Sentada ao volante de seu Tesla Model Y cinza, Stephanie Doba, moradora do bairro Brooklyn, em Nova York, usa seu celular para digitar a marca, o modelo e o número da placa de um Toyota Camry no formulário online da cidade de Nova Iorque para denunciar estacionamento ilegal. Solicitada a descrever o problema, ela responde: “Carro a gasolina estacionando em um posto de carregamento de veículos elétricos”.
Stephanie calcula que já fez pelo menos 10 denúncias desse tipo desde que a cidade de Nova York instalou carregadores de veículos elétricos na calçada perto de sua casa em Park Slope, há três anos. Como uma espécie de guardiã autoproclamada, ela caminha alguns dias até a rua arborizada onde as tomadas públicas estão instaladas apenas para verificar se esses locais estão sendo bloqueados por veículos de combustão interna. Ela nunca fica por perto para ver se suas reclamações resultam em multas, mas acredita que um número suficiente de relatos poderia convencer a cidade a aumentar a fiscalização.
A frustração de Stephanie é familiar para muitos dos motoristas de veículos elétricos da cidade de Nova York. A cidade anunciou planos para instalar 40 mil tomadas de nível 2, que podem fornecer a um veículo elétrico carga completa em cerca de quatro a oito horas, e 6 mil carregadores rápidos até 2030.
Mas, atualmente, há cerca de 2,2 mil tomadas públicas em toda a cidade, 10% delas são carregadores rápidos, de acordo com o Departamento de Energia dos EUA (DOE). A distribuição desigual significa que até mesmo problemas pouco frequentes com equipamentos danificados ou pontos bloqueados podem ter um impacto enorme.
Quando a cidade analisou os dados de uso de 100 carregadores de nível 2, constatou uma taxa de utilização média de 72% até o momento neste ano. Também constatou que, nos últimos 18 meses, os carros a gasolina bloquearam os carregadores em 20% das vezes.
“As pessoas precisam saber que estão prejudicando pessoas reais quando bloqueiam um carregador”, diz Stephanie Doba. “É como se você estacionasse seu carro em frente a uma bomba de gasolina e fosse embora.”
A cidade de Nova York pretende reduzir as emissões de veículos como parte de sua meta de Net Zero, ou seja, as metas de diminuição de emissão de gases do efeito estufa, até 2050, quando a cidade também quer que os carros elétricos representem 20% dos novos registros de veículos. Para chegar lá, será necessária uma rede de recarga robusta e confiável: enquanto 80% dos motoristas de veículos elétricos dos EUA carregam em casa, de acordo com o DOE, cerca de metade dos motoristas da cidade depende de estacionamento na rua.
Em 2021, o Departamento de Transportes da cidade fez uma parceria com a empresa de serviços públicos Consolidated Edison Inc. e a empresa canadense de carregamento de veículos elétricos, FLO Inc. em um programa piloto para instalar 100 carregadores de nível 2 nas calçadas dos cinco distritos. Desde então, centenas de outros carregadores públicos foram instalados por empresas privadas, incluindo a Tesla Inc. e a EVgo Inc. Ainda assim, o processo tem sido lento: as limitações da rede, os requisitos de contribuição da comunidade e os usos municipais concorrentes do espaço na calçada influenciam o número de carregadores que podem ser instalados e onde.
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“Cidades como Nova York vêm construindo sua infraestrutura há 100 anos ou mais, portanto nem todos os lugares são adequados para o carregamento”, diz Travis Allan, diretor jurídico e de assuntos públicos da FLO.
Para instalar seus carregadores na calçada, a FLO teve de evitar interferir em ciclovias, docas de carga e hidrantes. Os funcionários da empresa também conversaram com moradores e membros do Conselho Municipal sobre os melhores locais. Allan diz que a empresa recebeu muitos comentários negativos de nova-iorquinos que acham que não há estações de recarga suficientes, mas ele se orgulha do tempo de atividade de 99,9% dos carregadores que a FLO instalou na cidade até agora.
Sara Rafalson, vice-presidente executiva de política e assuntos externos da EVgo, também cita as restrições de capacidade como um desafio recorrente em Nova York. Mas ela está otimista quanto ao potencial dos incentivos do governo local, apontando para um recente aumento de US$ 539 milhões (cerca de R$ 2,8 bilhões) no orçamento de veículos elétricos da Comissão de Serviços Públicos do Estado de Nova York, que agora é de US$ 1,24 bilhão (cerca de R$ 6,4 bilhões). Parte desse dinheiro será destinada à redução dos preços da eletricidade para as operadoras de estações de recarga. No ano passado, a Comissão também anunciou planos de investir US$ 372 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão) na instalação de estações em comunidades carentes.
“O verdadeiro desafio em Nova York é fazer as coisas acontecerem”, diz Sara. “Mas acho que, de modo geral, o mercado de Nova York é muito atraente e eu diria que a atividade política realmente ajudou a torná-lo mais atraente.”
À medida que mais carregadores forem chegando a mais bairros, será mais fácil encontrar uma tomada disponível na cidade de Nova York e em seus arredores. O departamento de transportes (DOT) da cidade afirma que o aumento da utilização já está reduzindo a frequência com que os carregadores são bloqueados por carros movidos a gasolina. O DOT também está trabalhando com a polícia para instruir os policiais e aumentar a fiscalização nas tomadas públicas.
Enquanto isso, a moradora Stephanie Doba não é a única a encontrar soluções criativas. Do outro lado do rio Hudson, na cidade de Jersey City, no Estado de Nova Jersey, Sal Cameli comprou seu primeiro veículo elétrico em 2012. Hoje ele tem dois Nissan Leafs, que raramente dirige, e um Tesla Model Y. Mas Cameli não tem uma garagem ou entrada de garagem para carregar. Em vez disso, ele contratou um eletricista há seis anos para criar um cabo de 19 pés (cerca de 5,8 metros) que se conecta a uma tomada de uma secadora em sua cozinha. O cabo passa por uma janela e vai até a rua, onde é preso a uma placa de sinalização para evitar que alguém tropece.
“Naquela época, não havia nenhum carregador no bairro”, diz Cameli. “Havia no centro de Jersey City, mas ficava a 3,5 quilômetros de distância. Não vou plugar (o carro) lá e depois voltar para casa a pé. Eu poderia pegar um táxi, mas isso seria ridículo, sabe?”
Nas noites em que Cameli precisa usar o carregador, seu maior desafio é conseguir um estacionamento próximo o suficiente para que o cabo chegue até ele. É aí que entram os Nissans - Cameli os chama de “cones de trânsito”. Um Leaf fica em uma vaga perto da placa de sinalização durante o dia, enquanto Cameli leva seu Tesla para visitar clientes de sua empresa autônoma de TI. O outro Leaf fica estacionado atrás do primeiro. Quando Cameli chega em casa, ele move o carro substituto, estaciona o Tesla em sua vaga e estaciona o segundo Leaf em um ângulo para proteger o plugue do carregador saliente de uma batida lateral.
Cameli diz que uma carga completa lhe custa US$ 13,65, (cerca de R$ 71,40) ou US$ 15 (cerca de R$ 78,46) no verão, quando os preços da eletricidade são mais altos. Isso se compara a US$ 18 (cerca de R$ 94,16) na estação de carregamento instalada perto de seu apartamento há alguns anos. Ele carrega o Tesla a cada quatro dias e dirige cerca de 2.010 quilômetros por ano; os Leafs são carregados a cada seis semanas. Cameli calcula seus custos anuais de recarga em pouco menos de US$ 500 (cerca de R$ 2,6 mil).
“Respeito a inovação”, diz Roy Rada, gerente de projetos de inovação de mobilidade eletrônica da ConEd, que já ouviu falar de configurações de recarga ‘customizada’ semelhantes na cidade. “Os nova-iorquinos conseguirão fazer isso de um jeito ou de outro”, diz ele. “Mas queremos oferecer a eles uma opção muito mais segura que possam usar.”
Rada recomenda que os residentes consultem os especialistas da concessionária para determinar se o carregamento em seu apartamento é seguro. Se não for, os proprietários de veículos elétricos podem apresentar um caso ao gerente da propriedade, que pode obter um desconto na instalação de carregadores fora do prédio por meio do programa Power Ready da ConEd.
À medida que mais motoristas urbanos adotarem os elétricos, áreas densamente povoadas, como a cidade Nova York, terão de implementar suas próprias soluções inteligentes. Muitos entusiastas da eletricidade, incluindo Doba e Cameli, sonham com um futuro com uma infraestrutura mais criativa, como carregadores em postes de iluminação ou calçadas com carregamento sem fio embutido no pavimento.
“Imagine que toda a Broadway - desde a ponta de Manhattan até o parque - tenha todas as vagas de estacionamento com carregamento sem fio”, diz Cameli. “Isso não seria incrível?”
Outros estão sonhando com maneiras de conectar motoristas de veículos elétricos que precisam de plugues com pessoas que os têm. Em 2019, James Francois, morador do bairro Queens, fundou uma startup que ele está chamando de Alternative Energy Resource. Com o objetivo de lançar a versão beta em setembro, François prevê um aplicativo apoiado pela comunidade que conecta nova-iorquinos dispostos a alugar seus espaços de recarga doméstica a motoristas que, de outra forma, teriam de depender de tomadas públicas, especialmente motoristas de caronas compartilhadas.
“As pessoas estão interessadas”, diz Francois. “Desde a pandemia de Covid, as pessoas estão se movendo em direção a um consumo mais colaborativo e querem ajudar seus vizinhos.”
François também vê sua ideia de negócio como uma forma de ação para as pessoas combaterem as mudanças climáticas. Essa é uma motivação compartilhada por muitos dos primeiros usuários de veículos elétricos, incluindo Doba.
“As preocupações com o clima são muito importantes para mim, e ajudar na transição dos veículos elétricos é realmente parte dessa defesa e ativismo”, diz ela. “Mesmo que seja apenas em uma escala local muito, muito pequena, de conseguir alguma fiscalização para manter minha estação de carregamento de EV local acessível.”