vitrine e a portas fechadas. Por isso, quem anda por ali, vê muito espaço apenas com as portas cerradas, sem placa de aluga-se. São as “dark stores”: imóveis alugados principalmente por comerciantes chineses para armazenar estoque. Eles importam roupas da China para vender online. Por isso não abrem a loja para a rua, nem têm vitrine.

O problema é que, sendo uma região próxima à cracolândia, ter endereços com vários imóveis trabalhando a portas fechadas atrai moradores de rua e isso provoca uma degradação da área. Assim, muitos donos de imóveis já estão se recusando a alugar lojas que não vão trabalhar abertas para o público e estão colocando essa condição em contrato.

Basta dar uma volta pela José Paulino, a principal rua do tradicional bairro paulistano do Bom Retiro, para notar vários imóveis fechados. As faixas de “Aluga-se” ou “Passa-se o Ponto” estão espalhadas pelas ruas periféricas do polo de comércio de moda, tanto no atacado quanto no varejo.

Ao todo, são 117 lojas fechadas, segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro. É um número que vem crescendo. Em fevereiro, eram 112. Em junho do ano passado, 77. E em fevereiro de 2020, antes da pandemia, 60.

O pico, claro, foi durante a quarentena do coronavírus. Em setembro de 2020 havia 190 lojas vagas e, em maio de 2021, 181. Depois disso, os espaços vazios começaram a diminuir e caíram para 64 em dezembro de 2022. Mas desde junho do ano passado, o número voltou a subir.

Bom Retiro convive com lojas fechadas e ruas mais vazias Foto: Werther Santana/Estadão

“O bairro está mudando muito. O movimento de pessoas por aqui não é mais o mesmo”, diz Bruno Cezario, dono de uma grife que se instalou no bairro em agosto do ano passado, a Lemmut, que vende tanto no atacado quanto no varejo.

Karina Bifulco, dona da Vipy modas, não só notou a diferença como viu a mudança se refletir em seu faturamento. “Em relação a 2019, antes da pandemia, minhas vendas caíram de 60% a 70% e não se recuperaram mais”, diz ela, que decidiu fechar a loja de 20 metros quadrados na José Paulino e se mudar para o Brás.

No tradicional bairro de moda popular, ela alugou um espaço bem menor, de seis metros quadrados. Mas, em vez de pagar quase R$ 8 mil de aluguel, vai desembolsar R$ 2 mil.

Karina Bifulco diz que vendas caíram entre 60% e 70% desde 2019 Foto: Werther Santana/Estadão

Não foi só ela que mudou de bairro. A campineira Valéria Goes era a chamada rata do Bom Retiro. Desde 2010 ela visitava o bairro pelo menos duas vezes por ano para comprar “roupas de shopping pela metade do preço”.

Recentemente, entretanto, ela passou a ir para o Brás. E não voltou mais para a José Paulino. “No Brás, todas as lojas são de varejo. No Bom Retiro, tem muitas que não vendem para o consumidor final. Mas o problema é que o Bom Retiro ficou caro. No Brás, mesmo tendo muita porcaria, garimpando, você acha coisa boa muito mais barato”, afirma ela.

O Bom Retiro é um bairro desenvolvido inicialmente por judeus e italianos. Ao longo do tempo, no entanto, o tradicional reduto paulistano da moda, criado no início do século passado, foi sendo dominado pelos coreanos. E hoje também conta com chineses.

E porque o bairro ficou caro?

O problema, mais uma vez, é a concorrência chinesa, que provoca uma briga entre varejistas locais e asiáticos. Está no Congresso Nacional a decisão sobre a taxação, por exemplo, das compras online de plataformas estrangeiras. A proposta é de uma taxa de 20% sobre as importações.

No Bom Retiro, a maioria das lojas vende o que é fabricado por elas mesmas. O bairro tem cerca de 1 mil confecções de moda. “A gente gasta de R$ 190 a R$ 200 para fazer um blazer. Top de linha. Mas se você importar da China, eles vendem um fardo com 25 blazers que sai R$ 110 cada peça. E a qualidade não é tão inferior assim”, explica Cezario, da grife Lemmut. Para vencer essa competição com os chineses, o jeito é sofisticar as peças e atingir outro público, que não é o que vai bater perna no bairro em busca de pechinchas. Por isso, as ruas por lá vão ficando cada vez mais vazias.

O problema é que nem toda confecção consegue fazer essa virada por sofisticação. Então, muitas delas fecham as portas para sempre. A CDL calcula que de 2012 para cá, entre 500 e 1 mil confecções encerraram as atividades. “Muitas se endividaram demais na pandemia. Outras, são empresas familiares que não conseguiram passar o negócio para a segunda geração, principalmente entre os coreanos”, diz Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro.

Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro: de 2012 para cá, aproximadamente 1 mil lojas encerraram as atividades na região Foto: Werther Santana/Estadão

E teve também a competição com o online. Muita gente deixou de bater perna na Zepa (apelido da José Paulino) para ficar navegando em sites como o da chinesa Shein. “Vários dos lojistas do bairro tiveram dificuldade para operar no digital”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de varejo Gouvêa Malls.

Por outro lado, as empresas que são mais concentradas nas vendas para outros lojistas (atacado) se deram bem com a convergência para a internet. Elas diminuíram custos. “O lojista não precisa experimentar para comprar. Então, em vez de sair de outra cidade ou Estado para ir ao Bom Retiro, ele compra online”, diz Marinho. E isso acabou deixando o bairro mais vazio.

Consequentemente, os alugueis também começaram a cair. “Os valores estão 30% abaixo do que eram antes da pandemia e não fizemos mais as correções anuais”, diz Jaime Rabinovitsch, sócio-proprietário da Rebeca Imóveis, tradicional imobiliária da região.

Essa queda nos preços acabou trazendo lojas de outros setores para a região. “Na José Paulino não havia loja de capinha de celular. Hoje tem umas três”, explica Marinho. Pagando menos por metro quadrado, comerciantes que trabalham com produtos que oferecem menor margem de lucro passaram a se instalar ali. E empresas do ramo alimentício também. “Temos visto muitos cafés e restaurantes abrindo por aqui. Na rua Prates, por exemplo, temos muitas ‘bakeries’ coreanas agora”, diz Tranquez, se referindo a pequenas confeitarias.

Dark Stores

Mas há um tipo de comércio que o bairro não quer. Eles começaram a se instalar em lojas desocupadas, principalmente nas regiões menos valorizadas do Bom Retiro. Funcionam sem vitrine e a portas fechadas. Por isso, quem anda por ali, vê muito espaço apenas com as portas cerradas, sem placa de aluga-se. São as “dark stores”: imóveis alugados principalmente por comerciantes chineses para armazenar estoque. Eles importam roupas da China para vender online. Por isso não abrem a loja para a rua, nem têm vitrine.

O problema é que, sendo uma região próxima à cracolândia, ter endereços com vários imóveis trabalhando a portas fechadas atrai moradores de rua e isso provoca uma degradação da área. Assim, muitos donos de imóveis já estão se recusando a alugar lojas que não vão trabalhar abertas para o público e estão colocando essa condição em contrato.

Basta dar uma volta pela José Paulino, a principal rua do tradicional bairro paulistano do Bom Retiro, para notar vários imóveis fechados. As faixas de “Aluga-se” ou “Passa-se o Ponto” estão espalhadas pelas ruas periféricas do polo de comércio de moda, tanto no atacado quanto no varejo.

Ao todo, são 117 lojas fechadas, segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro. É um número que vem crescendo. Em fevereiro, eram 112. Em junho do ano passado, 77. E em fevereiro de 2020, antes da pandemia, 60.

O pico, claro, foi durante a quarentena do coronavírus. Em setembro de 2020 havia 190 lojas vagas e, em maio de 2021, 181. Depois disso, os espaços vazios começaram a diminuir e caíram para 64 em dezembro de 2022. Mas desde junho do ano passado, o número voltou a subir.

Bom Retiro convive com lojas fechadas e ruas mais vazias Foto: Werther Santana/Estadão

“O bairro está mudando muito. O movimento de pessoas por aqui não é mais o mesmo”, diz Bruno Cezario, dono de uma grife que se instalou no bairro em agosto do ano passado, a Lemmut, que vende tanto no atacado quanto no varejo.

Karina Bifulco, dona da Vipy modas, não só notou a diferença como viu a mudança se refletir em seu faturamento. “Em relação a 2019, antes da pandemia, minhas vendas caíram de 60% a 70% e não se recuperaram mais”, diz ela, que decidiu fechar a loja de 20 metros quadrados na José Paulino e se mudar para o Brás.

No tradicional bairro de moda popular, ela alugou um espaço bem menor, de seis metros quadrados. Mas, em vez de pagar quase R$ 8 mil de aluguel, vai desembolsar R$ 2 mil.

Karina Bifulco diz que vendas caíram entre 60% e 70% desde 2019 Foto: Werther Santana/Estadão

Não foi só ela que mudou de bairro. A campineira Valéria Goes era a chamada rata do Bom Retiro. Desde 2010 ela visitava o bairro pelo menos duas vezes por ano para comprar “roupas de shopping pela metade do preço”.

Recentemente, entretanto, ela passou a ir para o Brás. E não voltou mais para a José Paulino. “No Brás, todas as lojas são de varejo. No Bom Retiro, tem muitas que não vendem para o consumidor final. Mas o problema é que o Bom Retiro ficou caro. No Brás, mesmo tendo muita porcaria, garimpando, você acha coisa boa muito mais barato”, afirma ela.

O Bom Retiro é um bairro desenvolvido inicialmente por judeus e italianos. Ao longo do tempo, no entanto, o tradicional reduto paulistano da moda, criado no início do século passado, foi sendo dominado pelos coreanos. E hoje também conta com chineses.

E porque o bairro ficou caro?

O problema, mais uma vez, é a concorrência chinesa, que provoca uma briga entre varejistas locais e asiáticos. Está no Congresso Nacional a decisão sobre a taxação, por exemplo, das compras online de plataformas estrangeiras. A proposta é de uma taxa de 20% sobre as importações.

No Bom Retiro, a maioria das lojas vende o que é fabricado por elas mesmas. O bairro tem cerca de 1 mil confecções de moda. “A gente gasta de R$ 190 a R$ 200 para fazer um blazer. Top de linha. Mas se você importar da China, eles vendem um fardo com 25 blazers que sai R$ 110 cada peça. E a qualidade não é tão inferior assim”, explica Cezario, da grife Lemmut. Para vencer essa competição com os chineses, o jeito é sofisticar as peças e atingir outro público, que não é o que vai bater perna no bairro em busca de pechinchas. Por isso, as ruas por lá vão ficando cada vez mais vazias.

O problema é que nem toda confecção consegue fazer essa virada por sofisticação. Então, muitas delas fecham as portas para sempre. A CDL calcula que de 2012 para cá, entre 500 e 1 mil confecções encerraram as atividades. “Muitas se endividaram demais na pandemia. Outras, são empresas familiares que não conseguiram passar o negócio para a segunda geração, principalmente entre os coreanos”, diz Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro.

Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro: de 2012 para cá, aproximadamente 1 mil lojas encerraram as atividades na região Foto: Werther Santana/Estadão

E teve também a competição com o online. Muita gente deixou de bater perna na Zepa (apelido da José Paulino) para ficar navegando em sites como o da chinesa Shein. “Vários dos lojistas do bairro tiveram dificuldade para operar no digital”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de varejo Gouvêa Malls.

Por outro lado, as empresas que são mais concentradas nas vendas para outros lojistas (atacado) se deram bem com a convergência para a internet. Elas diminuíram custos. “O lojista não precisa experimentar para comprar. Então, em vez de sair de outra cidade ou Estado para ir ao Bom Retiro, ele compra online”, diz Marinho. E isso acabou deixando o bairro mais vazio.

Consequentemente, os alugueis também começaram a cair. “Os valores estão 30% abaixo do que eram antes da pandemia e não fizemos mais as correções anuais”, diz Jaime Rabinovitsch, sócio-proprietário da Rebeca Imóveis, tradicional imobiliária da região.

Essa queda nos preços acabou trazendo lojas de outros setores para a região. “Na José Paulino não havia loja de capinha de celular. Hoje tem umas três”, explica Marinho. Pagando menos por metro quadrado, comerciantes que trabalham com produtos que oferecem menor margem de lucro passaram a se instalar ali. E empresas do ramo alimentício também. “Temos visto muitos cafés e restaurantes abrindo por aqui. Na rua Prates, por exemplo, temos muitas ‘bakeries’ coreanas agora”, diz Tranquez, se referindo a pequenas confeitarias.

Dark Stores

Mas há um tipo de comércio que o bairro não quer. Eles começaram a se instalar em lojas desocupadas, principalmente nas regiões menos valorizadas do Bom Retiro. Funcionam sem vitrine e a portas fechadas. Por isso, quem anda por ali, vê muito espaço apenas com as portas cerradas, sem placa de aluga-se. São as “dark stores”: imóveis alugados principalmente por comerciantes chineses para armazenar estoque. Eles importam roupas da China para vender online. Por isso não abrem a loja para a rua, nem têm vitrine.

O problema é que, sendo uma região próxima à cracolândia, ter endereços com vários imóveis trabalhando a portas fechadas atrai moradores de rua e isso provoca uma degradação da área. Assim, muitos donos de imóveis já estão se recusando a alugar lojas que não vão trabalhar abertas para o público e estão colocando essa condição em contrato.

Basta dar uma volta pela José Paulino, a principal rua do tradicional bairro paulistano do Bom Retiro, para notar vários imóveis fechados. As faixas de “Aluga-se” ou “Passa-se o Ponto” estão espalhadas pelas ruas periféricas do polo de comércio de moda, tanto no atacado quanto no varejo.

Ao todo, são 117 lojas fechadas, segundo levantamento da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro. É um número que vem crescendo. Em fevereiro, eram 112. Em junho do ano passado, 77. E em fevereiro de 2020, antes da pandemia, 60.

O pico, claro, foi durante a quarentena do coronavírus. Em setembro de 2020 havia 190 lojas vagas e, em maio de 2021, 181. Depois disso, os espaços vazios começaram a diminuir e caíram para 64 em dezembro de 2022. Mas desde junho do ano passado, o número voltou a subir.

Bom Retiro convive com lojas fechadas e ruas mais vazias Foto: Werther Santana/Estadão

“O bairro está mudando muito. O movimento de pessoas por aqui não é mais o mesmo”, diz Bruno Cezario, dono de uma grife que se instalou no bairro em agosto do ano passado, a Lemmut, que vende tanto no atacado quanto no varejo.

Karina Bifulco, dona da Vipy modas, não só notou a diferença como viu a mudança se refletir em seu faturamento. “Em relação a 2019, antes da pandemia, minhas vendas caíram de 60% a 70% e não se recuperaram mais”, diz ela, que decidiu fechar a loja de 20 metros quadrados na José Paulino e se mudar para o Brás.

No tradicional bairro de moda popular, ela alugou um espaço bem menor, de seis metros quadrados. Mas, em vez de pagar quase R$ 8 mil de aluguel, vai desembolsar R$ 2 mil.

Karina Bifulco diz que vendas caíram entre 60% e 70% desde 2019 Foto: Werther Santana/Estadão

Não foi só ela que mudou de bairro. A campineira Valéria Goes era a chamada rata do Bom Retiro. Desde 2010 ela visitava o bairro pelo menos duas vezes por ano para comprar “roupas de shopping pela metade do preço”.

Recentemente, entretanto, ela passou a ir para o Brás. E não voltou mais para a José Paulino. “No Brás, todas as lojas são de varejo. No Bom Retiro, tem muitas que não vendem para o consumidor final. Mas o problema é que o Bom Retiro ficou caro. No Brás, mesmo tendo muita porcaria, garimpando, você acha coisa boa muito mais barato”, afirma ela.

O Bom Retiro é um bairro desenvolvido inicialmente por judeus e italianos. Ao longo do tempo, no entanto, o tradicional reduto paulistano da moda, criado no início do século passado, foi sendo dominado pelos coreanos. E hoje também conta com chineses.

E porque o bairro ficou caro?

O problema, mais uma vez, é a concorrência chinesa, que provoca uma briga entre varejistas locais e asiáticos. Está no Congresso Nacional a decisão sobre a taxação, por exemplo, das compras online de plataformas estrangeiras. A proposta é de uma taxa de 20% sobre as importações.

No Bom Retiro, a maioria das lojas vende o que é fabricado por elas mesmas. O bairro tem cerca de 1 mil confecções de moda. “A gente gasta de R$ 190 a R$ 200 para fazer um blazer. Top de linha. Mas se você importar da China, eles vendem um fardo com 25 blazers que sai R$ 110 cada peça. E a qualidade não é tão inferior assim”, explica Cezario, da grife Lemmut. Para vencer essa competição com os chineses, o jeito é sofisticar as peças e atingir outro público, que não é o que vai bater perna no bairro em busca de pechinchas. Por isso, as ruas por lá vão ficando cada vez mais vazias.

O problema é que nem toda confecção consegue fazer essa virada por sofisticação. Então, muitas delas fecham as portas para sempre. A CDL calcula que de 2012 para cá, entre 500 e 1 mil confecções encerraram as atividades. “Muitas se endividaram demais na pandemia. Outras, são empresas familiares que não conseguiram passar o negócio para a segunda geração, principalmente entre os coreanos”, diz Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro.

Nelson Tranquez, diretor do CDL Bom Retiro: de 2012 para cá, aproximadamente 1 mil lojas encerraram as atividades na região Foto: Werther Santana/Estadão

E teve também a competição com o online. Muita gente deixou de bater perna na Zepa (apelido da José Paulino) para ficar navegando em sites como o da chinesa Shein. “Vários dos lojistas do bairro tiveram dificuldade para operar no digital”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de varejo Gouvêa Malls.

Por outro lado, as empresas que são mais concentradas nas vendas para outros lojistas (atacado) se deram bem com a convergência para a internet. Elas diminuíram custos. “O lojista não precisa experimentar para comprar. Então, em vez de sair de outra cidade ou Estado para ir ao Bom Retiro, ele compra online”, diz Marinho. E isso acabou deixando o bairro mais vazio.

Consequentemente, os alugueis também começaram a cair. “Os valores estão 30% abaixo do que eram antes da pandemia e não fizemos mais as correções anuais”, diz Jaime Rabinovitsch, sócio-proprietário da Rebeca Imóveis, tradicional imobiliária da região.

Essa queda nos preços acabou trazendo lojas de outros setores para a região. “Na José Paulino não havia loja de capinha de celular. Hoje tem umas três”, explica Marinho. Pagando menos por metro quadrado, comerciantes que trabalham com produtos que oferecem menor margem de lucro passaram a se instalar ali. E empresas do ramo alimentício também. “Temos visto muitos cafés e restaurantes abrindo por aqui. Na rua Prates, por exemplo, temos muitas ‘bakeries’ coreanas agora”, diz Tranquez, se referindo a pequenas confeitarias.

Dark Stores

Mas há um tipo de comércio que o bairro não quer. Eles começaram a se instalar em lojas desocupadas, principalmente nas regiões menos valorizadas do Bom Retiro. Funcionam sem vitrine e a portas fechadas. Por isso, quem anda por ali, vê muito espaço apenas com as portas cerradas, sem placa de aluga-se. São as “dark stores”: imóveis alugados principalmente por comerciantes chineses para armazenar estoque. Eles importam roupas da China para vender online. Por isso não abrem a loja para a rua, nem têm vitrine.

O problema é que, sendo uma região próxima à cracolândia, ter endereços com vários imóveis trabalhando a portas fechadas atrai moradores de rua e isso provoca uma degradação da área. Assim, muitos donos de imóveis já estão se recusando a alugar lojas que não vão trabalhar abertas para o público e estão colocando essa condição em contrato.

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