‘Deus é meu sócio. Se ele quer que eu faça caridade, preciso ganhar dinheiro’, diz Elie Horn


O fundador da Cyrela é o empresário mais ativo no País a estimular a filantropia, mas diz ter dificuldade em convencer seus pares a doar fortunas, como faz; leia entrevista

Por Lucas Agrela e Ricardo Grinbaum
Atualização:
Entrevista comElie HornFundador da Cyrela

Aos 80 anos, o empresário Elie Horn é um empresário original. Ele é tão conhecido como dono da Cyrela, a maior incorporadora de imóveis de luxo do Brasil, como por sua obsessão pela caridade. Este ano sua empresa deve faturar quase R$ 10 bilhões, vendendo imóveis para ricos pela marca Cyrela, para a classe média pela Living e para a base da pirâmide pela Vivaz.

“Deus é meu sócio”, brinca. “Se ele quer que eu faça caridade, preciso ganhar dinheiro.”

Horn já se comprometeu a doar 60% de sua fortuna bilionária. Sua preocupação em fazer caridade vem de sua profunda religiosidade. E não se limita a doar o próprio dinheiro. Em uma conversa com seu guru religioso, Menachem Mendel Schneerson, Horn ouviu o conselho de que sua missão na vida seria convencer outros empresários a fazer o mesmo. Mas encontra muita dificuldade em convencer os empresários brasileiros. Para Horn, a dificuldade em fazer os empresários brasileiros doar parte de seu patrimônio “é uma questão cultural” ou “egoísmo mesmo”.

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Em outra iniciativa, também voltada à filantropia, Horn reuniu um grupo de 25 empresários para criar o Think Tank do Bem, voltado a fomentar ideias que promovam o bem na sociedade em diferentes frentes. Alguns nomes que fazem parte do projeto são Fabio Barbosa, CEO da Natura&Co, Ellen Gracie, ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Amanda Klabin, sócia da Klabin Irmãos S/A, Guilherme Benchimol, fundador e presidente do Conselho de Administração da XP Inc., e Alexandre Cruz, sócio da JiveMauá (leia mais aqui).

Na seguinte entrevista, Horn explica porque levanta a bandeira da caridade e comenta a situação da Cyrela e do mercado imobiliário.

Elie Horn tenta convencer mais empresários a doarem fortunas Foto: Hélvio Romero/Estadão
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O sr. está criando um Think Tank para tratar de temas do Bem. Por quê?

Para mim, é o seguinte, o bem é algo que dá sentido a tudo que você faz de bom. Enquanto tiver cabeça, saúde e recursos, eu quero fazer o bem até o fim da minha vida, até os últimos dias. Eu não quero parar, porque parar é morrer. Se Deus me deu força para produzir, eu sou covarde de não produzir. Tenho dois prazeres: a leitura e a filantropia.

E qual é o papel da caridade nessa vida com propósito?

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Caridade é dividir algo com quem tem menos condição que você. Esse em si é um ato muito importante. Se alguém não tem, e você tem a mais, não dar é muito egoísmo. Mais do que egoísmo. É não tomar conta da sua existência. Na mensagem, no significado que tem a vida. Primeiro, tem de saber, tem de provar que Deus existe. Provando que Deus existe, por que que eu existo? Qual é a minha meta, o que eu tenho de fazer? É uma sequência. Todo mundo tem essa missão.

E o sr. tem tentado convencer mais gente.

Tento. Não consigo, às vezes consigo. Mas tento.

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O sr. já doou os seus recursos?

Estou doando. Tem 60% que serão doados. Já foi uma parte. Não tem algemas, 60% do que eu tiver. A doação já começou.

O sr. procura amigos empresários, outras pessoas que também podem doar. Como é que é esse processo?

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Primeiro, não pode ter vergonha. Então, isso eu já perdi a vergonha. Em segundo lugar, você tem de falar de tudo isso. Deus, a missão. Então, na hora que eu começo com Deus, a caridade é uma sequência. Consigo alguns frutos, outros não consegui, mas eu continuo. Minha missão é perseverar nesse caminho. Faz trinta ou quarenta anos, eu fui no guru que escreveu o livro que eu dei para vocês (aos repórteres). Ele me falou qual é a minha missão: faça seus pares igual. Então, tenta convencer os empresários.

Olhando de fora, a impressão que se tem é que o empresário brasileiro, tirando o caso do sr., doa muito menos do que o americano.

O Brasil se doa a 0,2%. Os Estados Unidos doam 1,8%.

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Por que acontece isso?

Acho que é a cultura anglo-saxônica contra a cultura latina.

O sr. esbarra nesse problema cultural?

Cultural não, é egoísmo sim. Egoísmo. E a pessoa não tem noção de que Deus existe. E se Deus não existe, por que eu vou fazer tudo isso? Não estou dizendo que isso é fundamental, mas é grande parte da quantidade de pessoas que acreditam na eternidade. Se bem que nos EUA tem muita gente agnóstica até que não acredita em Deus e faz o bem. Então, essa regra que eu falei não é geral. Eu, por mim, eu cheguei por Deus. Então isso me deu um alimento para ir nesse caminho. A única coisa boa que eu fiz é isso. O resto é detalhe. Se eu usei camisa azul ou vermelha, isso não vai levar comigo a eternidade. Se eu ajudar alguém a não morrer, isso… vou levar comigo.

E falando do exemplo contrário, estamos comentando aqui que tem a dificuldade de trazer gente para a caridade. Quem que o sr. já conseguiu atrair?

Devo ter trazido mais de 100 empresários (para o movimento Bem Maior, uma organização voltada para filantropia e causas sociais, e para o Think Tank do Bem). Estamos começando ainda. Eu e o Alexandre Cruz (sócio da JiveMauá) escolhemos os temas de filantropia e pobreza. Outros escolheram o tema da saúde. A Ellen Gracie, ex-ministra, escolheu Justiça. O grupo se reúne uma vez por mês.

E ainda dentro do empresariado, o sr. tem outra iniciativa, que é o Giving Pledge (entidade filantrópica em que empresários como Bill Gates e Warren Buffett doam boa parte de suas fortunas) no Brasil. O senhor conseguiu atrair outros empresários?

Tentei. Quase vieram dois, a mulher de um não deixou (rs). O outro que veio foi o David Vélez, do Nubank. Eu não o trouxe, ele veio por conta própria. O Giving Pledge é mundial. Só tem bilionários, nós somos amendoim perto deles. Doaram US$ 90 bilhões, US$ 100 bilhões, US$ 150 bilhões. No Brasil, somos órfãos nesse sentido. Mas o que vale é o princípio. No Brasil, só temos o David Vélez e nós. Tentei mais dois, não consegui, desisti.

O sr. fala que a salvação da sociedade vem dos empresários e não do governo. Por quê?

Os empresários têm liberdade de ação. Eles têm verbas. Não tem algemas. Essa é a condição. Quando o governo é muito mais algemado, por definição, do que um empresário. E isso daria maior significado ao dinheiro deles também.

Existe até uma discussão desse governo em particular que fala muito em taxar os mais ricos. Esse é outro caminho para a caridade?

Concordo que, se tiver aumento, que vá totalmente para a caridade, não uma parte. O certo era o dinheiro a mais ajudar as crianças. O (economista) Eduardo Gianetti falou em um evento do Bem Maior: a criança é formada conforme tem vitaminas e alimentação adequada. Se até cinco ou seis anos não forem alimentadas adequadamente, elas terão sequelas a vida inteira. Milhões de pessoas se perderam por nossa culpa. Então, o certo, a primeira coisa é fazer é dar alimentos devidos para as crianças pequenas para que não tenham deficiência mental. Então o resto pode esperar, mas isso não pode esperar.

O que poderia ser feito no Brasil de diferente?

Todos os Estados se reúnem, mandam representante, se vê tudo relacionado à pobreza e isso é mantido na Constituição como imutável, para salvaguardar os direitos das crianças pobres para sempre. Se eu fosse presidente, pegaria pessoas de alta categoria empresarial, e daria para eles, lotearia o Brasil entre 100 empresários. Cada um assume uma tarefa, eles vão se virar. Custo zero. Só que estou falando em teoria. Pega o Roberto Setúbal, uma pessoa eficientíssima. Dá um problema, ele vai resolver, não tem como não resolver. O Brasil está feito.

O sr. já falou com pessoas de governo, prefeitos, presidente?

Falo com quem encontro no caminho. Sou tido como ingênuo. Se ser ingênuo é o preço a pagar, eu pago. Eu falo com quem posso. Gosto de negociar, algum bem eu tiro.

O sr. teve um episódio com o Roberto Setúbal, do Itaú, de um imóvel que ele queria comprar. Como foi isso?

Ele estava procurando um apartamento para morar, há 20 ou 30 anos. Ele me disse: posso pagar X. Eu respondi: posso vender por Y. Então falei: Roberto, você paga o X que você quer pagar e a diferença para o Y vai para uma instituição de caridade que você vai escolher. No dia seguinte fechamos negócio e ele me mandou recibo de três creches que ele escolheu. Isso foi feito uma centena de vezes na Cyrela. Sempre que eu posso, eu faço, mas me chutaram (rs). Não sou mais executivo. Essa ideia é muito boa, muito simples e não custa nada.

Falando da Cyrela, o sr. está afastado do dia a dia da empresa. Como acompanha a situação da companhia?

Acompanho pelos conselhos, acompanho pelo jornal, acompanho via perguntas e balanços.

Como está a empresa e como o sr. vê o futuro da empresa?

A empresa está indo muito bem. Parece (rs). Tem recorde de volume, recorde de lucro. Vamos ver o futuro. Hoje fiz reunião de diretoria e pedi para cada um pensar como vai ser a empresa daqui a cinco anos e dez anos. Isso acaba criando o caminho do futuro. Coisa importantíssima é o cash flow (fluxo de caixa da empresa). Na minha gestão, a gente fazia cash flow de 4 anos. Ou seja, não se vende nada, termina as obras, não constrói nada de novo, paga as dívidas com os bancos e …precisa aguentar essa crise e não morrer. Então, atingimos essa curva duas vezes na vida. No IPO (abertura de capital) e no follow on (emissão de ações subsequente). Ou seja, é quase impossível você chegar lá, mas é uma meta. Mas hoje a Cyrela está tão boa ou melhor do que na minha época em termos de gestão financeira.

E a meta, então, é ter recursos para 4 anos difíceis

Quatro anos impossíveis.

Quando o sr. faz o exercício de cinco ou 10 anos para a frente, o que o sr. imagina?

Eu falei hoje: imagino uma empresa sem dívida, com recursos próprios vendendo a prazo, fazendo o ciclo inteiro sozinho, coisa que ninguém faz.

Pretende abrir novos negócios?

Nós abrimos na pessoa física dois negócios separados. Um deu certo, outro deu errado, fechou. É muito difícil abrir negócios novos, muito difícil.

Uma das empresas foi a fintech Cash Me, que o senhor entrou para ajudar?

Entrei porque estava dando prejuízo. Eu sou da velha escola, não gosto de perder. Mandei parar. A empresa passou a dar lucro todo mês.

E o mercado imobiliário? Estamos vendo empreendimentos cada vez maiores, o mercado está numa fase de expansão.

Está numa fase exuberante, bonita. Para o nosso setor de incorporação é muito bom. Isso ajuda a empresa a ser mais eficiente ainda. Para fazer coisas bonitas, leva tempo. É uma arte.

O senhor está com um projeto muito grande na antiga fábrica da Kibon, no bairro Brooklin, em São Paulo.

Está quase tudo lançado, quase tudo vendido.

Vem outras coisas na mesma linha? O ritmo de lançamento será mantido? Esse é o perfil?

Se Deus quiser, vamos ter muitas novidades. Vai ser mantido o ritmo. É grande o perfil. Vamos lançar ainda 20, 30 projetos (principalmente na Living, marca da Cyrela de médio padrão, e na Vivaz, do segmento popular). A Cyrela vai faturar este ano quase R$ 10 bilhões.

São Paulo tem espaço para tantos projetos?

Eu fiz essa pergunta hoje. Quantos prédios tem na Marginal Tietê? 1, 2, 10, 20, 50? A impressão que todo mundo tem é que ainda vai faltar. Hoje você compra um apartamento com prestação menor que o aluguel. Paga R$ 1,5 mil por mês de prestação na Caixa. R$ 1,5 mil é o aluguel de um apartamento pequeno na periferia. Então, melhor comprar, ficar dono, e não pagar o aluguel. Então, aí tem milhões de pessoas que procuram. O fato é que tudo se vende como água. Nos estratos mais populares, vendemos mais rápido.

A que se deve isso, financiamento do governo, Minha Casa, Minha Vida?

Quem é nosso sócio?

O governo?

Não. Outro sócio.

O cliente?

Outro sócio.

O banco?

Outro sócio (rs).

Conhecendo o perfil do senhor, talvez uma resposta religiosa.

Deus. Se ele quer que eu faça caridade, preciso de dinheiro para pagar.

E como o sr. vê a tendência de preços, com tanta procura pelos imóveis? Os preços vão inflacionar?

Se você comparar o Brasil com o mundo lá fora, aqui ainda é muito mais barato. Lá fora, é muito mais caro. O método de construção pronto no Brasil é o mais barato do mundo, eu acho.

A Cyrela já chegou a se expandir para outras praças, mas hoje está concentrada em São Paulo…

A Cyrela se disseminou e voltou à origem. Sobrou o Rio, Porto Alegre e só.

E não pensa em diversificar? O País hoje tem outros polos de desenvolvimento, como o Centro-Oeste.

O nosso negócio é muito artesanal. Não dá pra fazer coisa bonita em lugares distantes.

E o que o senhor pensa do fenômeno de Camboriú?

Tem loucos, tem inteligentes, sábios e burros. Se alguém compra, por que não? Alguém compra, se comprar tudo bem. Não pode fazer para não vender.

Se tem gente querendo comprar, está valendo, é isso? Porque não parece muito lógico prédios tão altos no litoral.

Não tem graça, mas isso é outro assunto.

Aos 80 anos, o empresário Elie Horn é um empresário original. Ele é tão conhecido como dono da Cyrela, a maior incorporadora de imóveis de luxo do Brasil, como por sua obsessão pela caridade. Este ano sua empresa deve faturar quase R$ 10 bilhões, vendendo imóveis para ricos pela marca Cyrela, para a classe média pela Living e para a base da pirâmide pela Vivaz.

“Deus é meu sócio”, brinca. “Se ele quer que eu faça caridade, preciso ganhar dinheiro.”

Horn já se comprometeu a doar 60% de sua fortuna bilionária. Sua preocupação em fazer caridade vem de sua profunda religiosidade. E não se limita a doar o próprio dinheiro. Em uma conversa com seu guru religioso, Menachem Mendel Schneerson, Horn ouviu o conselho de que sua missão na vida seria convencer outros empresários a fazer o mesmo. Mas encontra muita dificuldade em convencer os empresários brasileiros. Para Horn, a dificuldade em fazer os empresários brasileiros doar parte de seu patrimônio “é uma questão cultural” ou “egoísmo mesmo”.

Em outra iniciativa, também voltada à filantropia, Horn reuniu um grupo de 25 empresários para criar o Think Tank do Bem, voltado a fomentar ideias que promovam o bem na sociedade em diferentes frentes. Alguns nomes que fazem parte do projeto são Fabio Barbosa, CEO da Natura&Co, Ellen Gracie, ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Amanda Klabin, sócia da Klabin Irmãos S/A, Guilherme Benchimol, fundador e presidente do Conselho de Administração da XP Inc., e Alexandre Cruz, sócio da JiveMauá (leia mais aqui).

Na seguinte entrevista, Horn explica porque levanta a bandeira da caridade e comenta a situação da Cyrela e do mercado imobiliário.

Elie Horn tenta convencer mais empresários a doarem fortunas Foto: Hélvio Romero/Estadão

O sr. está criando um Think Tank para tratar de temas do Bem. Por quê?

Para mim, é o seguinte, o bem é algo que dá sentido a tudo que você faz de bom. Enquanto tiver cabeça, saúde e recursos, eu quero fazer o bem até o fim da minha vida, até os últimos dias. Eu não quero parar, porque parar é morrer. Se Deus me deu força para produzir, eu sou covarde de não produzir. Tenho dois prazeres: a leitura e a filantropia.

E qual é o papel da caridade nessa vida com propósito?

Caridade é dividir algo com quem tem menos condição que você. Esse em si é um ato muito importante. Se alguém não tem, e você tem a mais, não dar é muito egoísmo. Mais do que egoísmo. É não tomar conta da sua existência. Na mensagem, no significado que tem a vida. Primeiro, tem de saber, tem de provar que Deus existe. Provando que Deus existe, por que que eu existo? Qual é a minha meta, o que eu tenho de fazer? É uma sequência. Todo mundo tem essa missão.

E o sr. tem tentado convencer mais gente.

Tento. Não consigo, às vezes consigo. Mas tento.

O sr. já doou os seus recursos?

Estou doando. Tem 60% que serão doados. Já foi uma parte. Não tem algemas, 60% do que eu tiver. A doação já começou.

O sr. procura amigos empresários, outras pessoas que também podem doar. Como é que é esse processo?

Primeiro, não pode ter vergonha. Então, isso eu já perdi a vergonha. Em segundo lugar, você tem de falar de tudo isso. Deus, a missão. Então, na hora que eu começo com Deus, a caridade é uma sequência. Consigo alguns frutos, outros não consegui, mas eu continuo. Minha missão é perseverar nesse caminho. Faz trinta ou quarenta anos, eu fui no guru que escreveu o livro que eu dei para vocês (aos repórteres). Ele me falou qual é a minha missão: faça seus pares igual. Então, tenta convencer os empresários.

Olhando de fora, a impressão que se tem é que o empresário brasileiro, tirando o caso do sr., doa muito menos do que o americano.

O Brasil se doa a 0,2%. Os Estados Unidos doam 1,8%.

Por que acontece isso?

Acho que é a cultura anglo-saxônica contra a cultura latina.

O sr. esbarra nesse problema cultural?

Cultural não, é egoísmo sim. Egoísmo. E a pessoa não tem noção de que Deus existe. E se Deus não existe, por que eu vou fazer tudo isso? Não estou dizendo que isso é fundamental, mas é grande parte da quantidade de pessoas que acreditam na eternidade. Se bem que nos EUA tem muita gente agnóstica até que não acredita em Deus e faz o bem. Então, essa regra que eu falei não é geral. Eu, por mim, eu cheguei por Deus. Então isso me deu um alimento para ir nesse caminho. A única coisa boa que eu fiz é isso. O resto é detalhe. Se eu usei camisa azul ou vermelha, isso não vai levar comigo a eternidade. Se eu ajudar alguém a não morrer, isso… vou levar comigo.

E falando do exemplo contrário, estamos comentando aqui que tem a dificuldade de trazer gente para a caridade. Quem que o sr. já conseguiu atrair?

Devo ter trazido mais de 100 empresários (para o movimento Bem Maior, uma organização voltada para filantropia e causas sociais, e para o Think Tank do Bem). Estamos começando ainda. Eu e o Alexandre Cruz (sócio da JiveMauá) escolhemos os temas de filantropia e pobreza. Outros escolheram o tema da saúde. A Ellen Gracie, ex-ministra, escolheu Justiça. O grupo se reúne uma vez por mês.

E ainda dentro do empresariado, o sr. tem outra iniciativa, que é o Giving Pledge (entidade filantrópica em que empresários como Bill Gates e Warren Buffett doam boa parte de suas fortunas) no Brasil. O senhor conseguiu atrair outros empresários?

Tentei. Quase vieram dois, a mulher de um não deixou (rs). O outro que veio foi o David Vélez, do Nubank. Eu não o trouxe, ele veio por conta própria. O Giving Pledge é mundial. Só tem bilionários, nós somos amendoim perto deles. Doaram US$ 90 bilhões, US$ 100 bilhões, US$ 150 bilhões. No Brasil, somos órfãos nesse sentido. Mas o que vale é o princípio. No Brasil, só temos o David Vélez e nós. Tentei mais dois, não consegui, desisti.

O sr. fala que a salvação da sociedade vem dos empresários e não do governo. Por quê?

Os empresários têm liberdade de ação. Eles têm verbas. Não tem algemas. Essa é a condição. Quando o governo é muito mais algemado, por definição, do que um empresário. E isso daria maior significado ao dinheiro deles também.

Existe até uma discussão desse governo em particular que fala muito em taxar os mais ricos. Esse é outro caminho para a caridade?

Concordo que, se tiver aumento, que vá totalmente para a caridade, não uma parte. O certo era o dinheiro a mais ajudar as crianças. O (economista) Eduardo Gianetti falou em um evento do Bem Maior: a criança é formada conforme tem vitaminas e alimentação adequada. Se até cinco ou seis anos não forem alimentadas adequadamente, elas terão sequelas a vida inteira. Milhões de pessoas se perderam por nossa culpa. Então, o certo, a primeira coisa é fazer é dar alimentos devidos para as crianças pequenas para que não tenham deficiência mental. Então o resto pode esperar, mas isso não pode esperar.

O que poderia ser feito no Brasil de diferente?

Todos os Estados se reúnem, mandam representante, se vê tudo relacionado à pobreza e isso é mantido na Constituição como imutável, para salvaguardar os direitos das crianças pobres para sempre. Se eu fosse presidente, pegaria pessoas de alta categoria empresarial, e daria para eles, lotearia o Brasil entre 100 empresários. Cada um assume uma tarefa, eles vão se virar. Custo zero. Só que estou falando em teoria. Pega o Roberto Setúbal, uma pessoa eficientíssima. Dá um problema, ele vai resolver, não tem como não resolver. O Brasil está feito.

O sr. já falou com pessoas de governo, prefeitos, presidente?

Falo com quem encontro no caminho. Sou tido como ingênuo. Se ser ingênuo é o preço a pagar, eu pago. Eu falo com quem posso. Gosto de negociar, algum bem eu tiro.

O sr. teve um episódio com o Roberto Setúbal, do Itaú, de um imóvel que ele queria comprar. Como foi isso?

Ele estava procurando um apartamento para morar, há 20 ou 30 anos. Ele me disse: posso pagar X. Eu respondi: posso vender por Y. Então falei: Roberto, você paga o X que você quer pagar e a diferença para o Y vai para uma instituição de caridade que você vai escolher. No dia seguinte fechamos negócio e ele me mandou recibo de três creches que ele escolheu. Isso foi feito uma centena de vezes na Cyrela. Sempre que eu posso, eu faço, mas me chutaram (rs). Não sou mais executivo. Essa ideia é muito boa, muito simples e não custa nada.

Falando da Cyrela, o sr. está afastado do dia a dia da empresa. Como acompanha a situação da companhia?

Acompanho pelos conselhos, acompanho pelo jornal, acompanho via perguntas e balanços.

Como está a empresa e como o sr. vê o futuro da empresa?

A empresa está indo muito bem. Parece (rs). Tem recorde de volume, recorde de lucro. Vamos ver o futuro. Hoje fiz reunião de diretoria e pedi para cada um pensar como vai ser a empresa daqui a cinco anos e dez anos. Isso acaba criando o caminho do futuro. Coisa importantíssima é o cash flow (fluxo de caixa da empresa). Na minha gestão, a gente fazia cash flow de 4 anos. Ou seja, não se vende nada, termina as obras, não constrói nada de novo, paga as dívidas com os bancos e …precisa aguentar essa crise e não morrer. Então, atingimos essa curva duas vezes na vida. No IPO (abertura de capital) e no follow on (emissão de ações subsequente). Ou seja, é quase impossível você chegar lá, mas é uma meta. Mas hoje a Cyrela está tão boa ou melhor do que na minha época em termos de gestão financeira.

E a meta, então, é ter recursos para 4 anos difíceis

Quatro anos impossíveis.

Quando o sr. faz o exercício de cinco ou 10 anos para a frente, o que o sr. imagina?

Eu falei hoje: imagino uma empresa sem dívida, com recursos próprios vendendo a prazo, fazendo o ciclo inteiro sozinho, coisa que ninguém faz.

Pretende abrir novos negócios?

Nós abrimos na pessoa física dois negócios separados. Um deu certo, outro deu errado, fechou. É muito difícil abrir negócios novos, muito difícil.

Uma das empresas foi a fintech Cash Me, que o senhor entrou para ajudar?

Entrei porque estava dando prejuízo. Eu sou da velha escola, não gosto de perder. Mandei parar. A empresa passou a dar lucro todo mês.

E o mercado imobiliário? Estamos vendo empreendimentos cada vez maiores, o mercado está numa fase de expansão.

Está numa fase exuberante, bonita. Para o nosso setor de incorporação é muito bom. Isso ajuda a empresa a ser mais eficiente ainda. Para fazer coisas bonitas, leva tempo. É uma arte.

O senhor está com um projeto muito grande na antiga fábrica da Kibon, no bairro Brooklin, em São Paulo.

Está quase tudo lançado, quase tudo vendido.

Vem outras coisas na mesma linha? O ritmo de lançamento será mantido? Esse é o perfil?

Se Deus quiser, vamos ter muitas novidades. Vai ser mantido o ritmo. É grande o perfil. Vamos lançar ainda 20, 30 projetos (principalmente na Living, marca da Cyrela de médio padrão, e na Vivaz, do segmento popular). A Cyrela vai faturar este ano quase R$ 10 bilhões.

São Paulo tem espaço para tantos projetos?

Eu fiz essa pergunta hoje. Quantos prédios tem na Marginal Tietê? 1, 2, 10, 20, 50? A impressão que todo mundo tem é que ainda vai faltar. Hoje você compra um apartamento com prestação menor que o aluguel. Paga R$ 1,5 mil por mês de prestação na Caixa. R$ 1,5 mil é o aluguel de um apartamento pequeno na periferia. Então, melhor comprar, ficar dono, e não pagar o aluguel. Então, aí tem milhões de pessoas que procuram. O fato é que tudo se vende como água. Nos estratos mais populares, vendemos mais rápido.

A que se deve isso, financiamento do governo, Minha Casa, Minha Vida?

Quem é nosso sócio?

O governo?

Não. Outro sócio.

O cliente?

Outro sócio.

O banco?

Outro sócio (rs).

Conhecendo o perfil do senhor, talvez uma resposta religiosa.

Deus. Se ele quer que eu faça caridade, preciso de dinheiro para pagar.

E como o sr. vê a tendência de preços, com tanta procura pelos imóveis? Os preços vão inflacionar?

Se você comparar o Brasil com o mundo lá fora, aqui ainda é muito mais barato. Lá fora, é muito mais caro. O método de construção pronto no Brasil é o mais barato do mundo, eu acho.

A Cyrela já chegou a se expandir para outras praças, mas hoje está concentrada em São Paulo…

A Cyrela se disseminou e voltou à origem. Sobrou o Rio, Porto Alegre e só.

E não pensa em diversificar? O País hoje tem outros polos de desenvolvimento, como o Centro-Oeste.

O nosso negócio é muito artesanal. Não dá pra fazer coisa bonita em lugares distantes.

E o que o senhor pensa do fenômeno de Camboriú?

Tem loucos, tem inteligentes, sábios e burros. Se alguém compra, por que não? Alguém compra, se comprar tudo bem. Não pode fazer para não vender.

Se tem gente querendo comprar, está valendo, é isso? Porque não parece muito lógico prédios tão altos no litoral.

Não tem graça, mas isso é outro assunto.

Aos 80 anos, o empresário Elie Horn é um empresário original. Ele é tão conhecido como dono da Cyrela, a maior incorporadora de imóveis de luxo do Brasil, como por sua obsessão pela caridade. Este ano sua empresa deve faturar quase R$ 10 bilhões, vendendo imóveis para ricos pela marca Cyrela, para a classe média pela Living e para a base da pirâmide pela Vivaz.

“Deus é meu sócio”, brinca. “Se ele quer que eu faça caridade, preciso ganhar dinheiro.”

Horn já se comprometeu a doar 60% de sua fortuna bilionária. Sua preocupação em fazer caridade vem de sua profunda religiosidade. E não se limita a doar o próprio dinheiro. Em uma conversa com seu guru religioso, Menachem Mendel Schneerson, Horn ouviu o conselho de que sua missão na vida seria convencer outros empresários a fazer o mesmo. Mas encontra muita dificuldade em convencer os empresários brasileiros. Para Horn, a dificuldade em fazer os empresários brasileiros doar parte de seu patrimônio “é uma questão cultural” ou “egoísmo mesmo”.

Em outra iniciativa, também voltada à filantropia, Horn reuniu um grupo de 25 empresários para criar o Think Tank do Bem, voltado a fomentar ideias que promovam o bem na sociedade em diferentes frentes. Alguns nomes que fazem parte do projeto são Fabio Barbosa, CEO da Natura&Co, Ellen Gracie, ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Amanda Klabin, sócia da Klabin Irmãos S/A, Guilherme Benchimol, fundador e presidente do Conselho de Administração da XP Inc., e Alexandre Cruz, sócio da JiveMauá (leia mais aqui).

Na seguinte entrevista, Horn explica porque levanta a bandeira da caridade e comenta a situação da Cyrela e do mercado imobiliário.

Elie Horn tenta convencer mais empresários a doarem fortunas Foto: Hélvio Romero/Estadão

O sr. está criando um Think Tank para tratar de temas do Bem. Por quê?

Para mim, é o seguinte, o bem é algo que dá sentido a tudo que você faz de bom. Enquanto tiver cabeça, saúde e recursos, eu quero fazer o bem até o fim da minha vida, até os últimos dias. Eu não quero parar, porque parar é morrer. Se Deus me deu força para produzir, eu sou covarde de não produzir. Tenho dois prazeres: a leitura e a filantropia.

E qual é o papel da caridade nessa vida com propósito?

Caridade é dividir algo com quem tem menos condição que você. Esse em si é um ato muito importante. Se alguém não tem, e você tem a mais, não dar é muito egoísmo. Mais do que egoísmo. É não tomar conta da sua existência. Na mensagem, no significado que tem a vida. Primeiro, tem de saber, tem de provar que Deus existe. Provando que Deus existe, por que que eu existo? Qual é a minha meta, o que eu tenho de fazer? É uma sequência. Todo mundo tem essa missão.

E o sr. tem tentado convencer mais gente.

Tento. Não consigo, às vezes consigo. Mas tento.

O sr. já doou os seus recursos?

Estou doando. Tem 60% que serão doados. Já foi uma parte. Não tem algemas, 60% do que eu tiver. A doação já começou.

O sr. procura amigos empresários, outras pessoas que também podem doar. Como é que é esse processo?

Primeiro, não pode ter vergonha. Então, isso eu já perdi a vergonha. Em segundo lugar, você tem de falar de tudo isso. Deus, a missão. Então, na hora que eu começo com Deus, a caridade é uma sequência. Consigo alguns frutos, outros não consegui, mas eu continuo. Minha missão é perseverar nesse caminho. Faz trinta ou quarenta anos, eu fui no guru que escreveu o livro que eu dei para vocês (aos repórteres). Ele me falou qual é a minha missão: faça seus pares igual. Então, tenta convencer os empresários.

Olhando de fora, a impressão que se tem é que o empresário brasileiro, tirando o caso do sr., doa muito menos do que o americano.

O Brasil se doa a 0,2%. Os Estados Unidos doam 1,8%.

Por que acontece isso?

Acho que é a cultura anglo-saxônica contra a cultura latina.

O sr. esbarra nesse problema cultural?

Cultural não, é egoísmo sim. Egoísmo. E a pessoa não tem noção de que Deus existe. E se Deus não existe, por que eu vou fazer tudo isso? Não estou dizendo que isso é fundamental, mas é grande parte da quantidade de pessoas que acreditam na eternidade. Se bem que nos EUA tem muita gente agnóstica até que não acredita em Deus e faz o bem. Então, essa regra que eu falei não é geral. Eu, por mim, eu cheguei por Deus. Então isso me deu um alimento para ir nesse caminho. A única coisa boa que eu fiz é isso. O resto é detalhe. Se eu usei camisa azul ou vermelha, isso não vai levar comigo a eternidade. Se eu ajudar alguém a não morrer, isso… vou levar comigo.

E falando do exemplo contrário, estamos comentando aqui que tem a dificuldade de trazer gente para a caridade. Quem que o sr. já conseguiu atrair?

Devo ter trazido mais de 100 empresários (para o movimento Bem Maior, uma organização voltada para filantropia e causas sociais, e para o Think Tank do Bem). Estamos começando ainda. Eu e o Alexandre Cruz (sócio da JiveMauá) escolhemos os temas de filantropia e pobreza. Outros escolheram o tema da saúde. A Ellen Gracie, ex-ministra, escolheu Justiça. O grupo se reúne uma vez por mês.

E ainda dentro do empresariado, o sr. tem outra iniciativa, que é o Giving Pledge (entidade filantrópica em que empresários como Bill Gates e Warren Buffett doam boa parte de suas fortunas) no Brasil. O senhor conseguiu atrair outros empresários?

Tentei. Quase vieram dois, a mulher de um não deixou (rs). O outro que veio foi o David Vélez, do Nubank. Eu não o trouxe, ele veio por conta própria. O Giving Pledge é mundial. Só tem bilionários, nós somos amendoim perto deles. Doaram US$ 90 bilhões, US$ 100 bilhões, US$ 150 bilhões. No Brasil, somos órfãos nesse sentido. Mas o que vale é o princípio. No Brasil, só temos o David Vélez e nós. Tentei mais dois, não consegui, desisti.

O sr. fala que a salvação da sociedade vem dos empresários e não do governo. Por quê?

Os empresários têm liberdade de ação. Eles têm verbas. Não tem algemas. Essa é a condição. Quando o governo é muito mais algemado, por definição, do que um empresário. E isso daria maior significado ao dinheiro deles também.

Existe até uma discussão desse governo em particular que fala muito em taxar os mais ricos. Esse é outro caminho para a caridade?

Concordo que, se tiver aumento, que vá totalmente para a caridade, não uma parte. O certo era o dinheiro a mais ajudar as crianças. O (economista) Eduardo Gianetti falou em um evento do Bem Maior: a criança é formada conforme tem vitaminas e alimentação adequada. Se até cinco ou seis anos não forem alimentadas adequadamente, elas terão sequelas a vida inteira. Milhões de pessoas se perderam por nossa culpa. Então, o certo, a primeira coisa é fazer é dar alimentos devidos para as crianças pequenas para que não tenham deficiência mental. Então o resto pode esperar, mas isso não pode esperar.

O que poderia ser feito no Brasil de diferente?

Todos os Estados se reúnem, mandam representante, se vê tudo relacionado à pobreza e isso é mantido na Constituição como imutável, para salvaguardar os direitos das crianças pobres para sempre. Se eu fosse presidente, pegaria pessoas de alta categoria empresarial, e daria para eles, lotearia o Brasil entre 100 empresários. Cada um assume uma tarefa, eles vão se virar. Custo zero. Só que estou falando em teoria. Pega o Roberto Setúbal, uma pessoa eficientíssima. Dá um problema, ele vai resolver, não tem como não resolver. O Brasil está feito.

O sr. já falou com pessoas de governo, prefeitos, presidente?

Falo com quem encontro no caminho. Sou tido como ingênuo. Se ser ingênuo é o preço a pagar, eu pago. Eu falo com quem posso. Gosto de negociar, algum bem eu tiro.

O sr. teve um episódio com o Roberto Setúbal, do Itaú, de um imóvel que ele queria comprar. Como foi isso?

Ele estava procurando um apartamento para morar, há 20 ou 30 anos. Ele me disse: posso pagar X. Eu respondi: posso vender por Y. Então falei: Roberto, você paga o X que você quer pagar e a diferença para o Y vai para uma instituição de caridade que você vai escolher. No dia seguinte fechamos negócio e ele me mandou recibo de três creches que ele escolheu. Isso foi feito uma centena de vezes na Cyrela. Sempre que eu posso, eu faço, mas me chutaram (rs). Não sou mais executivo. Essa ideia é muito boa, muito simples e não custa nada.

Falando da Cyrela, o sr. está afastado do dia a dia da empresa. Como acompanha a situação da companhia?

Acompanho pelos conselhos, acompanho pelo jornal, acompanho via perguntas e balanços.

Como está a empresa e como o sr. vê o futuro da empresa?

A empresa está indo muito bem. Parece (rs). Tem recorde de volume, recorde de lucro. Vamos ver o futuro. Hoje fiz reunião de diretoria e pedi para cada um pensar como vai ser a empresa daqui a cinco anos e dez anos. Isso acaba criando o caminho do futuro. Coisa importantíssima é o cash flow (fluxo de caixa da empresa). Na minha gestão, a gente fazia cash flow de 4 anos. Ou seja, não se vende nada, termina as obras, não constrói nada de novo, paga as dívidas com os bancos e …precisa aguentar essa crise e não morrer. Então, atingimos essa curva duas vezes na vida. No IPO (abertura de capital) e no follow on (emissão de ações subsequente). Ou seja, é quase impossível você chegar lá, mas é uma meta. Mas hoje a Cyrela está tão boa ou melhor do que na minha época em termos de gestão financeira.

E a meta, então, é ter recursos para 4 anos difíceis

Quatro anos impossíveis.

Quando o sr. faz o exercício de cinco ou 10 anos para a frente, o que o sr. imagina?

Eu falei hoje: imagino uma empresa sem dívida, com recursos próprios vendendo a prazo, fazendo o ciclo inteiro sozinho, coisa que ninguém faz.

Pretende abrir novos negócios?

Nós abrimos na pessoa física dois negócios separados. Um deu certo, outro deu errado, fechou. É muito difícil abrir negócios novos, muito difícil.

Uma das empresas foi a fintech Cash Me, que o senhor entrou para ajudar?

Entrei porque estava dando prejuízo. Eu sou da velha escola, não gosto de perder. Mandei parar. A empresa passou a dar lucro todo mês.

E o mercado imobiliário? Estamos vendo empreendimentos cada vez maiores, o mercado está numa fase de expansão.

Está numa fase exuberante, bonita. Para o nosso setor de incorporação é muito bom. Isso ajuda a empresa a ser mais eficiente ainda. Para fazer coisas bonitas, leva tempo. É uma arte.

O senhor está com um projeto muito grande na antiga fábrica da Kibon, no bairro Brooklin, em São Paulo.

Está quase tudo lançado, quase tudo vendido.

Vem outras coisas na mesma linha? O ritmo de lançamento será mantido? Esse é o perfil?

Se Deus quiser, vamos ter muitas novidades. Vai ser mantido o ritmo. É grande o perfil. Vamos lançar ainda 20, 30 projetos (principalmente na Living, marca da Cyrela de médio padrão, e na Vivaz, do segmento popular). A Cyrela vai faturar este ano quase R$ 10 bilhões.

São Paulo tem espaço para tantos projetos?

Eu fiz essa pergunta hoje. Quantos prédios tem na Marginal Tietê? 1, 2, 10, 20, 50? A impressão que todo mundo tem é que ainda vai faltar. Hoje você compra um apartamento com prestação menor que o aluguel. Paga R$ 1,5 mil por mês de prestação na Caixa. R$ 1,5 mil é o aluguel de um apartamento pequeno na periferia. Então, melhor comprar, ficar dono, e não pagar o aluguel. Então, aí tem milhões de pessoas que procuram. O fato é que tudo se vende como água. Nos estratos mais populares, vendemos mais rápido.

A que se deve isso, financiamento do governo, Minha Casa, Minha Vida?

Quem é nosso sócio?

O governo?

Não. Outro sócio.

O cliente?

Outro sócio.

O banco?

Outro sócio (rs).

Conhecendo o perfil do senhor, talvez uma resposta religiosa.

Deus. Se ele quer que eu faça caridade, preciso de dinheiro para pagar.

E como o sr. vê a tendência de preços, com tanta procura pelos imóveis? Os preços vão inflacionar?

Se você comparar o Brasil com o mundo lá fora, aqui ainda é muito mais barato. Lá fora, é muito mais caro. O método de construção pronto no Brasil é o mais barato do mundo, eu acho.

A Cyrela já chegou a se expandir para outras praças, mas hoje está concentrada em São Paulo…

A Cyrela se disseminou e voltou à origem. Sobrou o Rio, Porto Alegre e só.

E não pensa em diversificar? O País hoje tem outros polos de desenvolvimento, como o Centro-Oeste.

O nosso negócio é muito artesanal. Não dá pra fazer coisa bonita em lugares distantes.

E o que o senhor pensa do fenômeno de Camboriú?

Tem loucos, tem inteligentes, sábios e burros. Se alguém compra, por que não? Alguém compra, se comprar tudo bem. Não pode fazer para não vender.

Se tem gente querendo comprar, está valendo, é isso? Porque não parece muito lógico prédios tão altos no litoral.

Não tem graça, mas isso é outro assunto.

Aos 80 anos, o empresário Elie Horn é um empresário original. Ele é tão conhecido como dono da Cyrela, a maior incorporadora de imóveis de luxo do Brasil, como por sua obsessão pela caridade. Este ano sua empresa deve faturar quase R$ 10 bilhões, vendendo imóveis para ricos pela marca Cyrela, para a classe média pela Living e para a base da pirâmide pela Vivaz.

“Deus é meu sócio”, brinca. “Se ele quer que eu faça caridade, preciso ganhar dinheiro.”

Horn já se comprometeu a doar 60% de sua fortuna bilionária. Sua preocupação em fazer caridade vem de sua profunda religiosidade. E não se limita a doar o próprio dinheiro. Em uma conversa com seu guru religioso, Menachem Mendel Schneerson, Horn ouviu o conselho de que sua missão na vida seria convencer outros empresários a fazer o mesmo. Mas encontra muita dificuldade em convencer os empresários brasileiros. Para Horn, a dificuldade em fazer os empresários brasileiros doar parte de seu patrimônio “é uma questão cultural” ou “egoísmo mesmo”.

Em outra iniciativa, também voltada à filantropia, Horn reuniu um grupo de 25 empresários para criar o Think Tank do Bem, voltado a fomentar ideias que promovam o bem na sociedade em diferentes frentes. Alguns nomes que fazem parte do projeto são Fabio Barbosa, CEO da Natura&Co, Ellen Gracie, ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Amanda Klabin, sócia da Klabin Irmãos S/A, Guilherme Benchimol, fundador e presidente do Conselho de Administração da XP Inc., e Alexandre Cruz, sócio da JiveMauá (leia mais aqui).

Na seguinte entrevista, Horn explica porque levanta a bandeira da caridade e comenta a situação da Cyrela e do mercado imobiliário.

Elie Horn tenta convencer mais empresários a doarem fortunas Foto: Hélvio Romero/Estadão

O sr. está criando um Think Tank para tratar de temas do Bem. Por quê?

Para mim, é o seguinte, o bem é algo que dá sentido a tudo que você faz de bom. Enquanto tiver cabeça, saúde e recursos, eu quero fazer o bem até o fim da minha vida, até os últimos dias. Eu não quero parar, porque parar é morrer. Se Deus me deu força para produzir, eu sou covarde de não produzir. Tenho dois prazeres: a leitura e a filantropia.

E qual é o papel da caridade nessa vida com propósito?

Caridade é dividir algo com quem tem menos condição que você. Esse em si é um ato muito importante. Se alguém não tem, e você tem a mais, não dar é muito egoísmo. Mais do que egoísmo. É não tomar conta da sua existência. Na mensagem, no significado que tem a vida. Primeiro, tem de saber, tem de provar que Deus existe. Provando que Deus existe, por que que eu existo? Qual é a minha meta, o que eu tenho de fazer? É uma sequência. Todo mundo tem essa missão.

E o sr. tem tentado convencer mais gente.

Tento. Não consigo, às vezes consigo. Mas tento.

O sr. já doou os seus recursos?

Estou doando. Tem 60% que serão doados. Já foi uma parte. Não tem algemas, 60% do que eu tiver. A doação já começou.

O sr. procura amigos empresários, outras pessoas que também podem doar. Como é que é esse processo?

Primeiro, não pode ter vergonha. Então, isso eu já perdi a vergonha. Em segundo lugar, você tem de falar de tudo isso. Deus, a missão. Então, na hora que eu começo com Deus, a caridade é uma sequência. Consigo alguns frutos, outros não consegui, mas eu continuo. Minha missão é perseverar nesse caminho. Faz trinta ou quarenta anos, eu fui no guru que escreveu o livro que eu dei para vocês (aos repórteres). Ele me falou qual é a minha missão: faça seus pares igual. Então, tenta convencer os empresários.

Olhando de fora, a impressão que se tem é que o empresário brasileiro, tirando o caso do sr., doa muito menos do que o americano.

O Brasil se doa a 0,2%. Os Estados Unidos doam 1,8%.

Por que acontece isso?

Acho que é a cultura anglo-saxônica contra a cultura latina.

O sr. esbarra nesse problema cultural?

Cultural não, é egoísmo sim. Egoísmo. E a pessoa não tem noção de que Deus existe. E se Deus não existe, por que eu vou fazer tudo isso? Não estou dizendo que isso é fundamental, mas é grande parte da quantidade de pessoas que acreditam na eternidade. Se bem que nos EUA tem muita gente agnóstica até que não acredita em Deus e faz o bem. Então, essa regra que eu falei não é geral. Eu, por mim, eu cheguei por Deus. Então isso me deu um alimento para ir nesse caminho. A única coisa boa que eu fiz é isso. O resto é detalhe. Se eu usei camisa azul ou vermelha, isso não vai levar comigo a eternidade. Se eu ajudar alguém a não morrer, isso… vou levar comigo.

E falando do exemplo contrário, estamos comentando aqui que tem a dificuldade de trazer gente para a caridade. Quem que o sr. já conseguiu atrair?

Devo ter trazido mais de 100 empresários (para o movimento Bem Maior, uma organização voltada para filantropia e causas sociais, e para o Think Tank do Bem). Estamos começando ainda. Eu e o Alexandre Cruz (sócio da JiveMauá) escolhemos os temas de filantropia e pobreza. Outros escolheram o tema da saúde. A Ellen Gracie, ex-ministra, escolheu Justiça. O grupo se reúne uma vez por mês.

E ainda dentro do empresariado, o sr. tem outra iniciativa, que é o Giving Pledge (entidade filantrópica em que empresários como Bill Gates e Warren Buffett doam boa parte de suas fortunas) no Brasil. O senhor conseguiu atrair outros empresários?

Tentei. Quase vieram dois, a mulher de um não deixou (rs). O outro que veio foi o David Vélez, do Nubank. Eu não o trouxe, ele veio por conta própria. O Giving Pledge é mundial. Só tem bilionários, nós somos amendoim perto deles. Doaram US$ 90 bilhões, US$ 100 bilhões, US$ 150 bilhões. No Brasil, somos órfãos nesse sentido. Mas o que vale é o princípio. No Brasil, só temos o David Vélez e nós. Tentei mais dois, não consegui, desisti.

O sr. fala que a salvação da sociedade vem dos empresários e não do governo. Por quê?

Os empresários têm liberdade de ação. Eles têm verbas. Não tem algemas. Essa é a condição. Quando o governo é muito mais algemado, por definição, do que um empresário. E isso daria maior significado ao dinheiro deles também.

Existe até uma discussão desse governo em particular que fala muito em taxar os mais ricos. Esse é outro caminho para a caridade?

Concordo que, se tiver aumento, que vá totalmente para a caridade, não uma parte. O certo era o dinheiro a mais ajudar as crianças. O (economista) Eduardo Gianetti falou em um evento do Bem Maior: a criança é formada conforme tem vitaminas e alimentação adequada. Se até cinco ou seis anos não forem alimentadas adequadamente, elas terão sequelas a vida inteira. Milhões de pessoas se perderam por nossa culpa. Então, o certo, a primeira coisa é fazer é dar alimentos devidos para as crianças pequenas para que não tenham deficiência mental. Então o resto pode esperar, mas isso não pode esperar.

O que poderia ser feito no Brasil de diferente?

Todos os Estados se reúnem, mandam representante, se vê tudo relacionado à pobreza e isso é mantido na Constituição como imutável, para salvaguardar os direitos das crianças pobres para sempre. Se eu fosse presidente, pegaria pessoas de alta categoria empresarial, e daria para eles, lotearia o Brasil entre 100 empresários. Cada um assume uma tarefa, eles vão se virar. Custo zero. Só que estou falando em teoria. Pega o Roberto Setúbal, uma pessoa eficientíssima. Dá um problema, ele vai resolver, não tem como não resolver. O Brasil está feito.

O sr. já falou com pessoas de governo, prefeitos, presidente?

Falo com quem encontro no caminho. Sou tido como ingênuo. Se ser ingênuo é o preço a pagar, eu pago. Eu falo com quem posso. Gosto de negociar, algum bem eu tiro.

O sr. teve um episódio com o Roberto Setúbal, do Itaú, de um imóvel que ele queria comprar. Como foi isso?

Ele estava procurando um apartamento para morar, há 20 ou 30 anos. Ele me disse: posso pagar X. Eu respondi: posso vender por Y. Então falei: Roberto, você paga o X que você quer pagar e a diferença para o Y vai para uma instituição de caridade que você vai escolher. No dia seguinte fechamos negócio e ele me mandou recibo de três creches que ele escolheu. Isso foi feito uma centena de vezes na Cyrela. Sempre que eu posso, eu faço, mas me chutaram (rs). Não sou mais executivo. Essa ideia é muito boa, muito simples e não custa nada.

Falando da Cyrela, o sr. está afastado do dia a dia da empresa. Como acompanha a situação da companhia?

Acompanho pelos conselhos, acompanho pelo jornal, acompanho via perguntas e balanços.

Como está a empresa e como o sr. vê o futuro da empresa?

A empresa está indo muito bem. Parece (rs). Tem recorde de volume, recorde de lucro. Vamos ver o futuro. Hoje fiz reunião de diretoria e pedi para cada um pensar como vai ser a empresa daqui a cinco anos e dez anos. Isso acaba criando o caminho do futuro. Coisa importantíssima é o cash flow (fluxo de caixa da empresa). Na minha gestão, a gente fazia cash flow de 4 anos. Ou seja, não se vende nada, termina as obras, não constrói nada de novo, paga as dívidas com os bancos e …precisa aguentar essa crise e não morrer. Então, atingimos essa curva duas vezes na vida. No IPO (abertura de capital) e no follow on (emissão de ações subsequente). Ou seja, é quase impossível você chegar lá, mas é uma meta. Mas hoje a Cyrela está tão boa ou melhor do que na minha época em termos de gestão financeira.

E a meta, então, é ter recursos para 4 anos difíceis

Quatro anos impossíveis.

Quando o sr. faz o exercício de cinco ou 10 anos para a frente, o que o sr. imagina?

Eu falei hoje: imagino uma empresa sem dívida, com recursos próprios vendendo a prazo, fazendo o ciclo inteiro sozinho, coisa que ninguém faz.

Pretende abrir novos negócios?

Nós abrimos na pessoa física dois negócios separados. Um deu certo, outro deu errado, fechou. É muito difícil abrir negócios novos, muito difícil.

Uma das empresas foi a fintech Cash Me, que o senhor entrou para ajudar?

Entrei porque estava dando prejuízo. Eu sou da velha escola, não gosto de perder. Mandei parar. A empresa passou a dar lucro todo mês.

E o mercado imobiliário? Estamos vendo empreendimentos cada vez maiores, o mercado está numa fase de expansão.

Está numa fase exuberante, bonita. Para o nosso setor de incorporação é muito bom. Isso ajuda a empresa a ser mais eficiente ainda. Para fazer coisas bonitas, leva tempo. É uma arte.

O senhor está com um projeto muito grande na antiga fábrica da Kibon, no bairro Brooklin, em São Paulo.

Está quase tudo lançado, quase tudo vendido.

Vem outras coisas na mesma linha? O ritmo de lançamento será mantido? Esse é o perfil?

Se Deus quiser, vamos ter muitas novidades. Vai ser mantido o ritmo. É grande o perfil. Vamos lançar ainda 20, 30 projetos (principalmente na Living, marca da Cyrela de médio padrão, e na Vivaz, do segmento popular). A Cyrela vai faturar este ano quase R$ 10 bilhões.

São Paulo tem espaço para tantos projetos?

Eu fiz essa pergunta hoje. Quantos prédios tem na Marginal Tietê? 1, 2, 10, 20, 50? A impressão que todo mundo tem é que ainda vai faltar. Hoje você compra um apartamento com prestação menor que o aluguel. Paga R$ 1,5 mil por mês de prestação na Caixa. R$ 1,5 mil é o aluguel de um apartamento pequeno na periferia. Então, melhor comprar, ficar dono, e não pagar o aluguel. Então, aí tem milhões de pessoas que procuram. O fato é que tudo se vende como água. Nos estratos mais populares, vendemos mais rápido.

A que se deve isso, financiamento do governo, Minha Casa, Minha Vida?

Quem é nosso sócio?

O governo?

Não. Outro sócio.

O cliente?

Outro sócio.

O banco?

Outro sócio (rs).

Conhecendo o perfil do senhor, talvez uma resposta religiosa.

Deus. Se ele quer que eu faça caridade, preciso de dinheiro para pagar.

E como o sr. vê a tendência de preços, com tanta procura pelos imóveis? Os preços vão inflacionar?

Se você comparar o Brasil com o mundo lá fora, aqui ainda é muito mais barato. Lá fora, é muito mais caro. O método de construção pronto no Brasil é o mais barato do mundo, eu acho.

A Cyrela já chegou a se expandir para outras praças, mas hoje está concentrada em São Paulo…

A Cyrela se disseminou e voltou à origem. Sobrou o Rio, Porto Alegre e só.

E não pensa em diversificar? O País hoje tem outros polos de desenvolvimento, como o Centro-Oeste.

O nosso negócio é muito artesanal. Não dá pra fazer coisa bonita em lugares distantes.

E o que o senhor pensa do fenômeno de Camboriú?

Tem loucos, tem inteligentes, sábios e burros. Se alguém compra, por que não? Alguém compra, se comprar tudo bem. Não pode fazer para não vender.

Se tem gente querendo comprar, está valendo, é isso? Porque não parece muito lógico prédios tão altos no litoral.

Não tem graça, mas isso é outro assunto.

Entrevista por Lucas Agrela

Repórter de economia & negócios, pós-graduado em administração e marketing e em mídias digitais.

Ricardo Grinbaum

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