Como o cinema tenta sobreviver após a covid, com público 48% menor e a concorrência do streaming


Falta de lançamentos dificulta recuperação e empresas apostam em assinaturas de ingressos e salas premium para atrair mais público

Por Lucas Agrela e Wesley Gonsalves
Atualização:

A gerente de banco Jéssica Belliomini, 30 anos, e a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, aguardavam na fila para assistir ao filme Lilo, Lilo, Crocodilo, que entrou em cartaz no último dia 2 de novembro. Essa será a primeira experiência da pequena Anne em uma sala de cinema e o retorno de sua mãe, que assim como milhares de brasileiros, ainda não retomou o hábito de assistir filmes nas telonas desde o início da pandemia. Para se ter uma ideia, na sessão que mãe e filha assistiram à história do pequeno crocodilo cantor havia apenas outros três espectadores. “Hoje eu tirei o dia para trazê-la para conhecer o cinema, vamos ver, se ela gostar e se comportar, voltaremos mais vezes”, afirma Jéssica.

A gerente de banco Jéssica Belliomini levou a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, pela primeira vez ao cinema, depois de enfrentar o receio de contaminação por covid-19. Foto: Wesley Gosalves/Estadão

Assim como Jéssica e Anne, muitos brasileiros estavam receosos de entrar em uma sala escura e fechada junto com dezenas de estranhos apenas para assistir a um filme inédito. Em 2020, houve o fechamento dos cinemas na maior parte do ano, mas 2021 também foi duro para o setor. A pandemia tirou não só o público das salas, como também esvaziou a grade de lançamentos, devido às restrições sanitárias que levaram ao adiamento de produções no Brasil e no mundo. O setor agora tenta se recuperar, mas ainda encontra dificuldades em tirar o público do sofá.

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No primeiro semestre de 2022, as salas de exibição receberam 44,5 milhões de pessoas, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar de ser um crescimento ante 2021, quando apenas 52,6 milhões foram aos cinemas no ano completo, a retomada dos cinemas ainda engatinha no País. O público que foi ao cinema de janeiro a setembro de 2022 ainda está 48% abaixo do mesmo período de 2019, enquanto a renda de bilheteria tem queda de 38%.

2019 foi um ano de recuperação do crescimento do público nos cinemas, com 177,7 milhões de espectadores. Em seguida, veio a pandemia e o número de espectadores caiu para 39,4 milhões, um tombo de 78%. O baque no faturamento foi na mesma proporção, indo de R$ 2,8 bilhões para R$ 628 milhões, de 2019 para 2020. A dependência da quantidade de títulos se reflete nos números. Em 2019, 38 filmes tiveram público entre 500 mil e 2 milhões, enquanto 18 tiveram público superior a 2 milhões. Em 2022, os números passaram para 16 e 11, respectivamente.

O escritor Guilherme Dearo, 33, faz parte do público que reduziu drasticamente as idas ao cinema. Por ano, ele ia cerca de 30 vezes e foi apenas três nos anos de 2020 e 2021. Agora, aos poucos, retoma o hábito.

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“O orçamento está mais apertado e os preços de comida e transporte estão mais caros. O ingresso para uma pessoa assistir a um único filme custa R$ 40. Os cinemas ainda estão vazios, sem filas e com muitas poltronas vagas. Por isso, muitos cinemas estão fechando. Os teatros, os bares e os shows estão cheios, mas o cinema não fica mais lotado por causa dos aplicativos de streaming”, diz.

O escritor Guilherme Dearo mantém um documento no qual registra os filmes que viu no cinema a cada ano Foto: Divulgação/Acervo Pessoal

Assim como outros produtos e serviços do dia a dia do brasileiro, o preço do ingresso para assistir uma longa nas telonas também inflacionou nos últimos meses. Dados do Índice de Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontam uma alta de 8,57% no preço dos cinemas para o acumulado do ano, praticamente o dobro do resultado geral da inflação no mesmo período, que ficou em 4,70% até outubro deste ano.

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A venda de ingressos de cinema no mundo é um mercado que deve faturar US$ 16,94 bilhões em 2022, segundo previsão da consultoria Statista. O número representa um salto de 237,7% em relação a 2021, quando a receita global foi de apenas US$ 5 bilhões. Já no Brasil, a venda de ingressos de cinema faturou US$ 40 milhões em 2021, e deve fechar o ano de 2022 com US$ 142 milhões. A receita média por pessoa é de apenas US$ 9.53, pouco menos de um terço da média global. Entretanto, a recuperação do setor no País deve ser em ritmo mais forte do que a média mundial até 2027, crescendo anualmente 4,62%, ante 3,6%.

No vácuo deixado pelos cinemas, as grandes empresas de streaming apostaram pesado durante a pandemia e colheram bons frutos. A Netflix, por exemplo, superou a marca de 200 milhões de assinantes. A HBO ganhou novo fôlego com o HBO Max e produções originais, como episódios que reuniram elencos da série Friends e dos filmes da franquia Harry Potter. A Disney, enquanto perdeu público nos parques, viu seu serviço de streaming decolar e aproveitou para lançar produções originais da Marvel na plataforma.

“O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”

Tiago Mafra, diretor da Ancine

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Mas, ainda no primeiro trimestre deste ano, a Netflix precisou demitir funcionários após uma queda brusca de assinantes pela primeira vez em 10 anos. Os motivos associados ao movimento são o fim das restrições sanitárias para conter a pandemia em diversos países, o aumento da concorrência e a redução do poder de compra no mundo. Ou seja, apesar dos desafios, os consumidores não têm intenção de abrir mão totalmente da experiência de ir ao cinema.

Tiago Mafra, diretor da Ancine, diz que houve uma redução de lançamentos de filmes a partir de 2020 e que o público ainda levará algum tempo para retomar o hábito de ir às salas. “De longe, o cinema foi o entretenimento mais afetado. O cinema voltou quando academias, restaurantes e bares já estavam em pleno funcionamento. Isso impactou o hábito do consumidor. Esses dois anos sem a rotina de ir ao cinema prolongam o retorno aos patamares pré-pandemia”, diz Mafra.

O executivo ressalta que a janela de exibição do cinema em relação a outros formatos, como streaming e TV paga, foi reduzida para dar rentabilidade às produções durante o período mais agudo da pandemia. Mas isso já está mudando e o público deve ser estimulado a voltar ao cinema, à medida que as produções voltem. “No ano que vem, poderemos ter melhor dimensão da recuperação do mercado porque teremos uma base de comparação melhor, com 650 filmes lançados por ano. Houve semanas neste ano sem filmes para o público infantil”, diz Mafra.

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Para Luiz Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls, o público que não voltou ao cinema o fez por uma combinação de fatores, como o custo desse lazer, a redução do fluxo dos shoppings e a ascensão dos aplicativos de streaming. “O cinema não perdeu a atratividade. Mas as pessoas estão sendo mais seletivas para investir em um programa de cinema. O público prefere ir ao cinema quando há grandes títulos da Marvel e da Disney. Esse é um comportamento global que é uma consequência do streaming. A distância entre o filme sair do cinema e chegar à TV fechada ou streaming era mais longa e diminuiu. Por isso, os cinemas precisam mexer em suas estratégias. O cinema se torna um programa mais excludente à medida que há preços mais altos e poltronas mais sofisticadas”, afirma.

Marinho diz ainda que o panorama do setor mudou depois do auge da pandemia de covid-19, levando ao congelamento dos investimentos de expansão de grandes redes, o que abre uma oportunidade para as empresas brasileiras do ramo conquistarem território País afora. “Em 2019, a dificuldade era encontrar lugares para abrir novas salas de cinema. Havia negociações para fusões e aquisições para as empresas continuarem a crescer. Com a pandemia, houve mudança de comportamento do consumidor e alguns hábitos não voltaram, e talvez não voltem mais.”

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Para Mafra, da Ancine, a trajetória de retomada da expansão das salas de cinema no País já começou. “O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”, diz.

Recuperação

O setor busca recuperar o público com novas produções chegando às telas. Além do fator sazonalidade, há também investimentos para melhorar a experiência do consumidor. Desde antes da pandemia, o setor já apostava em tecnologia para modernizar as salas para atrair novos consumidores. Segundo especialistas, há dois caminhos principais para atrair o consumidor: criar salas sofisticadas ou reduzir os preços das entradas.

Ainda em 2019, a sul-coreana Samsung se uniu com a rede de cinemas Cinépolis e trouxe ao País a primeira sala Cinema Onyx 4K, que não tem projetor. Em vez disso, o painel da sala utiliza tecnologia LED, parecida com a dos televisores, mas com tamanho de 455 polegadas. A sala fica no Shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia, em São Paulo. Com a tecnologia, a tela pode oferecer picos dez vezes superiores em termos de brilho e contraste, em razão da ausência do projetor. A sala tecnológica representa um dos esforços do setor para atrair o público e, ao mesmo tempo, elevar o nível de experiência e preço dos ingressos.

Com uma estratégia diferente, neste ano, a rede Cinemark criou um novo programa de fidelidade chamado Cinemark Club. A assinatura mensal dá acesso a benefícios, como dois ingressos 2D por mês válidos para qualquer dia da semana, até 20% de desconto em petiscos selecionados, um combo (pipoca e refrigerante) no mês de aniversário do cliente, além de brindes exclusivos. Esse tipo de programa visa criar uma receita perene para a rede e restabelecer o hábito de ir ao cinema.

Na avaliação de Igor Kupstas, diretor da O2 Play - braço de vídeo da produtora O2 Filmes -, além do impacto no cinema como um todo, retomada ainda morosa afeta de maneira mais intensa às produções do cinema nacional, que por ter menos dinheiro em caixa que os gigantes de Hollywood, acabam sendo menos promovidos e encerram suas temporadas com público muito abaixo do necessário para tornar a obra rentável. “Os distribuidores ficam mais receosos de investir, os filmes são menos promovidos, há menos espaço para dinheiro bom, para riscos. Tem sido uma montanha-russa, pois há picos e quedas bruscas”, diz.

Para o executivo, uma saída possível para a queda nos faturamentos é diversificar. “Acho que mais conteúdos alternativos, em horários e preços diferenciados, podem ajudar a oxigenar as bilheterias”, afirma.

Enquanto as salas não voltam a ficar cheias, a maioria das empresas vai usando seu espaço de maneira a preencher as lacunas na sua agenda com eventos que nem sempre estão relacionados ao universo dos filmes. Palestras, festas de aniversário, sessões privadas, workshops, confraternizações e todo tipo de evento corporativo passaram a ser uma forma extra das companhias donas de salas de cinema para garantir o faturamento em tempos de baixa adesão do público.

Na rede Cinépolis, além das usuais sessões com filmes em cartaz, é possível alugar o espaço para palestras, eventos, salas com brinquedos para crianças e até realizar aniversários infantis. A rede oferece pacotes de festas para crianças de 1 a 12 anos em um salão de festas próprio. Outra opção que foge ao tradicional, são as “Sala Junior”, voltadas às crianças. No local, o público conta com acesso a brinquedos, doces e até um tobogã instalado dentro de uma sala de cinema. Nesses espaços, o preço do ingresso pode chegar até R$ 107, conforme site Ingressos.com.

Mas as opções diferentes dentro dos cinemas não se limitam apenas às crianças. Na rede concorrente, Cinemark, durante o período de escassez de público, a marca decidiu lançar o projeto “sua sessão”, em que os usuários poderiam fechar a sala do cinema por R$ 350. Pelo valor, quem contratasse o serviço poderia chamar até 20 pessoas para acompanhar um filme na rede e ter essa sensação de “serviço exclusivo”.

Apesar da disponibilidade do espaço para fins que fogem às exibições de obras cinematográficas, a procura por esse tipo de serviço parece não ter engatado ainda pelo País. Fontes ouvidas pelo Estadão relatam que, na maioria dos casos, a procura pelo aluguel das salas é baixa, ou quase inexistente. “Nós oferecemos essa possibilidade, mas não temos demanda por aqui”, afirmou uma fonte ligada a uma rede de cinemas com salas no interior de São Paulo.

Fuga de anunciantes

Assim como o público que ainda não voltou às salas, quem também não cravou seu retorno aos cinemas foram as marcas e os anunciantes. Isso fica claro em números do Cenp-Meios, o Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário, sobre os investimentos de mídia em cada tipo de veículo.

Segundo os dados da entidade, entre 2019 e 2021, os valores de anúncios feitos no espaço que antecede o início dos filmes despencou quase 80%. Para 2022, o desempenho não deve superar ainda os patamares pré-pandêmicos, isso porque de janeiro a junho deste ano - últimas informações compiladas pelo Cenp-Meios- o valor arrecadado era de apenas 30% do que foi arrecadado antes da pandemia.

Apesar de não ser um foco principal dos investimentos das agências de publicidade, o espaço nos cinemas era utilizado para ações de maior fôlego, que tivessem alguma conexão com o cinema, mas no pós pandemia, isso ainda não engatou. “Os anunciantes seguem com investimentos mais precisos, com isso o digital tem mais importância, fazendo com que o cinema não fique nem em segundo plano, mas em quinto”, diz uma executiva ligada ao mercado publicitário.

A gerente de banco Jéssica Belliomini, 30 anos, e a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, aguardavam na fila para assistir ao filme Lilo, Lilo, Crocodilo, que entrou em cartaz no último dia 2 de novembro. Essa será a primeira experiência da pequena Anne em uma sala de cinema e o retorno de sua mãe, que assim como milhares de brasileiros, ainda não retomou o hábito de assistir filmes nas telonas desde o início da pandemia. Para se ter uma ideia, na sessão que mãe e filha assistiram à história do pequeno crocodilo cantor havia apenas outros três espectadores. “Hoje eu tirei o dia para trazê-la para conhecer o cinema, vamos ver, se ela gostar e se comportar, voltaremos mais vezes”, afirma Jéssica.

A gerente de banco Jéssica Belliomini levou a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, pela primeira vez ao cinema, depois de enfrentar o receio de contaminação por covid-19. Foto: Wesley Gosalves/Estadão

Assim como Jéssica e Anne, muitos brasileiros estavam receosos de entrar em uma sala escura e fechada junto com dezenas de estranhos apenas para assistir a um filme inédito. Em 2020, houve o fechamento dos cinemas na maior parte do ano, mas 2021 também foi duro para o setor. A pandemia tirou não só o público das salas, como também esvaziou a grade de lançamentos, devido às restrições sanitárias que levaram ao adiamento de produções no Brasil e no mundo. O setor agora tenta se recuperar, mas ainda encontra dificuldades em tirar o público do sofá.

No primeiro semestre de 2022, as salas de exibição receberam 44,5 milhões de pessoas, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar de ser um crescimento ante 2021, quando apenas 52,6 milhões foram aos cinemas no ano completo, a retomada dos cinemas ainda engatinha no País. O público que foi ao cinema de janeiro a setembro de 2022 ainda está 48% abaixo do mesmo período de 2019, enquanto a renda de bilheteria tem queda de 38%.

2019 foi um ano de recuperação do crescimento do público nos cinemas, com 177,7 milhões de espectadores. Em seguida, veio a pandemia e o número de espectadores caiu para 39,4 milhões, um tombo de 78%. O baque no faturamento foi na mesma proporção, indo de R$ 2,8 bilhões para R$ 628 milhões, de 2019 para 2020. A dependência da quantidade de títulos se reflete nos números. Em 2019, 38 filmes tiveram público entre 500 mil e 2 milhões, enquanto 18 tiveram público superior a 2 milhões. Em 2022, os números passaram para 16 e 11, respectivamente.

O escritor Guilherme Dearo, 33, faz parte do público que reduziu drasticamente as idas ao cinema. Por ano, ele ia cerca de 30 vezes e foi apenas três nos anos de 2020 e 2021. Agora, aos poucos, retoma o hábito.

“O orçamento está mais apertado e os preços de comida e transporte estão mais caros. O ingresso para uma pessoa assistir a um único filme custa R$ 40. Os cinemas ainda estão vazios, sem filas e com muitas poltronas vagas. Por isso, muitos cinemas estão fechando. Os teatros, os bares e os shows estão cheios, mas o cinema não fica mais lotado por causa dos aplicativos de streaming”, diz.

O escritor Guilherme Dearo mantém um documento no qual registra os filmes que viu no cinema a cada ano Foto: Divulgação/Acervo Pessoal

Assim como outros produtos e serviços do dia a dia do brasileiro, o preço do ingresso para assistir uma longa nas telonas também inflacionou nos últimos meses. Dados do Índice de Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontam uma alta de 8,57% no preço dos cinemas para o acumulado do ano, praticamente o dobro do resultado geral da inflação no mesmo período, que ficou em 4,70% até outubro deste ano.

A venda de ingressos de cinema no mundo é um mercado que deve faturar US$ 16,94 bilhões em 2022, segundo previsão da consultoria Statista. O número representa um salto de 237,7% em relação a 2021, quando a receita global foi de apenas US$ 5 bilhões. Já no Brasil, a venda de ingressos de cinema faturou US$ 40 milhões em 2021, e deve fechar o ano de 2022 com US$ 142 milhões. A receita média por pessoa é de apenas US$ 9.53, pouco menos de um terço da média global. Entretanto, a recuperação do setor no País deve ser em ritmo mais forte do que a média mundial até 2027, crescendo anualmente 4,62%, ante 3,6%.

No vácuo deixado pelos cinemas, as grandes empresas de streaming apostaram pesado durante a pandemia e colheram bons frutos. A Netflix, por exemplo, superou a marca de 200 milhões de assinantes. A HBO ganhou novo fôlego com o HBO Max e produções originais, como episódios que reuniram elencos da série Friends e dos filmes da franquia Harry Potter. A Disney, enquanto perdeu público nos parques, viu seu serviço de streaming decolar e aproveitou para lançar produções originais da Marvel na plataforma.

“O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”

Tiago Mafra, diretor da Ancine

Mas, ainda no primeiro trimestre deste ano, a Netflix precisou demitir funcionários após uma queda brusca de assinantes pela primeira vez em 10 anos. Os motivos associados ao movimento são o fim das restrições sanitárias para conter a pandemia em diversos países, o aumento da concorrência e a redução do poder de compra no mundo. Ou seja, apesar dos desafios, os consumidores não têm intenção de abrir mão totalmente da experiência de ir ao cinema.

Tiago Mafra, diretor da Ancine, diz que houve uma redução de lançamentos de filmes a partir de 2020 e que o público ainda levará algum tempo para retomar o hábito de ir às salas. “De longe, o cinema foi o entretenimento mais afetado. O cinema voltou quando academias, restaurantes e bares já estavam em pleno funcionamento. Isso impactou o hábito do consumidor. Esses dois anos sem a rotina de ir ao cinema prolongam o retorno aos patamares pré-pandemia”, diz Mafra.

O executivo ressalta que a janela de exibição do cinema em relação a outros formatos, como streaming e TV paga, foi reduzida para dar rentabilidade às produções durante o período mais agudo da pandemia. Mas isso já está mudando e o público deve ser estimulado a voltar ao cinema, à medida que as produções voltem. “No ano que vem, poderemos ter melhor dimensão da recuperação do mercado porque teremos uma base de comparação melhor, com 650 filmes lançados por ano. Houve semanas neste ano sem filmes para o público infantil”, diz Mafra.

Para Luiz Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls, o público que não voltou ao cinema o fez por uma combinação de fatores, como o custo desse lazer, a redução do fluxo dos shoppings e a ascensão dos aplicativos de streaming. “O cinema não perdeu a atratividade. Mas as pessoas estão sendo mais seletivas para investir em um programa de cinema. O público prefere ir ao cinema quando há grandes títulos da Marvel e da Disney. Esse é um comportamento global que é uma consequência do streaming. A distância entre o filme sair do cinema e chegar à TV fechada ou streaming era mais longa e diminuiu. Por isso, os cinemas precisam mexer em suas estratégias. O cinema se torna um programa mais excludente à medida que há preços mais altos e poltronas mais sofisticadas”, afirma.

Marinho diz ainda que o panorama do setor mudou depois do auge da pandemia de covid-19, levando ao congelamento dos investimentos de expansão de grandes redes, o que abre uma oportunidade para as empresas brasileiras do ramo conquistarem território País afora. “Em 2019, a dificuldade era encontrar lugares para abrir novas salas de cinema. Havia negociações para fusões e aquisições para as empresas continuarem a crescer. Com a pandemia, houve mudança de comportamento do consumidor e alguns hábitos não voltaram, e talvez não voltem mais.”

Para Mafra, da Ancine, a trajetória de retomada da expansão das salas de cinema no País já começou. “O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”, diz.

Recuperação

O setor busca recuperar o público com novas produções chegando às telas. Além do fator sazonalidade, há também investimentos para melhorar a experiência do consumidor. Desde antes da pandemia, o setor já apostava em tecnologia para modernizar as salas para atrair novos consumidores. Segundo especialistas, há dois caminhos principais para atrair o consumidor: criar salas sofisticadas ou reduzir os preços das entradas.

Ainda em 2019, a sul-coreana Samsung se uniu com a rede de cinemas Cinépolis e trouxe ao País a primeira sala Cinema Onyx 4K, que não tem projetor. Em vez disso, o painel da sala utiliza tecnologia LED, parecida com a dos televisores, mas com tamanho de 455 polegadas. A sala fica no Shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia, em São Paulo. Com a tecnologia, a tela pode oferecer picos dez vezes superiores em termos de brilho e contraste, em razão da ausência do projetor. A sala tecnológica representa um dos esforços do setor para atrair o público e, ao mesmo tempo, elevar o nível de experiência e preço dos ingressos.

Com uma estratégia diferente, neste ano, a rede Cinemark criou um novo programa de fidelidade chamado Cinemark Club. A assinatura mensal dá acesso a benefícios, como dois ingressos 2D por mês válidos para qualquer dia da semana, até 20% de desconto em petiscos selecionados, um combo (pipoca e refrigerante) no mês de aniversário do cliente, além de brindes exclusivos. Esse tipo de programa visa criar uma receita perene para a rede e restabelecer o hábito de ir ao cinema.

Na avaliação de Igor Kupstas, diretor da O2 Play - braço de vídeo da produtora O2 Filmes -, além do impacto no cinema como um todo, retomada ainda morosa afeta de maneira mais intensa às produções do cinema nacional, que por ter menos dinheiro em caixa que os gigantes de Hollywood, acabam sendo menos promovidos e encerram suas temporadas com público muito abaixo do necessário para tornar a obra rentável. “Os distribuidores ficam mais receosos de investir, os filmes são menos promovidos, há menos espaço para dinheiro bom, para riscos. Tem sido uma montanha-russa, pois há picos e quedas bruscas”, diz.

Para o executivo, uma saída possível para a queda nos faturamentos é diversificar. “Acho que mais conteúdos alternativos, em horários e preços diferenciados, podem ajudar a oxigenar as bilheterias”, afirma.

Enquanto as salas não voltam a ficar cheias, a maioria das empresas vai usando seu espaço de maneira a preencher as lacunas na sua agenda com eventos que nem sempre estão relacionados ao universo dos filmes. Palestras, festas de aniversário, sessões privadas, workshops, confraternizações e todo tipo de evento corporativo passaram a ser uma forma extra das companhias donas de salas de cinema para garantir o faturamento em tempos de baixa adesão do público.

Na rede Cinépolis, além das usuais sessões com filmes em cartaz, é possível alugar o espaço para palestras, eventos, salas com brinquedos para crianças e até realizar aniversários infantis. A rede oferece pacotes de festas para crianças de 1 a 12 anos em um salão de festas próprio. Outra opção que foge ao tradicional, são as “Sala Junior”, voltadas às crianças. No local, o público conta com acesso a brinquedos, doces e até um tobogã instalado dentro de uma sala de cinema. Nesses espaços, o preço do ingresso pode chegar até R$ 107, conforme site Ingressos.com.

Mas as opções diferentes dentro dos cinemas não se limitam apenas às crianças. Na rede concorrente, Cinemark, durante o período de escassez de público, a marca decidiu lançar o projeto “sua sessão”, em que os usuários poderiam fechar a sala do cinema por R$ 350. Pelo valor, quem contratasse o serviço poderia chamar até 20 pessoas para acompanhar um filme na rede e ter essa sensação de “serviço exclusivo”.

Apesar da disponibilidade do espaço para fins que fogem às exibições de obras cinematográficas, a procura por esse tipo de serviço parece não ter engatado ainda pelo País. Fontes ouvidas pelo Estadão relatam que, na maioria dos casos, a procura pelo aluguel das salas é baixa, ou quase inexistente. “Nós oferecemos essa possibilidade, mas não temos demanda por aqui”, afirmou uma fonte ligada a uma rede de cinemas com salas no interior de São Paulo.

Fuga de anunciantes

Assim como o público que ainda não voltou às salas, quem também não cravou seu retorno aos cinemas foram as marcas e os anunciantes. Isso fica claro em números do Cenp-Meios, o Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário, sobre os investimentos de mídia em cada tipo de veículo.

Segundo os dados da entidade, entre 2019 e 2021, os valores de anúncios feitos no espaço que antecede o início dos filmes despencou quase 80%. Para 2022, o desempenho não deve superar ainda os patamares pré-pandêmicos, isso porque de janeiro a junho deste ano - últimas informações compiladas pelo Cenp-Meios- o valor arrecadado era de apenas 30% do que foi arrecadado antes da pandemia.

Apesar de não ser um foco principal dos investimentos das agências de publicidade, o espaço nos cinemas era utilizado para ações de maior fôlego, que tivessem alguma conexão com o cinema, mas no pós pandemia, isso ainda não engatou. “Os anunciantes seguem com investimentos mais precisos, com isso o digital tem mais importância, fazendo com que o cinema não fique nem em segundo plano, mas em quinto”, diz uma executiva ligada ao mercado publicitário.

A gerente de banco Jéssica Belliomini, 30 anos, e a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, aguardavam na fila para assistir ao filme Lilo, Lilo, Crocodilo, que entrou em cartaz no último dia 2 de novembro. Essa será a primeira experiência da pequena Anne em uma sala de cinema e o retorno de sua mãe, que assim como milhares de brasileiros, ainda não retomou o hábito de assistir filmes nas telonas desde o início da pandemia. Para se ter uma ideia, na sessão que mãe e filha assistiram à história do pequeno crocodilo cantor havia apenas outros três espectadores. “Hoje eu tirei o dia para trazê-la para conhecer o cinema, vamos ver, se ela gostar e se comportar, voltaremos mais vezes”, afirma Jéssica.

A gerente de banco Jéssica Belliomini levou a filha Anne Hamaguti, de 3 anos, pela primeira vez ao cinema, depois de enfrentar o receio de contaminação por covid-19. Foto: Wesley Gosalves/Estadão

Assim como Jéssica e Anne, muitos brasileiros estavam receosos de entrar em uma sala escura e fechada junto com dezenas de estranhos apenas para assistir a um filme inédito. Em 2020, houve o fechamento dos cinemas na maior parte do ano, mas 2021 também foi duro para o setor. A pandemia tirou não só o público das salas, como também esvaziou a grade de lançamentos, devido às restrições sanitárias que levaram ao adiamento de produções no Brasil e no mundo. O setor agora tenta se recuperar, mas ainda encontra dificuldades em tirar o público do sofá.

No primeiro semestre de 2022, as salas de exibição receberam 44,5 milhões de pessoas, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar de ser um crescimento ante 2021, quando apenas 52,6 milhões foram aos cinemas no ano completo, a retomada dos cinemas ainda engatinha no País. O público que foi ao cinema de janeiro a setembro de 2022 ainda está 48% abaixo do mesmo período de 2019, enquanto a renda de bilheteria tem queda de 38%.

2019 foi um ano de recuperação do crescimento do público nos cinemas, com 177,7 milhões de espectadores. Em seguida, veio a pandemia e o número de espectadores caiu para 39,4 milhões, um tombo de 78%. O baque no faturamento foi na mesma proporção, indo de R$ 2,8 bilhões para R$ 628 milhões, de 2019 para 2020. A dependência da quantidade de títulos se reflete nos números. Em 2019, 38 filmes tiveram público entre 500 mil e 2 milhões, enquanto 18 tiveram público superior a 2 milhões. Em 2022, os números passaram para 16 e 11, respectivamente.

O escritor Guilherme Dearo, 33, faz parte do público que reduziu drasticamente as idas ao cinema. Por ano, ele ia cerca de 30 vezes e foi apenas três nos anos de 2020 e 2021. Agora, aos poucos, retoma o hábito.

“O orçamento está mais apertado e os preços de comida e transporte estão mais caros. O ingresso para uma pessoa assistir a um único filme custa R$ 40. Os cinemas ainda estão vazios, sem filas e com muitas poltronas vagas. Por isso, muitos cinemas estão fechando. Os teatros, os bares e os shows estão cheios, mas o cinema não fica mais lotado por causa dos aplicativos de streaming”, diz.

O escritor Guilherme Dearo mantém um documento no qual registra os filmes que viu no cinema a cada ano Foto: Divulgação/Acervo Pessoal

Assim como outros produtos e serviços do dia a dia do brasileiro, o preço do ingresso para assistir uma longa nas telonas também inflacionou nos últimos meses. Dados do Índice de Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontam uma alta de 8,57% no preço dos cinemas para o acumulado do ano, praticamente o dobro do resultado geral da inflação no mesmo período, que ficou em 4,70% até outubro deste ano.

A venda de ingressos de cinema no mundo é um mercado que deve faturar US$ 16,94 bilhões em 2022, segundo previsão da consultoria Statista. O número representa um salto de 237,7% em relação a 2021, quando a receita global foi de apenas US$ 5 bilhões. Já no Brasil, a venda de ingressos de cinema faturou US$ 40 milhões em 2021, e deve fechar o ano de 2022 com US$ 142 milhões. A receita média por pessoa é de apenas US$ 9.53, pouco menos de um terço da média global. Entretanto, a recuperação do setor no País deve ser em ritmo mais forte do que a média mundial até 2027, crescendo anualmente 4,62%, ante 3,6%.

No vácuo deixado pelos cinemas, as grandes empresas de streaming apostaram pesado durante a pandemia e colheram bons frutos. A Netflix, por exemplo, superou a marca de 200 milhões de assinantes. A HBO ganhou novo fôlego com o HBO Max e produções originais, como episódios que reuniram elencos da série Friends e dos filmes da franquia Harry Potter. A Disney, enquanto perdeu público nos parques, viu seu serviço de streaming decolar e aproveitou para lançar produções originais da Marvel na plataforma.

“O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”

Tiago Mafra, diretor da Ancine

Mas, ainda no primeiro trimestre deste ano, a Netflix precisou demitir funcionários após uma queda brusca de assinantes pela primeira vez em 10 anos. Os motivos associados ao movimento são o fim das restrições sanitárias para conter a pandemia em diversos países, o aumento da concorrência e a redução do poder de compra no mundo. Ou seja, apesar dos desafios, os consumidores não têm intenção de abrir mão totalmente da experiência de ir ao cinema.

Tiago Mafra, diretor da Ancine, diz que houve uma redução de lançamentos de filmes a partir de 2020 e que o público ainda levará algum tempo para retomar o hábito de ir às salas. “De longe, o cinema foi o entretenimento mais afetado. O cinema voltou quando academias, restaurantes e bares já estavam em pleno funcionamento. Isso impactou o hábito do consumidor. Esses dois anos sem a rotina de ir ao cinema prolongam o retorno aos patamares pré-pandemia”, diz Mafra.

O executivo ressalta que a janela de exibição do cinema em relação a outros formatos, como streaming e TV paga, foi reduzida para dar rentabilidade às produções durante o período mais agudo da pandemia. Mas isso já está mudando e o público deve ser estimulado a voltar ao cinema, à medida que as produções voltem. “No ano que vem, poderemos ter melhor dimensão da recuperação do mercado porque teremos uma base de comparação melhor, com 650 filmes lançados por ano. Houve semanas neste ano sem filmes para o público infantil”, diz Mafra.

Para Luiz Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls, o público que não voltou ao cinema o fez por uma combinação de fatores, como o custo desse lazer, a redução do fluxo dos shoppings e a ascensão dos aplicativos de streaming. “O cinema não perdeu a atratividade. Mas as pessoas estão sendo mais seletivas para investir em um programa de cinema. O público prefere ir ao cinema quando há grandes títulos da Marvel e da Disney. Esse é um comportamento global que é uma consequência do streaming. A distância entre o filme sair do cinema e chegar à TV fechada ou streaming era mais longa e diminuiu. Por isso, os cinemas precisam mexer em suas estratégias. O cinema se torna um programa mais excludente à medida que há preços mais altos e poltronas mais sofisticadas”, afirma.

Marinho diz ainda que o panorama do setor mudou depois do auge da pandemia de covid-19, levando ao congelamento dos investimentos de expansão de grandes redes, o que abre uma oportunidade para as empresas brasileiras do ramo conquistarem território País afora. “Em 2019, a dificuldade era encontrar lugares para abrir novas salas de cinema. Havia negociações para fusões e aquisições para as empresas continuarem a crescer. Com a pandemia, houve mudança de comportamento do consumidor e alguns hábitos não voltaram, e talvez não voltem mais.”

Para Mafra, da Ancine, a trajetória de retomada da expansão das salas de cinema no País já começou. “O sentimento é que o pior já passou. Agora, é preciso ajustar a operação e voltar à expansão do segmento que tínhamos antes”, diz.

Recuperação

O setor busca recuperar o público com novas produções chegando às telas. Além do fator sazonalidade, há também investimentos para melhorar a experiência do consumidor. Desde antes da pandemia, o setor já apostava em tecnologia para modernizar as salas para atrair novos consumidores. Segundo especialistas, há dois caminhos principais para atrair o consumidor: criar salas sofisticadas ou reduzir os preços das entradas.

Ainda em 2019, a sul-coreana Samsung se uniu com a rede de cinemas Cinépolis e trouxe ao País a primeira sala Cinema Onyx 4K, que não tem projetor. Em vez disso, o painel da sala utiliza tecnologia LED, parecida com a dos televisores, mas com tamanho de 455 polegadas. A sala fica no Shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia, em São Paulo. Com a tecnologia, a tela pode oferecer picos dez vezes superiores em termos de brilho e contraste, em razão da ausência do projetor. A sala tecnológica representa um dos esforços do setor para atrair o público e, ao mesmo tempo, elevar o nível de experiência e preço dos ingressos.

Com uma estratégia diferente, neste ano, a rede Cinemark criou um novo programa de fidelidade chamado Cinemark Club. A assinatura mensal dá acesso a benefícios, como dois ingressos 2D por mês válidos para qualquer dia da semana, até 20% de desconto em petiscos selecionados, um combo (pipoca e refrigerante) no mês de aniversário do cliente, além de brindes exclusivos. Esse tipo de programa visa criar uma receita perene para a rede e restabelecer o hábito de ir ao cinema.

Na avaliação de Igor Kupstas, diretor da O2 Play - braço de vídeo da produtora O2 Filmes -, além do impacto no cinema como um todo, retomada ainda morosa afeta de maneira mais intensa às produções do cinema nacional, que por ter menos dinheiro em caixa que os gigantes de Hollywood, acabam sendo menos promovidos e encerram suas temporadas com público muito abaixo do necessário para tornar a obra rentável. “Os distribuidores ficam mais receosos de investir, os filmes são menos promovidos, há menos espaço para dinheiro bom, para riscos. Tem sido uma montanha-russa, pois há picos e quedas bruscas”, diz.

Para o executivo, uma saída possível para a queda nos faturamentos é diversificar. “Acho que mais conteúdos alternativos, em horários e preços diferenciados, podem ajudar a oxigenar as bilheterias”, afirma.

Enquanto as salas não voltam a ficar cheias, a maioria das empresas vai usando seu espaço de maneira a preencher as lacunas na sua agenda com eventos que nem sempre estão relacionados ao universo dos filmes. Palestras, festas de aniversário, sessões privadas, workshops, confraternizações e todo tipo de evento corporativo passaram a ser uma forma extra das companhias donas de salas de cinema para garantir o faturamento em tempos de baixa adesão do público.

Na rede Cinépolis, além das usuais sessões com filmes em cartaz, é possível alugar o espaço para palestras, eventos, salas com brinquedos para crianças e até realizar aniversários infantis. A rede oferece pacotes de festas para crianças de 1 a 12 anos em um salão de festas próprio. Outra opção que foge ao tradicional, são as “Sala Junior”, voltadas às crianças. No local, o público conta com acesso a brinquedos, doces e até um tobogã instalado dentro de uma sala de cinema. Nesses espaços, o preço do ingresso pode chegar até R$ 107, conforme site Ingressos.com.

Mas as opções diferentes dentro dos cinemas não se limitam apenas às crianças. Na rede concorrente, Cinemark, durante o período de escassez de público, a marca decidiu lançar o projeto “sua sessão”, em que os usuários poderiam fechar a sala do cinema por R$ 350. Pelo valor, quem contratasse o serviço poderia chamar até 20 pessoas para acompanhar um filme na rede e ter essa sensação de “serviço exclusivo”.

Apesar da disponibilidade do espaço para fins que fogem às exibições de obras cinematográficas, a procura por esse tipo de serviço parece não ter engatado ainda pelo País. Fontes ouvidas pelo Estadão relatam que, na maioria dos casos, a procura pelo aluguel das salas é baixa, ou quase inexistente. “Nós oferecemos essa possibilidade, mas não temos demanda por aqui”, afirmou uma fonte ligada a uma rede de cinemas com salas no interior de São Paulo.

Fuga de anunciantes

Assim como o público que ainda não voltou às salas, quem também não cravou seu retorno aos cinemas foram as marcas e os anunciantes. Isso fica claro em números do Cenp-Meios, o Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário, sobre os investimentos de mídia em cada tipo de veículo.

Segundo os dados da entidade, entre 2019 e 2021, os valores de anúncios feitos no espaço que antecede o início dos filmes despencou quase 80%. Para 2022, o desempenho não deve superar ainda os patamares pré-pandêmicos, isso porque de janeiro a junho deste ano - últimas informações compiladas pelo Cenp-Meios- o valor arrecadado era de apenas 30% do que foi arrecadado antes da pandemia.

Apesar de não ser um foco principal dos investimentos das agências de publicidade, o espaço nos cinemas era utilizado para ações de maior fôlego, que tivessem alguma conexão com o cinema, mas no pós pandemia, isso ainda não engatou. “Os anunciantes seguem com investimentos mais precisos, com isso o digital tem mais importância, fazendo com que o cinema não fique nem em segundo plano, mas em quinto”, diz uma executiva ligada ao mercado publicitário.

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