A corretora Avenue nasceu em 2018, com a proposta de facilitar o acesso do brasileiro a investimentos nos Estados Unidos. De lá para cá, a empresa conquistou cerca de 600 mil clientes e mais de R$ 6 bilhões em ativos sob gestão. De olho nesses números, o Itaú viu uma oportunidade de expandir seus negócios e fechou acordo para a compra de 35% da empresa, por cerca de R$ 500 milhões, em julho. Com a Avenue, o Itaú poderá oferecer aos clientes um produto financeiro no exterior com experiência de uso simplificada, uma combinação vista somente nas fintechs atualmente.
O interesse dos brasileiros por investimentos lá fora vem em uma crescente, acompanhado pelo aumento da inflação no País. A demanda leva não só a aquisições como a do Itaú, mas também ao lançamento de fundos internacionais para investidores, mesmo aqueles que não são considerados “qualificados” (com mais de R$ 1 milhão em patrimônio investido).
Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o valor investido no exterior subiu 28,7% em novembro de 2021 em relação ao mesmo mês de 2020, chegando ao número recorde de R$ 827,19 bilhões.
Roberto Lee, cofundador e CEO da Avenue, diz acreditar que todos os brasileiros terão conta fora do País ao longo dos anos. “O público potencial do Brasil é o cliente de alta renda e de varejo. São 1,5 milhão de pessoas com mais de R$ 500 mil. A aceleração pode acontecer em cinco ou dez anos. Ao menos 30% do nosso público-alvo terá conta no exterior até 2027″, afirma Lee.
Roberto Lee, CEO da Avenue
O interesse do brasileiro no exterior acontece em um ano em que a taxa de juros e a inflação subiram tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Durante os últimos doze meses, a valorização do dólar perante o real foi de menos de 1%, mas foram registrados picos em que cada dólar custava por volta dos R$ 5,70. Já nos últimos cinco anos, o dólar subiu 69,7% ante o real. No período, a média da taxa Selic foi de 6,3%, enquanto a média da inflação foi de 5,1%, segundo dados do Banco Central.
“É como o sapo na panela de pressão. Ela vai esquentando e ele não percebe. O Brasil é muito volátil, mas quem está no País não sente tanto isso. O dólar não é volátil. Quem é volátil é o real. Empobrecemos com o dólar na casa dos R$ 5. A grande inflação que temos no Brasil é do dólar, mas isso acaba sendo mascarado. Há uma corrida de investimentos para fora do País para preservar o capital”, diz Lee.
O executivo diz que o brasileiro já superou a visão de que aplicações no exterior são ilegais. No entanto, o momento atual ainda é de desconfiança com essa classe de investimentos. Com a chancela de um grande banco, o Itaú, a percepção dos consumidores em relação aos ativos no exterior deve melhorar, o que pode impulsionar o mercado.
Para o Itaú, a aquisição da Avenue abre possibilidades de ampliar a carteira de crédito dos investidores e, ao mesmo tempo, oferecer uma solução de fácil utilização e que já está enquadrada no contexto regulatório brasileiro – o que pode evitar problemas com casos de evasão de divisas ou inadimplência com impostos americanos.
“Identificamos na Avenue uma oportunidade de associação, visto que ela é pioneira no setor, conta com uma solução simples e ágil, base de clientes, resultados comprovados e um corpo de profissionais extremamente qualificado, que possuem valores e interesses em comum com os do Itaú. Pretendemos dar mais visibilidade, nas plataformas do Itaú, para produtos e serviços da Avenue, além de simplificar o acesso para o procedimento de abertura de contas na corretora americana”, afirma Renato Lulia Jacob, diretor de inteligência de mercado e relações com investidores do Itaú Unibanco.
William Eid, diretor do centro de estudos em finanças da FGV
Inicialmente, a Avenue será uma opção de investimento para os clientes Personnalité, que têm R$ 50 mil ou mais investidos no banco, ou gastem R$ 10 mil por mês no cartão. Posteriormente, o plano é levar o investimento nos Estados Unidos como uma opção de aplicação para todos os clientes do Itaú.
Eleições impulsionam investidores para o exterior
Segundo William Eid, diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas, a tendência de aumento do número de investidores brasileiros que levam seus ativos para o exterior deve se manter, e os bancos surfam na onda do despertar para investimentos em economias mais sólidas do que o Brasil, como a dos Estados Unidos.
“O Brasil sempre foi uma economia extremamente fechada. Nosso índice de abertura é muito baixo, mesmo em relação a países da América Latina. O brasileiro só conhece o exterior pelo turismo. Com a maior facilidade de transacionar no exterior, os bancos descobriram esse mundo”, diz Eid.
O movimento é tanto para a proteção do dinheiro de investidores a oscilações do câmbio quanto um reflexo da falta de crença no avanço da economia brasileira. “Ao longo do tempo, a migração dos brasileiros e a remessa de recursos para o exterior mostram uma desilusão forte com o Brasil. Há muitos brasileiros morando em Portugal. As pessoas não conseguem trabalho, não conseguem se encaixar no mercado brasileiro. Além disso, os juros baixos abriram os olhos dos brasileiros para o exterior, mas o brasileiro típico ainda não sabe que pode fazer isso.”
Conta americana garantida
A aposta da Avenue é nas contas americanas para brasileiros, e não apenas em uma solução para levar e gastar dinheiro em viagens internacionais. Com a conta, o brasileiro pode contar com a proteção de seus ativos pelo Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), agência que garante o saldo das contas de forma parecida com o que acontece no Brasil com o Fundo Garantidor de Crédito.
Em uma eventualidade de problema com o banco, o saldo do brasileiro nos Estados Unidos é garantido por essa agência, diferentemente do que fazem outras fintechs que têm contas em dólar, mas com sede nas Ilhas Cayman.