Em dificuldade financeira no exterior, a multinacional WeWork tem enfrentado uma série de problemas para cumprir suas obrigações no Brasil. Nos últimos meses, a empresa deixou de pagar alugueis a fundos imobiliários, colocando inquilinos, como QuintoAndar, Rappi e Wise, sob risco de serem despejados, mesmo tendo as contas em dia.
Procurado, o WeWork afirmou, por meio de comunicado, que busca solucionar a situação. “Nossas ações temporárias têm o objetivo de acelerar as conversas para chegar a resoluções que sejam do melhor interesse de todo o nosso ecossistema, mutuamente benéficas e que estejam mais bem alinhadas com as condições atuais do mercado.”
A companhia ganhou destaque no mercado ao oferecer espaços corporativos compartilhados. A proposta é simples: ela atua como intermediária no aluguel de escritórios, proporcionando soluções flexíveis para empresas e profissionais. Em vez de fechar um contrato de aluguel em um único local, o WeWork permite que as empresas paguem conforme o espaço utilizado, seja na sua cidade ou em outras pelo Brasil e pelo mundo.
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Com a pandemia de covid-19, trabalho remoto forçado e aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, o endividamento da empresa aumentou e o negócio começou a ter problemas.
O WeWork chegou a ser financiado por grandes fundos globais, como SoftBank, BlackRock e Goldman Sachs. A história da derrocada da companhia, antes liderada pelo fundador retratado como megalomaníaco na série WeCrashed, da Apple TV+, parece ainda não ter chegado ao fim, e ganha mais um capítulo em terras brasileiras.
A partir de junho deste ano, a empresa começou a receber intimações e processos judiciais de despejo por inadimplência no País. No total, o valor das dívidas judicializadas chega a R$ 66 mi. A maior é a da HBR Realty, no valor de R$ 26,8 milhões, seguido por mais R$ 14,4 milhões da Stan Empreendimentos e Participações. Vinci Offices e V2 Investimentos também estão entre a lista de credores do WeWork no Tribunal de Justiça de SP.
No exterior, os problemas financeiros vieram da dificuldade de se adaptar às mudanças no mercado de escritórios nos últimos anos, uma vez que seus contratos de locação foram de longo prazo, com duração de 10 anos ou mais. No Brasil, a inadimplência segue padrão similar, com contratos de longo prazo firmados (pelo menos 10 anos) e dificuldades financeiras para pagar as contas. Segundo dados da plataforma Market Analytics, da Siila, o WeWork representava no segundo trimestre de 2024 uma fatia de 52% do mercado de coworkings (escritórios compartilhados) no País.
Diversos fundos de investimento imobiliário foram afetados pela inadimplência, entre eles Torre Almirante (ALMI11), Rio Bravo Renda Corporativa (RCRB11), Hedge AAA (HAAA11), Valora Renda Imobiliária (VGRI11), Vinci Offices (VINO11), Santander Renda de Alugueis (SARE11), Kinea Renda Imobiliária (KNRI11) e Torre Norte (TRNT11). No caso de inadimplência persistente, os cotistas dos fundos podem ter os dividendos temporariamente reduzidos até que os pagamentos sejam regularizados ou novos locatários fechem contratos pelo uso dos espaços corporativos. Para evitar problemas desse tipo, analistas recomendam a diversificação de investimentos. Na classe de fundo imobiliário, há opções com portfólios de dívidas, shoppings, galpões logísticos, renda urbana e lajes corporativas.
A crise do WeWork foi agravada pela autorização judicial do despejo dos inquilinos do escritório Girassol 555, na Vila Madalena, onde ficam as empresas QuintoAndar, Rappi e Wise. Em termos práticos, essas empresas, apesar de estarem com os aluguéis em dia, podem ficar sem acesso aos escritórios porque o WeWork não pagou o fundo de investimento Rio Bravo, que detém o prédio junto a outros coproprietários.
O QuintoAndar, também do setor imobiliário, reforça que tem operação com esquema de trabalho híbrido. “O QuintoAndar tem conhecimento da ação de despejo e está acompanhando o desenvolvimento desse processo, para entender seus impactos. O QuintoAndar vem cumprindo todas as obrigações contratuais estabelecidas com a WeWork e confia que o caso será solucionado em breve”, informou.
Já a Rappi informou estar acompanhando a ação desde que tomou conhecimento da situação com o WeWork e decidiu sair do edifício. “Vimos o caso com muita indignação, afinal o Rappi vinha cumprindo com todas as suas obrigações contratuais e de pagamento com o WeWork. A situação gerou um ambiente de incerteza e instabilidade, resultando em questionamentos de parceiros, clientes e funcionários”, disse a empresa. A Wise decidiu não se manifestar sobre a ação de despejo.
Outra ação de despejo também foi concedida, via liminar, no Edifício Seelinger, localizado no bairro Barra da Tijuca, da capital do Estado do Rio. O prédio pertence a dois proprietários, a gestora de imóveis Gaia Realizações Imobiliárias e o fundo de investimentos Fator Verità Multiestratégia (fundo imobiliário listado com o ticker VRTM11). As ordens de despejo têm prazos de 15 dias e, após isso, pode ocorrer o despejo coercitivo.
Marco Crespo, cofundador e chefe de operações da Woba, que atua no segmento de escritórios compartilhados, afirma que o caso do WeWork está ligado à sua época de crescimento, que se deu quando os contratos de aluguéis estavam altos e o modelo de negócio exigia também uma grande ocupação dos espaços, o que não aconteceu nos últimos anos, especialmente por causa da pandemia de covid-19.
Um contrato de locação fechado em 2019, por exemplo, por R$ 100 mil e reajustado pelo IPCA hoje seria de R$ 133 mil. Se o índice de reajuste fosse o IGP-M, seria de R$ 159 mil. Ou seja, o salto dos valores pode ser superior a 50%, a depender do contrato. Ainda assim, o WeWork recebe por locação temporária, além de receber por locações de prazos maiores.
Sendo assim, a empresa não recebe pela locação temporária se não tiver empresa interessada em alugar o espaço, mas deve arcar com as despesas mensais com o proprietário de qualquer forma. Existem ainda contratos de compartilhamento de receita da locação esporádica, e, nesse caso, nenhuma das partes recebe regularmente valores se não houver demanda.
Para Crespo, o mercado de escritórios compartilhados segue em ascensão no País, apesar da crise de inadimplência do WeWork. “A penetração de coworking ainda é hoje bem pequena. Ela é de 3% a 5% do mercado e isso tende a chegar a 20% ou 30%”, afirma.
Segundo o advogado Georges Louis Martens Filho, do escritório Martens & Dornaus Advogados, que tem clientes com contrato de locação vigente com a WeWork em São Paulo, a relação dos fundos com a empresa tem sido conturbada e os problemas com aluguéis começaram há alguns meses no País. A empresa ou pede descontos ou busca parcelamento das dívidas com posterior redução dos preços dos aluguéis futuros.
“Eles (o WeWork) estão pedindo descontos de uma maneira que o valor do aluguel ficaria super fora do mercado. Os proprietários são fundos listados, não dá para aceitar. É como se eles estivessem socializando o pagamento, estão compartilhando com o locador como se ele fosse sócio (do WeWork). Não é”, diz.
Martens Filho afirma que o pedido de recuperação judicial do WeWork no País é uma possibilidade, uma vez que avalia como muito provável que o negócio esteja deficitário na operação local, como está nos Estados Unidos, onde já deu entrada na recuperação judicial em novembro do ano passado, por meio do Chapter 11. Lá, a empresa busca acordos com credores e autorização judicial para deixar o status de endividamento máximo.
No País, o WeWork tem mais de 30 unidades em oito municípios, incluindo São Paulo, Alphaville, São Bernardo do Campo, Osasco, São José dos Campos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. A companhia tem ainda uma rede de 500 parceiros na plataforma Station by WeWork, que leva seu negócio a todos os Estados brasileiros, em mais de 150 cidades. A operação da companhia na América Latina é liderada pela executiva Claudia Woods, que antes foi CEO da Webmotors e diretora-geral do Uber no Brasil.
Segundo o WeWork, as negociações já estão resultando em acordos com locadores e a empesa segue comprometida em prestar o melhor serviço para os clientes.
O BTG Pactual informou que recebeu aos aluguéis atrasados do WeWork e que isso resultará em pagamento adicional de dividendos no valor de R$ 7,47 por cota do fundo imobiliário Torre Almirante.
A Rio Bravo não respondeu às tentativas de contato para comentar o assunto. O espaço segue aberto para a manifestação.
A Stan, que tem processo de despejo aberto contra o WeWork por inadimplência de aluguéis no valor de R$ 14,4 milhões, decidiu não se pronunciar sobre o caso.
A derrocada do IPO
O WeWork já está em recuperação judicial nos Estados Unidos, onde fica sua sede, e a possibilidade de se utilizar do recurso no mercado brasileiro não está descartada, segundo especialistas. Mas essa não é a primeira crise do WeWork. No auge, a empresa chegou a ser avaliada em US$ 47 bilhões (R$ 256 bilhões).
Porém, os problemas com a abertura de capital derrubaram o valor da empresa e a levaram ao endividamento. Em novembro do ano passado, ao pedir proteção judicial do Chapter 11, listou dívidas de US$ 18,6 bilhões (R$ 101 bilhões) e patrimônio de US$ 15 bilhões (R$ 81,9 bilhões).
A abertura de capital da companhia, inicialmente prevista para 2019, enfrentou contratempos e preocupações de governança que resultaram na saída do fundador Adam Neumann, num acordo custoso de US$ 445 milhões (R$ 2,4 bilhões), em 2021.
A abertura de capital foi na modalidade SPAC (aquisição de propósito específico) com a BowX Acquisition Corp, operação pouco convencional para esse tipo de negócio ligado à inovação, e avaliou a empresa em apenas US$ 9 bilhões (R$ 49,14 bilhões) , um quinto do valor que chegou a ser avaliada.
Neumann tentou recomprar parte do WeWork por US$ 500 milhões (R$ 2,73 bilhões), mas o acordo negociado com credores no fim de abril deste ano deixou o fundador de fora.
A Justiça ainda precisa autorizar o acordo para a empresa sair da recuperação judicial nos Estados Unidos, onde o cenário é favorável para uma retomada da empresa devido aos prejuízos que os fundos tiveram com a pandemia e dos quais ainda se recuperam.