Intriga e golpe na Disney: como o ex-CEO do grupo minou o trabalho de seu sucessor e voltou ao poder


Os bastidores de como Bob Iger indicou e nomeou Bob Chapek para o comando da Disney, mas se recusou a abrir mão do controle e acabou reassumindo o cargo

Por James B. Stewart e Brooks Barnes
Atualização:

Às 17 horas do dia 25 de fevereiro de 2020, Bob Chapek e Bob Iger se acomodaram em cadeiras iguais no estacionamento do estúdio da The Walt Disney Co. para uma série de entrevistas ao vivo com a mídia. A empresa tinha acabado de chocar praticamente todo mundo ao anunciar que o pouco conhecido Chapek substituiria o popular Iger como CEO do grupo.

Chapek, careca e atarracado, e Iger, grisalho, mas ainda assim elegante, contrastaram imediatamente, embora ambos estivessem vestidos com ternos azul-marinho e camisas brancas de colarinho aberto e ambos se chamassem Bob. Para evitar confusão, alguns se referiam a eles como “Bob One” e “Bob Two”, ou “Big Bob” e “Little Bob” (embora Chapek fosse mais alto e mais pesado). E ainda havia o “Bob Bonitão” e o “Bob Chato”.

Estátua de Walt Disney e Mickey Mouse no parque da Disney em Anaheim, Califórnia  Foto: Philip Cheung/NYT
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Em uma entrevista com Julia Boorstin, da CNBC, Chapek elogiou seu antecessor. “Obviamente, tenho muito trabalho a fazer”, disse ele com os olhos arregalados, elogiando a ‘mágica’ de Iger na administração da Disney. O mandato de 15 anos de Iger como CEO foi tão bem-sucedido que ele pensou em concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Democrata. A rainha Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o nomeou cavaleiro.

Iger disse que ele e Chapek trabalharam juntos “extremamente bem”, mas, no momento seguinte, qualificou esse elogio: “Na verdade, nossa equipe de gerentes seniores tem trabalhado muito bem em conjunto”.

Chapek ficou esperando em vão por algo mais efusivo, mais pessoal.

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Quando as perguntas - e a atenção - se voltaram inteiramente para Chapek, o comportamento normalmente descontraído de Iger se enrijeceu. Seu olhar se desviou para baixo, para longe de Chapek, e ele parecia cada vez mais desconfortável. Ele cruzou os braços.

Chapek estava intimamente familiarizado com a linguagem corporal e as expressões de Iger. “Isso não é bom”, pensou ele.

Ele estava certo sobre isso. Mas mal sabia que ele e Iger estavam prestes a se enfrentar em uma luta épica pelo poder corporativo.

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Quando Iger deixou o cargo de CEO - abruptamente, apenas algumas semanas antes de a pandemia do coronavírus mergulhar a Disney na pior crise de sua história -, o conselho da empresa concordou que ele poderia permanecer como “diretor criativo” e presidente executivo do conselho por mais dois anos.

Esse acordo quase foi desfeito por causa da questão de a quem, exatamente, Chapek responderia: se a Iger ou ao conselho. Um acordo de última hora, alcançado sem uma votação do conselho, fez com que Chapek se reportasse a ambos. Isso provou ser uma receita para o conflito, como Chapek logo começou a perceber.

Apenas algumas semanas após o início de seu mandato como CEO, Chapek expressou frustração. “Não posso sobreviver a mais dois anos assim”, disse Chapek a Arthur Bochner, seu chefe de equipe. Iger “não vai embora. Ele ficará aqui até morrer”.

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Bochner temia que Chapek se demitisse. Chapek acabou sendo privado até mesmo dessa opção. A diretoria o demitiu pouco antes do Dia de Ação de Graças de 2022.

Como ele temia, seu sucessor foi Iger.

Bob Iger, que voltou ao cargo de CEO da Disney Foto: Philip Cheung/NYT
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O New York Times reuniu as peças do que aconteceu dentro da Disney durante aqueles meses fatídicos, conversando com várias pessoas diretamente envolvidas. Muitas delas falaram extensivamente pela primeira vez sobre o que aconteceu, algumas apenas sob a condição de anonimato devido a seus acordos de confidencialidade com a Disney. Em cada instância em que uma conversa passada é reconstruída neste artigo, as palavras faladas foram confirmadas por várias pessoas com conhecimento das conversas.

Essas conversas revelam como o conselho e os executivos da Disney foram consumidos por conflitos e dramas no momento em que a empresa enfrentava uma reviravolta histórica no setor de entretenimento. Quando a pandemia chegou, logo que Chapek assumiu o cargo, a empresa teve de fechar temporariamente seus parques temáticos altamente lucrativos. Na primavera de 2022, a bolha do streaming estourou, fazendo com que os investidores fugissem de todas as ações de mídia, incluindo a Disney.

Mas, dentro da Disney, grande parte do foco estava na tentativa de gerenciar as tensões entre Iger e Chapek.

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Esses problemas têm uma importância renovada agora, quando a Disney embarca em mais uma busca para encontrar alguém para suceder Iger, cujo contrato termina em 31 de dezembro de 2026.

Para uma empresa que apresenta seus parques temáticos como o “Lugar mais feliz da Terra”, a sede corporativa da Disney tem sido tudo menos isso - um foco de intrigas e disputas de poder. O ex-chefe de gabinete de Chapek disse que a suíte executiva do sexto andar da empresa era um “ninho de cobras”.

Iger ascendeu há quase duas décadas, após uma disputa de poder entre Michael Eisner, CEO de longa data, e Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney e membro do conselho do grupo. Naquela época, Eisner já havia promovido e depois despachado dois sucessores escolhidos a dedo, Jeffrey Katzenberg, que se tornou cofundador da DreamWorks, e Michael Ovitz, que já foi o agente mais poderoso de Hollywood.

Iger, que começou sua carreira como meteorologista em um canal a cabo no interior do Estado de Nova York, prometeu nunca seguir os passos de Eisner. Para os amigos, ele zombava dos temores de Eisner de deixar a Disney - de que seus telefonemas para os executivos poderosos não seriam retornados e de que ele não conseguiria fazer reservas nos melhores restaurantes. Ele disse a Chapek e a outros que nunca ficaria mais de 10 anos na empresa.

Iger parecia estar no caminho certo para honrar essa promessa. Certa vez, enquanto Chapek dirigia a divisão de produtos de consumo da Disney, Iger fez uma rara visita não programada a Chapek em seu escritório, a vários quilômetros da sede da empresa. Iger perguntou se Chapek achava que Jay Rasulo ou Tom Staggs, dois executivos de alto escalão, deveriam sucedê-lo como CEO.

“Você quer minha resposta honesta?” Chapek respondeu. “Nenhum dos dois.”

“Foi o que pensei que você diria”, disse Iger, de acordo com Chapek, e então começou a listar seus respectivos defeitos.

Foi a primeira vez que Chapek teve a impressão de que poderia ser a escolha real de Iger como sucessor.

Bob Chapek foi o escolhido por Iger para sucedê-lo, mas durou pouco no cargo de CEO Foto: Alex Welsh/NYT

Mas suas esperanças foram frustradas quando, em fevereiro de 2015, Iger nomeou Staggs, então presidente do parque temático, como diretor de operações e provável herdeiro. Na mesma época, a diretoria prorrogou o contrato de Iger por dois anos, até 2018, com a expectativa de que Iger passaria grande parte desse tempo preparando Staggs como seu sucessor.

Mas Iger não gostou dele. Ele reclamou que a Shanghai Disneyland, o projeto de Staggs na China, estava atrasado e acima do orçamento. Iger afastou Staggs em abril de 2016.

Chapek voltou à disputa.

Ele começou a trabalhar na Disney em 1993, no departamento de fitas VHS, chegando a supervisionar toda a distribuição de filmes. Em 2011, assumiu o controle da divisão de produtos de consumo da Disney, que logo ficou repleta de vendas de mercadorias de “Frozen”. Em 2015, Chapek foi promovido para dirigir os parques temáticos, supervisionando pelo menos US$ 24 bilhões em investimentos, incluindo as novas atrações de “Star Wars”, “Vingadores” e “Toy Story”.

Chapek era leal a Iger até ao ponto de ser obsequioso. Sozinho entre os gerentes seniores da Disney, ele rotineiramente chamava Iger de “boss” (“chefe”) em vez de “Bob”, o que Iger considerava cativante.

Ao mesmo tempo, Chapek não tinha o carisma de Iger e não era um comunicador natural.

Iger disse a Chapek para agendar uma série de reuniões individuais com os diretores da Disney para criar um relacionamento e expor sua visão para o futuro da empresa. Mas, no final de 2017, a Disney fechou um acordo para comprar os ativos de entretenimento da 21st Century Fox. Iger recebeu um grande bônus por consumar o acordo - prêmios em ações de até US$ 142 milhões pelo preço atual dos papéis de empresa na época - e o conselho prorrogou seu contrato pela sexta vez. Ele agora se aposentaria no final de 2021.

Chapek cancelou seus planos de se reunir com os diretores.

Há vida depois da Disney?

Um CEO da Disney é uma celebridade instantânea. Ele (todos foram homens) preside o que é visto como alguns dos negócios mais poderosos e glamourosos do mundo: os estúdios de cinema Marvel, Disney, Pixar, Lucasfilm e 20th Century; a rede de TV ABC e a divisão de notícias; canais a cabo como ESPN, FX e National Geographic. Seus 12 parques temáticos atraíram um total de 142 milhões de visitantes em 2023. E, mesmo para os padrões dos CEOs, a remuneração é enorme. A Forbes estima o patrimônio líquido de Iger em mais de US$ 700 milhões.

Com um iate, um jato corporativo, poder e influência, Iger e sua esposa, Willow Bay, ex-âncora de televisão e atual reitora da escola de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, se reuniram com um público seleto: Barack e Michelle Obama, Jeff Bezos, Steven Spielberg, David Geffen e Oprah Winfrey, para citar apenas alguns.

Bob Iger e sua esposa, Willow Bay, em um baile em Los Angeles Foto: Sinna Nasseri/NYT

Uma vez no cargo, Iger se perguntou (assim como Eisner antes dele): Se fosse destituído de seu poder e de sua remuneração multimilionária na Disney, seu fascínio diminuiria?

Ele sempre reclamava com Chapek (e com os membros do conselho) sobre sua remuneração. Essa era uma fonte frequente de tensão entre ele e Susan Arnold, que participou do comitê de remuneração por muitos anos.

Quando o conselho da empresa se reuniu em dezembro de 2019, Iger abordou a ideia de se afastar, mas não de sair completamente. “Por que não aceleramos o processo?” sugeriu Iger. Chapek foi sua escolha para sucedê-lo. Iger disse à diretoria que Chapek conhecia bem a marca, respeitava-a e não causaria nenhum dano. Ele também disse que Chapek tinha grande integridade.

Um dos diretores da Disney, Mark Parker, havia decidido recentemente deixar o cargo de CEO da Nike e se tornar presidente do conselho. Iger pensou em fazer a mesma coisa. Esse modelo permitiria que ele ficasse na Disney até o fim de seu contrato fazendo o que mais gostava, supervisionando os empreendimentos criativos da empresa. Chapek se tornaria o CEO e cuidaria de todo o resto. Um elemento crucial era o fato de que todos os líderes de divisão se reportariam a Chapek, mas Chapek se reportaria a Iger, deixando Iger no comando final. Havia também um incentivo financeiro óbvio: Iger ainda tinha mais de US$ 100 milhões em opções de ações não adquiridas e sua liderança poderia ajudar a proteger seu valor.

Safra Catz, CEO da Oracle e membro da diretoria da Disney, rebateu. Por que nomear Chapek CEO em vez de diretor de operações?

Iger disse que não queria uma repetição da situação com Staggs, em que as pessoas achavam que Staggs estava apenas fazendo um teste para o cargo mais alto e que poderiam superá-lo indo até Iger.

Mas, em uma rara demonstração de resistência, o conselho não se deixou convencer. Ele concordou em considerar a questão durante as festas de fim de ano.

Quando os membros do conselho se reuniram no final de janeiro de 2020, em Los Angeles, eles já haviam se decidido. Iger deu a boa notícia a Chapek imediatamente, dizendo que um anúncio seria feito em apenas três semanas, em 25 de fevereiro.

Por que a pressa? Zenia Mucha, diretora de comunicações da Disney e conselheira próxima de Iger, aconselhou o atraso; ela discordava de todo o plano, inclusive da escolha de Chapek. Mas Iger foi inflexível.

Em meados de fevereiro, o coronavírus estava se espalhando amplamente, e a pressão que poderia exercer sobre a empresa estava ficando clara. Iger havia recebido um briefing detalhado em Nova York da equipe da ABC News que estava cobrindo a história. Os parques temáticos da Disney em Xangai e Hong Kong já haviam sido fechados.

David Jefferson, porta-voz da Disney, disse que a pandemia não teve nada a ver com o momento da mudança de liderança. Os membros da diretoria concordaram, mas, quando pressionados, não ofereceram nenhuma explicação para a pressa, a não ser o que Iger queria.

‘Não pise nos pés dele’

Quando Chapek compartilhou a boa notícia de sua promoção com sua esposa, Cindy, ela ficou cética. “Já ouvimos isso antes”, disse a ele. Mas a principal diretora independente do conselho, Susan Arnold, voou de sua casa no Oregon para se encontrar com Chapek na Rotunda, como é conhecida a sala de jantar dos executivos da Disney. Lá, ela confirmou que ele era a escolha unânime da diretoria para suceder Iger como CEO. “Isso está acontecendo”, garantiu-lhe Arnold.

Disseram a Chapek que não havia tempo para que ele se reunisse com outros diretores. Embora eles tivessem se reunido com Chapek em suas funções anteriores, a ideia de que não havia tempo ou necessidade de entrevistá-lo para avaliar sua capacidade de atuar como CEO, sem mencionar a exploração de sua visão para o futuro de uma empresa em meio a mudanças profundas, parece inexplicável.

Arnold reconheceu que o acordo incomum, no qual Iger permaneceria como presidente do conselho e diretor de criação, apresentava um potencial de conflito. Ela pediu a Chapek que lhe mostrasse deferência. “Dê a ele um grande espaço” em questões criativas, ela aconselhou. “Não pise nos pés dele.”

A princípio, Chapek não faria parte do conselho da Disney, fato incomum para um CEO do grupo Foto: Alex Welsh/NYT

Notavelmente, Chapek não se juntaria ao conselho da Disney, o que era incomum, já que quase todos os CEOs também atuam como membros do conselho, em muitos casos como presidente. Mas o conselho queria um período de experiência para Chapek e queria enfatizar que ele se reportaria a Iger. Seria estranho se Chapek também fosse membro do conselho responsável pela supervisão de Iger.

Nos dias que antecederam o anúncio, Iger informou apenas alguns dos principais executivos, entre eles Christine McCarthy, diretora financeira. Como quase todo mundo que recebeu a notícia, ela ficou surpresa. Ao mesmo tempo em que se comprometeu a ajudar Chapek a ter sucesso, ela apontou alguns de seus pontos fracos: ele não sabia quase nada sobre o negócio de televisão, não sabia nada sobre programação esportiva, não tinha muitos relacionamentos com talentos de Hollywood, não tinha lidado com Wall Street.

Iger concordou que Chapek não parecia ser especialmente criativo. Mas Iger havia enfrentado as mesmas críticas quando foi nomeado presidente da ABC Entertainment em 1989.

“Acho que ele pode fazer isso”, insistiu Iger. “E eu ainda estarei por perto.”

Acerto de última hora

Em 24 de fevereiro, véspera do anúncio de Chapek, o plano de sucessão quase desmoronou.

Alan Braverman, conselheiro geral de longa data da Disney, ligou para Iger para dizer que, de acordo com os estatutos da empresa, o CEO tinha de se reportar ao conselho - e não a Iger. Para Iger, isso não era uma opção. Ele queria manter o controle final.

Foram Braverman e Mucha que chegaram a um acordo concebido às pressas: Chapek se reportaria ao conselho e a Iger.

Iger não se importou com isso, pois, do seu ponto de vista, Chapek ainda se reportava a ele. Iger insistiu para que o anúncio fosse feito na manhã seguinte, conforme programado, embora os membros da diretoria não tivessem discutido em grupo, e muito menos aprovado, o novo acordo de reporte duplo.

Ninguém contou a Chapek sobre a mudança na estrutura de reporte. Mas Chapek não estava muito preocupado com isso, porque Iger sempre o apoiou muito.

Em outro sinal de que Iger pretendia manter uma presença visível, ele decidiu ficar no escritório que ele e Eisner haviam ocupado como CEOs. Chapek foi relegado a um espaço menor nas proximidades. Esse arranjo só aumentou a confusão interna sobre o novo status de Chapek.

Os membros do conselho não ficaram entusiasmados com a decisão sobre o escritório ou com a mudança na dupla relatoria. Mas, como aconteceu em muitos casos, o conselho concordou com o que Iger queria.

Chapek e Iger enfrentaram as câmeras como planejado no dia seguinte. O anúncio da empresa dizia que a mudança tinha “efeito imediato”.

A mudança repentina chocou e deixou Hollywood perplexa. Paul McCartney, amigo íntimo de Iger, ligou para ele para perguntar se estava doente.

Cachorrinho de Iger

Cerca de duas semanas depois, em 11 de março, Chapek faria sua estreia formal como CEO na reunião anual de acionistas da Disney. Chapek estava nervoso, ainda mais porque falar em público nunca foi seu forte.

Antes da reunião, a equipe de relações com investidores da Disney preparou fichários com informações sobre todos os dados e perguntas que poderiam surgir. Munidos desses fichários, Iger e Chapek se acomodaram no compartimento dianteiro do jato Gulfstream da Disney para o voo de quatro horas e meia até Raleigh, Carolina do Norte, local da reunião daquele ano, para o que Chapek esperava que fosse uma longa sessão de preparação.

Vários passageiros, incluindo Chapek, lembram que Iger pegou seu iPad e começou a folhear fotografias recentes, contando as histórias por trás delas. Havia fotos suas com McCartney e de convidados de jantares recentes em Nova York. Chapek disse que tentou voltar a discussão para a reunião anual, mas Iger o interrompeu: “Você viu o design do meu novo iate?”

Incomodado com as digressões de Iger, Chapek se levantou e foi para o compartimento traseiro do avião.

A ausência prolongada de Chapek foi notada na cabine da frente. “Bob quer ser informado ou não?” Iger perguntou a seus colegas passageiros: McCarthy, Mucha e Braverman. Finalmente, Iger se levantou e foi procurar Chapek.

“Bob, você quer se sentar conosco para que possamos informá-lo?” perguntou Iger.

“Não está tudo aqui?” respondeu Chapek, segurando o fichário. Iger disse que o livro não conseguiria transmitir as nuances. Mas Chapek disse que revisaria o livro e o avisaria se tivesse alguma dúvida. Ele voltou à sua leitura.

De repente, Iger se sentiu como se estivesse no altar do casamento com a noiva caminhando pelo corredor. Ele percebeu que havia cometido um erro terrível. Mas já era tarde demais.

No caminho de volta para a Califórnia, o governador Gavin Newsom ligou para Iger antes de anunciar que restringiria as reuniões públicas na Califórnia por causa da covid-19. Mas ele achava que a Disneylândia poderia permanecer aberta. O governador não queria que as pessoas entrassem em pânico - e ele temia que entrassem se a Disneylândia fechasse.

Iger argumentou a Newsom que manter o parque temático aberto era uma má ideia, dados os riscos à saúde dos visitantes e funcionários. Mais tarde, Newsom elogiou publicamente o conselho e a cooperação de Iger.

Chapek não discordou da decisão de fechar os parques, mas ficou furioso com o fato de Iger tê-lo excluído.

Parque da Disney na Flórida em julho de 2020, época em que começaram a ser reabertos, mas com capacidade limitada por conta da covid  Foto: Eve Edelheit/NYT

Os executivos da Disney estavam preocupados com o choque que o fechamento dos parques causaria no fluxo de caixa da empresa. McCarthy e Chapek tomaram a decisão de dispensar rapidamente, embora com benefícios de saúde, mais de 90 mil funcionários dos parques temáticos.

Mas Iger rejeitou a decisão. Ele decidiu esperar até que o governo aprovasse um projeto de lei de ajuda para as perdas com a covid.

‘Ele está me matando’

Por mais que Chapek se sentisse marginalizado, os dois mantiveram pelo menos uma fachada de cooperação. Por causa da covid, ninguém ia ao escritório, mas Chapek falava com Iger semanalmente por telefone e, às vezes, ia vê-lo em sua casa em Brentwood, um bairro de luxo de Los Angeles, onde faziam caminhadas usando máscaras. Iger nunca foi ver Chapek em sua casa em Westlake Village, um subúrbio distante (um porta-voz de Iger disse que ele nunca foi convidado).

A pedido de Chapek, os dois realizaram uma série de reuniões com funcionários, nas quais Iger deveria reforçar a mensagem de que Chapek estava agora no comando. “Meu objetivo é que Bob seja bem-sucedido e, na medida em que eu puder ajudá-lo a fazer isso, eu o farei”, disse Iger na primeira reunião que realizaram, em fevereiro de 2020.

Mas quase tudo o que Chapek fez (ou não fez) reforçou a sensação de Iger de que nomear Chapek como seu sucessor havia sido um grande erro. Iger expressou sua frustração com amigos em Hollywood. A notícia se espalhou, e alguém entrou em contato com o colunista de mídia do Times na época, Ben Smith, para dizer que Iger estava reafirmando o controle. Smith também ligou e falou com Iger, que respondeu com um e-mail.

No domingo, 12 de abril, Chapek organizou uma festa tardia para a família e amigos em sua casa para comemorar sua promoção. Um amigo lhe enviou por e-mail a coluna de Smith, que acabara de ser publicada online. Chapek saiu da festa e a leu.

“Depois de algumas semanas deixando Chapek assumir o comando, Iger reafirmou o controle com tranquilidade”, escreveu Smith. Chapek leu com uma descrença crescente.

Smith chamou Chapek de “o novo executivo-chefe nominal” e até especulou que a escolha do sucessor de Iger “pode estar aberta novamente”.

Smith citou Iger dizendo em um e-mail que “uma crise dessa magnitude e seu impacto sobre a Disney, necessariamente resultaria em minha ajuda ativa a Bob (Chapek) e à empresa para enfrentá-la, especialmente porque dirigi a empresa por 15 anos!”

Chapek ligou imediatamente para Zenia Mucha, a executiva de comunicações. “Que diabos é isso?”, perguntou ele. Tentando acalmá-lo, ela argumentou que a coluna não era tão ruim assim.

“Ele está me matando”, respondeu Chapek.

Chapek não dormiu naquela noite. Na manhã seguinte, ele confrontou Iger por telefone.

Iger negou que tivesse falado com Smith, o que enfureceu ainda mais Chapek, que apontou que a citação de Iger veio diretamente de um e-mail. Iger disse que não entendia por que Chapek estava tão irritado. O que havia de errado em dizer que ele estava reafirmando o controle em meio a uma crise?

“Você cortou minhas pernas”, disse Chapek. “Nunca me senti tão mal em minha vida”.

No que dizia respeito a Iger, seu relacionamento com Chapek havia terminado.

‘Isso também vai passar’

A partir das 6h da manhã de segunda-feira, Jayne Parker, diretora de recursos humanos da Disney, ligou para os diretores da Disney para alertá-los sobre a fúria de Chapek. Ela fez com que um deles saísse da cama para atender a ligação.

Chapek, furioso, falou ao telefone com Susan Arnold. Era a primeira vez que ele falava sobre a briga com alguém do conselho. Ele não queria chamar a atenção para algo que parecia insignificante em comparação com uma pandemia, mas sentiu que isso não poderia mais ser ignorado.

Chapek, que considerava alguns outros membros do conselho ferozmente leais a Iger, achava que havia desenvolvido um bom relacionamento com Arnold, que havia passado a maior parte de sua carreira no Meio-Oeste na Procter & Gamble, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da empresa. Chapek, filho de um maquinista de Hammond, Indiana, havia começado a trabalhar com produtos embalados, trabalhando na divisão de alimentos para animais de estimação da Heinz e ajudando a comercializar o queijo Kraft.

Arnold também sabia algo sobre sucessão corporativa: ela havia sido uma das principais candidatas a CEO da Procter & Gamble, mas se retirou da disputa e deixou a empresa em 2009, em parte porque, como uma importante executiva homossexual, não queria que sua vida pessoal fosse analisada publicamente, algo que provavelmente acompanharia o cargo.

Arnold ficou surpreso com a veemência da reação de Chapek à coluna. Ela achou que ele parecia paranoico, achando que Iger estava querendo destruí-lo. Ela pediu que ele se acalmasse e obedecesse a Iger, como já havia aconselhado antes.

“O que restará de minha reputação?”, rebateu Chapek.

“Isso também vai passar”, respondeu ela. Iger sairia em 20 meses, e o prêmio de CEO seria somente de Chapek.

Chapek praticamente implorou para ser nomeado para o conselho como uma demonstração de confiança nele. Arnold conversou com vários outros conselheiros. Nenhum deles tinha conhecimento da profundidade da hostilidade que havia se desenvolvido entre Iger e seu sucessor designado. Mas eles concordaram que isso poderia prejudicar sua posição. Os conselheiros agora achavam que não tinham outra escolha a não ser nomear Chapek como diretor, como uma demonstração de apoio.

Arnold ligou para Iger e o repreendeu pela coluna. Ela lhe disse que era a pior coisa que poderia ter acontecido a Chapek. Ela ressaltou que se Iger tivesse aceitado a sugestão do conselho de nomear Chapek inicialmente como diretor de operações, em vez de CEO, nada disso estaria acontecendo. De qualquer forma, a discussão tinha de parar.

Iger ficou surpreso tanto com o tom quanto com a essência da ligação de Arnold. Ela parecia estar do lado de Chapek, embora ele fosse CEO há menos de dois meses e Iger ainda fosse o responsável final. Iger achava que ela e outros membros do conselho deveriam estar felizes pelo fato de ele estar assumindo o cargo durante uma crise, especialmente quando a liderança de Chapek tinha sido tão fraca.

Em 15 de abril, três dias após a publicação da coluna de Smith, Chapek foi nomeado para o conselho da Disney.

Bob Chapek posa para fotos com visitantes da Disney em 2022 Foto: Alex Welsh/NYT

Em junho, o conselho agendou sessões privadas por videochamada com os dois homens para tratar do conflito. Iger foi o primeiro. Ele expôs suas reclamações sobre a liderança de Chapek. Chapek não tinha nenhuma posição na comunidade criativa e não havia feito nenhum esforço para melhorá-la. Ele havia faltado às reuniões de criação.

Chapek disse que lamentava que suas diferenças tivessem se tornado um problema para o conselho.

A mensagem do conselho para os dois homens: a empresa estava em crise, e eles precisavam começar a agir como adultos e trabalhar juntos.

Nos meses que se seguiram, Iger parecia cada vez mais irritado com a reação do conselho à coluna de Smith. “Por que você é tão hostil com o conselho?”, Chapek finalmente perguntou durante uma de suas ligações, que continuaram, apesar das tensões.

Iger disse-lhe que ele não conseguia lidar com a verdade e, em seguida, prosseguiu dizendo que, antes de o conselho concordar em nomear Chapek como CEO, os diretores haviam garantido a Iger que, se ele achasse que não estava dando certo, poderia demitir Chapek e retornar como CEO quando quisesse.

Ellen Davis, porta-voz de Chapek, confirmou esse relato.

Imediatamente após a ligação, Chapek ligou para Arnold. “Do que ele está falando?”, perguntou.

Arnold tentou minimizar o fato. “Bem, você conhece o Bob”, respondeu Arnold. “Ele pode pensar assim, mas deixe para lá.”

Não era a resposta que Chapek estava esperando.

Jefferson, o porta-voz da Disney, disse que nunca houve tal entendimento entre Iger e o conselho. A afirmação de que ele poderia voltar quando quisesse “não era algo que Iger teria dito”, acrescentou Jefferson.

Para Chapek, esse foi um momento decisivo. Não se tratava apenas de paranoia: ele agora estava convencido de que Iger estava tentando se livrar dele e retornar como CEO, e que o conselho poderia permitir.

A última prorrogação?

Chapek saiu com mais de US$ 20 milhões em indenizações (depois de ganhar pouco mais de US$ 24 milhões em 2022), mas sua reputação estava em frangalhos.

Depois de ser demitido, Chapek contratou Bryan Freedman, um advogado de Los Angeles conhecido por lidar com demissões de grandes nomes da mídia. Freedman disse ao Times que havia aconselhado Chapek que ele tinha “uma ação judicial muito forte contra Bob Iger por interferir ilegalmente em sua capacidade de fazer seu trabalho”. Mas Chapek lhe disse que seus filhos e netos eram uma “família Disney” e que ele não poderia entrar com uma ação judicial que pudesse prejudicar a empresa, disse Freedman.

A Disney respondeu com uma declaração dizendo que Chapek foi demitido porque “ele não era mais a pessoa certa para atuar como CEO durante um período cada vez mais complexo de transformação do setor”.

Amordaçado por um acordo de indenização, Chapek permaneceu em segundo plano diante do que ele considera relatos pouco lisonjeiros, injustos e, em alguns casos, imprecisos de sua liderança. Poucas oportunidades surgiram em seu caminho.

Desde o início como CEO da Disney, Chapek enfrentou desafios assustadores que estavam fora de seu controle: o início de uma pandemia, a agitação em um setor que estava sendo transformado pelo streaming e a hostilidade aberta de um antecessor muito admirado e ainda poderoso.

Ao mesmo tempo, ele certamente contribuiu para seu próprio fim. Logo após ser nomeado CEO, ele parou de se aproximar de Iger. E, no final, quase toda a sua equipe executiva se voltou contra ele, até mesmo as pessoas que ele havia contratado e promovido. O mesmo aconteceu com o conselho.

Chapek, segundo seu porta-voz, “continua profundamente orgulhoso” por ter conduzido a Disney pelo “terreno sem precedentes” da crise da covid, “enquanto trabalhava para transformar a Disney em uma empresa de mídia preparada para o sucesso futuro. Chapek está confiante de que, na ausência da campanha de seu antecessor e sucessor final contra ele, essa visão coletiva teria sido realizada sob sua liderança”.

Os atuais executivos da Disney dizem que Iger restaurou o moral e trouxe a estabilidade necessária para as fileiras da administração.

Poucas rixas entre executivos de alto escalão atingiram o nível de intensidade e amargura que existe entre Iger e seu sucessor escolhido a dedo. Iger considerou a escolha de Chapek para o cargo principal o pior erro de sua carreira. Ainda assim, a pergunta persiste: como Iger pode ter julgado Chapek tão mal depois de trabalhar com ele por quase 30 anos? “Eu me esforcei muito para conduzir minha própria autópsia, para que nós, como empresa, não façamos isso novamente”, disse Iger no DealBook Summit do The New York Times no ano passado, mas ele se recusou a revelar quaisquer conclusões.

A Disney disse que Iger não tinha mais nada a acrescentar.

No verão passado, a diretoria da Disney prorrogou o contrato de Iger mais uma vez, até o final de 2026. Iger está convencido de que essa será a última prorrogação.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA

Às 17 horas do dia 25 de fevereiro de 2020, Bob Chapek e Bob Iger se acomodaram em cadeiras iguais no estacionamento do estúdio da The Walt Disney Co. para uma série de entrevistas ao vivo com a mídia. A empresa tinha acabado de chocar praticamente todo mundo ao anunciar que o pouco conhecido Chapek substituiria o popular Iger como CEO do grupo.

Chapek, careca e atarracado, e Iger, grisalho, mas ainda assim elegante, contrastaram imediatamente, embora ambos estivessem vestidos com ternos azul-marinho e camisas brancas de colarinho aberto e ambos se chamassem Bob. Para evitar confusão, alguns se referiam a eles como “Bob One” e “Bob Two”, ou “Big Bob” e “Little Bob” (embora Chapek fosse mais alto e mais pesado). E ainda havia o “Bob Bonitão” e o “Bob Chato”.

Estátua de Walt Disney e Mickey Mouse no parque da Disney em Anaheim, Califórnia  Foto: Philip Cheung/NYT

Em uma entrevista com Julia Boorstin, da CNBC, Chapek elogiou seu antecessor. “Obviamente, tenho muito trabalho a fazer”, disse ele com os olhos arregalados, elogiando a ‘mágica’ de Iger na administração da Disney. O mandato de 15 anos de Iger como CEO foi tão bem-sucedido que ele pensou em concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Democrata. A rainha Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o nomeou cavaleiro.

Iger disse que ele e Chapek trabalharam juntos “extremamente bem”, mas, no momento seguinte, qualificou esse elogio: “Na verdade, nossa equipe de gerentes seniores tem trabalhado muito bem em conjunto”.

Chapek ficou esperando em vão por algo mais efusivo, mais pessoal.

Quando as perguntas - e a atenção - se voltaram inteiramente para Chapek, o comportamento normalmente descontraído de Iger se enrijeceu. Seu olhar se desviou para baixo, para longe de Chapek, e ele parecia cada vez mais desconfortável. Ele cruzou os braços.

Chapek estava intimamente familiarizado com a linguagem corporal e as expressões de Iger. “Isso não é bom”, pensou ele.

Ele estava certo sobre isso. Mas mal sabia que ele e Iger estavam prestes a se enfrentar em uma luta épica pelo poder corporativo.

Quando Iger deixou o cargo de CEO - abruptamente, apenas algumas semanas antes de a pandemia do coronavírus mergulhar a Disney na pior crise de sua história -, o conselho da empresa concordou que ele poderia permanecer como “diretor criativo” e presidente executivo do conselho por mais dois anos.

Esse acordo quase foi desfeito por causa da questão de a quem, exatamente, Chapek responderia: se a Iger ou ao conselho. Um acordo de última hora, alcançado sem uma votação do conselho, fez com que Chapek se reportasse a ambos. Isso provou ser uma receita para o conflito, como Chapek logo começou a perceber.

Apenas algumas semanas após o início de seu mandato como CEO, Chapek expressou frustração. “Não posso sobreviver a mais dois anos assim”, disse Chapek a Arthur Bochner, seu chefe de equipe. Iger “não vai embora. Ele ficará aqui até morrer”.

Bochner temia que Chapek se demitisse. Chapek acabou sendo privado até mesmo dessa opção. A diretoria o demitiu pouco antes do Dia de Ação de Graças de 2022.

Como ele temia, seu sucessor foi Iger.

Bob Iger, que voltou ao cargo de CEO da Disney Foto: Philip Cheung/NYT

O New York Times reuniu as peças do que aconteceu dentro da Disney durante aqueles meses fatídicos, conversando com várias pessoas diretamente envolvidas. Muitas delas falaram extensivamente pela primeira vez sobre o que aconteceu, algumas apenas sob a condição de anonimato devido a seus acordos de confidencialidade com a Disney. Em cada instância em que uma conversa passada é reconstruída neste artigo, as palavras faladas foram confirmadas por várias pessoas com conhecimento das conversas.

Essas conversas revelam como o conselho e os executivos da Disney foram consumidos por conflitos e dramas no momento em que a empresa enfrentava uma reviravolta histórica no setor de entretenimento. Quando a pandemia chegou, logo que Chapek assumiu o cargo, a empresa teve de fechar temporariamente seus parques temáticos altamente lucrativos. Na primavera de 2022, a bolha do streaming estourou, fazendo com que os investidores fugissem de todas as ações de mídia, incluindo a Disney.

Mas, dentro da Disney, grande parte do foco estava na tentativa de gerenciar as tensões entre Iger e Chapek.

Esses problemas têm uma importância renovada agora, quando a Disney embarca em mais uma busca para encontrar alguém para suceder Iger, cujo contrato termina em 31 de dezembro de 2026.

Para uma empresa que apresenta seus parques temáticos como o “Lugar mais feliz da Terra”, a sede corporativa da Disney tem sido tudo menos isso - um foco de intrigas e disputas de poder. O ex-chefe de gabinete de Chapek disse que a suíte executiva do sexto andar da empresa era um “ninho de cobras”.

Iger ascendeu há quase duas décadas, após uma disputa de poder entre Michael Eisner, CEO de longa data, e Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney e membro do conselho do grupo. Naquela época, Eisner já havia promovido e depois despachado dois sucessores escolhidos a dedo, Jeffrey Katzenberg, que se tornou cofundador da DreamWorks, e Michael Ovitz, que já foi o agente mais poderoso de Hollywood.

Iger, que começou sua carreira como meteorologista em um canal a cabo no interior do Estado de Nova York, prometeu nunca seguir os passos de Eisner. Para os amigos, ele zombava dos temores de Eisner de deixar a Disney - de que seus telefonemas para os executivos poderosos não seriam retornados e de que ele não conseguiria fazer reservas nos melhores restaurantes. Ele disse a Chapek e a outros que nunca ficaria mais de 10 anos na empresa.

Iger parecia estar no caminho certo para honrar essa promessa. Certa vez, enquanto Chapek dirigia a divisão de produtos de consumo da Disney, Iger fez uma rara visita não programada a Chapek em seu escritório, a vários quilômetros da sede da empresa. Iger perguntou se Chapek achava que Jay Rasulo ou Tom Staggs, dois executivos de alto escalão, deveriam sucedê-lo como CEO.

“Você quer minha resposta honesta?” Chapek respondeu. “Nenhum dos dois.”

“Foi o que pensei que você diria”, disse Iger, de acordo com Chapek, e então começou a listar seus respectivos defeitos.

Foi a primeira vez que Chapek teve a impressão de que poderia ser a escolha real de Iger como sucessor.

Bob Chapek foi o escolhido por Iger para sucedê-lo, mas durou pouco no cargo de CEO Foto: Alex Welsh/NYT

Mas suas esperanças foram frustradas quando, em fevereiro de 2015, Iger nomeou Staggs, então presidente do parque temático, como diretor de operações e provável herdeiro. Na mesma época, a diretoria prorrogou o contrato de Iger por dois anos, até 2018, com a expectativa de que Iger passaria grande parte desse tempo preparando Staggs como seu sucessor.

Mas Iger não gostou dele. Ele reclamou que a Shanghai Disneyland, o projeto de Staggs na China, estava atrasado e acima do orçamento. Iger afastou Staggs em abril de 2016.

Chapek voltou à disputa.

Ele começou a trabalhar na Disney em 1993, no departamento de fitas VHS, chegando a supervisionar toda a distribuição de filmes. Em 2011, assumiu o controle da divisão de produtos de consumo da Disney, que logo ficou repleta de vendas de mercadorias de “Frozen”. Em 2015, Chapek foi promovido para dirigir os parques temáticos, supervisionando pelo menos US$ 24 bilhões em investimentos, incluindo as novas atrações de “Star Wars”, “Vingadores” e “Toy Story”.

Chapek era leal a Iger até ao ponto de ser obsequioso. Sozinho entre os gerentes seniores da Disney, ele rotineiramente chamava Iger de “boss” (“chefe”) em vez de “Bob”, o que Iger considerava cativante.

Ao mesmo tempo, Chapek não tinha o carisma de Iger e não era um comunicador natural.

Iger disse a Chapek para agendar uma série de reuniões individuais com os diretores da Disney para criar um relacionamento e expor sua visão para o futuro da empresa. Mas, no final de 2017, a Disney fechou um acordo para comprar os ativos de entretenimento da 21st Century Fox. Iger recebeu um grande bônus por consumar o acordo - prêmios em ações de até US$ 142 milhões pelo preço atual dos papéis de empresa na época - e o conselho prorrogou seu contrato pela sexta vez. Ele agora se aposentaria no final de 2021.

Chapek cancelou seus planos de se reunir com os diretores.

Há vida depois da Disney?

Um CEO da Disney é uma celebridade instantânea. Ele (todos foram homens) preside o que é visto como alguns dos negócios mais poderosos e glamourosos do mundo: os estúdios de cinema Marvel, Disney, Pixar, Lucasfilm e 20th Century; a rede de TV ABC e a divisão de notícias; canais a cabo como ESPN, FX e National Geographic. Seus 12 parques temáticos atraíram um total de 142 milhões de visitantes em 2023. E, mesmo para os padrões dos CEOs, a remuneração é enorme. A Forbes estima o patrimônio líquido de Iger em mais de US$ 700 milhões.

Com um iate, um jato corporativo, poder e influência, Iger e sua esposa, Willow Bay, ex-âncora de televisão e atual reitora da escola de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, se reuniram com um público seleto: Barack e Michelle Obama, Jeff Bezos, Steven Spielberg, David Geffen e Oprah Winfrey, para citar apenas alguns.

Bob Iger e sua esposa, Willow Bay, em um baile em Los Angeles Foto: Sinna Nasseri/NYT

Uma vez no cargo, Iger se perguntou (assim como Eisner antes dele): Se fosse destituído de seu poder e de sua remuneração multimilionária na Disney, seu fascínio diminuiria?

Ele sempre reclamava com Chapek (e com os membros do conselho) sobre sua remuneração. Essa era uma fonte frequente de tensão entre ele e Susan Arnold, que participou do comitê de remuneração por muitos anos.

Quando o conselho da empresa se reuniu em dezembro de 2019, Iger abordou a ideia de se afastar, mas não de sair completamente. “Por que não aceleramos o processo?” sugeriu Iger. Chapek foi sua escolha para sucedê-lo. Iger disse à diretoria que Chapek conhecia bem a marca, respeitava-a e não causaria nenhum dano. Ele também disse que Chapek tinha grande integridade.

Um dos diretores da Disney, Mark Parker, havia decidido recentemente deixar o cargo de CEO da Nike e se tornar presidente do conselho. Iger pensou em fazer a mesma coisa. Esse modelo permitiria que ele ficasse na Disney até o fim de seu contrato fazendo o que mais gostava, supervisionando os empreendimentos criativos da empresa. Chapek se tornaria o CEO e cuidaria de todo o resto. Um elemento crucial era o fato de que todos os líderes de divisão se reportariam a Chapek, mas Chapek se reportaria a Iger, deixando Iger no comando final. Havia também um incentivo financeiro óbvio: Iger ainda tinha mais de US$ 100 milhões em opções de ações não adquiridas e sua liderança poderia ajudar a proteger seu valor.

Safra Catz, CEO da Oracle e membro da diretoria da Disney, rebateu. Por que nomear Chapek CEO em vez de diretor de operações?

Iger disse que não queria uma repetição da situação com Staggs, em que as pessoas achavam que Staggs estava apenas fazendo um teste para o cargo mais alto e que poderiam superá-lo indo até Iger.

Mas, em uma rara demonstração de resistência, o conselho não se deixou convencer. Ele concordou em considerar a questão durante as festas de fim de ano.

Quando os membros do conselho se reuniram no final de janeiro de 2020, em Los Angeles, eles já haviam se decidido. Iger deu a boa notícia a Chapek imediatamente, dizendo que um anúncio seria feito em apenas três semanas, em 25 de fevereiro.

Por que a pressa? Zenia Mucha, diretora de comunicações da Disney e conselheira próxima de Iger, aconselhou o atraso; ela discordava de todo o plano, inclusive da escolha de Chapek. Mas Iger foi inflexível.

Em meados de fevereiro, o coronavírus estava se espalhando amplamente, e a pressão que poderia exercer sobre a empresa estava ficando clara. Iger havia recebido um briefing detalhado em Nova York da equipe da ABC News que estava cobrindo a história. Os parques temáticos da Disney em Xangai e Hong Kong já haviam sido fechados.

David Jefferson, porta-voz da Disney, disse que a pandemia não teve nada a ver com o momento da mudança de liderança. Os membros da diretoria concordaram, mas, quando pressionados, não ofereceram nenhuma explicação para a pressa, a não ser o que Iger queria.

‘Não pise nos pés dele’

Quando Chapek compartilhou a boa notícia de sua promoção com sua esposa, Cindy, ela ficou cética. “Já ouvimos isso antes”, disse a ele. Mas a principal diretora independente do conselho, Susan Arnold, voou de sua casa no Oregon para se encontrar com Chapek na Rotunda, como é conhecida a sala de jantar dos executivos da Disney. Lá, ela confirmou que ele era a escolha unânime da diretoria para suceder Iger como CEO. “Isso está acontecendo”, garantiu-lhe Arnold.

Disseram a Chapek que não havia tempo para que ele se reunisse com outros diretores. Embora eles tivessem se reunido com Chapek em suas funções anteriores, a ideia de que não havia tempo ou necessidade de entrevistá-lo para avaliar sua capacidade de atuar como CEO, sem mencionar a exploração de sua visão para o futuro de uma empresa em meio a mudanças profundas, parece inexplicável.

Arnold reconheceu que o acordo incomum, no qual Iger permaneceria como presidente do conselho e diretor de criação, apresentava um potencial de conflito. Ela pediu a Chapek que lhe mostrasse deferência. “Dê a ele um grande espaço” em questões criativas, ela aconselhou. “Não pise nos pés dele.”

A princípio, Chapek não faria parte do conselho da Disney, fato incomum para um CEO do grupo Foto: Alex Welsh/NYT

Notavelmente, Chapek não se juntaria ao conselho da Disney, o que era incomum, já que quase todos os CEOs também atuam como membros do conselho, em muitos casos como presidente. Mas o conselho queria um período de experiência para Chapek e queria enfatizar que ele se reportaria a Iger. Seria estranho se Chapek também fosse membro do conselho responsável pela supervisão de Iger.

Nos dias que antecederam o anúncio, Iger informou apenas alguns dos principais executivos, entre eles Christine McCarthy, diretora financeira. Como quase todo mundo que recebeu a notícia, ela ficou surpresa. Ao mesmo tempo em que se comprometeu a ajudar Chapek a ter sucesso, ela apontou alguns de seus pontos fracos: ele não sabia quase nada sobre o negócio de televisão, não sabia nada sobre programação esportiva, não tinha muitos relacionamentos com talentos de Hollywood, não tinha lidado com Wall Street.

Iger concordou que Chapek não parecia ser especialmente criativo. Mas Iger havia enfrentado as mesmas críticas quando foi nomeado presidente da ABC Entertainment em 1989.

“Acho que ele pode fazer isso”, insistiu Iger. “E eu ainda estarei por perto.”

Acerto de última hora

Em 24 de fevereiro, véspera do anúncio de Chapek, o plano de sucessão quase desmoronou.

Alan Braverman, conselheiro geral de longa data da Disney, ligou para Iger para dizer que, de acordo com os estatutos da empresa, o CEO tinha de se reportar ao conselho - e não a Iger. Para Iger, isso não era uma opção. Ele queria manter o controle final.

Foram Braverman e Mucha que chegaram a um acordo concebido às pressas: Chapek se reportaria ao conselho e a Iger.

Iger não se importou com isso, pois, do seu ponto de vista, Chapek ainda se reportava a ele. Iger insistiu para que o anúncio fosse feito na manhã seguinte, conforme programado, embora os membros da diretoria não tivessem discutido em grupo, e muito menos aprovado, o novo acordo de reporte duplo.

Ninguém contou a Chapek sobre a mudança na estrutura de reporte. Mas Chapek não estava muito preocupado com isso, porque Iger sempre o apoiou muito.

Em outro sinal de que Iger pretendia manter uma presença visível, ele decidiu ficar no escritório que ele e Eisner haviam ocupado como CEOs. Chapek foi relegado a um espaço menor nas proximidades. Esse arranjo só aumentou a confusão interna sobre o novo status de Chapek.

Os membros do conselho não ficaram entusiasmados com a decisão sobre o escritório ou com a mudança na dupla relatoria. Mas, como aconteceu em muitos casos, o conselho concordou com o que Iger queria.

Chapek e Iger enfrentaram as câmeras como planejado no dia seguinte. O anúncio da empresa dizia que a mudança tinha “efeito imediato”.

A mudança repentina chocou e deixou Hollywood perplexa. Paul McCartney, amigo íntimo de Iger, ligou para ele para perguntar se estava doente.

Cachorrinho de Iger

Cerca de duas semanas depois, em 11 de março, Chapek faria sua estreia formal como CEO na reunião anual de acionistas da Disney. Chapek estava nervoso, ainda mais porque falar em público nunca foi seu forte.

Antes da reunião, a equipe de relações com investidores da Disney preparou fichários com informações sobre todos os dados e perguntas que poderiam surgir. Munidos desses fichários, Iger e Chapek se acomodaram no compartimento dianteiro do jato Gulfstream da Disney para o voo de quatro horas e meia até Raleigh, Carolina do Norte, local da reunião daquele ano, para o que Chapek esperava que fosse uma longa sessão de preparação.

Vários passageiros, incluindo Chapek, lembram que Iger pegou seu iPad e começou a folhear fotografias recentes, contando as histórias por trás delas. Havia fotos suas com McCartney e de convidados de jantares recentes em Nova York. Chapek disse que tentou voltar a discussão para a reunião anual, mas Iger o interrompeu: “Você viu o design do meu novo iate?”

Incomodado com as digressões de Iger, Chapek se levantou e foi para o compartimento traseiro do avião.

A ausência prolongada de Chapek foi notada na cabine da frente. “Bob quer ser informado ou não?” Iger perguntou a seus colegas passageiros: McCarthy, Mucha e Braverman. Finalmente, Iger se levantou e foi procurar Chapek.

“Bob, você quer se sentar conosco para que possamos informá-lo?” perguntou Iger.

“Não está tudo aqui?” respondeu Chapek, segurando o fichário. Iger disse que o livro não conseguiria transmitir as nuances. Mas Chapek disse que revisaria o livro e o avisaria se tivesse alguma dúvida. Ele voltou à sua leitura.

De repente, Iger se sentiu como se estivesse no altar do casamento com a noiva caminhando pelo corredor. Ele percebeu que havia cometido um erro terrível. Mas já era tarde demais.

No caminho de volta para a Califórnia, o governador Gavin Newsom ligou para Iger antes de anunciar que restringiria as reuniões públicas na Califórnia por causa da covid-19. Mas ele achava que a Disneylândia poderia permanecer aberta. O governador não queria que as pessoas entrassem em pânico - e ele temia que entrassem se a Disneylândia fechasse.

Iger argumentou a Newsom que manter o parque temático aberto era uma má ideia, dados os riscos à saúde dos visitantes e funcionários. Mais tarde, Newsom elogiou publicamente o conselho e a cooperação de Iger.

Chapek não discordou da decisão de fechar os parques, mas ficou furioso com o fato de Iger tê-lo excluído.

Parque da Disney na Flórida em julho de 2020, época em que começaram a ser reabertos, mas com capacidade limitada por conta da covid  Foto: Eve Edelheit/NYT

Os executivos da Disney estavam preocupados com o choque que o fechamento dos parques causaria no fluxo de caixa da empresa. McCarthy e Chapek tomaram a decisão de dispensar rapidamente, embora com benefícios de saúde, mais de 90 mil funcionários dos parques temáticos.

Mas Iger rejeitou a decisão. Ele decidiu esperar até que o governo aprovasse um projeto de lei de ajuda para as perdas com a covid.

‘Ele está me matando’

Por mais que Chapek se sentisse marginalizado, os dois mantiveram pelo menos uma fachada de cooperação. Por causa da covid, ninguém ia ao escritório, mas Chapek falava com Iger semanalmente por telefone e, às vezes, ia vê-lo em sua casa em Brentwood, um bairro de luxo de Los Angeles, onde faziam caminhadas usando máscaras. Iger nunca foi ver Chapek em sua casa em Westlake Village, um subúrbio distante (um porta-voz de Iger disse que ele nunca foi convidado).

A pedido de Chapek, os dois realizaram uma série de reuniões com funcionários, nas quais Iger deveria reforçar a mensagem de que Chapek estava agora no comando. “Meu objetivo é que Bob seja bem-sucedido e, na medida em que eu puder ajudá-lo a fazer isso, eu o farei”, disse Iger na primeira reunião que realizaram, em fevereiro de 2020.

Mas quase tudo o que Chapek fez (ou não fez) reforçou a sensação de Iger de que nomear Chapek como seu sucessor havia sido um grande erro. Iger expressou sua frustração com amigos em Hollywood. A notícia se espalhou, e alguém entrou em contato com o colunista de mídia do Times na época, Ben Smith, para dizer que Iger estava reafirmando o controle. Smith também ligou e falou com Iger, que respondeu com um e-mail.

No domingo, 12 de abril, Chapek organizou uma festa tardia para a família e amigos em sua casa para comemorar sua promoção. Um amigo lhe enviou por e-mail a coluna de Smith, que acabara de ser publicada online. Chapek saiu da festa e a leu.

“Depois de algumas semanas deixando Chapek assumir o comando, Iger reafirmou o controle com tranquilidade”, escreveu Smith. Chapek leu com uma descrença crescente.

Smith chamou Chapek de “o novo executivo-chefe nominal” e até especulou que a escolha do sucessor de Iger “pode estar aberta novamente”.

Smith citou Iger dizendo em um e-mail que “uma crise dessa magnitude e seu impacto sobre a Disney, necessariamente resultaria em minha ajuda ativa a Bob (Chapek) e à empresa para enfrentá-la, especialmente porque dirigi a empresa por 15 anos!”

Chapek ligou imediatamente para Zenia Mucha, a executiva de comunicações. “Que diabos é isso?”, perguntou ele. Tentando acalmá-lo, ela argumentou que a coluna não era tão ruim assim.

“Ele está me matando”, respondeu Chapek.

Chapek não dormiu naquela noite. Na manhã seguinte, ele confrontou Iger por telefone.

Iger negou que tivesse falado com Smith, o que enfureceu ainda mais Chapek, que apontou que a citação de Iger veio diretamente de um e-mail. Iger disse que não entendia por que Chapek estava tão irritado. O que havia de errado em dizer que ele estava reafirmando o controle em meio a uma crise?

“Você cortou minhas pernas”, disse Chapek. “Nunca me senti tão mal em minha vida”.

No que dizia respeito a Iger, seu relacionamento com Chapek havia terminado.

‘Isso também vai passar’

A partir das 6h da manhã de segunda-feira, Jayne Parker, diretora de recursos humanos da Disney, ligou para os diretores da Disney para alertá-los sobre a fúria de Chapek. Ela fez com que um deles saísse da cama para atender a ligação.

Chapek, furioso, falou ao telefone com Susan Arnold. Era a primeira vez que ele falava sobre a briga com alguém do conselho. Ele não queria chamar a atenção para algo que parecia insignificante em comparação com uma pandemia, mas sentiu que isso não poderia mais ser ignorado.

Chapek, que considerava alguns outros membros do conselho ferozmente leais a Iger, achava que havia desenvolvido um bom relacionamento com Arnold, que havia passado a maior parte de sua carreira no Meio-Oeste na Procter & Gamble, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da empresa. Chapek, filho de um maquinista de Hammond, Indiana, havia começado a trabalhar com produtos embalados, trabalhando na divisão de alimentos para animais de estimação da Heinz e ajudando a comercializar o queijo Kraft.

Arnold também sabia algo sobre sucessão corporativa: ela havia sido uma das principais candidatas a CEO da Procter & Gamble, mas se retirou da disputa e deixou a empresa em 2009, em parte porque, como uma importante executiva homossexual, não queria que sua vida pessoal fosse analisada publicamente, algo que provavelmente acompanharia o cargo.

Arnold ficou surpreso com a veemência da reação de Chapek à coluna. Ela achou que ele parecia paranoico, achando que Iger estava querendo destruí-lo. Ela pediu que ele se acalmasse e obedecesse a Iger, como já havia aconselhado antes.

“O que restará de minha reputação?”, rebateu Chapek.

“Isso também vai passar”, respondeu ela. Iger sairia em 20 meses, e o prêmio de CEO seria somente de Chapek.

Chapek praticamente implorou para ser nomeado para o conselho como uma demonstração de confiança nele. Arnold conversou com vários outros conselheiros. Nenhum deles tinha conhecimento da profundidade da hostilidade que havia se desenvolvido entre Iger e seu sucessor designado. Mas eles concordaram que isso poderia prejudicar sua posição. Os conselheiros agora achavam que não tinham outra escolha a não ser nomear Chapek como diretor, como uma demonstração de apoio.

Arnold ligou para Iger e o repreendeu pela coluna. Ela lhe disse que era a pior coisa que poderia ter acontecido a Chapek. Ela ressaltou que se Iger tivesse aceitado a sugestão do conselho de nomear Chapek inicialmente como diretor de operações, em vez de CEO, nada disso estaria acontecendo. De qualquer forma, a discussão tinha de parar.

Iger ficou surpreso tanto com o tom quanto com a essência da ligação de Arnold. Ela parecia estar do lado de Chapek, embora ele fosse CEO há menos de dois meses e Iger ainda fosse o responsável final. Iger achava que ela e outros membros do conselho deveriam estar felizes pelo fato de ele estar assumindo o cargo durante uma crise, especialmente quando a liderança de Chapek tinha sido tão fraca.

Em 15 de abril, três dias após a publicação da coluna de Smith, Chapek foi nomeado para o conselho da Disney.

Bob Chapek posa para fotos com visitantes da Disney em 2022 Foto: Alex Welsh/NYT

Em junho, o conselho agendou sessões privadas por videochamada com os dois homens para tratar do conflito. Iger foi o primeiro. Ele expôs suas reclamações sobre a liderança de Chapek. Chapek não tinha nenhuma posição na comunidade criativa e não havia feito nenhum esforço para melhorá-la. Ele havia faltado às reuniões de criação.

Chapek disse que lamentava que suas diferenças tivessem se tornado um problema para o conselho.

A mensagem do conselho para os dois homens: a empresa estava em crise, e eles precisavam começar a agir como adultos e trabalhar juntos.

Nos meses que se seguiram, Iger parecia cada vez mais irritado com a reação do conselho à coluna de Smith. “Por que você é tão hostil com o conselho?”, Chapek finalmente perguntou durante uma de suas ligações, que continuaram, apesar das tensões.

Iger disse-lhe que ele não conseguia lidar com a verdade e, em seguida, prosseguiu dizendo que, antes de o conselho concordar em nomear Chapek como CEO, os diretores haviam garantido a Iger que, se ele achasse que não estava dando certo, poderia demitir Chapek e retornar como CEO quando quisesse.

Ellen Davis, porta-voz de Chapek, confirmou esse relato.

Imediatamente após a ligação, Chapek ligou para Arnold. “Do que ele está falando?”, perguntou.

Arnold tentou minimizar o fato. “Bem, você conhece o Bob”, respondeu Arnold. “Ele pode pensar assim, mas deixe para lá.”

Não era a resposta que Chapek estava esperando.

Jefferson, o porta-voz da Disney, disse que nunca houve tal entendimento entre Iger e o conselho. A afirmação de que ele poderia voltar quando quisesse “não era algo que Iger teria dito”, acrescentou Jefferson.

Para Chapek, esse foi um momento decisivo. Não se tratava apenas de paranoia: ele agora estava convencido de que Iger estava tentando se livrar dele e retornar como CEO, e que o conselho poderia permitir.

A última prorrogação?

Chapek saiu com mais de US$ 20 milhões em indenizações (depois de ganhar pouco mais de US$ 24 milhões em 2022), mas sua reputação estava em frangalhos.

Depois de ser demitido, Chapek contratou Bryan Freedman, um advogado de Los Angeles conhecido por lidar com demissões de grandes nomes da mídia. Freedman disse ao Times que havia aconselhado Chapek que ele tinha “uma ação judicial muito forte contra Bob Iger por interferir ilegalmente em sua capacidade de fazer seu trabalho”. Mas Chapek lhe disse que seus filhos e netos eram uma “família Disney” e que ele não poderia entrar com uma ação judicial que pudesse prejudicar a empresa, disse Freedman.

A Disney respondeu com uma declaração dizendo que Chapek foi demitido porque “ele não era mais a pessoa certa para atuar como CEO durante um período cada vez mais complexo de transformação do setor”.

Amordaçado por um acordo de indenização, Chapek permaneceu em segundo plano diante do que ele considera relatos pouco lisonjeiros, injustos e, em alguns casos, imprecisos de sua liderança. Poucas oportunidades surgiram em seu caminho.

Desde o início como CEO da Disney, Chapek enfrentou desafios assustadores que estavam fora de seu controle: o início de uma pandemia, a agitação em um setor que estava sendo transformado pelo streaming e a hostilidade aberta de um antecessor muito admirado e ainda poderoso.

Ao mesmo tempo, ele certamente contribuiu para seu próprio fim. Logo após ser nomeado CEO, ele parou de se aproximar de Iger. E, no final, quase toda a sua equipe executiva se voltou contra ele, até mesmo as pessoas que ele havia contratado e promovido. O mesmo aconteceu com o conselho.

Chapek, segundo seu porta-voz, “continua profundamente orgulhoso” por ter conduzido a Disney pelo “terreno sem precedentes” da crise da covid, “enquanto trabalhava para transformar a Disney em uma empresa de mídia preparada para o sucesso futuro. Chapek está confiante de que, na ausência da campanha de seu antecessor e sucessor final contra ele, essa visão coletiva teria sido realizada sob sua liderança”.

Os atuais executivos da Disney dizem que Iger restaurou o moral e trouxe a estabilidade necessária para as fileiras da administração.

Poucas rixas entre executivos de alto escalão atingiram o nível de intensidade e amargura que existe entre Iger e seu sucessor escolhido a dedo. Iger considerou a escolha de Chapek para o cargo principal o pior erro de sua carreira. Ainda assim, a pergunta persiste: como Iger pode ter julgado Chapek tão mal depois de trabalhar com ele por quase 30 anos? “Eu me esforcei muito para conduzir minha própria autópsia, para que nós, como empresa, não façamos isso novamente”, disse Iger no DealBook Summit do The New York Times no ano passado, mas ele se recusou a revelar quaisquer conclusões.

A Disney disse que Iger não tinha mais nada a acrescentar.

No verão passado, a diretoria da Disney prorrogou o contrato de Iger mais uma vez, até o final de 2026. Iger está convencido de que essa será a última prorrogação.

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Às 17 horas do dia 25 de fevereiro de 2020, Bob Chapek e Bob Iger se acomodaram em cadeiras iguais no estacionamento do estúdio da The Walt Disney Co. para uma série de entrevistas ao vivo com a mídia. A empresa tinha acabado de chocar praticamente todo mundo ao anunciar que o pouco conhecido Chapek substituiria o popular Iger como CEO do grupo.

Chapek, careca e atarracado, e Iger, grisalho, mas ainda assim elegante, contrastaram imediatamente, embora ambos estivessem vestidos com ternos azul-marinho e camisas brancas de colarinho aberto e ambos se chamassem Bob. Para evitar confusão, alguns se referiam a eles como “Bob One” e “Bob Two”, ou “Big Bob” e “Little Bob” (embora Chapek fosse mais alto e mais pesado). E ainda havia o “Bob Bonitão” e o “Bob Chato”.

Estátua de Walt Disney e Mickey Mouse no parque da Disney em Anaheim, Califórnia  Foto: Philip Cheung/NYT

Em uma entrevista com Julia Boorstin, da CNBC, Chapek elogiou seu antecessor. “Obviamente, tenho muito trabalho a fazer”, disse ele com os olhos arregalados, elogiando a ‘mágica’ de Iger na administração da Disney. O mandato de 15 anos de Iger como CEO foi tão bem-sucedido que ele pensou em concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Democrata. A rainha Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o nomeou cavaleiro.

Iger disse que ele e Chapek trabalharam juntos “extremamente bem”, mas, no momento seguinte, qualificou esse elogio: “Na verdade, nossa equipe de gerentes seniores tem trabalhado muito bem em conjunto”.

Chapek ficou esperando em vão por algo mais efusivo, mais pessoal.

Quando as perguntas - e a atenção - se voltaram inteiramente para Chapek, o comportamento normalmente descontraído de Iger se enrijeceu. Seu olhar se desviou para baixo, para longe de Chapek, e ele parecia cada vez mais desconfortável. Ele cruzou os braços.

Chapek estava intimamente familiarizado com a linguagem corporal e as expressões de Iger. “Isso não é bom”, pensou ele.

Ele estava certo sobre isso. Mas mal sabia que ele e Iger estavam prestes a se enfrentar em uma luta épica pelo poder corporativo.

Quando Iger deixou o cargo de CEO - abruptamente, apenas algumas semanas antes de a pandemia do coronavírus mergulhar a Disney na pior crise de sua história -, o conselho da empresa concordou que ele poderia permanecer como “diretor criativo” e presidente executivo do conselho por mais dois anos.

Esse acordo quase foi desfeito por causa da questão de a quem, exatamente, Chapek responderia: se a Iger ou ao conselho. Um acordo de última hora, alcançado sem uma votação do conselho, fez com que Chapek se reportasse a ambos. Isso provou ser uma receita para o conflito, como Chapek logo começou a perceber.

Apenas algumas semanas após o início de seu mandato como CEO, Chapek expressou frustração. “Não posso sobreviver a mais dois anos assim”, disse Chapek a Arthur Bochner, seu chefe de equipe. Iger “não vai embora. Ele ficará aqui até morrer”.

Bochner temia que Chapek se demitisse. Chapek acabou sendo privado até mesmo dessa opção. A diretoria o demitiu pouco antes do Dia de Ação de Graças de 2022.

Como ele temia, seu sucessor foi Iger.

Bob Iger, que voltou ao cargo de CEO da Disney Foto: Philip Cheung/NYT

O New York Times reuniu as peças do que aconteceu dentro da Disney durante aqueles meses fatídicos, conversando com várias pessoas diretamente envolvidas. Muitas delas falaram extensivamente pela primeira vez sobre o que aconteceu, algumas apenas sob a condição de anonimato devido a seus acordos de confidencialidade com a Disney. Em cada instância em que uma conversa passada é reconstruída neste artigo, as palavras faladas foram confirmadas por várias pessoas com conhecimento das conversas.

Essas conversas revelam como o conselho e os executivos da Disney foram consumidos por conflitos e dramas no momento em que a empresa enfrentava uma reviravolta histórica no setor de entretenimento. Quando a pandemia chegou, logo que Chapek assumiu o cargo, a empresa teve de fechar temporariamente seus parques temáticos altamente lucrativos. Na primavera de 2022, a bolha do streaming estourou, fazendo com que os investidores fugissem de todas as ações de mídia, incluindo a Disney.

Mas, dentro da Disney, grande parte do foco estava na tentativa de gerenciar as tensões entre Iger e Chapek.

Esses problemas têm uma importância renovada agora, quando a Disney embarca em mais uma busca para encontrar alguém para suceder Iger, cujo contrato termina em 31 de dezembro de 2026.

Para uma empresa que apresenta seus parques temáticos como o “Lugar mais feliz da Terra”, a sede corporativa da Disney tem sido tudo menos isso - um foco de intrigas e disputas de poder. O ex-chefe de gabinete de Chapek disse que a suíte executiva do sexto andar da empresa era um “ninho de cobras”.

Iger ascendeu há quase duas décadas, após uma disputa de poder entre Michael Eisner, CEO de longa data, e Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney e membro do conselho do grupo. Naquela época, Eisner já havia promovido e depois despachado dois sucessores escolhidos a dedo, Jeffrey Katzenberg, que se tornou cofundador da DreamWorks, e Michael Ovitz, que já foi o agente mais poderoso de Hollywood.

Iger, que começou sua carreira como meteorologista em um canal a cabo no interior do Estado de Nova York, prometeu nunca seguir os passos de Eisner. Para os amigos, ele zombava dos temores de Eisner de deixar a Disney - de que seus telefonemas para os executivos poderosos não seriam retornados e de que ele não conseguiria fazer reservas nos melhores restaurantes. Ele disse a Chapek e a outros que nunca ficaria mais de 10 anos na empresa.

Iger parecia estar no caminho certo para honrar essa promessa. Certa vez, enquanto Chapek dirigia a divisão de produtos de consumo da Disney, Iger fez uma rara visita não programada a Chapek em seu escritório, a vários quilômetros da sede da empresa. Iger perguntou se Chapek achava que Jay Rasulo ou Tom Staggs, dois executivos de alto escalão, deveriam sucedê-lo como CEO.

“Você quer minha resposta honesta?” Chapek respondeu. “Nenhum dos dois.”

“Foi o que pensei que você diria”, disse Iger, de acordo com Chapek, e então começou a listar seus respectivos defeitos.

Foi a primeira vez que Chapek teve a impressão de que poderia ser a escolha real de Iger como sucessor.

Bob Chapek foi o escolhido por Iger para sucedê-lo, mas durou pouco no cargo de CEO Foto: Alex Welsh/NYT

Mas suas esperanças foram frustradas quando, em fevereiro de 2015, Iger nomeou Staggs, então presidente do parque temático, como diretor de operações e provável herdeiro. Na mesma época, a diretoria prorrogou o contrato de Iger por dois anos, até 2018, com a expectativa de que Iger passaria grande parte desse tempo preparando Staggs como seu sucessor.

Mas Iger não gostou dele. Ele reclamou que a Shanghai Disneyland, o projeto de Staggs na China, estava atrasado e acima do orçamento. Iger afastou Staggs em abril de 2016.

Chapek voltou à disputa.

Ele começou a trabalhar na Disney em 1993, no departamento de fitas VHS, chegando a supervisionar toda a distribuição de filmes. Em 2011, assumiu o controle da divisão de produtos de consumo da Disney, que logo ficou repleta de vendas de mercadorias de “Frozen”. Em 2015, Chapek foi promovido para dirigir os parques temáticos, supervisionando pelo menos US$ 24 bilhões em investimentos, incluindo as novas atrações de “Star Wars”, “Vingadores” e “Toy Story”.

Chapek era leal a Iger até ao ponto de ser obsequioso. Sozinho entre os gerentes seniores da Disney, ele rotineiramente chamava Iger de “boss” (“chefe”) em vez de “Bob”, o que Iger considerava cativante.

Ao mesmo tempo, Chapek não tinha o carisma de Iger e não era um comunicador natural.

Iger disse a Chapek para agendar uma série de reuniões individuais com os diretores da Disney para criar um relacionamento e expor sua visão para o futuro da empresa. Mas, no final de 2017, a Disney fechou um acordo para comprar os ativos de entretenimento da 21st Century Fox. Iger recebeu um grande bônus por consumar o acordo - prêmios em ações de até US$ 142 milhões pelo preço atual dos papéis de empresa na época - e o conselho prorrogou seu contrato pela sexta vez. Ele agora se aposentaria no final de 2021.

Chapek cancelou seus planos de se reunir com os diretores.

Há vida depois da Disney?

Um CEO da Disney é uma celebridade instantânea. Ele (todos foram homens) preside o que é visto como alguns dos negócios mais poderosos e glamourosos do mundo: os estúdios de cinema Marvel, Disney, Pixar, Lucasfilm e 20th Century; a rede de TV ABC e a divisão de notícias; canais a cabo como ESPN, FX e National Geographic. Seus 12 parques temáticos atraíram um total de 142 milhões de visitantes em 2023. E, mesmo para os padrões dos CEOs, a remuneração é enorme. A Forbes estima o patrimônio líquido de Iger em mais de US$ 700 milhões.

Com um iate, um jato corporativo, poder e influência, Iger e sua esposa, Willow Bay, ex-âncora de televisão e atual reitora da escola de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, se reuniram com um público seleto: Barack e Michelle Obama, Jeff Bezos, Steven Spielberg, David Geffen e Oprah Winfrey, para citar apenas alguns.

Bob Iger e sua esposa, Willow Bay, em um baile em Los Angeles Foto: Sinna Nasseri/NYT

Uma vez no cargo, Iger se perguntou (assim como Eisner antes dele): Se fosse destituído de seu poder e de sua remuneração multimilionária na Disney, seu fascínio diminuiria?

Ele sempre reclamava com Chapek (e com os membros do conselho) sobre sua remuneração. Essa era uma fonte frequente de tensão entre ele e Susan Arnold, que participou do comitê de remuneração por muitos anos.

Quando o conselho da empresa se reuniu em dezembro de 2019, Iger abordou a ideia de se afastar, mas não de sair completamente. “Por que não aceleramos o processo?” sugeriu Iger. Chapek foi sua escolha para sucedê-lo. Iger disse à diretoria que Chapek conhecia bem a marca, respeitava-a e não causaria nenhum dano. Ele também disse que Chapek tinha grande integridade.

Um dos diretores da Disney, Mark Parker, havia decidido recentemente deixar o cargo de CEO da Nike e se tornar presidente do conselho. Iger pensou em fazer a mesma coisa. Esse modelo permitiria que ele ficasse na Disney até o fim de seu contrato fazendo o que mais gostava, supervisionando os empreendimentos criativos da empresa. Chapek se tornaria o CEO e cuidaria de todo o resto. Um elemento crucial era o fato de que todos os líderes de divisão se reportariam a Chapek, mas Chapek se reportaria a Iger, deixando Iger no comando final. Havia também um incentivo financeiro óbvio: Iger ainda tinha mais de US$ 100 milhões em opções de ações não adquiridas e sua liderança poderia ajudar a proteger seu valor.

Safra Catz, CEO da Oracle e membro da diretoria da Disney, rebateu. Por que nomear Chapek CEO em vez de diretor de operações?

Iger disse que não queria uma repetição da situação com Staggs, em que as pessoas achavam que Staggs estava apenas fazendo um teste para o cargo mais alto e que poderiam superá-lo indo até Iger.

Mas, em uma rara demonstração de resistência, o conselho não se deixou convencer. Ele concordou em considerar a questão durante as festas de fim de ano.

Quando os membros do conselho se reuniram no final de janeiro de 2020, em Los Angeles, eles já haviam se decidido. Iger deu a boa notícia a Chapek imediatamente, dizendo que um anúncio seria feito em apenas três semanas, em 25 de fevereiro.

Por que a pressa? Zenia Mucha, diretora de comunicações da Disney e conselheira próxima de Iger, aconselhou o atraso; ela discordava de todo o plano, inclusive da escolha de Chapek. Mas Iger foi inflexível.

Em meados de fevereiro, o coronavírus estava se espalhando amplamente, e a pressão que poderia exercer sobre a empresa estava ficando clara. Iger havia recebido um briefing detalhado em Nova York da equipe da ABC News que estava cobrindo a história. Os parques temáticos da Disney em Xangai e Hong Kong já haviam sido fechados.

David Jefferson, porta-voz da Disney, disse que a pandemia não teve nada a ver com o momento da mudança de liderança. Os membros da diretoria concordaram, mas, quando pressionados, não ofereceram nenhuma explicação para a pressa, a não ser o que Iger queria.

‘Não pise nos pés dele’

Quando Chapek compartilhou a boa notícia de sua promoção com sua esposa, Cindy, ela ficou cética. “Já ouvimos isso antes”, disse a ele. Mas a principal diretora independente do conselho, Susan Arnold, voou de sua casa no Oregon para se encontrar com Chapek na Rotunda, como é conhecida a sala de jantar dos executivos da Disney. Lá, ela confirmou que ele era a escolha unânime da diretoria para suceder Iger como CEO. “Isso está acontecendo”, garantiu-lhe Arnold.

Disseram a Chapek que não havia tempo para que ele se reunisse com outros diretores. Embora eles tivessem se reunido com Chapek em suas funções anteriores, a ideia de que não havia tempo ou necessidade de entrevistá-lo para avaliar sua capacidade de atuar como CEO, sem mencionar a exploração de sua visão para o futuro de uma empresa em meio a mudanças profundas, parece inexplicável.

Arnold reconheceu que o acordo incomum, no qual Iger permaneceria como presidente do conselho e diretor de criação, apresentava um potencial de conflito. Ela pediu a Chapek que lhe mostrasse deferência. “Dê a ele um grande espaço” em questões criativas, ela aconselhou. “Não pise nos pés dele.”

A princípio, Chapek não faria parte do conselho da Disney, fato incomum para um CEO do grupo Foto: Alex Welsh/NYT

Notavelmente, Chapek não se juntaria ao conselho da Disney, o que era incomum, já que quase todos os CEOs também atuam como membros do conselho, em muitos casos como presidente. Mas o conselho queria um período de experiência para Chapek e queria enfatizar que ele se reportaria a Iger. Seria estranho se Chapek também fosse membro do conselho responsável pela supervisão de Iger.

Nos dias que antecederam o anúncio, Iger informou apenas alguns dos principais executivos, entre eles Christine McCarthy, diretora financeira. Como quase todo mundo que recebeu a notícia, ela ficou surpresa. Ao mesmo tempo em que se comprometeu a ajudar Chapek a ter sucesso, ela apontou alguns de seus pontos fracos: ele não sabia quase nada sobre o negócio de televisão, não sabia nada sobre programação esportiva, não tinha muitos relacionamentos com talentos de Hollywood, não tinha lidado com Wall Street.

Iger concordou que Chapek não parecia ser especialmente criativo. Mas Iger havia enfrentado as mesmas críticas quando foi nomeado presidente da ABC Entertainment em 1989.

“Acho que ele pode fazer isso”, insistiu Iger. “E eu ainda estarei por perto.”

Acerto de última hora

Em 24 de fevereiro, véspera do anúncio de Chapek, o plano de sucessão quase desmoronou.

Alan Braverman, conselheiro geral de longa data da Disney, ligou para Iger para dizer que, de acordo com os estatutos da empresa, o CEO tinha de se reportar ao conselho - e não a Iger. Para Iger, isso não era uma opção. Ele queria manter o controle final.

Foram Braverman e Mucha que chegaram a um acordo concebido às pressas: Chapek se reportaria ao conselho e a Iger.

Iger não se importou com isso, pois, do seu ponto de vista, Chapek ainda se reportava a ele. Iger insistiu para que o anúncio fosse feito na manhã seguinte, conforme programado, embora os membros da diretoria não tivessem discutido em grupo, e muito menos aprovado, o novo acordo de reporte duplo.

Ninguém contou a Chapek sobre a mudança na estrutura de reporte. Mas Chapek não estava muito preocupado com isso, porque Iger sempre o apoiou muito.

Em outro sinal de que Iger pretendia manter uma presença visível, ele decidiu ficar no escritório que ele e Eisner haviam ocupado como CEOs. Chapek foi relegado a um espaço menor nas proximidades. Esse arranjo só aumentou a confusão interna sobre o novo status de Chapek.

Os membros do conselho não ficaram entusiasmados com a decisão sobre o escritório ou com a mudança na dupla relatoria. Mas, como aconteceu em muitos casos, o conselho concordou com o que Iger queria.

Chapek e Iger enfrentaram as câmeras como planejado no dia seguinte. O anúncio da empresa dizia que a mudança tinha “efeito imediato”.

A mudança repentina chocou e deixou Hollywood perplexa. Paul McCartney, amigo íntimo de Iger, ligou para ele para perguntar se estava doente.

Cachorrinho de Iger

Cerca de duas semanas depois, em 11 de março, Chapek faria sua estreia formal como CEO na reunião anual de acionistas da Disney. Chapek estava nervoso, ainda mais porque falar em público nunca foi seu forte.

Antes da reunião, a equipe de relações com investidores da Disney preparou fichários com informações sobre todos os dados e perguntas que poderiam surgir. Munidos desses fichários, Iger e Chapek se acomodaram no compartimento dianteiro do jato Gulfstream da Disney para o voo de quatro horas e meia até Raleigh, Carolina do Norte, local da reunião daquele ano, para o que Chapek esperava que fosse uma longa sessão de preparação.

Vários passageiros, incluindo Chapek, lembram que Iger pegou seu iPad e começou a folhear fotografias recentes, contando as histórias por trás delas. Havia fotos suas com McCartney e de convidados de jantares recentes em Nova York. Chapek disse que tentou voltar a discussão para a reunião anual, mas Iger o interrompeu: “Você viu o design do meu novo iate?”

Incomodado com as digressões de Iger, Chapek se levantou e foi para o compartimento traseiro do avião.

A ausência prolongada de Chapek foi notada na cabine da frente. “Bob quer ser informado ou não?” Iger perguntou a seus colegas passageiros: McCarthy, Mucha e Braverman. Finalmente, Iger se levantou e foi procurar Chapek.

“Bob, você quer se sentar conosco para que possamos informá-lo?” perguntou Iger.

“Não está tudo aqui?” respondeu Chapek, segurando o fichário. Iger disse que o livro não conseguiria transmitir as nuances. Mas Chapek disse que revisaria o livro e o avisaria se tivesse alguma dúvida. Ele voltou à sua leitura.

De repente, Iger se sentiu como se estivesse no altar do casamento com a noiva caminhando pelo corredor. Ele percebeu que havia cometido um erro terrível. Mas já era tarde demais.

No caminho de volta para a Califórnia, o governador Gavin Newsom ligou para Iger antes de anunciar que restringiria as reuniões públicas na Califórnia por causa da covid-19. Mas ele achava que a Disneylândia poderia permanecer aberta. O governador não queria que as pessoas entrassem em pânico - e ele temia que entrassem se a Disneylândia fechasse.

Iger argumentou a Newsom que manter o parque temático aberto era uma má ideia, dados os riscos à saúde dos visitantes e funcionários. Mais tarde, Newsom elogiou publicamente o conselho e a cooperação de Iger.

Chapek não discordou da decisão de fechar os parques, mas ficou furioso com o fato de Iger tê-lo excluído.

Parque da Disney na Flórida em julho de 2020, época em que começaram a ser reabertos, mas com capacidade limitada por conta da covid  Foto: Eve Edelheit/NYT

Os executivos da Disney estavam preocupados com o choque que o fechamento dos parques causaria no fluxo de caixa da empresa. McCarthy e Chapek tomaram a decisão de dispensar rapidamente, embora com benefícios de saúde, mais de 90 mil funcionários dos parques temáticos.

Mas Iger rejeitou a decisão. Ele decidiu esperar até que o governo aprovasse um projeto de lei de ajuda para as perdas com a covid.

‘Ele está me matando’

Por mais que Chapek se sentisse marginalizado, os dois mantiveram pelo menos uma fachada de cooperação. Por causa da covid, ninguém ia ao escritório, mas Chapek falava com Iger semanalmente por telefone e, às vezes, ia vê-lo em sua casa em Brentwood, um bairro de luxo de Los Angeles, onde faziam caminhadas usando máscaras. Iger nunca foi ver Chapek em sua casa em Westlake Village, um subúrbio distante (um porta-voz de Iger disse que ele nunca foi convidado).

A pedido de Chapek, os dois realizaram uma série de reuniões com funcionários, nas quais Iger deveria reforçar a mensagem de que Chapek estava agora no comando. “Meu objetivo é que Bob seja bem-sucedido e, na medida em que eu puder ajudá-lo a fazer isso, eu o farei”, disse Iger na primeira reunião que realizaram, em fevereiro de 2020.

Mas quase tudo o que Chapek fez (ou não fez) reforçou a sensação de Iger de que nomear Chapek como seu sucessor havia sido um grande erro. Iger expressou sua frustração com amigos em Hollywood. A notícia se espalhou, e alguém entrou em contato com o colunista de mídia do Times na época, Ben Smith, para dizer que Iger estava reafirmando o controle. Smith também ligou e falou com Iger, que respondeu com um e-mail.

No domingo, 12 de abril, Chapek organizou uma festa tardia para a família e amigos em sua casa para comemorar sua promoção. Um amigo lhe enviou por e-mail a coluna de Smith, que acabara de ser publicada online. Chapek saiu da festa e a leu.

“Depois de algumas semanas deixando Chapek assumir o comando, Iger reafirmou o controle com tranquilidade”, escreveu Smith. Chapek leu com uma descrença crescente.

Smith chamou Chapek de “o novo executivo-chefe nominal” e até especulou que a escolha do sucessor de Iger “pode estar aberta novamente”.

Smith citou Iger dizendo em um e-mail que “uma crise dessa magnitude e seu impacto sobre a Disney, necessariamente resultaria em minha ajuda ativa a Bob (Chapek) e à empresa para enfrentá-la, especialmente porque dirigi a empresa por 15 anos!”

Chapek ligou imediatamente para Zenia Mucha, a executiva de comunicações. “Que diabos é isso?”, perguntou ele. Tentando acalmá-lo, ela argumentou que a coluna não era tão ruim assim.

“Ele está me matando”, respondeu Chapek.

Chapek não dormiu naquela noite. Na manhã seguinte, ele confrontou Iger por telefone.

Iger negou que tivesse falado com Smith, o que enfureceu ainda mais Chapek, que apontou que a citação de Iger veio diretamente de um e-mail. Iger disse que não entendia por que Chapek estava tão irritado. O que havia de errado em dizer que ele estava reafirmando o controle em meio a uma crise?

“Você cortou minhas pernas”, disse Chapek. “Nunca me senti tão mal em minha vida”.

No que dizia respeito a Iger, seu relacionamento com Chapek havia terminado.

‘Isso também vai passar’

A partir das 6h da manhã de segunda-feira, Jayne Parker, diretora de recursos humanos da Disney, ligou para os diretores da Disney para alertá-los sobre a fúria de Chapek. Ela fez com que um deles saísse da cama para atender a ligação.

Chapek, furioso, falou ao telefone com Susan Arnold. Era a primeira vez que ele falava sobre a briga com alguém do conselho. Ele não queria chamar a atenção para algo que parecia insignificante em comparação com uma pandemia, mas sentiu que isso não poderia mais ser ignorado.

Chapek, que considerava alguns outros membros do conselho ferozmente leais a Iger, achava que havia desenvolvido um bom relacionamento com Arnold, que havia passado a maior parte de sua carreira no Meio-Oeste na Procter & Gamble, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da empresa. Chapek, filho de um maquinista de Hammond, Indiana, havia começado a trabalhar com produtos embalados, trabalhando na divisão de alimentos para animais de estimação da Heinz e ajudando a comercializar o queijo Kraft.

Arnold também sabia algo sobre sucessão corporativa: ela havia sido uma das principais candidatas a CEO da Procter & Gamble, mas se retirou da disputa e deixou a empresa em 2009, em parte porque, como uma importante executiva homossexual, não queria que sua vida pessoal fosse analisada publicamente, algo que provavelmente acompanharia o cargo.

Arnold ficou surpreso com a veemência da reação de Chapek à coluna. Ela achou que ele parecia paranoico, achando que Iger estava querendo destruí-lo. Ela pediu que ele se acalmasse e obedecesse a Iger, como já havia aconselhado antes.

“O que restará de minha reputação?”, rebateu Chapek.

“Isso também vai passar”, respondeu ela. Iger sairia em 20 meses, e o prêmio de CEO seria somente de Chapek.

Chapek praticamente implorou para ser nomeado para o conselho como uma demonstração de confiança nele. Arnold conversou com vários outros conselheiros. Nenhum deles tinha conhecimento da profundidade da hostilidade que havia se desenvolvido entre Iger e seu sucessor designado. Mas eles concordaram que isso poderia prejudicar sua posição. Os conselheiros agora achavam que não tinham outra escolha a não ser nomear Chapek como diretor, como uma demonstração de apoio.

Arnold ligou para Iger e o repreendeu pela coluna. Ela lhe disse que era a pior coisa que poderia ter acontecido a Chapek. Ela ressaltou que se Iger tivesse aceitado a sugestão do conselho de nomear Chapek inicialmente como diretor de operações, em vez de CEO, nada disso estaria acontecendo. De qualquer forma, a discussão tinha de parar.

Iger ficou surpreso tanto com o tom quanto com a essência da ligação de Arnold. Ela parecia estar do lado de Chapek, embora ele fosse CEO há menos de dois meses e Iger ainda fosse o responsável final. Iger achava que ela e outros membros do conselho deveriam estar felizes pelo fato de ele estar assumindo o cargo durante uma crise, especialmente quando a liderança de Chapek tinha sido tão fraca.

Em 15 de abril, três dias após a publicação da coluna de Smith, Chapek foi nomeado para o conselho da Disney.

Bob Chapek posa para fotos com visitantes da Disney em 2022 Foto: Alex Welsh/NYT

Em junho, o conselho agendou sessões privadas por videochamada com os dois homens para tratar do conflito. Iger foi o primeiro. Ele expôs suas reclamações sobre a liderança de Chapek. Chapek não tinha nenhuma posição na comunidade criativa e não havia feito nenhum esforço para melhorá-la. Ele havia faltado às reuniões de criação.

Chapek disse que lamentava que suas diferenças tivessem se tornado um problema para o conselho.

A mensagem do conselho para os dois homens: a empresa estava em crise, e eles precisavam começar a agir como adultos e trabalhar juntos.

Nos meses que se seguiram, Iger parecia cada vez mais irritado com a reação do conselho à coluna de Smith. “Por que você é tão hostil com o conselho?”, Chapek finalmente perguntou durante uma de suas ligações, que continuaram, apesar das tensões.

Iger disse-lhe que ele não conseguia lidar com a verdade e, em seguida, prosseguiu dizendo que, antes de o conselho concordar em nomear Chapek como CEO, os diretores haviam garantido a Iger que, se ele achasse que não estava dando certo, poderia demitir Chapek e retornar como CEO quando quisesse.

Ellen Davis, porta-voz de Chapek, confirmou esse relato.

Imediatamente após a ligação, Chapek ligou para Arnold. “Do que ele está falando?”, perguntou.

Arnold tentou minimizar o fato. “Bem, você conhece o Bob”, respondeu Arnold. “Ele pode pensar assim, mas deixe para lá.”

Não era a resposta que Chapek estava esperando.

Jefferson, o porta-voz da Disney, disse que nunca houve tal entendimento entre Iger e o conselho. A afirmação de que ele poderia voltar quando quisesse “não era algo que Iger teria dito”, acrescentou Jefferson.

Para Chapek, esse foi um momento decisivo. Não se tratava apenas de paranoia: ele agora estava convencido de que Iger estava tentando se livrar dele e retornar como CEO, e que o conselho poderia permitir.

A última prorrogação?

Chapek saiu com mais de US$ 20 milhões em indenizações (depois de ganhar pouco mais de US$ 24 milhões em 2022), mas sua reputação estava em frangalhos.

Depois de ser demitido, Chapek contratou Bryan Freedman, um advogado de Los Angeles conhecido por lidar com demissões de grandes nomes da mídia. Freedman disse ao Times que havia aconselhado Chapek que ele tinha “uma ação judicial muito forte contra Bob Iger por interferir ilegalmente em sua capacidade de fazer seu trabalho”. Mas Chapek lhe disse que seus filhos e netos eram uma “família Disney” e que ele não poderia entrar com uma ação judicial que pudesse prejudicar a empresa, disse Freedman.

A Disney respondeu com uma declaração dizendo que Chapek foi demitido porque “ele não era mais a pessoa certa para atuar como CEO durante um período cada vez mais complexo de transformação do setor”.

Amordaçado por um acordo de indenização, Chapek permaneceu em segundo plano diante do que ele considera relatos pouco lisonjeiros, injustos e, em alguns casos, imprecisos de sua liderança. Poucas oportunidades surgiram em seu caminho.

Desde o início como CEO da Disney, Chapek enfrentou desafios assustadores que estavam fora de seu controle: o início de uma pandemia, a agitação em um setor que estava sendo transformado pelo streaming e a hostilidade aberta de um antecessor muito admirado e ainda poderoso.

Ao mesmo tempo, ele certamente contribuiu para seu próprio fim. Logo após ser nomeado CEO, ele parou de se aproximar de Iger. E, no final, quase toda a sua equipe executiva se voltou contra ele, até mesmo as pessoas que ele havia contratado e promovido. O mesmo aconteceu com o conselho.

Chapek, segundo seu porta-voz, “continua profundamente orgulhoso” por ter conduzido a Disney pelo “terreno sem precedentes” da crise da covid, “enquanto trabalhava para transformar a Disney em uma empresa de mídia preparada para o sucesso futuro. Chapek está confiante de que, na ausência da campanha de seu antecessor e sucessor final contra ele, essa visão coletiva teria sido realizada sob sua liderança”.

Os atuais executivos da Disney dizem que Iger restaurou o moral e trouxe a estabilidade necessária para as fileiras da administração.

Poucas rixas entre executivos de alto escalão atingiram o nível de intensidade e amargura que existe entre Iger e seu sucessor escolhido a dedo. Iger considerou a escolha de Chapek para o cargo principal o pior erro de sua carreira. Ainda assim, a pergunta persiste: como Iger pode ter julgado Chapek tão mal depois de trabalhar com ele por quase 30 anos? “Eu me esforcei muito para conduzir minha própria autópsia, para que nós, como empresa, não façamos isso novamente”, disse Iger no DealBook Summit do The New York Times no ano passado, mas ele se recusou a revelar quaisquer conclusões.

A Disney disse que Iger não tinha mais nada a acrescentar.

No verão passado, a diretoria da Disney prorrogou o contrato de Iger mais uma vez, até o final de 2026. Iger está convencido de que essa será a última prorrogação.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA

Às 17 horas do dia 25 de fevereiro de 2020, Bob Chapek e Bob Iger se acomodaram em cadeiras iguais no estacionamento do estúdio da The Walt Disney Co. para uma série de entrevistas ao vivo com a mídia. A empresa tinha acabado de chocar praticamente todo mundo ao anunciar que o pouco conhecido Chapek substituiria o popular Iger como CEO do grupo.

Chapek, careca e atarracado, e Iger, grisalho, mas ainda assim elegante, contrastaram imediatamente, embora ambos estivessem vestidos com ternos azul-marinho e camisas brancas de colarinho aberto e ambos se chamassem Bob. Para evitar confusão, alguns se referiam a eles como “Bob One” e “Bob Two”, ou “Big Bob” e “Little Bob” (embora Chapek fosse mais alto e mais pesado). E ainda havia o “Bob Bonitão” e o “Bob Chato”.

Estátua de Walt Disney e Mickey Mouse no parque da Disney em Anaheim, Califórnia  Foto: Philip Cheung/NYT

Em uma entrevista com Julia Boorstin, da CNBC, Chapek elogiou seu antecessor. “Obviamente, tenho muito trabalho a fazer”, disse ele com os olhos arregalados, elogiando a ‘mágica’ de Iger na administração da Disney. O mandato de 15 anos de Iger como CEO foi tão bem-sucedido que ele pensou em concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Democrata. A rainha Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o nomeou cavaleiro.

Iger disse que ele e Chapek trabalharam juntos “extremamente bem”, mas, no momento seguinte, qualificou esse elogio: “Na verdade, nossa equipe de gerentes seniores tem trabalhado muito bem em conjunto”.

Chapek ficou esperando em vão por algo mais efusivo, mais pessoal.

Quando as perguntas - e a atenção - se voltaram inteiramente para Chapek, o comportamento normalmente descontraído de Iger se enrijeceu. Seu olhar se desviou para baixo, para longe de Chapek, e ele parecia cada vez mais desconfortável. Ele cruzou os braços.

Chapek estava intimamente familiarizado com a linguagem corporal e as expressões de Iger. “Isso não é bom”, pensou ele.

Ele estava certo sobre isso. Mas mal sabia que ele e Iger estavam prestes a se enfrentar em uma luta épica pelo poder corporativo.

Quando Iger deixou o cargo de CEO - abruptamente, apenas algumas semanas antes de a pandemia do coronavírus mergulhar a Disney na pior crise de sua história -, o conselho da empresa concordou que ele poderia permanecer como “diretor criativo” e presidente executivo do conselho por mais dois anos.

Esse acordo quase foi desfeito por causa da questão de a quem, exatamente, Chapek responderia: se a Iger ou ao conselho. Um acordo de última hora, alcançado sem uma votação do conselho, fez com que Chapek se reportasse a ambos. Isso provou ser uma receita para o conflito, como Chapek logo começou a perceber.

Apenas algumas semanas após o início de seu mandato como CEO, Chapek expressou frustração. “Não posso sobreviver a mais dois anos assim”, disse Chapek a Arthur Bochner, seu chefe de equipe. Iger “não vai embora. Ele ficará aqui até morrer”.

Bochner temia que Chapek se demitisse. Chapek acabou sendo privado até mesmo dessa opção. A diretoria o demitiu pouco antes do Dia de Ação de Graças de 2022.

Como ele temia, seu sucessor foi Iger.

Bob Iger, que voltou ao cargo de CEO da Disney Foto: Philip Cheung/NYT

O New York Times reuniu as peças do que aconteceu dentro da Disney durante aqueles meses fatídicos, conversando com várias pessoas diretamente envolvidas. Muitas delas falaram extensivamente pela primeira vez sobre o que aconteceu, algumas apenas sob a condição de anonimato devido a seus acordos de confidencialidade com a Disney. Em cada instância em que uma conversa passada é reconstruída neste artigo, as palavras faladas foram confirmadas por várias pessoas com conhecimento das conversas.

Essas conversas revelam como o conselho e os executivos da Disney foram consumidos por conflitos e dramas no momento em que a empresa enfrentava uma reviravolta histórica no setor de entretenimento. Quando a pandemia chegou, logo que Chapek assumiu o cargo, a empresa teve de fechar temporariamente seus parques temáticos altamente lucrativos. Na primavera de 2022, a bolha do streaming estourou, fazendo com que os investidores fugissem de todas as ações de mídia, incluindo a Disney.

Mas, dentro da Disney, grande parte do foco estava na tentativa de gerenciar as tensões entre Iger e Chapek.

Esses problemas têm uma importância renovada agora, quando a Disney embarca em mais uma busca para encontrar alguém para suceder Iger, cujo contrato termina em 31 de dezembro de 2026.

Para uma empresa que apresenta seus parques temáticos como o “Lugar mais feliz da Terra”, a sede corporativa da Disney tem sido tudo menos isso - um foco de intrigas e disputas de poder. O ex-chefe de gabinete de Chapek disse que a suíte executiva do sexto andar da empresa era um “ninho de cobras”.

Iger ascendeu há quase duas décadas, após uma disputa de poder entre Michael Eisner, CEO de longa data, e Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney e membro do conselho do grupo. Naquela época, Eisner já havia promovido e depois despachado dois sucessores escolhidos a dedo, Jeffrey Katzenberg, que se tornou cofundador da DreamWorks, e Michael Ovitz, que já foi o agente mais poderoso de Hollywood.

Iger, que começou sua carreira como meteorologista em um canal a cabo no interior do Estado de Nova York, prometeu nunca seguir os passos de Eisner. Para os amigos, ele zombava dos temores de Eisner de deixar a Disney - de que seus telefonemas para os executivos poderosos não seriam retornados e de que ele não conseguiria fazer reservas nos melhores restaurantes. Ele disse a Chapek e a outros que nunca ficaria mais de 10 anos na empresa.

Iger parecia estar no caminho certo para honrar essa promessa. Certa vez, enquanto Chapek dirigia a divisão de produtos de consumo da Disney, Iger fez uma rara visita não programada a Chapek em seu escritório, a vários quilômetros da sede da empresa. Iger perguntou se Chapek achava que Jay Rasulo ou Tom Staggs, dois executivos de alto escalão, deveriam sucedê-lo como CEO.

“Você quer minha resposta honesta?” Chapek respondeu. “Nenhum dos dois.”

“Foi o que pensei que você diria”, disse Iger, de acordo com Chapek, e então começou a listar seus respectivos defeitos.

Foi a primeira vez que Chapek teve a impressão de que poderia ser a escolha real de Iger como sucessor.

Bob Chapek foi o escolhido por Iger para sucedê-lo, mas durou pouco no cargo de CEO Foto: Alex Welsh/NYT

Mas suas esperanças foram frustradas quando, em fevereiro de 2015, Iger nomeou Staggs, então presidente do parque temático, como diretor de operações e provável herdeiro. Na mesma época, a diretoria prorrogou o contrato de Iger por dois anos, até 2018, com a expectativa de que Iger passaria grande parte desse tempo preparando Staggs como seu sucessor.

Mas Iger não gostou dele. Ele reclamou que a Shanghai Disneyland, o projeto de Staggs na China, estava atrasado e acima do orçamento. Iger afastou Staggs em abril de 2016.

Chapek voltou à disputa.

Ele começou a trabalhar na Disney em 1993, no departamento de fitas VHS, chegando a supervisionar toda a distribuição de filmes. Em 2011, assumiu o controle da divisão de produtos de consumo da Disney, que logo ficou repleta de vendas de mercadorias de “Frozen”. Em 2015, Chapek foi promovido para dirigir os parques temáticos, supervisionando pelo menos US$ 24 bilhões em investimentos, incluindo as novas atrações de “Star Wars”, “Vingadores” e “Toy Story”.

Chapek era leal a Iger até ao ponto de ser obsequioso. Sozinho entre os gerentes seniores da Disney, ele rotineiramente chamava Iger de “boss” (“chefe”) em vez de “Bob”, o que Iger considerava cativante.

Ao mesmo tempo, Chapek não tinha o carisma de Iger e não era um comunicador natural.

Iger disse a Chapek para agendar uma série de reuniões individuais com os diretores da Disney para criar um relacionamento e expor sua visão para o futuro da empresa. Mas, no final de 2017, a Disney fechou um acordo para comprar os ativos de entretenimento da 21st Century Fox. Iger recebeu um grande bônus por consumar o acordo - prêmios em ações de até US$ 142 milhões pelo preço atual dos papéis de empresa na época - e o conselho prorrogou seu contrato pela sexta vez. Ele agora se aposentaria no final de 2021.

Chapek cancelou seus planos de se reunir com os diretores.

Há vida depois da Disney?

Um CEO da Disney é uma celebridade instantânea. Ele (todos foram homens) preside o que é visto como alguns dos negócios mais poderosos e glamourosos do mundo: os estúdios de cinema Marvel, Disney, Pixar, Lucasfilm e 20th Century; a rede de TV ABC e a divisão de notícias; canais a cabo como ESPN, FX e National Geographic. Seus 12 parques temáticos atraíram um total de 142 milhões de visitantes em 2023. E, mesmo para os padrões dos CEOs, a remuneração é enorme. A Forbes estima o patrimônio líquido de Iger em mais de US$ 700 milhões.

Com um iate, um jato corporativo, poder e influência, Iger e sua esposa, Willow Bay, ex-âncora de televisão e atual reitora da escola de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, se reuniram com um público seleto: Barack e Michelle Obama, Jeff Bezos, Steven Spielberg, David Geffen e Oprah Winfrey, para citar apenas alguns.

Bob Iger e sua esposa, Willow Bay, em um baile em Los Angeles Foto: Sinna Nasseri/NYT

Uma vez no cargo, Iger se perguntou (assim como Eisner antes dele): Se fosse destituído de seu poder e de sua remuneração multimilionária na Disney, seu fascínio diminuiria?

Ele sempre reclamava com Chapek (e com os membros do conselho) sobre sua remuneração. Essa era uma fonte frequente de tensão entre ele e Susan Arnold, que participou do comitê de remuneração por muitos anos.

Quando o conselho da empresa se reuniu em dezembro de 2019, Iger abordou a ideia de se afastar, mas não de sair completamente. “Por que não aceleramos o processo?” sugeriu Iger. Chapek foi sua escolha para sucedê-lo. Iger disse à diretoria que Chapek conhecia bem a marca, respeitava-a e não causaria nenhum dano. Ele também disse que Chapek tinha grande integridade.

Um dos diretores da Disney, Mark Parker, havia decidido recentemente deixar o cargo de CEO da Nike e se tornar presidente do conselho. Iger pensou em fazer a mesma coisa. Esse modelo permitiria que ele ficasse na Disney até o fim de seu contrato fazendo o que mais gostava, supervisionando os empreendimentos criativos da empresa. Chapek se tornaria o CEO e cuidaria de todo o resto. Um elemento crucial era o fato de que todos os líderes de divisão se reportariam a Chapek, mas Chapek se reportaria a Iger, deixando Iger no comando final. Havia também um incentivo financeiro óbvio: Iger ainda tinha mais de US$ 100 milhões em opções de ações não adquiridas e sua liderança poderia ajudar a proteger seu valor.

Safra Catz, CEO da Oracle e membro da diretoria da Disney, rebateu. Por que nomear Chapek CEO em vez de diretor de operações?

Iger disse que não queria uma repetição da situação com Staggs, em que as pessoas achavam que Staggs estava apenas fazendo um teste para o cargo mais alto e que poderiam superá-lo indo até Iger.

Mas, em uma rara demonstração de resistência, o conselho não se deixou convencer. Ele concordou em considerar a questão durante as festas de fim de ano.

Quando os membros do conselho se reuniram no final de janeiro de 2020, em Los Angeles, eles já haviam se decidido. Iger deu a boa notícia a Chapek imediatamente, dizendo que um anúncio seria feito em apenas três semanas, em 25 de fevereiro.

Por que a pressa? Zenia Mucha, diretora de comunicações da Disney e conselheira próxima de Iger, aconselhou o atraso; ela discordava de todo o plano, inclusive da escolha de Chapek. Mas Iger foi inflexível.

Em meados de fevereiro, o coronavírus estava se espalhando amplamente, e a pressão que poderia exercer sobre a empresa estava ficando clara. Iger havia recebido um briefing detalhado em Nova York da equipe da ABC News que estava cobrindo a história. Os parques temáticos da Disney em Xangai e Hong Kong já haviam sido fechados.

David Jefferson, porta-voz da Disney, disse que a pandemia não teve nada a ver com o momento da mudança de liderança. Os membros da diretoria concordaram, mas, quando pressionados, não ofereceram nenhuma explicação para a pressa, a não ser o que Iger queria.

‘Não pise nos pés dele’

Quando Chapek compartilhou a boa notícia de sua promoção com sua esposa, Cindy, ela ficou cética. “Já ouvimos isso antes”, disse a ele. Mas a principal diretora independente do conselho, Susan Arnold, voou de sua casa no Oregon para se encontrar com Chapek na Rotunda, como é conhecida a sala de jantar dos executivos da Disney. Lá, ela confirmou que ele era a escolha unânime da diretoria para suceder Iger como CEO. “Isso está acontecendo”, garantiu-lhe Arnold.

Disseram a Chapek que não havia tempo para que ele se reunisse com outros diretores. Embora eles tivessem se reunido com Chapek em suas funções anteriores, a ideia de que não havia tempo ou necessidade de entrevistá-lo para avaliar sua capacidade de atuar como CEO, sem mencionar a exploração de sua visão para o futuro de uma empresa em meio a mudanças profundas, parece inexplicável.

Arnold reconheceu que o acordo incomum, no qual Iger permaneceria como presidente do conselho e diretor de criação, apresentava um potencial de conflito. Ela pediu a Chapek que lhe mostrasse deferência. “Dê a ele um grande espaço” em questões criativas, ela aconselhou. “Não pise nos pés dele.”

A princípio, Chapek não faria parte do conselho da Disney, fato incomum para um CEO do grupo Foto: Alex Welsh/NYT

Notavelmente, Chapek não se juntaria ao conselho da Disney, o que era incomum, já que quase todos os CEOs também atuam como membros do conselho, em muitos casos como presidente. Mas o conselho queria um período de experiência para Chapek e queria enfatizar que ele se reportaria a Iger. Seria estranho se Chapek também fosse membro do conselho responsável pela supervisão de Iger.

Nos dias que antecederam o anúncio, Iger informou apenas alguns dos principais executivos, entre eles Christine McCarthy, diretora financeira. Como quase todo mundo que recebeu a notícia, ela ficou surpresa. Ao mesmo tempo em que se comprometeu a ajudar Chapek a ter sucesso, ela apontou alguns de seus pontos fracos: ele não sabia quase nada sobre o negócio de televisão, não sabia nada sobre programação esportiva, não tinha muitos relacionamentos com talentos de Hollywood, não tinha lidado com Wall Street.

Iger concordou que Chapek não parecia ser especialmente criativo. Mas Iger havia enfrentado as mesmas críticas quando foi nomeado presidente da ABC Entertainment em 1989.

“Acho que ele pode fazer isso”, insistiu Iger. “E eu ainda estarei por perto.”

Acerto de última hora

Em 24 de fevereiro, véspera do anúncio de Chapek, o plano de sucessão quase desmoronou.

Alan Braverman, conselheiro geral de longa data da Disney, ligou para Iger para dizer que, de acordo com os estatutos da empresa, o CEO tinha de se reportar ao conselho - e não a Iger. Para Iger, isso não era uma opção. Ele queria manter o controle final.

Foram Braverman e Mucha que chegaram a um acordo concebido às pressas: Chapek se reportaria ao conselho e a Iger.

Iger não se importou com isso, pois, do seu ponto de vista, Chapek ainda se reportava a ele. Iger insistiu para que o anúncio fosse feito na manhã seguinte, conforme programado, embora os membros da diretoria não tivessem discutido em grupo, e muito menos aprovado, o novo acordo de reporte duplo.

Ninguém contou a Chapek sobre a mudança na estrutura de reporte. Mas Chapek não estava muito preocupado com isso, porque Iger sempre o apoiou muito.

Em outro sinal de que Iger pretendia manter uma presença visível, ele decidiu ficar no escritório que ele e Eisner haviam ocupado como CEOs. Chapek foi relegado a um espaço menor nas proximidades. Esse arranjo só aumentou a confusão interna sobre o novo status de Chapek.

Os membros do conselho não ficaram entusiasmados com a decisão sobre o escritório ou com a mudança na dupla relatoria. Mas, como aconteceu em muitos casos, o conselho concordou com o que Iger queria.

Chapek e Iger enfrentaram as câmeras como planejado no dia seguinte. O anúncio da empresa dizia que a mudança tinha “efeito imediato”.

A mudança repentina chocou e deixou Hollywood perplexa. Paul McCartney, amigo íntimo de Iger, ligou para ele para perguntar se estava doente.

Cachorrinho de Iger

Cerca de duas semanas depois, em 11 de março, Chapek faria sua estreia formal como CEO na reunião anual de acionistas da Disney. Chapek estava nervoso, ainda mais porque falar em público nunca foi seu forte.

Antes da reunião, a equipe de relações com investidores da Disney preparou fichários com informações sobre todos os dados e perguntas que poderiam surgir. Munidos desses fichários, Iger e Chapek se acomodaram no compartimento dianteiro do jato Gulfstream da Disney para o voo de quatro horas e meia até Raleigh, Carolina do Norte, local da reunião daquele ano, para o que Chapek esperava que fosse uma longa sessão de preparação.

Vários passageiros, incluindo Chapek, lembram que Iger pegou seu iPad e começou a folhear fotografias recentes, contando as histórias por trás delas. Havia fotos suas com McCartney e de convidados de jantares recentes em Nova York. Chapek disse que tentou voltar a discussão para a reunião anual, mas Iger o interrompeu: “Você viu o design do meu novo iate?”

Incomodado com as digressões de Iger, Chapek se levantou e foi para o compartimento traseiro do avião.

A ausência prolongada de Chapek foi notada na cabine da frente. “Bob quer ser informado ou não?” Iger perguntou a seus colegas passageiros: McCarthy, Mucha e Braverman. Finalmente, Iger se levantou e foi procurar Chapek.

“Bob, você quer se sentar conosco para que possamos informá-lo?” perguntou Iger.

“Não está tudo aqui?” respondeu Chapek, segurando o fichário. Iger disse que o livro não conseguiria transmitir as nuances. Mas Chapek disse que revisaria o livro e o avisaria se tivesse alguma dúvida. Ele voltou à sua leitura.

De repente, Iger se sentiu como se estivesse no altar do casamento com a noiva caminhando pelo corredor. Ele percebeu que havia cometido um erro terrível. Mas já era tarde demais.

No caminho de volta para a Califórnia, o governador Gavin Newsom ligou para Iger antes de anunciar que restringiria as reuniões públicas na Califórnia por causa da covid-19. Mas ele achava que a Disneylândia poderia permanecer aberta. O governador não queria que as pessoas entrassem em pânico - e ele temia que entrassem se a Disneylândia fechasse.

Iger argumentou a Newsom que manter o parque temático aberto era uma má ideia, dados os riscos à saúde dos visitantes e funcionários. Mais tarde, Newsom elogiou publicamente o conselho e a cooperação de Iger.

Chapek não discordou da decisão de fechar os parques, mas ficou furioso com o fato de Iger tê-lo excluído.

Parque da Disney na Flórida em julho de 2020, época em que começaram a ser reabertos, mas com capacidade limitada por conta da covid  Foto: Eve Edelheit/NYT

Os executivos da Disney estavam preocupados com o choque que o fechamento dos parques causaria no fluxo de caixa da empresa. McCarthy e Chapek tomaram a decisão de dispensar rapidamente, embora com benefícios de saúde, mais de 90 mil funcionários dos parques temáticos.

Mas Iger rejeitou a decisão. Ele decidiu esperar até que o governo aprovasse um projeto de lei de ajuda para as perdas com a covid.

‘Ele está me matando’

Por mais que Chapek se sentisse marginalizado, os dois mantiveram pelo menos uma fachada de cooperação. Por causa da covid, ninguém ia ao escritório, mas Chapek falava com Iger semanalmente por telefone e, às vezes, ia vê-lo em sua casa em Brentwood, um bairro de luxo de Los Angeles, onde faziam caminhadas usando máscaras. Iger nunca foi ver Chapek em sua casa em Westlake Village, um subúrbio distante (um porta-voz de Iger disse que ele nunca foi convidado).

A pedido de Chapek, os dois realizaram uma série de reuniões com funcionários, nas quais Iger deveria reforçar a mensagem de que Chapek estava agora no comando. “Meu objetivo é que Bob seja bem-sucedido e, na medida em que eu puder ajudá-lo a fazer isso, eu o farei”, disse Iger na primeira reunião que realizaram, em fevereiro de 2020.

Mas quase tudo o que Chapek fez (ou não fez) reforçou a sensação de Iger de que nomear Chapek como seu sucessor havia sido um grande erro. Iger expressou sua frustração com amigos em Hollywood. A notícia se espalhou, e alguém entrou em contato com o colunista de mídia do Times na época, Ben Smith, para dizer que Iger estava reafirmando o controle. Smith também ligou e falou com Iger, que respondeu com um e-mail.

No domingo, 12 de abril, Chapek organizou uma festa tardia para a família e amigos em sua casa para comemorar sua promoção. Um amigo lhe enviou por e-mail a coluna de Smith, que acabara de ser publicada online. Chapek saiu da festa e a leu.

“Depois de algumas semanas deixando Chapek assumir o comando, Iger reafirmou o controle com tranquilidade”, escreveu Smith. Chapek leu com uma descrença crescente.

Smith chamou Chapek de “o novo executivo-chefe nominal” e até especulou que a escolha do sucessor de Iger “pode estar aberta novamente”.

Smith citou Iger dizendo em um e-mail que “uma crise dessa magnitude e seu impacto sobre a Disney, necessariamente resultaria em minha ajuda ativa a Bob (Chapek) e à empresa para enfrentá-la, especialmente porque dirigi a empresa por 15 anos!”

Chapek ligou imediatamente para Zenia Mucha, a executiva de comunicações. “Que diabos é isso?”, perguntou ele. Tentando acalmá-lo, ela argumentou que a coluna não era tão ruim assim.

“Ele está me matando”, respondeu Chapek.

Chapek não dormiu naquela noite. Na manhã seguinte, ele confrontou Iger por telefone.

Iger negou que tivesse falado com Smith, o que enfureceu ainda mais Chapek, que apontou que a citação de Iger veio diretamente de um e-mail. Iger disse que não entendia por que Chapek estava tão irritado. O que havia de errado em dizer que ele estava reafirmando o controle em meio a uma crise?

“Você cortou minhas pernas”, disse Chapek. “Nunca me senti tão mal em minha vida”.

No que dizia respeito a Iger, seu relacionamento com Chapek havia terminado.

‘Isso também vai passar’

A partir das 6h da manhã de segunda-feira, Jayne Parker, diretora de recursos humanos da Disney, ligou para os diretores da Disney para alertá-los sobre a fúria de Chapek. Ela fez com que um deles saísse da cama para atender a ligação.

Chapek, furioso, falou ao telefone com Susan Arnold. Era a primeira vez que ele falava sobre a briga com alguém do conselho. Ele não queria chamar a atenção para algo que parecia insignificante em comparação com uma pandemia, mas sentiu que isso não poderia mais ser ignorado.

Chapek, que considerava alguns outros membros do conselho ferozmente leais a Iger, achava que havia desenvolvido um bom relacionamento com Arnold, que havia passado a maior parte de sua carreira no Meio-Oeste na Procter & Gamble, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da empresa. Chapek, filho de um maquinista de Hammond, Indiana, havia começado a trabalhar com produtos embalados, trabalhando na divisão de alimentos para animais de estimação da Heinz e ajudando a comercializar o queijo Kraft.

Arnold também sabia algo sobre sucessão corporativa: ela havia sido uma das principais candidatas a CEO da Procter & Gamble, mas se retirou da disputa e deixou a empresa em 2009, em parte porque, como uma importante executiva homossexual, não queria que sua vida pessoal fosse analisada publicamente, algo que provavelmente acompanharia o cargo.

Arnold ficou surpreso com a veemência da reação de Chapek à coluna. Ela achou que ele parecia paranoico, achando que Iger estava querendo destruí-lo. Ela pediu que ele se acalmasse e obedecesse a Iger, como já havia aconselhado antes.

“O que restará de minha reputação?”, rebateu Chapek.

“Isso também vai passar”, respondeu ela. Iger sairia em 20 meses, e o prêmio de CEO seria somente de Chapek.

Chapek praticamente implorou para ser nomeado para o conselho como uma demonstração de confiança nele. Arnold conversou com vários outros conselheiros. Nenhum deles tinha conhecimento da profundidade da hostilidade que havia se desenvolvido entre Iger e seu sucessor designado. Mas eles concordaram que isso poderia prejudicar sua posição. Os conselheiros agora achavam que não tinham outra escolha a não ser nomear Chapek como diretor, como uma demonstração de apoio.

Arnold ligou para Iger e o repreendeu pela coluna. Ela lhe disse que era a pior coisa que poderia ter acontecido a Chapek. Ela ressaltou que se Iger tivesse aceitado a sugestão do conselho de nomear Chapek inicialmente como diretor de operações, em vez de CEO, nada disso estaria acontecendo. De qualquer forma, a discussão tinha de parar.

Iger ficou surpreso tanto com o tom quanto com a essência da ligação de Arnold. Ela parecia estar do lado de Chapek, embora ele fosse CEO há menos de dois meses e Iger ainda fosse o responsável final. Iger achava que ela e outros membros do conselho deveriam estar felizes pelo fato de ele estar assumindo o cargo durante uma crise, especialmente quando a liderança de Chapek tinha sido tão fraca.

Em 15 de abril, três dias após a publicação da coluna de Smith, Chapek foi nomeado para o conselho da Disney.

Bob Chapek posa para fotos com visitantes da Disney em 2022 Foto: Alex Welsh/NYT

Em junho, o conselho agendou sessões privadas por videochamada com os dois homens para tratar do conflito. Iger foi o primeiro. Ele expôs suas reclamações sobre a liderança de Chapek. Chapek não tinha nenhuma posição na comunidade criativa e não havia feito nenhum esforço para melhorá-la. Ele havia faltado às reuniões de criação.

Chapek disse que lamentava que suas diferenças tivessem se tornado um problema para o conselho.

A mensagem do conselho para os dois homens: a empresa estava em crise, e eles precisavam começar a agir como adultos e trabalhar juntos.

Nos meses que se seguiram, Iger parecia cada vez mais irritado com a reação do conselho à coluna de Smith. “Por que você é tão hostil com o conselho?”, Chapek finalmente perguntou durante uma de suas ligações, que continuaram, apesar das tensões.

Iger disse-lhe que ele não conseguia lidar com a verdade e, em seguida, prosseguiu dizendo que, antes de o conselho concordar em nomear Chapek como CEO, os diretores haviam garantido a Iger que, se ele achasse que não estava dando certo, poderia demitir Chapek e retornar como CEO quando quisesse.

Ellen Davis, porta-voz de Chapek, confirmou esse relato.

Imediatamente após a ligação, Chapek ligou para Arnold. “Do que ele está falando?”, perguntou.

Arnold tentou minimizar o fato. “Bem, você conhece o Bob”, respondeu Arnold. “Ele pode pensar assim, mas deixe para lá.”

Não era a resposta que Chapek estava esperando.

Jefferson, o porta-voz da Disney, disse que nunca houve tal entendimento entre Iger e o conselho. A afirmação de que ele poderia voltar quando quisesse “não era algo que Iger teria dito”, acrescentou Jefferson.

Para Chapek, esse foi um momento decisivo. Não se tratava apenas de paranoia: ele agora estava convencido de que Iger estava tentando se livrar dele e retornar como CEO, e que o conselho poderia permitir.

A última prorrogação?

Chapek saiu com mais de US$ 20 milhões em indenizações (depois de ganhar pouco mais de US$ 24 milhões em 2022), mas sua reputação estava em frangalhos.

Depois de ser demitido, Chapek contratou Bryan Freedman, um advogado de Los Angeles conhecido por lidar com demissões de grandes nomes da mídia. Freedman disse ao Times que havia aconselhado Chapek que ele tinha “uma ação judicial muito forte contra Bob Iger por interferir ilegalmente em sua capacidade de fazer seu trabalho”. Mas Chapek lhe disse que seus filhos e netos eram uma “família Disney” e que ele não poderia entrar com uma ação judicial que pudesse prejudicar a empresa, disse Freedman.

A Disney respondeu com uma declaração dizendo que Chapek foi demitido porque “ele não era mais a pessoa certa para atuar como CEO durante um período cada vez mais complexo de transformação do setor”.

Amordaçado por um acordo de indenização, Chapek permaneceu em segundo plano diante do que ele considera relatos pouco lisonjeiros, injustos e, em alguns casos, imprecisos de sua liderança. Poucas oportunidades surgiram em seu caminho.

Desde o início como CEO da Disney, Chapek enfrentou desafios assustadores que estavam fora de seu controle: o início de uma pandemia, a agitação em um setor que estava sendo transformado pelo streaming e a hostilidade aberta de um antecessor muito admirado e ainda poderoso.

Ao mesmo tempo, ele certamente contribuiu para seu próprio fim. Logo após ser nomeado CEO, ele parou de se aproximar de Iger. E, no final, quase toda a sua equipe executiva se voltou contra ele, até mesmo as pessoas que ele havia contratado e promovido. O mesmo aconteceu com o conselho.

Chapek, segundo seu porta-voz, “continua profundamente orgulhoso” por ter conduzido a Disney pelo “terreno sem precedentes” da crise da covid, “enquanto trabalhava para transformar a Disney em uma empresa de mídia preparada para o sucesso futuro. Chapek está confiante de que, na ausência da campanha de seu antecessor e sucessor final contra ele, essa visão coletiva teria sido realizada sob sua liderança”.

Os atuais executivos da Disney dizem que Iger restaurou o moral e trouxe a estabilidade necessária para as fileiras da administração.

Poucas rixas entre executivos de alto escalão atingiram o nível de intensidade e amargura que existe entre Iger e seu sucessor escolhido a dedo. Iger considerou a escolha de Chapek para o cargo principal o pior erro de sua carreira. Ainda assim, a pergunta persiste: como Iger pode ter julgado Chapek tão mal depois de trabalhar com ele por quase 30 anos? “Eu me esforcei muito para conduzir minha própria autópsia, para que nós, como empresa, não façamos isso novamente”, disse Iger no DealBook Summit do The New York Times no ano passado, mas ele se recusou a revelar quaisquer conclusões.

A Disney disse que Iger não tinha mais nada a acrescentar.

No verão passado, a diretoria da Disney prorrogou o contrato de Iger mais uma vez, até o final de 2026. Iger está convencido de que essa será a última prorrogação.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA

Às 17 horas do dia 25 de fevereiro de 2020, Bob Chapek e Bob Iger se acomodaram em cadeiras iguais no estacionamento do estúdio da The Walt Disney Co. para uma série de entrevistas ao vivo com a mídia. A empresa tinha acabado de chocar praticamente todo mundo ao anunciar que o pouco conhecido Chapek substituiria o popular Iger como CEO do grupo.

Chapek, careca e atarracado, e Iger, grisalho, mas ainda assim elegante, contrastaram imediatamente, embora ambos estivessem vestidos com ternos azul-marinho e camisas brancas de colarinho aberto e ambos se chamassem Bob. Para evitar confusão, alguns se referiam a eles como “Bob One” e “Bob Two”, ou “Big Bob” e “Little Bob” (embora Chapek fosse mais alto e mais pesado). E ainda havia o “Bob Bonitão” e o “Bob Chato”.

Estátua de Walt Disney e Mickey Mouse no parque da Disney em Anaheim, Califórnia  Foto: Philip Cheung/NYT

Em uma entrevista com Julia Boorstin, da CNBC, Chapek elogiou seu antecessor. “Obviamente, tenho muito trabalho a fazer”, disse ele com os olhos arregalados, elogiando a ‘mágica’ de Iger na administração da Disney. O mandato de 15 anos de Iger como CEO foi tão bem-sucedido que ele pensou em concorrer à presidência dos EUA pelo Partido Democrata. A rainha Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o nomeou cavaleiro.

Iger disse que ele e Chapek trabalharam juntos “extremamente bem”, mas, no momento seguinte, qualificou esse elogio: “Na verdade, nossa equipe de gerentes seniores tem trabalhado muito bem em conjunto”.

Chapek ficou esperando em vão por algo mais efusivo, mais pessoal.

Quando as perguntas - e a atenção - se voltaram inteiramente para Chapek, o comportamento normalmente descontraído de Iger se enrijeceu. Seu olhar se desviou para baixo, para longe de Chapek, e ele parecia cada vez mais desconfortável. Ele cruzou os braços.

Chapek estava intimamente familiarizado com a linguagem corporal e as expressões de Iger. “Isso não é bom”, pensou ele.

Ele estava certo sobre isso. Mas mal sabia que ele e Iger estavam prestes a se enfrentar em uma luta épica pelo poder corporativo.

Quando Iger deixou o cargo de CEO - abruptamente, apenas algumas semanas antes de a pandemia do coronavírus mergulhar a Disney na pior crise de sua história -, o conselho da empresa concordou que ele poderia permanecer como “diretor criativo” e presidente executivo do conselho por mais dois anos.

Esse acordo quase foi desfeito por causa da questão de a quem, exatamente, Chapek responderia: se a Iger ou ao conselho. Um acordo de última hora, alcançado sem uma votação do conselho, fez com que Chapek se reportasse a ambos. Isso provou ser uma receita para o conflito, como Chapek logo começou a perceber.

Apenas algumas semanas após o início de seu mandato como CEO, Chapek expressou frustração. “Não posso sobreviver a mais dois anos assim”, disse Chapek a Arthur Bochner, seu chefe de equipe. Iger “não vai embora. Ele ficará aqui até morrer”.

Bochner temia que Chapek se demitisse. Chapek acabou sendo privado até mesmo dessa opção. A diretoria o demitiu pouco antes do Dia de Ação de Graças de 2022.

Como ele temia, seu sucessor foi Iger.

Bob Iger, que voltou ao cargo de CEO da Disney Foto: Philip Cheung/NYT

O New York Times reuniu as peças do que aconteceu dentro da Disney durante aqueles meses fatídicos, conversando com várias pessoas diretamente envolvidas. Muitas delas falaram extensivamente pela primeira vez sobre o que aconteceu, algumas apenas sob a condição de anonimato devido a seus acordos de confidencialidade com a Disney. Em cada instância em que uma conversa passada é reconstruída neste artigo, as palavras faladas foram confirmadas por várias pessoas com conhecimento das conversas.

Essas conversas revelam como o conselho e os executivos da Disney foram consumidos por conflitos e dramas no momento em que a empresa enfrentava uma reviravolta histórica no setor de entretenimento. Quando a pandemia chegou, logo que Chapek assumiu o cargo, a empresa teve de fechar temporariamente seus parques temáticos altamente lucrativos. Na primavera de 2022, a bolha do streaming estourou, fazendo com que os investidores fugissem de todas as ações de mídia, incluindo a Disney.

Mas, dentro da Disney, grande parte do foco estava na tentativa de gerenciar as tensões entre Iger e Chapek.

Esses problemas têm uma importância renovada agora, quando a Disney embarca em mais uma busca para encontrar alguém para suceder Iger, cujo contrato termina em 31 de dezembro de 2026.

Para uma empresa que apresenta seus parques temáticos como o “Lugar mais feliz da Terra”, a sede corporativa da Disney tem sido tudo menos isso - um foco de intrigas e disputas de poder. O ex-chefe de gabinete de Chapek disse que a suíte executiva do sexto andar da empresa era um “ninho de cobras”.

Iger ascendeu há quase duas décadas, após uma disputa de poder entre Michael Eisner, CEO de longa data, e Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney e membro do conselho do grupo. Naquela época, Eisner já havia promovido e depois despachado dois sucessores escolhidos a dedo, Jeffrey Katzenberg, que se tornou cofundador da DreamWorks, e Michael Ovitz, que já foi o agente mais poderoso de Hollywood.

Iger, que começou sua carreira como meteorologista em um canal a cabo no interior do Estado de Nova York, prometeu nunca seguir os passos de Eisner. Para os amigos, ele zombava dos temores de Eisner de deixar a Disney - de que seus telefonemas para os executivos poderosos não seriam retornados e de que ele não conseguiria fazer reservas nos melhores restaurantes. Ele disse a Chapek e a outros que nunca ficaria mais de 10 anos na empresa.

Iger parecia estar no caminho certo para honrar essa promessa. Certa vez, enquanto Chapek dirigia a divisão de produtos de consumo da Disney, Iger fez uma rara visita não programada a Chapek em seu escritório, a vários quilômetros da sede da empresa. Iger perguntou se Chapek achava que Jay Rasulo ou Tom Staggs, dois executivos de alto escalão, deveriam sucedê-lo como CEO.

“Você quer minha resposta honesta?” Chapek respondeu. “Nenhum dos dois.”

“Foi o que pensei que você diria”, disse Iger, de acordo com Chapek, e então começou a listar seus respectivos defeitos.

Foi a primeira vez que Chapek teve a impressão de que poderia ser a escolha real de Iger como sucessor.

Bob Chapek foi o escolhido por Iger para sucedê-lo, mas durou pouco no cargo de CEO Foto: Alex Welsh/NYT

Mas suas esperanças foram frustradas quando, em fevereiro de 2015, Iger nomeou Staggs, então presidente do parque temático, como diretor de operações e provável herdeiro. Na mesma época, a diretoria prorrogou o contrato de Iger por dois anos, até 2018, com a expectativa de que Iger passaria grande parte desse tempo preparando Staggs como seu sucessor.

Mas Iger não gostou dele. Ele reclamou que a Shanghai Disneyland, o projeto de Staggs na China, estava atrasado e acima do orçamento. Iger afastou Staggs em abril de 2016.

Chapek voltou à disputa.

Ele começou a trabalhar na Disney em 1993, no departamento de fitas VHS, chegando a supervisionar toda a distribuição de filmes. Em 2011, assumiu o controle da divisão de produtos de consumo da Disney, que logo ficou repleta de vendas de mercadorias de “Frozen”. Em 2015, Chapek foi promovido para dirigir os parques temáticos, supervisionando pelo menos US$ 24 bilhões em investimentos, incluindo as novas atrações de “Star Wars”, “Vingadores” e “Toy Story”.

Chapek era leal a Iger até ao ponto de ser obsequioso. Sozinho entre os gerentes seniores da Disney, ele rotineiramente chamava Iger de “boss” (“chefe”) em vez de “Bob”, o que Iger considerava cativante.

Ao mesmo tempo, Chapek não tinha o carisma de Iger e não era um comunicador natural.

Iger disse a Chapek para agendar uma série de reuniões individuais com os diretores da Disney para criar um relacionamento e expor sua visão para o futuro da empresa. Mas, no final de 2017, a Disney fechou um acordo para comprar os ativos de entretenimento da 21st Century Fox. Iger recebeu um grande bônus por consumar o acordo - prêmios em ações de até US$ 142 milhões pelo preço atual dos papéis de empresa na época - e o conselho prorrogou seu contrato pela sexta vez. Ele agora se aposentaria no final de 2021.

Chapek cancelou seus planos de se reunir com os diretores.

Há vida depois da Disney?

Um CEO da Disney é uma celebridade instantânea. Ele (todos foram homens) preside o que é visto como alguns dos negócios mais poderosos e glamourosos do mundo: os estúdios de cinema Marvel, Disney, Pixar, Lucasfilm e 20th Century; a rede de TV ABC e a divisão de notícias; canais a cabo como ESPN, FX e National Geographic. Seus 12 parques temáticos atraíram um total de 142 milhões de visitantes em 2023. E, mesmo para os padrões dos CEOs, a remuneração é enorme. A Forbes estima o patrimônio líquido de Iger em mais de US$ 700 milhões.

Com um iate, um jato corporativo, poder e influência, Iger e sua esposa, Willow Bay, ex-âncora de televisão e atual reitora da escola de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, se reuniram com um público seleto: Barack e Michelle Obama, Jeff Bezos, Steven Spielberg, David Geffen e Oprah Winfrey, para citar apenas alguns.

Bob Iger e sua esposa, Willow Bay, em um baile em Los Angeles Foto: Sinna Nasseri/NYT

Uma vez no cargo, Iger se perguntou (assim como Eisner antes dele): Se fosse destituído de seu poder e de sua remuneração multimilionária na Disney, seu fascínio diminuiria?

Ele sempre reclamava com Chapek (e com os membros do conselho) sobre sua remuneração. Essa era uma fonte frequente de tensão entre ele e Susan Arnold, que participou do comitê de remuneração por muitos anos.

Quando o conselho da empresa se reuniu em dezembro de 2019, Iger abordou a ideia de se afastar, mas não de sair completamente. “Por que não aceleramos o processo?” sugeriu Iger. Chapek foi sua escolha para sucedê-lo. Iger disse à diretoria que Chapek conhecia bem a marca, respeitava-a e não causaria nenhum dano. Ele também disse que Chapek tinha grande integridade.

Um dos diretores da Disney, Mark Parker, havia decidido recentemente deixar o cargo de CEO da Nike e se tornar presidente do conselho. Iger pensou em fazer a mesma coisa. Esse modelo permitiria que ele ficasse na Disney até o fim de seu contrato fazendo o que mais gostava, supervisionando os empreendimentos criativos da empresa. Chapek se tornaria o CEO e cuidaria de todo o resto. Um elemento crucial era o fato de que todos os líderes de divisão se reportariam a Chapek, mas Chapek se reportaria a Iger, deixando Iger no comando final. Havia também um incentivo financeiro óbvio: Iger ainda tinha mais de US$ 100 milhões em opções de ações não adquiridas e sua liderança poderia ajudar a proteger seu valor.

Safra Catz, CEO da Oracle e membro da diretoria da Disney, rebateu. Por que nomear Chapek CEO em vez de diretor de operações?

Iger disse que não queria uma repetição da situação com Staggs, em que as pessoas achavam que Staggs estava apenas fazendo um teste para o cargo mais alto e que poderiam superá-lo indo até Iger.

Mas, em uma rara demonstração de resistência, o conselho não se deixou convencer. Ele concordou em considerar a questão durante as festas de fim de ano.

Quando os membros do conselho se reuniram no final de janeiro de 2020, em Los Angeles, eles já haviam se decidido. Iger deu a boa notícia a Chapek imediatamente, dizendo que um anúncio seria feito em apenas três semanas, em 25 de fevereiro.

Por que a pressa? Zenia Mucha, diretora de comunicações da Disney e conselheira próxima de Iger, aconselhou o atraso; ela discordava de todo o plano, inclusive da escolha de Chapek. Mas Iger foi inflexível.

Em meados de fevereiro, o coronavírus estava se espalhando amplamente, e a pressão que poderia exercer sobre a empresa estava ficando clara. Iger havia recebido um briefing detalhado em Nova York da equipe da ABC News que estava cobrindo a história. Os parques temáticos da Disney em Xangai e Hong Kong já haviam sido fechados.

David Jefferson, porta-voz da Disney, disse que a pandemia não teve nada a ver com o momento da mudança de liderança. Os membros da diretoria concordaram, mas, quando pressionados, não ofereceram nenhuma explicação para a pressa, a não ser o que Iger queria.

‘Não pise nos pés dele’

Quando Chapek compartilhou a boa notícia de sua promoção com sua esposa, Cindy, ela ficou cética. “Já ouvimos isso antes”, disse a ele. Mas a principal diretora independente do conselho, Susan Arnold, voou de sua casa no Oregon para se encontrar com Chapek na Rotunda, como é conhecida a sala de jantar dos executivos da Disney. Lá, ela confirmou que ele era a escolha unânime da diretoria para suceder Iger como CEO. “Isso está acontecendo”, garantiu-lhe Arnold.

Disseram a Chapek que não havia tempo para que ele se reunisse com outros diretores. Embora eles tivessem se reunido com Chapek em suas funções anteriores, a ideia de que não havia tempo ou necessidade de entrevistá-lo para avaliar sua capacidade de atuar como CEO, sem mencionar a exploração de sua visão para o futuro de uma empresa em meio a mudanças profundas, parece inexplicável.

Arnold reconheceu que o acordo incomum, no qual Iger permaneceria como presidente do conselho e diretor de criação, apresentava um potencial de conflito. Ela pediu a Chapek que lhe mostrasse deferência. “Dê a ele um grande espaço” em questões criativas, ela aconselhou. “Não pise nos pés dele.”

A princípio, Chapek não faria parte do conselho da Disney, fato incomum para um CEO do grupo Foto: Alex Welsh/NYT

Notavelmente, Chapek não se juntaria ao conselho da Disney, o que era incomum, já que quase todos os CEOs também atuam como membros do conselho, em muitos casos como presidente. Mas o conselho queria um período de experiência para Chapek e queria enfatizar que ele se reportaria a Iger. Seria estranho se Chapek também fosse membro do conselho responsável pela supervisão de Iger.

Nos dias que antecederam o anúncio, Iger informou apenas alguns dos principais executivos, entre eles Christine McCarthy, diretora financeira. Como quase todo mundo que recebeu a notícia, ela ficou surpresa. Ao mesmo tempo em que se comprometeu a ajudar Chapek a ter sucesso, ela apontou alguns de seus pontos fracos: ele não sabia quase nada sobre o negócio de televisão, não sabia nada sobre programação esportiva, não tinha muitos relacionamentos com talentos de Hollywood, não tinha lidado com Wall Street.

Iger concordou que Chapek não parecia ser especialmente criativo. Mas Iger havia enfrentado as mesmas críticas quando foi nomeado presidente da ABC Entertainment em 1989.

“Acho que ele pode fazer isso”, insistiu Iger. “E eu ainda estarei por perto.”

Acerto de última hora

Em 24 de fevereiro, véspera do anúncio de Chapek, o plano de sucessão quase desmoronou.

Alan Braverman, conselheiro geral de longa data da Disney, ligou para Iger para dizer que, de acordo com os estatutos da empresa, o CEO tinha de se reportar ao conselho - e não a Iger. Para Iger, isso não era uma opção. Ele queria manter o controle final.

Foram Braverman e Mucha que chegaram a um acordo concebido às pressas: Chapek se reportaria ao conselho e a Iger.

Iger não se importou com isso, pois, do seu ponto de vista, Chapek ainda se reportava a ele. Iger insistiu para que o anúncio fosse feito na manhã seguinte, conforme programado, embora os membros da diretoria não tivessem discutido em grupo, e muito menos aprovado, o novo acordo de reporte duplo.

Ninguém contou a Chapek sobre a mudança na estrutura de reporte. Mas Chapek não estava muito preocupado com isso, porque Iger sempre o apoiou muito.

Em outro sinal de que Iger pretendia manter uma presença visível, ele decidiu ficar no escritório que ele e Eisner haviam ocupado como CEOs. Chapek foi relegado a um espaço menor nas proximidades. Esse arranjo só aumentou a confusão interna sobre o novo status de Chapek.

Os membros do conselho não ficaram entusiasmados com a decisão sobre o escritório ou com a mudança na dupla relatoria. Mas, como aconteceu em muitos casos, o conselho concordou com o que Iger queria.

Chapek e Iger enfrentaram as câmeras como planejado no dia seguinte. O anúncio da empresa dizia que a mudança tinha “efeito imediato”.

A mudança repentina chocou e deixou Hollywood perplexa. Paul McCartney, amigo íntimo de Iger, ligou para ele para perguntar se estava doente.

Cachorrinho de Iger

Cerca de duas semanas depois, em 11 de março, Chapek faria sua estreia formal como CEO na reunião anual de acionistas da Disney. Chapek estava nervoso, ainda mais porque falar em público nunca foi seu forte.

Antes da reunião, a equipe de relações com investidores da Disney preparou fichários com informações sobre todos os dados e perguntas que poderiam surgir. Munidos desses fichários, Iger e Chapek se acomodaram no compartimento dianteiro do jato Gulfstream da Disney para o voo de quatro horas e meia até Raleigh, Carolina do Norte, local da reunião daquele ano, para o que Chapek esperava que fosse uma longa sessão de preparação.

Vários passageiros, incluindo Chapek, lembram que Iger pegou seu iPad e começou a folhear fotografias recentes, contando as histórias por trás delas. Havia fotos suas com McCartney e de convidados de jantares recentes em Nova York. Chapek disse que tentou voltar a discussão para a reunião anual, mas Iger o interrompeu: “Você viu o design do meu novo iate?”

Incomodado com as digressões de Iger, Chapek se levantou e foi para o compartimento traseiro do avião.

A ausência prolongada de Chapek foi notada na cabine da frente. “Bob quer ser informado ou não?” Iger perguntou a seus colegas passageiros: McCarthy, Mucha e Braverman. Finalmente, Iger se levantou e foi procurar Chapek.

“Bob, você quer se sentar conosco para que possamos informá-lo?” perguntou Iger.

“Não está tudo aqui?” respondeu Chapek, segurando o fichário. Iger disse que o livro não conseguiria transmitir as nuances. Mas Chapek disse que revisaria o livro e o avisaria se tivesse alguma dúvida. Ele voltou à sua leitura.

De repente, Iger se sentiu como se estivesse no altar do casamento com a noiva caminhando pelo corredor. Ele percebeu que havia cometido um erro terrível. Mas já era tarde demais.

No caminho de volta para a Califórnia, o governador Gavin Newsom ligou para Iger antes de anunciar que restringiria as reuniões públicas na Califórnia por causa da covid-19. Mas ele achava que a Disneylândia poderia permanecer aberta. O governador não queria que as pessoas entrassem em pânico - e ele temia que entrassem se a Disneylândia fechasse.

Iger argumentou a Newsom que manter o parque temático aberto era uma má ideia, dados os riscos à saúde dos visitantes e funcionários. Mais tarde, Newsom elogiou publicamente o conselho e a cooperação de Iger.

Chapek não discordou da decisão de fechar os parques, mas ficou furioso com o fato de Iger tê-lo excluído.

Parque da Disney na Flórida em julho de 2020, época em que começaram a ser reabertos, mas com capacidade limitada por conta da covid  Foto: Eve Edelheit/NYT

Os executivos da Disney estavam preocupados com o choque que o fechamento dos parques causaria no fluxo de caixa da empresa. McCarthy e Chapek tomaram a decisão de dispensar rapidamente, embora com benefícios de saúde, mais de 90 mil funcionários dos parques temáticos.

Mas Iger rejeitou a decisão. Ele decidiu esperar até que o governo aprovasse um projeto de lei de ajuda para as perdas com a covid.

‘Ele está me matando’

Por mais que Chapek se sentisse marginalizado, os dois mantiveram pelo menos uma fachada de cooperação. Por causa da covid, ninguém ia ao escritório, mas Chapek falava com Iger semanalmente por telefone e, às vezes, ia vê-lo em sua casa em Brentwood, um bairro de luxo de Los Angeles, onde faziam caminhadas usando máscaras. Iger nunca foi ver Chapek em sua casa em Westlake Village, um subúrbio distante (um porta-voz de Iger disse que ele nunca foi convidado).

A pedido de Chapek, os dois realizaram uma série de reuniões com funcionários, nas quais Iger deveria reforçar a mensagem de que Chapek estava agora no comando. “Meu objetivo é que Bob seja bem-sucedido e, na medida em que eu puder ajudá-lo a fazer isso, eu o farei”, disse Iger na primeira reunião que realizaram, em fevereiro de 2020.

Mas quase tudo o que Chapek fez (ou não fez) reforçou a sensação de Iger de que nomear Chapek como seu sucessor havia sido um grande erro. Iger expressou sua frustração com amigos em Hollywood. A notícia se espalhou, e alguém entrou em contato com o colunista de mídia do Times na época, Ben Smith, para dizer que Iger estava reafirmando o controle. Smith também ligou e falou com Iger, que respondeu com um e-mail.

No domingo, 12 de abril, Chapek organizou uma festa tardia para a família e amigos em sua casa para comemorar sua promoção. Um amigo lhe enviou por e-mail a coluna de Smith, que acabara de ser publicada online. Chapek saiu da festa e a leu.

“Depois de algumas semanas deixando Chapek assumir o comando, Iger reafirmou o controle com tranquilidade”, escreveu Smith. Chapek leu com uma descrença crescente.

Smith chamou Chapek de “o novo executivo-chefe nominal” e até especulou que a escolha do sucessor de Iger “pode estar aberta novamente”.

Smith citou Iger dizendo em um e-mail que “uma crise dessa magnitude e seu impacto sobre a Disney, necessariamente resultaria em minha ajuda ativa a Bob (Chapek) e à empresa para enfrentá-la, especialmente porque dirigi a empresa por 15 anos!”

Chapek ligou imediatamente para Zenia Mucha, a executiva de comunicações. “Que diabos é isso?”, perguntou ele. Tentando acalmá-lo, ela argumentou que a coluna não era tão ruim assim.

“Ele está me matando”, respondeu Chapek.

Chapek não dormiu naquela noite. Na manhã seguinte, ele confrontou Iger por telefone.

Iger negou que tivesse falado com Smith, o que enfureceu ainda mais Chapek, que apontou que a citação de Iger veio diretamente de um e-mail. Iger disse que não entendia por que Chapek estava tão irritado. O que havia de errado em dizer que ele estava reafirmando o controle em meio a uma crise?

“Você cortou minhas pernas”, disse Chapek. “Nunca me senti tão mal em minha vida”.

No que dizia respeito a Iger, seu relacionamento com Chapek havia terminado.

‘Isso também vai passar’

A partir das 6h da manhã de segunda-feira, Jayne Parker, diretora de recursos humanos da Disney, ligou para os diretores da Disney para alertá-los sobre a fúria de Chapek. Ela fez com que um deles saísse da cama para atender a ligação.

Chapek, furioso, falou ao telefone com Susan Arnold. Era a primeira vez que ele falava sobre a briga com alguém do conselho. Ele não queria chamar a atenção para algo que parecia insignificante em comparação com uma pandemia, mas sentiu que isso não poderia mais ser ignorado.

Chapek, que considerava alguns outros membros do conselho ferozmente leais a Iger, achava que havia desenvolvido um bom relacionamento com Arnold, que havia passado a maior parte de sua carreira no Meio-Oeste na Procter & Gamble, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da empresa. Chapek, filho de um maquinista de Hammond, Indiana, havia começado a trabalhar com produtos embalados, trabalhando na divisão de alimentos para animais de estimação da Heinz e ajudando a comercializar o queijo Kraft.

Arnold também sabia algo sobre sucessão corporativa: ela havia sido uma das principais candidatas a CEO da Procter & Gamble, mas se retirou da disputa e deixou a empresa em 2009, em parte porque, como uma importante executiva homossexual, não queria que sua vida pessoal fosse analisada publicamente, algo que provavelmente acompanharia o cargo.

Arnold ficou surpreso com a veemência da reação de Chapek à coluna. Ela achou que ele parecia paranoico, achando que Iger estava querendo destruí-lo. Ela pediu que ele se acalmasse e obedecesse a Iger, como já havia aconselhado antes.

“O que restará de minha reputação?”, rebateu Chapek.

“Isso também vai passar”, respondeu ela. Iger sairia em 20 meses, e o prêmio de CEO seria somente de Chapek.

Chapek praticamente implorou para ser nomeado para o conselho como uma demonstração de confiança nele. Arnold conversou com vários outros conselheiros. Nenhum deles tinha conhecimento da profundidade da hostilidade que havia se desenvolvido entre Iger e seu sucessor designado. Mas eles concordaram que isso poderia prejudicar sua posição. Os conselheiros agora achavam que não tinham outra escolha a não ser nomear Chapek como diretor, como uma demonstração de apoio.

Arnold ligou para Iger e o repreendeu pela coluna. Ela lhe disse que era a pior coisa que poderia ter acontecido a Chapek. Ela ressaltou que se Iger tivesse aceitado a sugestão do conselho de nomear Chapek inicialmente como diretor de operações, em vez de CEO, nada disso estaria acontecendo. De qualquer forma, a discussão tinha de parar.

Iger ficou surpreso tanto com o tom quanto com a essência da ligação de Arnold. Ela parecia estar do lado de Chapek, embora ele fosse CEO há menos de dois meses e Iger ainda fosse o responsável final. Iger achava que ela e outros membros do conselho deveriam estar felizes pelo fato de ele estar assumindo o cargo durante uma crise, especialmente quando a liderança de Chapek tinha sido tão fraca.

Em 15 de abril, três dias após a publicação da coluna de Smith, Chapek foi nomeado para o conselho da Disney.

Bob Chapek posa para fotos com visitantes da Disney em 2022 Foto: Alex Welsh/NYT

Em junho, o conselho agendou sessões privadas por videochamada com os dois homens para tratar do conflito. Iger foi o primeiro. Ele expôs suas reclamações sobre a liderança de Chapek. Chapek não tinha nenhuma posição na comunidade criativa e não havia feito nenhum esforço para melhorá-la. Ele havia faltado às reuniões de criação.

Chapek disse que lamentava que suas diferenças tivessem se tornado um problema para o conselho.

A mensagem do conselho para os dois homens: a empresa estava em crise, e eles precisavam começar a agir como adultos e trabalhar juntos.

Nos meses que se seguiram, Iger parecia cada vez mais irritado com a reação do conselho à coluna de Smith. “Por que você é tão hostil com o conselho?”, Chapek finalmente perguntou durante uma de suas ligações, que continuaram, apesar das tensões.

Iger disse-lhe que ele não conseguia lidar com a verdade e, em seguida, prosseguiu dizendo que, antes de o conselho concordar em nomear Chapek como CEO, os diretores haviam garantido a Iger que, se ele achasse que não estava dando certo, poderia demitir Chapek e retornar como CEO quando quisesse.

Ellen Davis, porta-voz de Chapek, confirmou esse relato.

Imediatamente após a ligação, Chapek ligou para Arnold. “Do que ele está falando?”, perguntou.

Arnold tentou minimizar o fato. “Bem, você conhece o Bob”, respondeu Arnold. “Ele pode pensar assim, mas deixe para lá.”

Não era a resposta que Chapek estava esperando.

Jefferson, o porta-voz da Disney, disse que nunca houve tal entendimento entre Iger e o conselho. A afirmação de que ele poderia voltar quando quisesse “não era algo que Iger teria dito”, acrescentou Jefferson.

Para Chapek, esse foi um momento decisivo. Não se tratava apenas de paranoia: ele agora estava convencido de que Iger estava tentando se livrar dele e retornar como CEO, e que o conselho poderia permitir.

A última prorrogação?

Chapek saiu com mais de US$ 20 milhões em indenizações (depois de ganhar pouco mais de US$ 24 milhões em 2022), mas sua reputação estava em frangalhos.

Depois de ser demitido, Chapek contratou Bryan Freedman, um advogado de Los Angeles conhecido por lidar com demissões de grandes nomes da mídia. Freedman disse ao Times que havia aconselhado Chapek que ele tinha “uma ação judicial muito forte contra Bob Iger por interferir ilegalmente em sua capacidade de fazer seu trabalho”. Mas Chapek lhe disse que seus filhos e netos eram uma “família Disney” e que ele não poderia entrar com uma ação judicial que pudesse prejudicar a empresa, disse Freedman.

A Disney respondeu com uma declaração dizendo que Chapek foi demitido porque “ele não era mais a pessoa certa para atuar como CEO durante um período cada vez mais complexo de transformação do setor”.

Amordaçado por um acordo de indenização, Chapek permaneceu em segundo plano diante do que ele considera relatos pouco lisonjeiros, injustos e, em alguns casos, imprecisos de sua liderança. Poucas oportunidades surgiram em seu caminho.

Desde o início como CEO da Disney, Chapek enfrentou desafios assustadores que estavam fora de seu controle: o início de uma pandemia, a agitação em um setor que estava sendo transformado pelo streaming e a hostilidade aberta de um antecessor muito admirado e ainda poderoso.

Ao mesmo tempo, ele certamente contribuiu para seu próprio fim. Logo após ser nomeado CEO, ele parou de se aproximar de Iger. E, no final, quase toda a sua equipe executiva se voltou contra ele, até mesmo as pessoas que ele havia contratado e promovido. O mesmo aconteceu com o conselho.

Chapek, segundo seu porta-voz, “continua profundamente orgulhoso” por ter conduzido a Disney pelo “terreno sem precedentes” da crise da covid, “enquanto trabalhava para transformar a Disney em uma empresa de mídia preparada para o sucesso futuro. Chapek está confiante de que, na ausência da campanha de seu antecessor e sucessor final contra ele, essa visão coletiva teria sido realizada sob sua liderança”.

Os atuais executivos da Disney dizem que Iger restaurou o moral e trouxe a estabilidade necessária para as fileiras da administração.

Poucas rixas entre executivos de alto escalão atingiram o nível de intensidade e amargura que existe entre Iger e seu sucessor escolhido a dedo. Iger considerou a escolha de Chapek para o cargo principal o pior erro de sua carreira. Ainda assim, a pergunta persiste: como Iger pode ter julgado Chapek tão mal depois de trabalhar com ele por quase 30 anos? “Eu me esforcei muito para conduzir minha própria autópsia, para que nós, como empresa, não façamos isso novamente”, disse Iger no DealBook Summit do The New York Times no ano passado, mas ele se recusou a revelar quaisquer conclusões.

A Disney disse que Iger não tinha mais nada a acrescentar.

No verão passado, a diretoria da Disney prorrogou o contrato de Iger mais uma vez, até o final de 2026. Iger está convencido de que essa será a última prorrogação.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA

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