‘Discussão sobre carros não é a eletrificação, mas a descarbonização’, diz presidente da Bosch


Para Gastón Diaz Perez, carros a combustão não serão substituídos no curto prazo; uso de etanol, defende, reduz em 60% as emissões de CO₂ na comparação com a gasolina e coloca o Brasil à frente

Por Cleide Silva
Atualização:
Foto: TABA BENEDICTO
Entrevista comGastón Diaz Perez CEO e presidente da Robert Bosch América Latina

CAMPINAS - Gigante global do ramo de autopeças e a maior empresa do setor no Brasil, a Robert Bosch, com sede em Campinas (SP) e mais de 10 mil funcionários no País, se prepara para atender a demanda de qualquer tipo de tecnologia que seja adotada no País no processo de eletrificação da mobilidade. Em um primeiro momento, o foco da companhia é nos carros híbridos flex, que estão sendo cotados por várias montadoras.

“Acho que a discussão não é a eletrificação, mas a descarbonização”, diz o CEO e presidente da empresa na América Latina, Gastón Diaz Perez. O executivo ressalta que apenas o uso de etanol no carro flex comum já reduz em 60% as emissões de CO2 na comparação com a gasolina, o que coloca o Brasil à frente de vários países no cumprimento de metas de descarbonização no transporte.

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No grupo há 23 anos – e desde janeiro de 2022 no comando no País e na região –, o argentino de 47 anos avalia que a reforma tributária e o arcabouço fiscal vão destravar novos investimentos no País. “Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos”, afirma Perez.

Bosch amplia ramos de atuação e desenvolve produtos para os setores agro e de mineração, diz Perez Foto: Taba Benedicto/Estadão

Leia, a seguir, a entrevista.

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Que avaliação o sr. faz das medidas do governo para ampliar as vendas de veículos?

Toda medida que ajude nosso produto a ficar mais acessível para o consumidor é bem-vinda e vai ajudar a ampliar o mercado. Por outro lado, acho que, pelo curto tempo em que serão aplicadas, deve ocorrer uma antecipação de compras. Se fosse por tempo maior, seria possível ampliar o mercado, e aí sim ter uma melhora de volumes como um todo. Pelo valor disponibilizado para o programa (R$ 500 milhões), há a expectativa de vendas de 130 mil carros adicionais, mas ainda é difícil medir isso. Se o programa tiver êxito, acho que há possibilidade de discutir esse valor.

Haverá algum impacto para a Bosch?

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Sim. Os clientes avisaram para nos preparar para um aumento de encomendas e alguns já estão concretizando esses pedidos.

O estoque da indústria aumentou, pois houve reforço na produção na expectativa de vendas maiores – passou de 35 dias em abril para 45 dias em maio. Já não há muitos carros nos pátios?

Acho que o aumento de estoque foi puxado, principalmente, pela expectativa do consumidor à espera dos benefícios do programa. As fabricantes esperam aumento de vendas para as próximas semanas.

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Nos três quesitos que determinam o tamanho do desconto para cada modelo está o de conteúdo de peças locais. Isso é importante para o setor de autopeças?

É positivo que se valorize o conteúdo local dos carros para que a indústria continue investindo em localizar produtos. Por outro lado, nesse prazo de tempo, não se muda uma plataforma (base do veículo), pois é um processo que demora meses ou anos. Não vamos vender mais peças por causa disso, mas pode ajudar a motivar mais empresas a ampliarem a nacionalização

Alguns analistas dizem que o mercado deveria ser aberto às importações, pois geraria redução de custos e melhor qualidade das peças, tornando o carro brasileiro mais competitivo, inclusive para exportação.

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É uma afirmação muito polêmica. Olha o que ocorre em outros países, como os Estados Unidos, que liberou um pacote enorme de incentivos para localização de componentes, especialmente semicondutores e baterias para carros elétricos. Não vejo isso como protecionismo, mas como maior independência ao trazer mais tecnologias para o país e ficar menos dependente de importações, principalmente depois do que vimos durante a pandemia com os semicondutores. O mundo está indo no caminho de favorecer a localização para que as novas tecnologias sejam produzidas e desenvolvidas dentro dos próprios países.

Como o sr. avalia a crítica sobre a falta de qualidade das peças brasileiras?

Os produtos de alta tecnologia que fabricamos, principalmente na área de segurança, não têm padrão de qualidade menor porque são feitos no Brasil, pois cumprimos todos os requisitos globais. Por exemplo, produzimos em Campinas o ESP – controle de estabilidade que é o principal item de segurança depois do cinto de segurança –, com as mesmas regulações dos outros países. Temos muitos produtos como injeção eletrônica e sistemas de direção que fornecemos para os EUA, Índia e toda a América. Ninguém compra porque somos simpáticos, mas porque temos bom produto e bom preço. Independente de quanto a montadora exporta, nós exportamos 30% da nossa produção para vários países.

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Como é o produto que vocês recebem dos fornecedores locais?

Sem uma cadeia de suprimento competitiva você também não é competitivo. Nós temos 50% de conteúdo local em componentes, e quando se agrega a mão de obra esse porcentual aumenta. Nossos fornecedores também exportam. Estamos agora trabalhando com um grupo deles para que exportem para o México. Temos programas em que trazemos todo o know-how que temos de indústria 4.0, conectividade, automação e processos para nossos fornecedores para que sejam mais competitivos. Se nós não temos base de fornecedores competitivos, não podemos operar.

Como a Bosch está se inserindo no processo de eletrificação no Brasil?

Acho que a discussão não é eletrificação, mas descarbonização, porque o grande inimigo é a emissão de poluentes. Há várias opções para descarbonização, como carro a bateria, híbrido, hidrogênio, matriz energética verde, biodiesel, etanol, biogás, biocombustível. Cada uma dessas possibilidades é uma carta. Muitos países têm só uma carta. O Brasil tem o baralho completo. Temos muitas alternativas para descarbonizar a mobilidade e isso pode virar uma oportunidade. Já fornecemos componentes para veículos elétricos, como caixas de comando que controlam o sistema elétrico do caminhão e-Delivery, da Volkswagen. Também estamos trabalhando com várias montadoras para o híbrido flex. Nós somos agnósticos tecnologicamente porque podemos usar tudo e isso é muito bom.

A hibridização é a melhor opção para o Brasil?

Todas as tecnologias que ajudam na descarbonização vão ter uma parte do mercado. O híbrido flex faz muito sentido nas condições do Brasil, em especial quando se fala da infraestrutura que já está pronta, ao contrário do elétrico. É uma solução de transição. Mas não adianta querer adiantar-se em relação ao que o mercado vai escolher. Temos de oferecer as alternativas ao consumidor, e ele vai definir. No caso do Brasil, como já temos uma frota flex, não vamos ter o carro elétrico massivamente de imediato.

Isso não pode deixar o Brasil para trás, como dizem alguns analistas?

É errado achar que tudo vai ser elétrico no curto prazo. Por muitos anos o motor a combustão vai coexistir com os eletrificados. E como temos o motor flex, a opção de fl. Temos testes mostrando que, na medição do poço à roda (considera as emissões de CO2 desde a produção do combustível até o que o carro libera na atmosfera) um carro flex abastecido com etanol emite 46 gramas de CO2 por quilômetro rodado (gCO2/km); se estiver com gasolina, a emissão é de 122 gCO2/km, ou seja, só essa substituição reduz as emissões em 60%. No híbrido a etanol cai para 36 gCO2/km e, à gasolina, para 95g. Um elétrico europeu emite 50g levando-se em conta a matriz energética local. Já um elétrico brasileiro emitiria 17g porque ainda temos 25% de energia não renovável em nossa matriz.

O Brasil, por enquanto, não precisa do carro elétrico para atender as metas de descarbonização?

Temos de entender esse caminho como uma transição, e o que puder ser usado de nossos recursos e de nossa matriz energética são bem-vindos. O elétrico vai ocupar nichos de alta gama de modelos importados, mas há planos de produção no futuro. Hoje um carro elétrico custa três vezes mais que um a combustão. Se partíssemos logo para essa solução, demoraríamos mais para substituir nossa frota. Temos outras opções até o carro elétrico ter preço mais acessível. Mas, no médio e longo prazos, o hidrogênio seria bárbaro. O Brasil pode ser o maior produtor mundial de hidrogênio.

Hidrogênio produzido a partir do etanol?

Alternativas com base no etanol são interessantes e estão sendo desenvolvidas, mas o Brasil tem capacidade de produzir energia verde via eólica e solar e tem disponibilidade de água. Pode-se combinar tudo isso e transformar em hidrogênio verde. Há muitos investimentos sendo avaliados no País para desenvolver isso nos próximos anos.

O Brasil pode se tornar exportador de peças para carros a combustão que vão continuar circulando?

No mundo todo ainda vai ter carro a combustão rodando por muitas décadas. Nesse momento que a Europa está desinvestindo no motor a combustão, é uma grande oportunidade para as empresas brasileiras assumirem os investimentos, a engenharia que vai continuar evoluindo para exportar para o mercado de reposição. Já estamos falando com nossa matriz, na Alemanha, sobre essa oportunidade de consolidar o desenvolvimento e produção desses componentes. Aliás, isso já ocorre com a exportação de bombas de combustível a gasolina para a América e outros componentes para a Índia. É uma estratégia tanto para a Bosch como para nossos clientes e o setor autopartista.

Empresa testa o MPC3, que reúne várias funções, como frenagem de emergência, em um único equipamento Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como o sr. vê a situação econômica do Brasil?

Para nossos investimentos, e para o de todas as empresas, o fundamental é a estabilidade e a previsibilidade. Para isto, a estabilidade fiscal é relevante, ou seja, valorizamos todo tipo de gestão responsável na parte econômica. A reforma tributária tem muito valor para o Brasil. O nível de esforço que temos de colocar em cálculos de impostos é absurdo. Em relação a outros países, o Brasil está totalmente fora de patamar. Temos uma equipe grande só para cuidar disso. É tanta complexidade que fomos obrigados a investir para automatizar o processo. Hoje temos uma tecnologia avançada com robôs que fazem o processo. Isso atrapalha a competitividade pois vai para o custo dos nossos produtos. A reforma vai ser boa primeiro por simplificar o trabalho administrativo e segundo para melhorar a competitividade. Isso não significa que os impostos serão necessariamente menores, mas ajuda se forem transparentes e não transmissíveis à produção. Com a reforma, o potencial de destravar negócios é gigante.

E sobre o arcabouço fiscal?

Também vai na direção da estabilidade. Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos.

A Bosch vai investir R$ 940 milhões na região este ano. Em que serão aplicados?

Vamos trazer mais componentes para produção local, como centrais eletrônicas e câmera multifuncional MPC3 (com várias funções em um único equipamento, como frenagem de emergência e reconhecimento de placas). É um item de segurança de alto valor agregado que deve passar a ser de série nos carros daqui a quatro ou cinco anos. Também vamos ampliar a produção de ferramentas de 2,5 milhões ao ano para 4 milhões. Estamos entrando em novos negócios nas áreas de agroindústria e mineração. Outro investimento que começamos e vamos dar continuidade é na formação de jovens de 16 a 19 anos na área de soluções digitais. Criamos um programa chamado Digital Talent Academy, em parceria com o Senai. Este ano teremos quase 200 alunos que receberão bolsas, incluindo auxílio financeiro. O programa custa para nós cerca de 12 mil euros ao ano por aluno.

CAMPINAS - Gigante global do ramo de autopeças e a maior empresa do setor no Brasil, a Robert Bosch, com sede em Campinas (SP) e mais de 10 mil funcionários no País, se prepara para atender a demanda de qualquer tipo de tecnologia que seja adotada no País no processo de eletrificação da mobilidade. Em um primeiro momento, o foco da companhia é nos carros híbridos flex, que estão sendo cotados por várias montadoras.

“Acho que a discussão não é a eletrificação, mas a descarbonização”, diz o CEO e presidente da empresa na América Latina, Gastón Diaz Perez. O executivo ressalta que apenas o uso de etanol no carro flex comum já reduz em 60% as emissões de CO2 na comparação com a gasolina, o que coloca o Brasil à frente de vários países no cumprimento de metas de descarbonização no transporte.

No grupo há 23 anos – e desde janeiro de 2022 no comando no País e na região –, o argentino de 47 anos avalia que a reforma tributária e o arcabouço fiscal vão destravar novos investimentos no País. “Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos”, afirma Perez.

Bosch amplia ramos de atuação e desenvolve produtos para os setores agro e de mineração, diz Perez Foto: Taba Benedicto/Estadão

Leia, a seguir, a entrevista.

Que avaliação o sr. faz das medidas do governo para ampliar as vendas de veículos?

Toda medida que ajude nosso produto a ficar mais acessível para o consumidor é bem-vinda e vai ajudar a ampliar o mercado. Por outro lado, acho que, pelo curto tempo em que serão aplicadas, deve ocorrer uma antecipação de compras. Se fosse por tempo maior, seria possível ampliar o mercado, e aí sim ter uma melhora de volumes como um todo. Pelo valor disponibilizado para o programa (R$ 500 milhões), há a expectativa de vendas de 130 mil carros adicionais, mas ainda é difícil medir isso. Se o programa tiver êxito, acho que há possibilidade de discutir esse valor.

Haverá algum impacto para a Bosch?

Sim. Os clientes avisaram para nos preparar para um aumento de encomendas e alguns já estão concretizando esses pedidos.

O estoque da indústria aumentou, pois houve reforço na produção na expectativa de vendas maiores – passou de 35 dias em abril para 45 dias em maio. Já não há muitos carros nos pátios?

Acho que o aumento de estoque foi puxado, principalmente, pela expectativa do consumidor à espera dos benefícios do programa. As fabricantes esperam aumento de vendas para as próximas semanas.

Nos três quesitos que determinam o tamanho do desconto para cada modelo está o de conteúdo de peças locais. Isso é importante para o setor de autopeças?

É positivo que se valorize o conteúdo local dos carros para que a indústria continue investindo em localizar produtos. Por outro lado, nesse prazo de tempo, não se muda uma plataforma (base do veículo), pois é um processo que demora meses ou anos. Não vamos vender mais peças por causa disso, mas pode ajudar a motivar mais empresas a ampliarem a nacionalização

Alguns analistas dizem que o mercado deveria ser aberto às importações, pois geraria redução de custos e melhor qualidade das peças, tornando o carro brasileiro mais competitivo, inclusive para exportação.

É uma afirmação muito polêmica. Olha o que ocorre em outros países, como os Estados Unidos, que liberou um pacote enorme de incentivos para localização de componentes, especialmente semicondutores e baterias para carros elétricos. Não vejo isso como protecionismo, mas como maior independência ao trazer mais tecnologias para o país e ficar menos dependente de importações, principalmente depois do que vimos durante a pandemia com os semicondutores. O mundo está indo no caminho de favorecer a localização para que as novas tecnologias sejam produzidas e desenvolvidas dentro dos próprios países.

Como o sr. avalia a crítica sobre a falta de qualidade das peças brasileiras?

Os produtos de alta tecnologia que fabricamos, principalmente na área de segurança, não têm padrão de qualidade menor porque são feitos no Brasil, pois cumprimos todos os requisitos globais. Por exemplo, produzimos em Campinas o ESP – controle de estabilidade que é o principal item de segurança depois do cinto de segurança –, com as mesmas regulações dos outros países. Temos muitos produtos como injeção eletrônica e sistemas de direção que fornecemos para os EUA, Índia e toda a América. Ninguém compra porque somos simpáticos, mas porque temos bom produto e bom preço. Independente de quanto a montadora exporta, nós exportamos 30% da nossa produção para vários países.

Como é o produto que vocês recebem dos fornecedores locais?

Sem uma cadeia de suprimento competitiva você também não é competitivo. Nós temos 50% de conteúdo local em componentes, e quando se agrega a mão de obra esse porcentual aumenta. Nossos fornecedores também exportam. Estamos agora trabalhando com um grupo deles para que exportem para o México. Temos programas em que trazemos todo o know-how que temos de indústria 4.0, conectividade, automação e processos para nossos fornecedores para que sejam mais competitivos. Se nós não temos base de fornecedores competitivos, não podemos operar.

Como a Bosch está se inserindo no processo de eletrificação no Brasil?

Acho que a discussão não é eletrificação, mas descarbonização, porque o grande inimigo é a emissão de poluentes. Há várias opções para descarbonização, como carro a bateria, híbrido, hidrogênio, matriz energética verde, biodiesel, etanol, biogás, biocombustível. Cada uma dessas possibilidades é uma carta. Muitos países têm só uma carta. O Brasil tem o baralho completo. Temos muitas alternativas para descarbonizar a mobilidade e isso pode virar uma oportunidade. Já fornecemos componentes para veículos elétricos, como caixas de comando que controlam o sistema elétrico do caminhão e-Delivery, da Volkswagen. Também estamos trabalhando com várias montadoras para o híbrido flex. Nós somos agnósticos tecnologicamente porque podemos usar tudo e isso é muito bom.

A hibridização é a melhor opção para o Brasil?

Todas as tecnologias que ajudam na descarbonização vão ter uma parte do mercado. O híbrido flex faz muito sentido nas condições do Brasil, em especial quando se fala da infraestrutura que já está pronta, ao contrário do elétrico. É uma solução de transição. Mas não adianta querer adiantar-se em relação ao que o mercado vai escolher. Temos de oferecer as alternativas ao consumidor, e ele vai definir. No caso do Brasil, como já temos uma frota flex, não vamos ter o carro elétrico massivamente de imediato.

Isso não pode deixar o Brasil para trás, como dizem alguns analistas?

É errado achar que tudo vai ser elétrico no curto prazo. Por muitos anos o motor a combustão vai coexistir com os eletrificados. E como temos o motor flex, a opção de fl. Temos testes mostrando que, na medição do poço à roda (considera as emissões de CO2 desde a produção do combustível até o que o carro libera na atmosfera) um carro flex abastecido com etanol emite 46 gramas de CO2 por quilômetro rodado (gCO2/km); se estiver com gasolina, a emissão é de 122 gCO2/km, ou seja, só essa substituição reduz as emissões em 60%. No híbrido a etanol cai para 36 gCO2/km e, à gasolina, para 95g. Um elétrico europeu emite 50g levando-se em conta a matriz energética local. Já um elétrico brasileiro emitiria 17g porque ainda temos 25% de energia não renovável em nossa matriz.

O Brasil, por enquanto, não precisa do carro elétrico para atender as metas de descarbonização?

Temos de entender esse caminho como uma transição, e o que puder ser usado de nossos recursos e de nossa matriz energética são bem-vindos. O elétrico vai ocupar nichos de alta gama de modelos importados, mas há planos de produção no futuro. Hoje um carro elétrico custa três vezes mais que um a combustão. Se partíssemos logo para essa solução, demoraríamos mais para substituir nossa frota. Temos outras opções até o carro elétrico ter preço mais acessível. Mas, no médio e longo prazos, o hidrogênio seria bárbaro. O Brasil pode ser o maior produtor mundial de hidrogênio.

Hidrogênio produzido a partir do etanol?

Alternativas com base no etanol são interessantes e estão sendo desenvolvidas, mas o Brasil tem capacidade de produzir energia verde via eólica e solar e tem disponibilidade de água. Pode-se combinar tudo isso e transformar em hidrogênio verde. Há muitos investimentos sendo avaliados no País para desenvolver isso nos próximos anos.

O Brasil pode se tornar exportador de peças para carros a combustão que vão continuar circulando?

No mundo todo ainda vai ter carro a combustão rodando por muitas décadas. Nesse momento que a Europa está desinvestindo no motor a combustão, é uma grande oportunidade para as empresas brasileiras assumirem os investimentos, a engenharia que vai continuar evoluindo para exportar para o mercado de reposição. Já estamos falando com nossa matriz, na Alemanha, sobre essa oportunidade de consolidar o desenvolvimento e produção desses componentes. Aliás, isso já ocorre com a exportação de bombas de combustível a gasolina para a América e outros componentes para a Índia. É uma estratégia tanto para a Bosch como para nossos clientes e o setor autopartista.

Empresa testa o MPC3, que reúne várias funções, como frenagem de emergência, em um único equipamento Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como o sr. vê a situação econômica do Brasil?

Para nossos investimentos, e para o de todas as empresas, o fundamental é a estabilidade e a previsibilidade. Para isto, a estabilidade fiscal é relevante, ou seja, valorizamos todo tipo de gestão responsável na parte econômica. A reforma tributária tem muito valor para o Brasil. O nível de esforço que temos de colocar em cálculos de impostos é absurdo. Em relação a outros países, o Brasil está totalmente fora de patamar. Temos uma equipe grande só para cuidar disso. É tanta complexidade que fomos obrigados a investir para automatizar o processo. Hoje temos uma tecnologia avançada com robôs que fazem o processo. Isso atrapalha a competitividade pois vai para o custo dos nossos produtos. A reforma vai ser boa primeiro por simplificar o trabalho administrativo e segundo para melhorar a competitividade. Isso não significa que os impostos serão necessariamente menores, mas ajuda se forem transparentes e não transmissíveis à produção. Com a reforma, o potencial de destravar negócios é gigante.

E sobre o arcabouço fiscal?

Também vai na direção da estabilidade. Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos.

A Bosch vai investir R$ 940 milhões na região este ano. Em que serão aplicados?

Vamos trazer mais componentes para produção local, como centrais eletrônicas e câmera multifuncional MPC3 (com várias funções em um único equipamento, como frenagem de emergência e reconhecimento de placas). É um item de segurança de alto valor agregado que deve passar a ser de série nos carros daqui a quatro ou cinco anos. Também vamos ampliar a produção de ferramentas de 2,5 milhões ao ano para 4 milhões. Estamos entrando em novos negócios nas áreas de agroindústria e mineração. Outro investimento que começamos e vamos dar continuidade é na formação de jovens de 16 a 19 anos na área de soluções digitais. Criamos um programa chamado Digital Talent Academy, em parceria com o Senai. Este ano teremos quase 200 alunos que receberão bolsas, incluindo auxílio financeiro. O programa custa para nós cerca de 12 mil euros ao ano por aluno.

CAMPINAS - Gigante global do ramo de autopeças e a maior empresa do setor no Brasil, a Robert Bosch, com sede em Campinas (SP) e mais de 10 mil funcionários no País, se prepara para atender a demanda de qualquer tipo de tecnologia que seja adotada no País no processo de eletrificação da mobilidade. Em um primeiro momento, o foco da companhia é nos carros híbridos flex, que estão sendo cotados por várias montadoras.

“Acho que a discussão não é a eletrificação, mas a descarbonização”, diz o CEO e presidente da empresa na América Latina, Gastón Diaz Perez. O executivo ressalta que apenas o uso de etanol no carro flex comum já reduz em 60% as emissões de CO2 na comparação com a gasolina, o que coloca o Brasil à frente de vários países no cumprimento de metas de descarbonização no transporte.

No grupo há 23 anos – e desde janeiro de 2022 no comando no País e na região –, o argentino de 47 anos avalia que a reforma tributária e o arcabouço fiscal vão destravar novos investimentos no País. “Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos”, afirma Perez.

Bosch amplia ramos de atuação e desenvolve produtos para os setores agro e de mineração, diz Perez Foto: Taba Benedicto/Estadão

Leia, a seguir, a entrevista.

Que avaliação o sr. faz das medidas do governo para ampliar as vendas de veículos?

Toda medida que ajude nosso produto a ficar mais acessível para o consumidor é bem-vinda e vai ajudar a ampliar o mercado. Por outro lado, acho que, pelo curto tempo em que serão aplicadas, deve ocorrer uma antecipação de compras. Se fosse por tempo maior, seria possível ampliar o mercado, e aí sim ter uma melhora de volumes como um todo. Pelo valor disponibilizado para o programa (R$ 500 milhões), há a expectativa de vendas de 130 mil carros adicionais, mas ainda é difícil medir isso. Se o programa tiver êxito, acho que há possibilidade de discutir esse valor.

Haverá algum impacto para a Bosch?

Sim. Os clientes avisaram para nos preparar para um aumento de encomendas e alguns já estão concretizando esses pedidos.

O estoque da indústria aumentou, pois houve reforço na produção na expectativa de vendas maiores – passou de 35 dias em abril para 45 dias em maio. Já não há muitos carros nos pátios?

Acho que o aumento de estoque foi puxado, principalmente, pela expectativa do consumidor à espera dos benefícios do programa. As fabricantes esperam aumento de vendas para as próximas semanas.

Nos três quesitos que determinam o tamanho do desconto para cada modelo está o de conteúdo de peças locais. Isso é importante para o setor de autopeças?

É positivo que se valorize o conteúdo local dos carros para que a indústria continue investindo em localizar produtos. Por outro lado, nesse prazo de tempo, não se muda uma plataforma (base do veículo), pois é um processo que demora meses ou anos. Não vamos vender mais peças por causa disso, mas pode ajudar a motivar mais empresas a ampliarem a nacionalização

Alguns analistas dizem que o mercado deveria ser aberto às importações, pois geraria redução de custos e melhor qualidade das peças, tornando o carro brasileiro mais competitivo, inclusive para exportação.

É uma afirmação muito polêmica. Olha o que ocorre em outros países, como os Estados Unidos, que liberou um pacote enorme de incentivos para localização de componentes, especialmente semicondutores e baterias para carros elétricos. Não vejo isso como protecionismo, mas como maior independência ao trazer mais tecnologias para o país e ficar menos dependente de importações, principalmente depois do que vimos durante a pandemia com os semicondutores. O mundo está indo no caminho de favorecer a localização para que as novas tecnologias sejam produzidas e desenvolvidas dentro dos próprios países.

Como o sr. avalia a crítica sobre a falta de qualidade das peças brasileiras?

Os produtos de alta tecnologia que fabricamos, principalmente na área de segurança, não têm padrão de qualidade menor porque são feitos no Brasil, pois cumprimos todos os requisitos globais. Por exemplo, produzimos em Campinas o ESP – controle de estabilidade que é o principal item de segurança depois do cinto de segurança –, com as mesmas regulações dos outros países. Temos muitos produtos como injeção eletrônica e sistemas de direção que fornecemos para os EUA, Índia e toda a América. Ninguém compra porque somos simpáticos, mas porque temos bom produto e bom preço. Independente de quanto a montadora exporta, nós exportamos 30% da nossa produção para vários países.

Como é o produto que vocês recebem dos fornecedores locais?

Sem uma cadeia de suprimento competitiva você também não é competitivo. Nós temos 50% de conteúdo local em componentes, e quando se agrega a mão de obra esse porcentual aumenta. Nossos fornecedores também exportam. Estamos agora trabalhando com um grupo deles para que exportem para o México. Temos programas em que trazemos todo o know-how que temos de indústria 4.0, conectividade, automação e processos para nossos fornecedores para que sejam mais competitivos. Se nós não temos base de fornecedores competitivos, não podemos operar.

Como a Bosch está se inserindo no processo de eletrificação no Brasil?

Acho que a discussão não é eletrificação, mas descarbonização, porque o grande inimigo é a emissão de poluentes. Há várias opções para descarbonização, como carro a bateria, híbrido, hidrogênio, matriz energética verde, biodiesel, etanol, biogás, biocombustível. Cada uma dessas possibilidades é uma carta. Muitos países têm só uma carta. O Brasil tem o baralho completo. Temos muitas alternativas para descarbonizar a mobilidade e isso pode virar uma oportunidade. Já fornecemos componentes para veículos elétricos, como caixas de comando que controlam o sistema elétrico do caminhão e-Delivery, da Volkswagen. Também estamos trabalhando com várias montadoras para o híbrido flex. Nós somos agnósticos tecnologicamente porque podemos usar tudo e isso é muito bom.

A hibridização é a melhor opção para o Brasil?

Todas as tecnologias que ajudam na descarbonização vão ter uma parte do mercado. O híbrido flex faz muito sentido nas condições do Brasil, em especial quando se fala da infraestrutura que já está pronta, ao contrário do elétrico. É uma solução de transição. Mas não adianta querer adiantar-se em relação ao que o mercado vai escolher. Temos de oferecer as alternativas ao consumidor, e ele vai definir. No caso do Brasil, como já temos uma frota flex, não vamos ter o carro elétrico massivamente de imediato.

Isso não pode deixar o Brasil para trás, como dizem alguns analistas?

É errado achar que tudo vai ser elétrico no curto prazo. Por muitos anos o motor a combustão vai coexistir com os eletrificados. E como temos o motor flex, a opção de fl. Temos testes mostrando que, na medição do poço à roda (considera as emissões de CO2 desde a produção do combustível até o que o carro libera na atmosfera) um carro flex abastecido com etanol emite 46 gramas de CO2 por quilômetro rodado (gCO2/km); se estiver com gasolina, a emissão é de 122 gCO2/km, ou seja, só essa substituição reduz as emissões em 60%. No híbrido a etanol cai para 36 gCO2/km e, à gasolina, para 95g. Um elétrico europeu emite 50g levando-se em conta a matriz energética local. Já um elétrico brasileiro emitiria 17g porque ainda temos 25% de energia não renovável em nossa matriz.

O Brasil, por enquanto, não precisa do carro elétrico para atender as metas de descarbonização?

Temos de entender esse caminho como uma transição, e o que puder ser usado de nossos recursos e de nossa matriz energética são bem-vindos. O elétrico vai ocupar nichos de alta gama de modelos importados, mas há planos de produção no futuro. Hoje um carro elétrico custa três vezes mais que um a combustão. Se partíssemos logo para essa solução, demoraríamos mais para substituir nossa frota. Temos outras opções até o carro elétrico ter preço mais acessível. Mas, no médio e longo prazos, o hidrogênio seria bárbaro. O Brasil pode ser o maior produtor mundial de hidrogênio.

Hidrogênio produzido a partir do etanol?

Alternativas com base no etanol são interessantes e estão sendo desenvolvidas, mas o Brasil tem capacidade de produzir energia verde via eólica e solar e tem disponibilidade de água. Pode-se combinar tudo isso e transformar em hidrogênio verde. Há muitos investimentos sendo avaliados no País para desenvolver isso nos próximos anos.

O Brasil pode se tornar exportador de peças para carros a combustão que vão continuar circulando?

No mundo todo ainda vai ter carro a combustão rodando por muitas décadas. Nesse momento que a Europa está desinvestindo no motor a combustão, é uma grande oportunidade para as empresas brasileiras assumirem os investimentos, a engenharia que vai continuar evoluindo para exportar para o mercado de reposição. Já estamos falando com nossa matriz, na Alemanha, sobre essa oportunidade de consolidar o desenvolvimento e produção desses componentes. Aliás, isso já ocorre com a exportação de bombas de combustível a gasolina para a América e outros componentes para a Índia. É uma estratégia tanto para a Bosch como para nossos clientes e o setor autopartista.

Empresa testa o MPC3, que reúne várias funções, como frenagem de emergência, em um único equipamento Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como o sr. vê a situação econômica do Brasil?

Para nossos investimentos, e para o de todas as empresas, o fundamental é a estabilidade e a previsibilidade. Para isto, a estabilidade fiscal é relevante, ou seja, valorizamos todo tipo de gestão responsável na parte econômica. A reforma tributária tem muito valor para o Brasil. O nível de esforço que temos de colocar em cálculos de impostos é absurdo. Em relação a outros países, o Brasil está totalmente fora de patamar. Temos uma equipe grande só para cuidar disso. É tanta complexidade que fomos obrigados a investir para automatizar o processo. Hoje temos uma tecnologia avançada com robôs que fazem o processo. Isso atrapalha a competitividade pois vai para o custo dos nossos produtos. A reforma vai ser boa primeiro por simplificar o trabalho administrativo e segundo para melhorar a competitividade. Isso não significa que os impostos serão necessariamente menores, mas ajuda se forem transparentes e não transmissíveis à produção. Com a reforma, o potencial de destravar negócios é gigante.

E sobre o arcabouço fiscal?

Também vai na direção da estabilidade. Tudo o que for feito para estabelecer metas claras e controle sobre contas públicas vai trazer mais investimentos.

A Bosch vai investir R$ 940 milhões na região este ano. Em que serão aplicados?

Vamos trazer mais componentes para produção local, como centrais eletrônicas e câmera multifuncional MPC3 (com várias funções em um único equipamento, como frenagem de emergência e reconhecimento de placas). É um item de segurança de alto valor agregado que deve passar a ser de série nos carros daqui a quatro ou cinco anos. Também vamos ampliar a produção de ferramentas de 2,5 milhões ao ano para 4 milhões. Estamos entrando em novos negócios nas áreas de agroindústria e mineração. Outro investimento que começamos e vamos dar continuidade é na formação de jovens de 16 a 19 anos na área de soluções digitais. Criamos um programa chamado Digital Talent Academy, em parceria com o Senai. Este ano teremos quase 200 alunos que receberão bolsas, incluindo auxílio financeiro. O programa custa para nós cerca de 12 mil euros ao ano por aluno.

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