O mercado de maquininhas caminha para uma nova configuração nos próximos anos. De um lado, estarão as empresas controladas por bancos, com capital fechado e maior flexibilidade para praticar preços mais baixos. De outro, as desafiantes do setor, as empresas independentes, que precisam desenvolver ofertas bancárias e atrair os clientes. Em comum, os dois grupos correm atrás do mesmo objetivo: oferecer novos produtos, além do cartão de crédito.
No quarto trimestre do ano passado, o setor de cartões bateu R$ 1 trilhão de operações realizadas. Mas, apesar da cifra elevada, a indústria tem convido nos últimos tempos com um rival de peso, o Pix, que tem exigido novas estratégias para continuar elevando os lucros. Basicamente, as empresas querem diversificar as receitas e oferecer mais produtos para os clientes.
A Rede, do Itaú Unibanco, vislumbrou a necessidade de diversificar os ganhos há alguns anos. Em 2012, a empresa decidiu fechar o capital na Bolsa e, no ano passado, assumiu a liderança do setor após a integração com o banco chegar às pequenas e médias empresas. Esse movimento levou cerca de quatro anos, intervalo em que surgiu o Pix.
A integração feita por Itaú Unibanco na Rede agora é perseguida também por Bradesco e Banco do Brasil na Cielo, que já manifestaram interesse de retirar a empresa da Bolsa. Se a deslistagem for concluída, as três maiores forças do setor (que inclui a Getnet) serão empresas sem acionistas minoritários e que poderão, em teoria, praticar preços mais baixos. Traduzindo: para esses bancos, a adquirência (liquidação de transações por cartão de crédito e débito) deixou de ser um negócio por si para se tornar uma ferramenta bancária.
O consultor e presidente da Boanerges & Cia, Boanerges Ramos Freire, afirma que o processamento de pagamentos virou uma porta de entrada, primeiro para o crédito e depois para outros produtos, como gestão de caixa e seguros. “Falta essas empresas avançarem mais fortemente na direção de se recriarem, e isso significa sair do mundo de pagamentos baseados em cartão”, diz ele.
“Temos de ter a visão de que o banco é muito maior do que o adquirente, e um banco concorre com o outro atraindo mais clientes”, afirma o sócio fundador da Colink Business Consulting, Edson Luiz dos Santos. “Quando o banco briga pelas contas das Pequenas e Médias Empresas (PMEs), o adquirente ajuda a adquiri-las, e não o contrário.”
Construção
As empresas que entraram nesse mercado a partir da abertura, em 2010, fizeram esse cálculo. O PagBank lançou um banco digital em 2019, após comprar o antigo Banco Brasileiro de Negócios (BBN). O negócio surgiu para atender aos comerciantes que usavam as maquininhas PagSeguro, mas fez sucesso com o público pessoa física, que chegou a quase 11 milhões de clientes ativos no ano passado.
A empresa considera essa base uma fortaleza, mas tem direcionado esforços aos produtos e serviços para os comerciantes. “Durante o ano de 2023, focamos em fazer uma oferta de produtos e serviços financeiros e da conta corrente mais adequada para o pequeno e médio empresário”, afirma o CEO, Alexandre Magnani. Para deixar claro que também é banco, a empresa estendeu a marca PagBank a todo o negócio no ano passado.
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Stone e Mercado Pago não se manifestaram para essa matéria. Na Stone, o plano estratégico para os próximos três anos tem como metas levar a carteira de crédito a R$ 5,5 bilhões até 2027, alavancando o lucro líquido ajustado a R$ 4,3 bilhões. Até o terceiro trimestre do ano passado, os números acumulados eram de R$ 113,5 milhões e R$ 994 milhões, respectivamente.
O Mercado Pago, que atende clientes e comerciantes dentro e fora do Mercado Livre, tem feito um esforço para associar a marca à do controlador e se tornar mais conhecido do grande público. No ano passado, processou US$ 34,7 bilhões (R$ 172 bilhões) em transações na América Latina, mas não detalhou quanto disso veio do Brasil.
Reconstrução
As três líderes têm à disposição os produtos e serviços dos controladores, mas para acessá-los, têm de se integrar a eles. Os sistemas dos grandes bancos foram construídos para operar de forma independente das credenciadoras, e vice-versa. O mesmo acontece com as equipes comerciais.
“Tínhamos várias pessoas falando com o cliente, eventualmente cada uma querendo mostrar que seu produto era o melhor”, afirma Angelo Russomanno, diretor da Rede. A liderança de mercado tornou a empresa um paradigma no setor, mas levou tempo: o processo começou em 2020, oito anos após a saída da Bolsa, pelas empresas de maior porte, e chegou às PMEs no ano passado.
A união também é de sistemas. “Se não entendermos onde a oferta se encaixa, no médio prazo, nos perdemos. O modelo precisa funcionar em qualquer cenário”, diz Cassio Schmitt, CEO da Getnet. Ao contrário da Rede, a empresa não se tornou um canal dentro do Santander, e tem firmado outros acordos, inclusive com instituições financeiras, para distribuir produtos.
Caso a Cielo deixe a Bolsa, terá um desafio adicional: o controle por dois bancos, que são sócios e concorrentes. “Pode ser que amanhã os sócios dividam a empresa”, diz Santos, da Colink, mencionando o exemplo da Credicard, dividida entre Itaú e Citi no passado. “O movimento da Cielo, e do Bradesco e do Banco do Brasil, é para tentar recuperar mercado.”
A Cielo e o Bradesco não se manifestaram. O vice-presidente de Gestão Financeira e de Relações com Investidores do BB, Geovanne Tobias, afirmou que os dois bancos são sócios de longa data em empresas fechadas através da holding EloPar, para onde pretendem levar a Cielo. “Essa parceria é regida por acordos de acionistas maduros e estrutura de governança sólida que têm permitido o crescimento de companhias como Elo, Livelo e Alelo. Acreditamos, portanto, que o fechamento do capital da Cielo sob a estrutura da Elopar também será benéfico à nossa parceria”, disse ele, em nota.