Em uma nova tentativa de evitar a fuga de dólares, a Argentina criou mais três cotações para a conversão de pesos argentinos para a moeda americana, chamadas “dólar Coldplay”, “dólar Qatar” e “dólar luxo”. Ao todo, hoje, são pelo menos 14 cotações diferentes para o dólar no país. Uma recente reportagem da agência EFE, no entanto, apontava que o número pode ser ainda maior, contando opções quase nunca usadas. O total poderia chegar a 30 variedades diferentes de “dólar”
Criado para a Copa do Mundo, o “dólar Qatar” será aplicado ao consumo em dólares com cartões de crédito e débito, pacotes turísticos e passagens acima de US$ 300, a uma taxa de câmbio de 300 pesos argentinos por unidade. Já o “dólar Coldplay” vale cerca de 204 pesos, taxa de câmbio mais cara do que a aplicada no pagamento de importação de serviços. O “dólar luxo”, usado para compra de artigos de luxo importados, terá a mesma cotação do “dólar Qatar”.
Segundo Alexandre Jorge Chaia, professor do Insper, as diferentes cotações do dólar na Argentina são uma forma de o governo criar impostos sem chamá-los de impostos. “Para não criar impostos, o governo da Argentina cria preços diferentes para o dólar para impedir a saída massiva de dólar para o que considera supérfluo”, explica o especialista.
Chaia frisa que isso afeta o crescimento da economia argentina, por causa de restrições e regras que abrem espaço para subornos e preferências, dificultando a comercialização de produtos e serviços. “Todo esse cenário estimula a troca pelo dólar blue (câmbio paralelo) ou faz com que os argentinos vão ao Uruguai para sacar dólar”, diz.
Chaia afirma ainda que essa forma para segurar o dólar no país não é eficaz. “Essas medidas são muito mais exóticas do que práticas. É como tentar segurar a água com as mãos. O mundo é global e as pessoas vão encontrar saídas.”
Rachel de Sá, economista-chefe da Rico, avalia que as diferentes taxas de câmbio na Argentina refletem os problemas da economia local, mas que essas medidas só funcionam no curtíssimo prazo e ainda podem levar turistas a buscar pelo câmbio paralelo.
“O dólar blue é olhado pelo brasileiro porque o real vale mais. O paralelo reflete o valor real da moeda mais uma taxa. Esse valor é muito mais baixo do que o valor oficial, o que leva as pessoas a esse mercado para fazer toca”, diz.
Por conta disso, brasileiros que vão à Argentina a lazer ou se mudam para lá para serem nômades digitais passam a ter dias de riqueza no país por causa da melhor cotação do real perante ao dólar – especialmente no dólar blue.
“Por exemplo, em 13 de outubro, um dólar equivale a 157,25 na cotação oficial, já no mercado paralelo um dólar equivale a 291, uma diferença de 85%”, afirma Celso Pereira, diretor de investimentos da startup de contas internacionais Nomad.
Quais tipos de dólar existem hoje na Argentina?
Veja, abaixo, como funcionam as diferentes cotações mais adotadas na Argentina.
Dólar oficial
O dólar oficial tem a cotação controlada pelo Banco Central e tem canais de venda de varejo e atacado. O valor do dólar de varejo é usado como base para o cálculo de outros preços de mercado.
Dólar azul (ou Blue)
O dólar blue é o nome dado a compra da moeda no mercado ilegal. Fora dos limites do governo, essa é a forma mais comum para os argentinos comprarem a moeda americana. Turistas brasileiros também têm usado essa conversão para ter maior poder de compra na Argentina, chegando a ter dias de riqueza por lá.
Dólar de poupança
Dólar de poupança obtido por meio da compra do dólar oficial para poupança ou turismo. Poucas pessoas podem comprar dólares a esse preço. Fora isso, há limite de aquisição de US$ 200 ao mês.
Dólar Netflix
Dólar Netflix é a cotação para pagar serviços de streaming de vídeo, como HBO, Disney Plus, Spotify, Amazon Prime e, claro, Netflix. A cotação considera o imposto PAIS de 8%, mas 21% de IVA e 45% devem ser pagos na conta Lucros (Ganancias). Ou seja, há uma sobretaxa de 74% para os argentinos que contratam esses serviços.
Câmbio de dólar (ou MEP)
Fora do sistema financeiro formal, existe a alternativa chamada “mercado de pagamento eletrônico” (MEP). Essa é uma maneira legal de obter moeda americana por meio da compra e venda de títulos listados em pesos (como AL30). Esses títulos são então convertidos para o mesmo título cotado em dólar, e vendidos na moeda americana.
Cartão em dólares
Esse é o valor do dólar para quem usar o cartão de crédito para pagar serviços em dólares ou consumo em viagens ao exterior.
Dólar CCL
Essa é a principal forma de tirar a moeda legalmente do país. O dólar “contado com liquidação” como é chamado recurso que permite a troca de pesos argentinos por dólares no exterior. A ferramenta financeira é utilizada por empresas e investidores. As ações ou títulos de dívida são comprados em pesos no país e também em um mercado internacional. Posteriormente, eles podem ser vendidos em dólar.
Techno dollar
O techno dollar é o nome dado para a cotação adotada para isentar empresas de tecnologia que façam investimentos superiores a US$ 3 milhões da obrigação de liquidar um valor equivalente a 20% no Mercado Único de Câmbio.
Dólar Senebi
O dólar Senebi tem seu valor acertado por entidades privadas, por meio do Segmento de Negociação Bilateral (Senebi). Essa operação paralela surge da compra e venda de bônus, com preços acordados entre grandes empresas. Não há intervenção do Banco Central nem volumes para operar.
Dólar de Cedro
Cedro é o nome dado para os Certificados de Depósito Argentinos, que representam ações de grandes empresas, como Apple e Coca-Cola. Apesar de serem pagos em pesos argentinos, eles estão atrelados ao dólar CCL, e a taxa de câmbio pode mudar de acordo com a empresa negociada.
Dólar criptográfico
Essa cotação é feita com base em criptomoedas, e é independente de entidades regulatórias, como o Banco Central, além de funcionar 24 horas por dia. Essa cotação é acessada por meio de plataformas de câmbio, que negociam ativos como as stablecoins, que têm paridade com o dólar.
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