O Brasil é um dos países mais importantes na estratégia da Nestlé para atingir suas metas ambientais. A multinacional do setor alimentício tem no País um dos seus principais mercados consumidores e, ao mesmo tempo, é fonte de várias matérias-primas importantes, como leite, cacau e café. Por isso, projetos para agricultura regenerativa e impacto social no campo estão sendo realizados pela empresa em terras brasileiras.
Em suas metas, a Nestlé pretende reduzir 20% das emissões de CO2 na atmosfera até 2025, 50% até 2030, e 100% até 2050, no patamar “net zero” (quando as emissões são reduzidas ao máximo possível e o restante é compensado de outras formas). No Brasil, a meta é obter 30% das matérias-primas da agricultura regenerativa até 2025 e garantir que 100% das embalagens sejam recicláveis.
Entre os projetos anunciados, estão a colaboração do Institute of Agricultural Sciences (Instituto de Ciências da Agricultura) com produtores, o investimento de 1,2 bilhão de francos suíços (R$ 6,5 bilhões) na agricultura regenerativa e uma calculadora de emissões de gases de efeito estufa, criada em parceria com a Embrapa, que leva em conta as especificidades dos biomas brasileiros, já que a maior parte dos métodos atuais leva em conta parâmetros globais.
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Líder Global de ESG da Nestlé, a alemã Antonia Wanner explica essas e outras estratégias da Nestlé para suas metas ambientais e como o Brasil se encaixa nos planos da empresa - além de questões específicas do País.
Confira os principais trechos da entrevista.
Qual a importância do Brasil para a estratégia ESG da Nestlé, para a empresa conseguir atingir as metas ambientais?
O Brasil é um dos mercados mais importantes, em termos de relevância nas cadeias de café, cacau e leite. É um dos principais produtores e também um dos principais mercados consumidores. Então nas duas perspectivas do negócio, na cadeia de valor e na ponta do consumo, é um mercado que a gente precisa ganhar em termos de sustentabilidade.
Como está planejado o investimento em agricultura regenerativa aqui no Brasil?
O principal exemplo é o café. Acabamos de ter uma reunião em que foram apresentadas muitas iniciativas que estão sendo levadas para diversas fazendas. E em linha com o plano global de sustentabilidade no café, está sendo feito um trabalho aqui no Brasil. Vamos etapa por etapa, atingir cada vez mais fazendas e levar cada vez mais boas práticas para essa cadeia de valor.
E como são monitorados os resultados desse investimento?
São várias métricas a primeira delas redução de emissão de gases de efeito estufa. Os principais exemplos são processos que estão sendo acompanhados e desenvolvidos com o caso da mudança de fertilizante né? Então, quem sabe do fertilizante químico para um processo mais próximo do natural chega a ter uma redução de 40% nas emissões relacionadas à agricultura.
O uso da água é o segundo item monitorado, do ponto de vista de eficiência e de redução no consumo para irrigação, por exemplo. O terceiro ponto de monitoramento é a questão da biodiversidade. Está na vegetação, em relação à cobertura vegetal, e a interação entre as produções e o bioma local. E, por fim, mas não menos importante, a parte econômica das fazendas. O sistema não funciona se ele não estiver funcionando para os produtores. Tem todo esse olhar de rentabilidade, de eficiência da produção. Sem isso, nada vai ficar de pé.
Você pode falar sobre o Institute of Agricultural Sciences? Como ele funciona e como se encaixa na estratégia?
A função do instituto é atender uma crença da empresa de que tudo que ela faz precisa ser comprovado cientificamente. Então, tem essa função de validar cientificamente as estratégias que vão ser implementadas. É avaliado, por exemplo, como cada método de fertilizante funciona, em vários processos, o quanto eles emitem de gastos de efeito estufa ou não. A diferença de redução de emissões que você consegue produzir ao mudar determinado método produtivo, a questão das métricas relacionadas à água também e até a parte de alimentação do gado, para reduzir as emissões entéricas. Tudo isso é pesquisado e essa produção científica embasa a recomendação e o apoio que a Nestlé depois vai dar para os produtores.
E como funciona esse apoio aos produtores?
Esse é um aspecto muito importante nesse processo, que a Nestlé busca levar em consideração. Um exemplo é de uma experiência numa fazenda de milho nos Estados Unidos, em que havia um problema de erosão, com a terra muito seca e com muito vento, o solo perde nutrientes. A solução que se encontrou ali foi o uso de vegetação de cobertura para ajudar a fixar os nutrientes no solo. Mas uma outra fazenda tinha um problema diferente com a questão do excesso de umidade no solo. E aí o tipo de solução precisa ser adaptado, precisa ser desenvolvido e encontrado uma solução aplicável para aquela situação. Em cada fazenda é necessário testar, entender o que funciona, o que não funciona, é preciso dar tempo para que os produtores encontrem esses caminhos e a Nestlé cumpre uma função ali de mostrar um cardápio de possíveis soluções. E apoiar esses fazendeiros, eventualmente até financeiramente, para que eles encontrem os caminhos melhor adequados à sua própria realidade.
Vocês apresentam esse cardápio aos fazendeiros, eles buscam vocês com os problemas que eles têm, mas vocês também tentam aprender com o que eles já sabem?
É uma parte muito importante do trabalho, como se fosse construir uma casa, que cada pessoa vem e traz um bloco de conhecimento e eles vão se somando para chegar nesse projeto final. Outro exemplo é da Índia, que quando foram visitar uma fazenda, encontraram ali grandes árvores plantadas no meio da lavoura de café. Parecia um pouco estranho, diferente do usual, e foram então ouvir o produtor para entender o porquê daquelas grandes árvores estarem ali integradas à lavoura. E aí o produtor explicou que, algumas décadas antes, ele tinha tirado essas árvores grandes e percebeu que depois disso, o solo começou a secar e isso afetou a produtividade. Então ele foi lá e replantou aquela vegetação e percebeu que isso funciona. E para aquela realidade, para aquele bioma e aquele regime de chuvas, era o que funcionava melhor. A metodologia começa sempre ouvindo em primeiro lugar, para entender qual foi o aprendizado ao longo dos anos. Em alguns momentos, é reafirmar para o produtor que aquilo que ele está fazendo, o que ele aprendeu, é o melhor a se fazer. Às vezes ele acha que sabe o que está fazendo, mas não tem certeza. E o trabalho dos especialistas é muitas vezes de reafirmar que sim ele está fazendo uma boa gestão do solo e das lavouras. Por isso, há o papel de “grudar”, de trazer trocas de experiências entre fazendas que têm situações parecidas, para que elas possam aprender umas com as outras
Como funciona o trabalho para as fazendas leiteiras serem Net Zero? Quais são os desafios e, além do Brasil, em quais outros países vocês pretendem implantar?
Nessa visita, conheci um desses exemplos, que está funcionando muito bem financeiramente para o produtor e também em termos de impacto ambiental. É um tema em que hoje existe uma oportunidade de escalar esse impacto positivo. É preciso compartilhar esse conhecimento que já foi estabelecido sobre como fazer uma agricultura regenerativa na produção do leite, e acelerar o processo de levar esse conhecimento para outras fazendas também.
Na cadeia de leite, se tem dois grandes pilares a serem trabalhados. O primeiro é a questão do bem-estar animal. Quando a vaca está bem, produz mais, as emissões caem e o fazendeiro ganha mais porque a produtividade aumenta. E o outro ponto é a questão da alimentação do animal. Quando há ali uma dieta adequada, a produtividade também cresce, as emissões são reduzidas e os custos também caem para o fazendeiro, na hora de, por exemplo, comprar fertilizante para o alimento que vai ser depois oferecido para o seu rebanho.
Sobre os processos industriais da Nestlé, você acredita que eles já estão evoluídos o suficiente ou ainda é possível melhorar?
Na parte industrial, o Brasil tem destaque dentro do universo Nestlé, principalmente pela questão do uso da energia renovável na matriz (hidrelétrica). A operação brasileira vem liderando, já como um exemplo para outros países. Outro ponto importante é a questão do uso da água. A empresa vem trabalhando continuamente para reduzir o seu consumo e para cuidar da disposição dessa água, do efluente, para que a água devolvida pro ambiente seja uma água limpa. Em outros mercados existem sim alguns desafios, principalmente nos países em que a matriz energética não tem essa oferta de energia renovável como é o caso do Brasil.
Em termos de economia circular, onde a Nestlé pode avançar?
Há dois grandes pilares de atuação. O primeiro está ligado à questão do design das embalagens para que elas sejam mais recicláveis. A outra é a redução do uso de materiais, um esforço contínuo que a empresa já vem fazendo e vai continuar talvez para sempre, de usar cada vez menos materiais nas suas embalagens. Temos alguns exemplos de Nescafé avançando nesse sentido, e algumas metas específicas como essa de 2025 com 100% das embalagens desenhadas para serem recicladas.
Isso leva para o segundo pilar de atuação, que é a infraestrutura para a indústria de reciclagem. E esse é um desafio em muitos lugares do mundo. A empresa vem trabalhando em estabelecer parcerias e engajando com o poder público para evitar que as embalagens depois da utilização sejam dispostas no lixo e possam voltar para o ciclo produtivo.
Além do Brasil, quais são os outros mercados que são fundamentais para a Nestlé conseguir alcançar as metas ambientais?
Os maiores, como Estados Unidos, Índia, Europa e China. É muito difícil apontar algum mercado que esteja mais avançado do que o outro, porque os desafios específicos são muito diferentes. No Brasil, tem um desafio grande no leite por conta do tamanho da pegada ambiental dessa indústria - não que não saibamos o que fazer, mas o volume produzido é muito grande, então o desafio também fica grande. Quando olhamos no geral, está todo mundo mais ou menos em estágios parecidos, mas porque os desafios são muito diferentes em cada mercado, e todos eles estão evoluindo.
Aqui no Brasil, vimos recentemente casos de trabalho escravo em fazendas. Como a Nestlé busca evitar esse tipo de problema?
São basicamente três estratégias. A primeira é estabelecer um conjunto de demandas muito claro e comunicar isso para cadeia de valor. Há um conjunto muito claro de demandas e expectativas que a Nestlé exige que sejam cumpridas. Depois eu tenho dois tipos de controle. Um é realizado por uma terceira parte, uma fiscalização sobre o cumprimento dessas práticas, e a visita que a própria Nestlé faz de uma maneira espontânea, às vezes com uma semana de aviso prévio, para engajar diretamente com o produtor, e eventualmente apoiá-los nos processos de melhoria que eles precisam fazer.
Quando é encontrado algum problema, a empresa trabalha primeiro com o produtor para encontrar uma solução. Não acreditamos em apenas cortar um fornecedor que não cumpriu determinado requisito. Então é feito um plano de trabalho para que ele evolua e resolva aquela questão com o tempo. E aí, sim, se o prazo não é cumprido, se não se percebe algum esforço, um trabalho daquele produtor para atender o requisito, ele pode ser retirado. Mas o primeiro esforço é sempre de melhoria das práticas para atender a requisição da empresa.
Não seria também o caso de avisar as autoridades?
Não tenho conhecimento da legislação brasileira, mas a conduta da empresa sempre vai estar de acordo. Se a legislação demanda que a autoridade seja avisada desse determinado tipo de problema, ela vai receber essa denúncia. Mas sempre com o olhar da empresa para resolver o problema.
Esse mesmo monitoramento também é feito para o bem-estar animal?
Sim, é o mesmo processo de monitoramento por terceira parte, visita própria da Nestlé e o conjunto bem claro de práticas que precisam ser adotadas.
Como a Nestlé olha para a questão da biodiversidade local, de modo a garantir que os biomas sejam preservados?
A biodiversidade é muito importante, é um dos pilares da agricultura regenerativa, que olha para emissões, água e biodiversidade, então é parte fundamental do programa. Sempre que a empresa identifica que existe um ativo de biodiversidade num local, ele deve e vai ser protegido. Quando se olha para programas de reflorestamento ou de recuperação de áreas degradadas, a conduta é de não trabalhar com monocultura. Entende-se que essa é a pior estratégia para se reaproveitar ou regenerar uma área degradada. O caminho que se procura adotar é fazer essa recuperação usando a vegetação que faz parte ali do bioma natural.
Quais tecnologias a Nestlé usa para poder ter uma agricultura que seja, de fato, regenerativa? Há uso de técnicas como as agroflorestas, ou mesmo pontos informacionais como o uso de dados, inteligência artificial, internet das coisas?
Há alguns tipos de solução. A questão do solo, de medir o sequestro de carbono no solo, por exemplo, tem uma rota de desenvolvimento grande, e no Brasil estamos criando uma calculadora específica para os biomas brasileiros. Acredito que o futuro está nessa questão de monitorar e usar dados para conseguir extrapolar e entender de uma forma mais profunda. Outro exemplo é de uma solução recente, em que usamos satélites com análises locais para conseguir extrapolar alguns dados e conclusões sobre o grau de diversidade de determinada área. Acredito que o futuro caminha nessa direção: a gente não necessariamente ter que fazer análises em todos os locais com pé no chão, e conseguir usar o aprendizado de uma área para outra, cruzando a base de dados já existente e usando inteligência artificial. Não dá para extrapolar os dados de um bioma para outro, esse processo de extrapolar os dados é feito a partir de determinadas bases e pontos de dados localizados, com um raio de atuação. A Nestlé já consegue prover essas análises localizadas por conta do histórico que a empresa desenvolveu de análises locais em várias fazendas, em diferentes biomas do mundo todo. Esses dados são trabalhados pela inteligência artificial para aí, sim, poder fazer uma extrapolação local que é necessária.