Economia verde: Empresas transformam lixo retirado do mar em óculos, brinquedos e embalagens


Companhias buscam investir em ações sustentáveis em sua cadeia de produção e contam com parcerias de organizações do terceiro setor

Por Euziane Bastos
Atualização:

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, brinquedos, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações sem fins lucrativos (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

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Os números traduzem o enorme potencial de negócios do segmento. Além da questão ambiental, as iniciativas sustentável agregam valor às marcas e atraem investidores de olho no aumento da participação na economia verde.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A ‘Embalixo Oceano’, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros doze meses.

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Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é a de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

“O objetivo dessa colaboração (com o Instituto Argonauta) é treinar catadores para recolher plásticos do mar e das praias. Como incentivo a coleta, a remuneração aos catadores será superior ao dobro do valor praticado no mercado por quilo de material recolhido”, explica o CEO.

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Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente. “Em três anos, quando estiver operando em plena capacidade, a usina poderá reciclar até 1 mil toneladas de plástico. Esse volume inclui não apenas o plástico retirado dos mares, mas também de outros locais”, argumenta Rafael.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de sermos a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos e estamos evoluindo para isso”, diz Marcel.

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Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou até países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações – diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes – os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, relata Marcel.

Eles levaram três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo
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Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combater a poluição resultante.

“São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material”, afirma.

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Para a professora, apesar do problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e ‘fechar a torneira’ da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

O caminho a ser percorrido por esses resíduos

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós transportamos ele. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, trituração e granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

Evitar que o plástico chegue ao oceano

Quando nasceu em 2016, a marca de produtos de limpeza Positiv.a tinha como objetivo, nas palavras de sua cofundadora, Marcella Zambardino, “transformar lixo em produto”. A marca começou com embalagens grandes de plástico virgem transparente e consultava cooperativas para desenvolver essas embalagens. Com o tempo, o preço do produto fez com que Marcella e seus sócios pensassem em alternativas para investir em embalagens menores para o varejo.

Chilli Beans produz óculos de resíduos do mar Foto: Chilli Beans/Divulgação

Com essa provocação em mente, Marcella começou a pesquisar alternativas fora do Brasil. Foi quando tomou conhecimento de uma marca estrangeira que havia lançado um frasco com plástico coletado no litoral. “A gente comprou esse frasco, analisou e começou a procurar aqui no Brasil”, relembra a empresária.

A solução veio de uma parceria com outra marca e uma ONG. Juntos, antes de lançar a embalagem feita à base de plástico retirado do oceano, eles realizaram um mutirão de limpeza na praia do Grajaú, na Grande São Paulo. Após o lançamento, a embalagem chegou a ganhar o prêmio Grandes Cases de Embalagem, mas com o tempo, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19, a marca passou por uma guinada inesperada e teve que alterar sua forma de produção.

“Entre abril e maio de 2020, a nossa resina, que compramos das cooperativas de Santos, começou a acabar e as demais cooperativas estavam fechadas porque estavam recebendo muito resíduo contaminado”, conta Marcella. A partir daí, a empresa decidiu parar de trabalhar plástico interceptado do litoral e integralizou sua produção com plástico PCR 100%, que é feito a partir de resina pós-consumo, ou seja, que já foi utilizada e descartada.

“Hoje, nós preferimos garantir que vamos transformar o lixo que está sendo produzido na cidade e um novo frasco. E, se fomentamos isso, cooperativas de reciclagem com as quais temos um trabalho próximo, esse lixo não chega no litoral”, afirma a empresária.

Dificuldades

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, bem como demais ações voltadas para a sustentabilidade, são bem vistas pelo mercado.

Segundo Paes, empresas com esse perfil procuram aumentar o seu valor e a percepção de seu valor frente aos seus clientes. No entanto, o profissional levanta um empecilho para o sucesso: o preço de uma operação como essa é alto e, consequentemente, encarece o valor dos produtos finais. “Alguns estudos recentes mostram que, entre preço e sustentabilidade, os consumidores, principalmente no Brasil, optam olhar mais para o preço”, afirma.

Daí a necessidade dessas empresas investirem também na percepção de valor de seus produtos, mas o professor ressalta que existem mais empecilhos para que isso aconteça. “No Brasil, existe uma carência muito grande de infraestrutura para que a gente viabilize isso”, diz Paes.

Do seu ponto de vista, o País necessita de políticas públicas que assegurem uma cadeia logística mais aderente e mais atrativa. Outra forma de driblar essas dificuldades, segundo Paes, é olhar para Parcerias Público-Privadas (PPPs), em que problemas como lixões e aterros sanitários pudessem ser tratados de modo a diluir os custos de produtos feitos com base em material reciclado para o consumidor final.

Por outro lado, tudo isso esbarra novamente na falta de incentivos a essas iniciativas. “Hoje, o Brasil não tem nenhuma regulamentação que obrigue ou incentive as empresas a irem nesse caminho. O que temos hoje são coisas muito incipientes e votações simbólicas”, diz o professor.

Em março deste ano, o Senado Federal chegou a votar o projeto de lei (PL) 1.874/2022, que cria a Política Nacional de Economia Circular. Dentre outras motivações, o PL prevê a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com a participação do Governo, sociedade e empresários que vão atuar na criação de dispositivos de ações nacionais em prol do meio ambiente. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara.

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, brinquedos, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações sem fins lucrativos (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

Os números traduzem o enorme potencial de negócios do segmento. Além da questão ambiental, as iniciativas sustentável agregam valor às marcas e atraem investidores de olho no aumento da participação na economia verde.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A ‘Embalixo Oceano’, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros doze meses.

Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é a de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

“O objetivo dessa colaboração (com o Instituto Argonauta) é treinar catadores para recolher plásticos do mar e das praias. Como incentivo a coleta, a remuneração aos catadores será superior ao dobro do valor praticado no mercado por quilo de material recolhido”, explica o CEO.

Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente. “Em três anos, quando estiver operando em plena capacidade, a usina poderá reciclar até 1 mil toneladas de plástico. Esse volume inclui não apenas o plástico retirado dos mares, mas também de outros locais”, argumenta Rafael.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de sermos a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos e estamos evoluindo para isso”, diz Marcel.

Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou até países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações – diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes – os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, relata Marcel.

Eles levaram três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combater a poluição resultante.

“São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material”, afirma.

Para a professora, apesar do problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e ‘fechar a torneira’ da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

O caminho a ser percorrido por esses resíduos

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós transportamos ele. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, trituração e granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

Evitar que o plástico chegue ao oceano

Quando nasceu em 2016, a marca de produtos de limpeza Positiv.a tinha como objetivo, nas palavras de sua cofundadora, Marcella Zambardino, “transformar lixo em produto”. A marca começou com embalagens grandes de plástico virgem transparente e consultava cooperativas para desenvolver essas embalagens. Com o tempo, o preço do produto fez com que Marcella e seus sócios pensassem em alternativas para investir em embalagens menores para o varejo.

Chilli Beans produz óculos de resíduos do mar Foto: Chilli Beans/Divulgação

Com essa provocação em mente, Marcella começou a pesquisar alternativas fora do Brasil. Foi quando tomou conhecimento de uma marca estrangeira que havia lançado um frasco com plástico coletado no litoral. “A gente comprou esse frasco, analisou e começou a procurar aqui no Brasil”, relembra a empresária.

A solução veio de uma parceria com outra marca e uma ONG. Juntos, antes de lançar a embalagem feita à base de plástico retirado do oceano, eles realizaram um mutirão de limpeza na praia do Grajaú, na Grande São Paulo. Após o lançamento, a embalagem chegou a ganhar o prêmio Grandes Cases de Embalagem, mas com o tempo, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19, a marca passou por uma guinada inesperada e teve que alterar sua forma de produção.

“Entre abril e maio de 2020, a nossa resina, que compramos das cooperativas de Santos, começou a acabar e as demais cooperativas estavam fechadas porque estavam recebendo muito resíduo contaminado”, conta Marcella. A partir daí, a empresa decidiu parar de trabalhar plástico interceptado do litoral e integralizou sua produção com plástico PCR 100%, que é feito a partir de resina pós-consumo, ou seja, que já foi utilizada e descartada.

“Hoje, nós preferimos garantir que vamos transformar o lixo que está sendo produzido na cidade e um novo frasco. E, se fomentamos isso, cooperativas de reciclagem com as quais temos um trabalho próximo, esse lixo não chega no litoral”, afirma a empresária.

Dificuldades

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, bem como demais ações voltadas para a sustentabilidade, são bem vistas pelo mercado.

Segundo Paes, empresas com esse perfil procuram aumentar o seu valor e a percepção de seu valor frente aos seus clientes. No entanto, o profissional levanta um empecilho para o sucesso: o preço de uma operação como essa é alto e, consequentemente, encarece o valor dos produtos finais. “Alguns estudos recentes mostram que, entre preço e sustentabilidade, os consumidores, principalmente no Brasil, optam olhar mais para o preço”, afirma.

Daí a necessidade dessas empresas investirem também na percepção de valor de seus produtos, mas o professor ressalta que existem mais empecilhos para que isso aconteça. “No Brasil, existe uma carência muito grande de infraestrutura para que a gente viabilize isso”, diz Paes.

Do seu ponto de vista, o País necessita de políticas públicas que assegurem uma cadeia logística mais aderente e mais atrativa. Outra forma de driblar essas dificuldades, segundo Paes, é olhar para Parcerias Público-Privadas (PPPs), em que problemas como lixões e aterros sanitários pudessem ser tratados de modo a diluir os custos de produtos feitos com base em material reciclado para o consumidor final.

Por outro lado, tudo isso esbarra novamente na falta de incentivos a essas iniciativas. “Hoje, o Brasil não tem nenhuma regulamentação que obrigue ou incentive as empresas a irem nesse caminho. O que temos hoje são coisas muito incipientes e votações simbólicas”, diz o professor.

Em março deste ano, o Senado Federal chegou a votar o projeto de lei (PL) 1.874/2022, que cria a Política Nacional de Economia Circular. Dentre outras motivações, o PL prevê a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com a participação do Governo, sociedade e empresários que vão atuar na criação de dispositivos de ações nacionais em prol do meio ambiente. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara.

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, brinquedos, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações sem fins lucrativos (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

Os números traduzem o enorme potencial de negócios do segmento. Além da questão ambiental, as iniciativas sustentável agregam valor às marcas e atraem investidores de olho no aumento da participação na economia verde.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A ‘Embalixo Oceano’, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros doze meses.

Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é a de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

“O objetivo dessa colaboração (com o Instituto Argonauta) é treinar catadores para recolher plásticos do mar e das praias. Como incentivo a coleta, a remuneração aos catadores será superior ao dobro do valor praticado no mercado por quilo de material recolhido”, explica o CEO.

Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente. “Em três anos, quando estiver operando em plena capacidade, a usina poderá reciclar até 1 mil toneladas de plástico. Esse volume inclui não apenas o plástico retirado dos mares, mas também de outros locais”, argumenta Rafael.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de sermos a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos e estamos evoluindo para isso”, diz Marcel.

Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou até países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações – diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes – os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, relata Marcel.

Eles levaram três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combater a poluição resultante.

“São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material”, afirma.

Para a professora, apesar do problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e ‘fechar a torneira’ da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

O caminho a ser percorrido por esses resíduos

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós transportamos ele. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, trituração e granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

Evitar que o plástico chegue ao oceano

Quando nasceu em 2016, a marca de produtos de limpeza Positiv.a tinha como objetivo, nas palavras de sua cofundadora, Marcella Zambardino, “transformar lixo em produto”. A marca começou com embalagens grandes de plástico virgem transparente e consultava cooperativas para desenvolver essas embalagens. Com o tempo, o preço do produto fez com que Marcella e seus sócios pensassem em alternativas para investir em embalagens menores para o varejo.

Chilli Beans produz óculos de resíduos do mar Foto: Chilli Beans/Divulgação

Com essa provocação em mente, Marcella começou a pesquisar alternativas fora do Brasil. Foi quando tomou conhecimento de uma marca estrangeira que havia lançado um frasco com plástico coletado no litoral. “A gente comprou esse frasco, analisou e começou a procurar aqui no Brasil”, relembra a empresária.

A solução veio de uma parceria com outra marca e uma ONG. Juntos, antes de lançar a embalagem feita à base de plástico retirado do oceano, eles realizaram um mutirão de limpeza na praia do Grajaú, na Grande São Paulo. Após o lançamento, a embalagem chegou a ganhar o prêmio Grandes Cases de Embalagem, mas com o tempo, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19, a marca passou por uma guinada inesperada e teve que alterar sua forma de produção.

“Entre abril e maio de 2020, a nossa resina, que compramos das cooperativas de Santos, começou a acabar e as demais cooperativas estavam fechadas porque estavam recebendo muito resíduo contaminado”, conta Marcella. A partir daí, a empresa decidiu parar de trabalhar plástico interceptado do litoral e integralizou sua produção com plástico PCR 100%, que é feito a partir de resina pós-consumo, ou seja, que já foi utilizada e descartada.

“Hoje, nós preferimos garantir que vamos transformar o lixo que está sendo produzido na cidade e um novo frasco. E, se fomentamos isso, cooperativas de reciclagem com as quais temos um trabalho próximo, esse lixo não chega no litoral”, afirma a empresária.

Dificuldades

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, bem como demais ações voltadas para a sustentabilidade, são bem vistas pelo mercado.

Segundo Paes, empresas com esse perfil procuram aumentar o seu valor e a percepção de seu valor frente aos seus clientes. No entanto, o profissional levanta um empecilho para o sucesso: o preço de uma operação como essa é alto e, consequentemente, encarece o valor dos produtos finais. “Alguns estudos recentes mostram que, entre preço e sustentabilidade, os consumidores, principalmente no Brasil, optam olhar mais para o preço”, afirma.

Daí a necessidade dessas empresas investirem também na percepção de valor de seus produtos, mas o professor ressalta que existem mais empecilhos para que isso aconteça. “No Brasil, existe uma carência muito grande de infraestrutura para que a gente viabilize isso”, diz Paes.

Do seu ponto de vista, o País necessita de políticas públicas que assegurem uma cadeia logística mais aderente e mais atrativa. Outra forma de driblar essas dificuldades, segundo Paes, é olhar para Parcerias Público-Privadas (PPPs), em que problemas como lixões e aterros sanitários pudessem ser tratados de modo a diluir os custos de produtos feitos com base em material reciclado para o consumidor final.

Por outro lado, tudo isso esbarra novamente na falta de incentivos a essas iniciativas. “Hoje, o Brasil não tem nenhuma regulamentação que obrigue ou incentive as empresas a irem nesse caminho. O que temos hoje são coisas muito incipientes e votações simbólicas”, diz o professor.

Em março deste ano, o Senado Federal chegou a votar o projeto de lei (PL) 1.874/2022, que cria a Política Nacional de Economia Circular. Dentre outras motivações, o PL prevê a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com a participação do Governo, sociedade e empresários que vão atuar na criação de dispositivos de ações nacionais em prol do meio ambiente. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara.

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, brinquedos, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações sem fins lucrativos (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

Os números traduzem o enorme potencial de negócios do segmento. Além da questão ambiental, as iniciativas sustentável agregam valor às marcas e atraem investidores de olho no aumento da participação na economia verde.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A ‘Embalixo Oceano’, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros doze meses.

Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é a de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

“O objetivo dessa colaboração (com o Instituto Argonauta) é treinar catadores para recolher plásticos do mar e das praias. Como incentivo a coleta, a remuneração aos catadores será superior ao dobro do valor praticado no mercado por quilo de material recolhido”, explica o CEO.

Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente. “Em três anos, quando estiver operando em plena capacidade, a usina poderá reciclar até 1 mil toneladas de plástico. Esse volume inclui não apenas o plástico retirado dos mares, mas também de outros locais”, argumenta Rafael.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de sermos a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos e estamos evoluindo para isso”, diz Marcel.

Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou até países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações – diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes – os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, relata Marcel.

Eles levaram três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combater a poluição resultante.

“São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material”, afirma.

Para a professora, apesar do problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e ‘fechar a torneira’ da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

O caminho a ser percorrido por esses resíduos

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós transportamos ele. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, trituração e granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

Evitar que o plástico chegue ao oceano

Quando nasceu em 2016, a marca de produtos de limpeza Positiv.a tinha como objetivo, nas palavras de sua cofundadora, Marcella Zambardino, “transformar lixo em produto”. A marca começou com embalagens grandes de plástico virgem transparente e consultava cooperativas para desenvolver essas embalagens. Com o tempo, o preço do produto fez com que Marcella e seus sócios pensassem em alternativas para investir em embalagens menores para o varejo.

Chilli Beans produz óculos de resíduos do mar Foto: Chilli Beans/Divulgação

Com essa provocação em mente, Marcella começou a pesquisar alternativas fora do Brasil. Foi quando tomou conhecimento de uma marca estrangeira que havia lançado um frasco com plástico coletado no litoral. “A gente comprou esse frasco, analisou e começou a procurar aqui no Brasil”, relembra a empresária.

A solução veio de uma parceria com outra marca e uma ONG. Juntos, antes de lançar a embalagem feita à base de plástico retirado do oceano, eles realizaram um mutirão de limpeza na praia do Grajaú, na Grande São Paulo. Após o lançamento, a embalagem chegou a ganhar o prêmio Grandes Cases de Embalagem, mas com o tempo, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19, a marca passou por uma guinada inesperada e teve que alterar sua forma de produção.

“Entre abril e maio de 2020, a nossa resina, que compramos das cooperativas de Santos, começou a acabar e as demais cooperativas estavam fechadas porque estavam recebendo muito resíduo contaminado”, conta Marcella. A partir daí, a empresa decidiu parar de trabalhar plástico interceptado do litoral e integralizou sua produção com plástico PCR 100%, que é feito a partir de resina pós-consumo, ou seja, que já foi utilizada e descartada.

“Hoje, nós preferimos garantir que vamos transformar o lixo que está sendo produzido na cidade e um novo frasco. E, se fomentamos isso, cooperativas de reciclagem com as quais temos um trabalho próximo, esse lixo não chega no litoral”, afirma a empresária.

Dificuldades

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, bem como demais ações voltadas para a sustentabilidade, são bem vistas pelo mercado.

Segundo Paes, empresas com esse perfil procuram aumentar o seu valor e a percepção de seu valor frente aos seus clientes. No entanto, o profissional levanta um empecilho para o sucesso: o preço de uma operação como essa é alto e, consequentemente, encarece o valor dos produtos finais. “Alguns estudos recentes mostram que, entre preço e sustentabilidade, os consumidores, principalmente no Brasil, optam olhar mais para o preço”, afirma.

Daí a necessidade dessas empresas investirem também na percepção de valor de seus produtos, mas o professor ressalta que existem mais empecilhos para que isso aconteça. “No Brasil, existe uma carência muito grande de infraestrutura para que a gente viabilize isso”, diz Paes.

Do seu ponto de vista, o País necessita de políticas públicas que assegurem uma cadeia logística mais aderente e mais atrativa. Outra forma de driblar essas dificuldades, segundo Paes, é olhar para Parcerias Público-Privadas (PPPs), em que problemas como lixões e aterros sanitários pudessem ser tratados de modo a diluir os custos de produtos feitos com base em material reciclado para o consumidor final.

Por outro lado, tudo isso esbarra novamente na falta de incentivos a essas iniciativas. “Hoje, o Brasil não tem nenhuma regulamentação que obrigue ou incentive as empresas a irem nesse caminho. O que temos hoje são coisas muito incipientes e votações simbólicas”, diz o professor.

Em março deste ano, o Senado Federal chegou a votar o projeto de lei (PL) 1.874/2022, que cria a Política Nacional de Economia Circular. Dentre outras motivações, o PL prevê a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com a participação do Governo, sociedade e empresários que vão atuar na criação de dispositivos de ações nacionais em prol do meio ambiente. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara.

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, brinquedos, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações sem fins lucrativos (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

Os números traduzem o enorme potencial de negócios do segmento. Além da questão ambiental, as iniciativas sustentável agregam valor às marcas e atraem investidores de olho no aumento da participação na economia verde.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A ‘Embalixo Oceano’, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros doze meses.

Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é a de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

“O objetivo dessa colaboração (com o Instituto Argonauta) é treinar catadores para recolher plásticos do mar e das praias. Como incentivo a coleta, a remuneração aos catadores será superior ao dobro do valor praticado no mercado por quilo de material recolhido”, explica o CEO.

Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente. “Em três anos, quando estiver operando em plena capacidade, a usina poderá reciclar até 1 mil toneladas de plástico. Esse volume inclui não apenas o plástico retirado dos mares, mas também de outros locais”, argumenta Rafael.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de sermos a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos e estamos evoluindo para isso”, diz Marcel.

Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou até países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações – diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes – os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, relata Marcel.

Eles levaram três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Empresa transforma plásticos retirados do Oceano em sacos de lixo Foto: Christopher Guilhermon Municci/Embalixo

Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combater a poluição resultante.

“São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material”, afirma.

Para a professora, apesar do problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e ‘fechar a torneira’ da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

O caminho a ser percorrido por esses resíduos

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós transportamos ele. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, trituração e granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

Evitar que o plástico chegue ao oceano

Quando nasceu em 2016, a marca de produtos de limpeza Positiv.a tinha como objetivo, nas palavras de sua cofundadora, Marcella Zambardino, “transformar lixo em produto”. A marca começou com embalagens grandes de plástico virgem transparente e consultava cooperativas para desenvolver essas embalagens. Com o tempo, o preço do produto fez com que Marcella e seus sócios pensassem em alternativas para investir em embalagens menores para o varejo.

Chilli Beans produz óculos de resíduos do mar Foto: Chilli Beans/Divulgação

Com essa provocação em mente, Marcella começou a pesquisar alternativas fora do Brasil. Foi quando tomou conhecimento de uma marca estrangeira que havia lançado um frasco com plástico coletado no litoral. “A gente comprou esse frasco, analisou e começou a procurar aqui no Brasil”, relembra a empresária.

A solução veio de uma parceria com outra marca e uma ONG. Juntos, antes de lançar a embalagem feita à base de plástico retirado do oceano, eles realizaram um mutirão de limpeza na praia do Grajaú, na Grande São Paulo. Após o lançamento, a embalagem chegou a ganhar o prêmio Grandes Cases de Embalagem, mas com o tempo, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19, a marca passou por uma guinada inesperada e teve que alterar sua forma de produção.

“Entre abril e maio de 2020, a nossa resina, que compramos das cooperativas de Santos, começou a acabar e as demais cooperativas estavam fechadas porque estavam recebendo muito resíduo contaminado”, conta Marcella. A partir daí, a empresa decidiu parar de trabalhar plástico interceptado do litoral e integralizou sua produção com plástico PCR 100%, que é feito a partir de resina pós-consumo, ou seja, que já foi utilizada e descartada.

“Hoje, nós preferimos garantir que vamos transformar o lixo que está sendo produzido na cidade e um novo frasco. E, se fomentamos isso, cooperativas de reciclagem com as quais temos um trabalho próximo, esse lixo não chega no litoral”, afirma a empresária.

Dificuldades

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, bem como demais ações voltadas para a sustentabilidade, são bem vistas pelo mercado.

Segundo Paes, empresas com esse perfil procuram aumentar o seu valor e a percepção de seu valor frente aos seus clientes. No entanto, o profissional levanta um empecilho para o sucesso: o preço de uma operação como essa é alto e, consequentemente, encarece o valor dos produtos finais. “Alguns estudos recentes mostram que, entre preço e sustentabilidade, os consumidores, principalmente no Brasil, optam olhar mais para o preço”, afirma.

Daí a necessidade dessas empresas investirem também na percepção de valor de seus produtos, mas o professor ressalta que existem mais empecilhos para que isso aconteça. “No Brasil, existe uma carência muito grande de infraestrutura para que a gente viabilize isso”, diz Paes.

Do seu ponto de vista, o País necessita de políticas públicas que assegurem uma cadeia logística mais aderente e mais atrativa. Outra forma de driblar essas dificuldades, segundo Paes, é olhar para Parcerias Público-Privadas (PPPs), em que problemas como lixões e aterros sanitários pudessem ser tratados de modo a diluir os custos de produtos feitos com base em material reciclado para o consumidor final.

Por outro lado, tudo isso esbarra novamente na falta de incentivos a essas iniciativas. “Hoje, o Brasil não tem nenhuma regulamentação que obrigue ou incentive as empresas a irem nesse caminho. O que temos hoje são coisas muito incipientes e votações simbólicas”, diz o professor.

Em março deste ano, o Senado Federal chegou a votar o projeto de lei (PL) 1.874/2022, que cria a Política Nacional de Economia Circular. Dentre outras motivações, o PL prevê a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com a participação do Governo, sociedade e empresários que vão atuar na criação de dispositivos de ações nacionais em prol do meio ambiente. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara.

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