Incertos de como deve ser o relacionamento com o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, empresários do setor de educação superior procuram formas de sustentar a defesa de uma retomada do Fies, programa de financiamento que minguou em meio à crise fiscal. Embora haja ceticismo, o setor se agarra no aspecto liberal da condução econômica do novo governo para apostar num ambiente favorável ao setor privado.
Entidades representativas do segmento, como a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), têm propostas de modificações no Fies que desejam apresentar à equipe de Bolsonaro. Eles tentam atacar problemas como a alta inadimplência e a baixa adesão de alunos com pedidos para que o governo financie uma parcela maior do valor dos cursos ou que adeque melhor a cobrança à capacidade financeira do estudante.
Por outro lado, nos bastidores, os empresários reconhecem que o momento é desfavorável. Uma reunião entre Bolsonaro e a ABMES pedida para dezembro foi adiada e o setor aguarda ser recebido pela equipe do novo governo no início de 2019.
Embora defendam que o financiamento é uma forma de atingir metas do Plano Nacional de Educação, empresários entendem que o espaço político para o tema é pequeno em meio a restrições orçamentárias e também porque a expansão do Fies, que ocorreu a partir de 2010, é frequentemente associada ao nome do candidato derrotado à presidência Fernando Haddad, ministro da Educação entre 2005 e 2012 e adversário de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018.
Para um alto executivo de um grupo de faculdades que pediu para não ser identificado, as empresas ainda se preparam para lidar com um ambiente de adversidades no mercado de ensino superior privado no próximo ano. Ele pondera, no entanto, que o governo, se não vai estimular o Fies, pode ao menos ser simpático à ideia do setor privado como principal ofertante de vagas em faculdades. "Eu tenho uma visão positiva se o governo simplesmente reconhecer a capacidade do setor privado em oferecer ensino superior", disse.
É nesse sentido que muitos enxergam que o discurso liberal na economia favoreça as universidades privadas. Isso porque a campanha de Bolsonaro à presidência chegou a defender o uso de "vouchers", um sistema em que o governo compra vagas em cursos no setor privado. Outro tema que foi presente na campanha, a cobrança de mensalidade em universidades públicas, recebe atenção dos empresários de faculdades privadas.
O Semesp, por exemplo, pretende discutir com o novo governo uma proposta que aproxime o ensino universitário brasileiro do modelo australiano. No país da Oceania, todas as faculdades cobram mensalidade, mas há um financiamento estudantil que atrela a amortização da dívida à renda. Alunos que têm maior sucesso ao ingressar no mercado de trabalho, restituem o fundo de financiamento mais rapidamente.
A ideia do setor é usar a discussão da cobrança em universidades públicas para atrelar o possível recurso originado daí à recriação de um programa de financiamento estudantil. "A discussão da cobrança da mensalidade nas universidades públicas é um debate que esse novo governo se interessa em fazer. Estamos atrelando ele ao financiamento porque entendemos que é o setor privado que gera acesso de grande quantidade de pessoas à universidade", diz o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.
A expectativa é de que as discussões dos representantes de universidades privadas com o novo corpo do ministério da Educação comecem já em janeiro. Até o momento, no entanto, não houve espaço para uma aproximação. O futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, não era um nome conhecido do setor privado antes da nomeação e muitos entendem que o foco dele à frente da pasta será o ensino básico. Fora de embates polêmicos e caros ao governo, como o Escola Sem Partido, o ensino superior poderia ser um espaço mais aberto a sugestões do setor privado, avaliam.
Ensino a distância
Para além da discussão sobre o Fies, a dinâmica de mercado no ensino superior privado segue desafiadora. No ensino presencial, a oferta de financiamento privado pressiona o caixa das companhias. No ensino a distância, mudanças regulatórias que flexibilizaram regras para abrir novos polos de EAD elevaram a oferta, levando as margens das empresas a serem afetadas pela maior competição.
Uma oportunidade pode se abrir, no entanto, com a liberação de disciplinas via ensino a distância (EAD) no ensino médio, que foi aprovada pelo Conselho Nacional da Educação (CNE). Segundo Capelato, faculdades estudam a possibilidade de firmar parcerias com escolas para oferecer conteúdo em EAD para disciplinas mais relacionadas à formação técnica e profissional. O movimento ainda é incipiente, mas é visto como uma tendência de crescimento.
O esforço no ensino médio deve ser ainda mais rápido em companhias que já montaram operações de escolas e sistemas de ensino. Em especial a Kroton, líder no ensino superior, fez esse movimento ao comprar escolas e adquirir a Somos Educação. A empresa diz já estar preparada para ofertar conteúdo em EAD para outras escolas parceiras.