Como as empresas brasileiras conseguiram captação recorde de dinheiro em 2024, mesmo sem IPOs


Volume movimentado no ano passado supera R$ 670 bilhões, com emissões recordes de títulos de dívidas corporativas; mercado deve se manter aquecido, mas ambiente macroeconômico incerto preocupa

Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:

O mercado de capitais brasileiro bateu recorde de movimentação de recursos em 2024, apesar da falta de novas ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de empresas na Bolsa de Valores. No acumulado do ano até novembro, o volume de captações feitas pelas empresas somou R$ 677,3 bilhões, mais do que qualquer ano completo desde o início da série histórica iniciada em 2012 divulgada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Antes do ano passado, o melhor resultado havia sido alcançado em 2009, com R$ 609,9 bilhões movimentados. Já o ano de 2023 fechou com R$ 467,9 bilhões. Ou seja, o crescimento de 2024 passará dos 45% frente ao período anterior.

O ano passado ainda registrou os dois melhores meses de toda a série histórica. Em julho, o mercado movimentou R$ 98,4 bilhões, e, em outubro, R$ 90,6 bilhões.

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Avenida Faria Lima, em São Paulo, considerada o coração do mercado financeiro por abrigar as sedes de gestoras e bancos de investimentos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Depois do mês de outubro muito forte, houve uma certa acomodação em novembro e dezembro”, afirma o responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil, Enrico Castro. Essa desaceleração aconteceu para o mercado absorver o volume das emissões e por causa do recrudescimento da preocupação com a questão fiscal e com os impactos nos juros americanos após a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA.

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As dúvidas permanecem para 2025 e trazem um pouco de cautela para um cenário que ainda é visto com otimismo por quem trabalha com renda fixa no mercado, em contraste com o pessimismo generalizado para a renda variável.

O forte volume de recursos movimentados em 2024 provou que, mesmo sem uma janela de oportunidades que permitisse a novas empresas levarem suas ações para serem negociadas na B3 e levantarem recursos por meio de IPOs, as companhias brasileiras encontram alternativas para se financiar no mercado de capitais. A tendência é vista pelos analistas como uma prova da maturidade atingida pelo mercado nos últimos anos.

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“Houve um volume bastante grande e uma predominância dos instrumentos de dívida corporativa. A surpresa foi a magnitude deles nos últimos dois anos, que foi bastante representativa e fruto do ambiente macroeconômico”, afirma o presidente da Anbima, Carlos André, também vice-presidente executivo do Santander. “E, pelo que se vislumbra para 2025, será um pouco mais do mesmo.”

Devido aos juros altos e às incertezas geopolíticas internacionais e fiscais domésticas, há mais de três anos não acontece um IPO na B3. Os últimos foram da Vittia, empresa de insumos e de tecnologia para o agronegócio, que estreou na Bolsa em setembro de 2021, e do Nubank, que, em dezembro do mesmo ano, adotou uma dupla listagem, com ações na Bolsa de Nova York e BDRs (certificados de ação emitidas no exterior, conhecidos pela sigla para “brazilian depository receipts”) na B3. O banco digital pediu, em 2022, o fim do registro como companhia aberta no Brasil, para evitar a duplicação de custos regulatórios e burocráticos.

Desde então, o cenário se mostrou hostil até mesmo para os follow-ons, que são as vendas adicionais de ações no mercado feitas por empresas que já têm capital aberto. Em 2024, os follow-ons movimentaram R$ 25 bilhões, até novembro. O valor é bastante inferior ao registrado em 2019, de R$ 79,8 bilhões, ou mesmo em 2023, que ficou em R$ 32,4 bilhões. Entre os poucos destaques de follow-ons em 2024 estiveram os do Banco Inter, Sabesp, Eneva e Energisa.

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Com menos possibilidade de levantar recursos por meio desses mecanismos mais conhecidos, as empresas se viram obrigadas a buscar alternativas dentro ou fora do mercado de capitais.

Fora do mercado de capitais, isso poderia acontecer com a venda da companhia ou de participação relevante do seu capital para outras empresas, ou por meio de empréstimos bancários. As duas saídas envolvem contrapartidas, como entregar o controle da empresa ou se comprometer a pagar altas taxas de juros por empréstimos de curto prazo, respectivamente. Para as companhias mais endividadas, a saída poderia ser um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

Carlos André, presidente da ANBIMA e vice-presidente executivo de Wealth Management do Santander Foto: Werther Santana/Estadão
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O mercado de capitais, no entanto, tem se mostrado receptivo a negociar debêntures (títulos de dívidas corporativas), notas comerciais (que é um título de crédito), títulos setoriais de renda fixa de créditos, casos do CRA (certificado de recebíveis de agronegócio) e CRI (certificado de recebíveis imobiliários), e ainda fundos de investimentos em cadeias agroindustriais ou em ativos imobiliários, conhecidos pelas siglas Fiagro e FII.

Além deles, outra alternativa são os FIDICS (fundo de investimento em direitos creditórios), que combinam investidores em fundos que destinam mais de metade do seu patrimônio para aplicar em direitos para receber créditos das empresas. Esse último mecanismo, por exemplo, foi muito utilizado ao longo dos anos para as fintechs se financiarem.

“Dentro das condições apresentadas, o mercado de capitais tem sido muito funcional. As empresas têm encontrado alternativas para levantar recursos e o mercado de crédito corporativo mostrou nos últimos dois anos que evoluiu na negociação desses instrumentos”, diz André.

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A mais relevante dessas alternativas foram as debêntures, que resultaram em emissão de R$ 405,5 bilhões, no acumulado até novembro de 2024. No ano anterior completo, haviam sido emitidos R$ 236,6 bilhões. O salto é ainda mais significativo se comparado com o resultado de anos anteriores. Em 2018, o mercado de debêntures tinha menos da metade do tamanho atual, e movimentou apenas R$ 151,2 bilhões.

Em seguida às debêntures, os mecanismos mais utilizados para financiamento no mercado de capitais em 2024 foram, em ordem decrescente, os FIDICs (R$ 64,4 bilhões, até novembro), CRIs (R$ 52,6 bilhões) e FIIs (R$ 40,8 bilhões). As únicas quedas registradas no ano, além da falta de IPOs e follow-ons, aconteceram com os CRAs e Fiagros, refletindo uma safra agrícola inferior à de 2023, bastante afetada por eventos climáticos extremos.

Perspectivas

“Para 2025, é muito difícil ver um cenário muito diferente do atual, com os instrumentos de renda fixa dominando. Pode haver, num cenário positivo, uma certa retomada de renda variável para o segundo semestre, se a curva longa de juros começar a baixar. E, então, veremos os IPOs voltando a sair”, afirma o corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America no Brasil, Bruno Saraiva. “O lado positivo é que continuamos fazendo conversas estratégicas com as empresas, que demonstram interesse em aquisições e vendas. Não é um ambiente de decisão agora, mas está todo mundo olhando as oportunidades.”

Para os próximos meses, no entanto, mecanismos como as debêntures devem continuar sendo as estrelas do mercado. Mas esses instrumentos não substituem totalmente as vendas de ações e aumentos de capital, alerta Saraiva. “Os financiamentos por dívida e por venda de participação têm motivações e objetivos diferentes”, diz. “O mercado de renda fixa não supre 100% da necessidade das empresas. Você posterga o problema, joga o boleto para a frente, mas vai precisar pagá-lo depois. Se a companhia já tem um nível de endividamento alto, captar mais dívida para fazer expansão pode deixar o balanço estressado.”

Os juros altos e a perspectiva de mais duas altas de um ponto percentual da Selic, mencionada na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), devem continuar estimulando os investimentos em renda fixa, mas há algumas armadilhas nesse cenário.

“Obviamente, juros altos tendem a beneficiar a renda fixa em comparação com a variável. Mas juros altos demais trazem um sinal amarelo, e nos leva a olhar nome o nome das empresas com mais cuidado, para ter certeza que a despesa financeira não prejudique a saúde de empresas que atuam em setores com margens de lucro mais comprimidas”, diz o executivo responsável pela área de renda fixa internacional do Itaú BBA, Pedro Frade Rodrigues.

“Aquele mar extremamente favorável em 2024 terminou o ano exigindo um pouco mais de atenção. Ninguém tem uma visão muito clara no momento de como será o mercado em 2025, depois da volatilidade das últimas semanas.”

Maturidade

Essa ampliação do mercado de capitais, mesmo em períodos de seca de IPOs, está causando uma grande reviravolta para o perfil do setor financeiro brasileiro e na relação das empresas com os bancos. Segundo dados do Banco Central, o mercado de crédito, em janeiro de 2013, era composto por 81% de empréstimos bancários e por 19% de títulos de dívida privada ou securitizada, quando os ativos são agrupados e transformados em instrumentos negociáveis no mercado. Em outubro de 2024, já houve quase um empate, com 51,5% vindo de financiamento tradicional e 48,5% do mercado de capitais.

O motivo para essa transformação foi o forte crescimento da segunda opção nos últimos anos. Enquanto o financiamento bancário se ampliou em 35%, entre dezembro de 2015 e outubro de 2024, a expansão dos títulos de dívida foi de 464% no mesmo período.

“Temos visto muitas empresas substituindo dívidas bancárias de curto prazo por outras com custos mais baixos e prazos muito mais longos. Estruturamos, no último ano, dois CRIs somando R$ 400 milhões, com prazos de 15 e de 16 anos, o que seria totalmente inviável para os bancos concederem. Afinal, eles têm como fonte de recursos os depósitos, que são de curto prazo, e as poupanças estão secando”, afirma Daniel Wainstein, sócio diretor da assessoria financeira Seneca Evercore.

“Essa desconcentração de crédito é um movimento muito saudável. Os bancos funcionam muito bem para financiamento de curto prazo”, afirma. “Agora, estamos no mesmo caminho em que os bancos vão financiar apenas o capital de curto prazo, mas o grosso das dívidas virá do mercado de capital. Nos EUA, o financiamento bancário responde por apenas 10%.”

O impacto do aumento de participação do mercado nos financiamentos deve favorecer “tanto as empresas, que necessitam de acesso a recursos, quanto o investidor, que passa a ter mais alternativas para continuar alocando e diversificando os seus investimentos”, segundo André, da Anbima. “Estamos bem felizes em ver que, apesar de toda incerteza e toda volatilidade, o mercado de capitais está funcionando, e muito melhor do que há cinco ou dez anos.”

Nos últimos tempos, o mercado ganhou diversificação de setores econômicos que o acessam, uma quantidade maior de empresas participantes e até mesmo um alongamento de prazos para o pagamento dos títulos, mesmo em um ambiente de juros elevados. Isso se reflete em alguns números registrados pela Anbima. Em 2018, um total de 302 empresas emitiram debêntures, e em 2024, em 11 meses, foram 430. Já o prazo de pagamento desses títulos passou de uma média de 5,93 anos, em 2018, para 7,83 anos, em 2024.

“O mercado de capitais brasileiro sempre foi mais concentrado em empresas de utilities, como as de energia elétrica. Mas agora existem muitas empresas de infraestrutura, varejo, consumo e construção civil captando, o que também ajuda o gestor de investimentos a montar uma carteira mais diversificada”, afirma André.

As empresas em melhor situação financeira são as que devem ter mais facilidade para continuar acessando o mercado. As exportadoras, por exemplo, estão se beneficiando do dólar fortalecido. “Além delas, devem participar as varejistas, que, no entanto, podem ser impactadas pela inflação, as de infraestrutura, que têm mais previsibilidade de receita, e as integrantes do mercado de baixa renda do setor imobiliário”, diz Saraiva.

Os motivos para esse aumento de maturidade envolvem ainda fatores institucionais. “Houve uma modernização dos fundos de investimentos, a criação do marco regulatório de securitização e mudanças de regras para instrumentos como CRA e CRI, que foram positivas”, diz Castro, do BNP Paribas. “Isso tudo contribuiu para um crescimento sustentável do mercado nos últimos anos.”

Enrico Castro, responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil Foto: Ramede Felix

Outro fator que levou as grandes empresas para o mercado tem relação com a diminuição da atuação do BNDES como financiador e comprador de participações acionárias, desde o governo do presidente Michel Temer.

“Com todos esses fatores, o mercado deve continuar favorável para a emissão de dívidas, talvez num ritmo menos acelerado do que o dos últimos meses”, avalia o CEO da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello. “Como a janela para IPOs continua fechada, as companhias vão precisar mudar o perfil da dívida ou de recursos para fazer investimento, e podem acessar o mercado para isso, até porque existe demanda dos investidores.”

Emissões externas

Para as maiores empresas, outra alternativa é fazer a emissão externa de títulos. Isso pode ser adequado para aquelas que precisam captar volumes maiores de capitais, com emissões superando US$ 1 bilhão, volume que não é tão fácil levantar no Brasil. Externamente, também é possível alongar ainda mais os prazos do resgate dos títulos, com taxas de juros menores a serem pagas aos investidores.

Isso funciona especialmente para empresas que têm receita em dólar, como grandes exportadores agrícolas. Mas até a Eletrobras aproveitou para ir ao mercado externo em 2024.

O ano passado foi o primeiro desde 2021 em que as empresas brasileiras captaram mais de US$ 20 bilhões no exterior. Até novembro, já haviam sido registrados US$ 20,1 bilhões emitidos, em comparação com os US$ 15,5 bilhões de 2023. O bom momento pode ser mantido neste mês de janeiro, época que costuma ser forte para essas emissões externas, caso as incertezas quanto ao Brasil não afetem muito as empresas locais.

O risco é se a percepção sobre os ativos brasileiros continuar piorando. “A curva de juros futuros tão acentuada significa que o mercado está preocupado com a política fiscal do País, e o investidor internacional vai pedir mais prêmio para dar recursos para uma empresa brasileira. Pode ser que elas não estejam tão dispostas a aceitar pagar juros tão altos”, afirma Mello. “Nesse cenário, só não vai adiar a captação quem precisa, de qualquer jeito, de recursos para se financiar.”

O mercado de capitais brasileiro bateu recorde de movimentação de recursos em 2024, apesar da falta de novas ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de empresas na Bolsa de Valores. No acumulado do ano até novembro, o volume de captações feitas pelas empresas somou R$ 677,3 bilhões, mais do que qualquer ano completo desde o início da série histórica iniciada em 2012 divulgada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Antes do ano passado, o melhor resultado havia sido alcançado em 2009, com R$ 609,9 bilhões movimentados. Já o ano de 2023 fechou com R$ 467,9 bilhões. Ou seja, o crescimento de 2024 passará dos 45% frente ao período anterior.

O ano passado ainda registrou os dois melhores meses de toda a série histórica. Em julho, o mercado movimentou R$ 98,4 bilhões, e, em outubro, R$ 90,6 bilhões.

Avenida Faria Lima, em São Paulo, considerada o coração do mercado financeiro por abrigar as sedes de gestoras e bancos de investimentos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Depois do mês de outubro muito forte, houve uma certa acomodação em novembro e dezembro”, afirma o responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil, Enrico Castro. Essa desaceleração aconteceu para o mercado absorver o volume das emissões e por causa do recrudescimento da preocupação com a questão fiscal e com os impactos nos juros americanos após a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA.

As dúvidas permanecem para 2025 e trazem um pouco de cautela para um cenário que ainda é visto com otimismo por quem trabalha com renda fixa no mercado, em contraste com o pessimismo generalizado para a renda variável.

O forte volume de recursos movimentados em 2024 provou que, mesmo sem uma janela de oportunidades que permitisse a novas empresas levarem suas ações para serem negociadas na B3 e levantarem recursos por meio de IPOs, as companhias brasileiras encontram alternativas para se financiar no mercado de capitais. A tendência é vista pelos analistas como uma prova da maturidade atingida pelo mercado nos últimos anos.

“Houve um volume bastante grande e uma predominância dos instrumentos de dívida corporativa. A surpresa foi a magnitude deles nos últimos dois anos, que foi bastante representativa e fruto do ambiente macroeconômico”, afirma o presidente da Anbima, Carlos André, também vice-presidente executivo do Santander. “E, pelo que se vislumbra para 2025, será um pouco mais do mesmo.”

Devido aos juros altos e às incertezas geopolíticas internacionais e fiscais domésticas, há mais de três anos não acontece um IPO na B3. Os últimos foram da Vittia, empresa de insumos e de tecnologia para o agronegócio, que estreou na Bolsa em setembro de 2021, e do Nubank, que, em dezembro do mesmo ano, adotou uma dupla listagem, com ações na Bolsa de Nova York e BDRs (certificados de ação emitidas no exterior, conhecidos pela sigla para “brazilian depository receipts”) na B3. O banco digital pediu, em 2022, o fim do registro como companhia aberta no Brasil, para evitar a duplicação de custos regulatórios e burocráticos.

Desde então, o cenário se mostrou hostil até mesmo para os follow-ons, que são as vendas adicionais de ações no mercado feitas por empresas que já têm capital aberto. Em 2024, os follow-ons movimentaram R$ 25 bilhões, até novembro. O valor é bastante inferior ao registrado em 2019, de R$ 79,8 bilhões, ou mesmo em 2023, que ficou em R$ 32,4 bilhões. Entre os poucos destaques de follow-ons em 2024 estiveram os do Banco Inter, Sabesp, Eneva e Energisa.

Com menos possibilidade de levantar recursos por meio desses mecanismos mais conhecidos, as empresas se viram obrigadas a buscar alternativas dentro ou fora do mercado de capitais.

Fora do mercado de capitais, isso poderia acontecer com a venda da companhia ou de participação relevante do seu capital para outras empresas, ou por meio de empréstimos bancários. As duas saídas envolvem contrapartidas, como entregar o controle da empresa ou se comprometer a pagar altas taxas de juros por empréstimos de curto prazo, respectivamente. Para as companhias mais endividadas, a saída poderia ser um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

Carlos André, presidente da ANBIMA e vice-presidente executivo de Wealth Management do Santander Foto: Werther Santana/Estadão

O mercado de capitais, no entanto, tem se mostrado receptivo a negociar debêntures (títulos de dívidas corporativas), notas comerciais (que é um título de crédito), títulos setoriais de renda fixa de créditos, casos do CRA (certificado de recebíveis de agronegócio) e CRI (certificado de recebíveis imobiliários), e ainda fundos de investimentos em cadeias agroindustriais ou em ativos imobiliários, conhecidos pelas siglas Fiagro e FII.

Além deles, outra alternativa são os FIDICS (fundo de investimento em direitos creditórios), que combinam investidores em fundos que destinam mais de metade do seu patrimônio para aplicar em direitos para receber créditos das empresas. Esse último mecanismo, por exemplo, foi muito utilizado ao longo dos anos para as fintechs se financiarem.

“Dentro das condições apresentadas, o mercado de capitais tem sido muito funcional. As empresas têm encontrado alternativas para levantar recursos e o mercado de crédito corporativo mostrou nos últimos dois anos que evoluiu na negociação desses instrumentos”, diz André.

A mais relevante dessas alternativas foram as debêntures, que resultaram em emissão de R$ 405,5 bilhões, no acumulado até novembro de 2024. No ano anterior completo, haviam sido emitidos R$ 236,6 bilhões. O salto é ainda mais significativo se comparado com o resultado de anos anteriores. Em 2018, o mercado de debêntures tinha menos da metade do tamanho atual, e movimentou apenas R$ 151,2 bilhões.

Em seguida às debêntures, os mecanismos mais utilizados para financiamento no mercado de capitais em 2024 foram, em ordem decrescente, os FIDICs (R$ 64,4 bilhões, até novembro), CRIs (R$ 52,6 bilhões) e FIIs (R$ 40,8 bilhões). As únicas quedas registradas no ano, além da falta de IPOs e follow-ons, aconteceram com os CRAs e Fiagros, refletindo uma safra agrícola inferior à de 2023, bastante afetada por eventos climáticos extremos.

Perspectivas

“Para 2025, é muito difícil ver um cenário muito diferente do atual, com os instrumentos de renda fixa dominando. Pode haver, num cenário positivo, uma certa retomada de renda variável para o segundo semestre, se a curva longa de juros começar a baixar. E, então, veremos os IPOs voltando a sair”, afirma o corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America no Brasil, Bruno Saraiva. “O lado positivo é que continuamos fazendo conversas estratégicas com as empresas, que demonstram interesse em aquisições e vendas. Não é um ambiente de decisão agora, mas está todo mundo olhando as oportunidades.”

Para os próximos meses, no entanto, mecanismos como as debêntures devem continuar sendo as estrelas do mercado. Mas esses instrumentos não substituem totalmente as vendas de ações e aumentos de capital, alerta Saraiva. “Os financiamentos por dívida e por venda de participação têm motivações e objetivos diferentes”, diz. “O mercado de renda fixa não supre 100% da necessidade das empresas. Você posterga o problema, joga o boleto para a frente, mas vai precisar pagá-lo depois. Se a companhia já tem um nível de endividamento alto, captar mais dívida para fazer expansão pode deixar o balanço estressado.”

Os juros altos e a perspectiva de mais duas altas de um ponto percentual da Selic, mencionada na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), devem continuar estimulando os investimentos em renda fixa, mas há algumas armadilhas nesse cenário.

“Obviamente, juros altos tendem a beneficiar a renda fixa em comparação com a variável. Mas juros altos demais trazem um sinal amarelo, e nos leva a olhar nome o nome das empresas com mais cuidado, para ter certeza que a despesa financeira não prejudique a saúde de empresas que atuam em setores com margens de lucro mais comprimidas”, diz o executivo responsável pela área de renda fixa internacional do Itaú BBA, Pedro Frade Rodrigues.

“Aquele mar extremamente favorável em 2024 terminou o ano exigindo um pouco mais de atenção. Ninguém tem uma visão muito clara no momento de como será o mercado em 2025, depois da volatilidade das últimas semanas.”

Maturidade

Essa ampliação do mercado de capitais, mesmo em períodos de seca de IPOs, está causando uma grande reviravolta para o perfil do setor financeiro brasileiro e na relação das empresas com os bancos. Segundo dados do Banco Central, o mercado de crédito, em janeiro de 2013, era composto por 81% de empréstimos bancários e por 19% de títulos de dívida privada ou securitizada, quando os ativos são agrupados e transformados em instrumentos negociáveis no mercado. Em outubro de 2024, já houve quase um empate, com 51,5% vindo de financiamento tradicional e 48,5% do mercado de capitais.

O motivo para essa transformação foi o forte crescimento da segunda opção nos últimos anos. Enquanto o financiamento bancário se ampliou em 35%, entre dezembro de 2015 e outubro de 2024, a expansão dos títulos de dívida foi de 464% no mesmo período.

“Temos visto muitas empresas substituindo dívidas bancárias de curto prazo por outras com custos mais baixos e prazos muito mais longos. Estruturamos, no último ano, dois CRIs somando R$ 400 milhões, com prazos de 15 e de 16 anos, o que seria totalmente inviável para os bancos concederem. Afinal, eles têm como fonte de recursos os depósitos, que são de curto prazo, e as poupanças estão secando”, afirma Daniel Wainstein, sócio diretor da assessoria financeira Seneca Evercore.

“Essa desconcentração de crédito é um movimento muito saudável. Os bancos funcionam muito bem para financiamento de curto prazo”, afirma. “Agora, estamos no mesmo caminho em que os bancos vão financiar apenas o capital de curto prazo, mas o grosso das dívidas virá do mercado de capital. Nos EUA, o financiamento bancário responde por apenas 10%.”

O impacto do aumento de participação do mercado nos financiamentos deve favorecer “tanto as empresas, que necessitam de acesso a recursos, quanto o investidor, que passa a ter mais alternativas para continuar alocando e diversificando os seus investimentos”, segundo André, da Anbima. “Estamos bem felizes em ver que, apesar de toda incerteza e toda volatilidade, o mercado de capitais está funcionando, e muito melhor do que há cinco ou dez anos.”

Nos últimos tempos, o mercado ganhou diversificação de setores econômicos que o acessam, uma quantidade maior de empresas participantes e até mesmo um alongamento de prazos para o pagamento dos títulos, mesmo em um ambiente de juros elevados. Isso se reflete em alguns números registrados pela Anbima. Em 2018, um total de 302 empresas emitiram debêntures, e em 2024, em 11 meses, foram 430. Já o prazo de pagamento desses títulos passou de uma média de 5,93 anos, em 2018, para 7,83 anos, em 2024.

“O mercado de capitais brasileiro sempre foi mais concentrado em empresas de utilities, como as de energia elétrica. Mas agora existem muitas empresas de infraestrutura, varejo, consumo e construção civil captando, o que também ajuda o gestor de investimentos a montar uma carteira mais diversificada”, afirma André.

As empresas em melhor situação financeira são as que devem ter mais facilidade para continuar acessando o mercado. As exportadoras, por exemplo, estão se beneficiando do dólar fortalecido. “Além delas, devem participar as varejistas, que, no entanto, podem ser impactadas pela inflação, as de infraestrutura, que têm mais previsibilidade de receita, e as integrantes do mercado de baixa renda do setor imobiliário”, diz Saraiva.

Os motivos para esse aumento de maturidade envolvem ainda fatores institucionais. “Houve uma modernização dos fundos de investimentos, a criação do marco regulatório de securitização e mudanças de regras para instrumentos como CRA e CRI, que foram positivas”, diz Castro, do BNP Paribas. “Isso tudo contribuiu para um crescimento sustentável do mercado nos últimos anos.”

Enrico Castro, responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil Foto: Ramede Felix

Outro fator que levou as grandes empresas para o mercado tem relação com a diminuição da atuação do BNDES como financiador e comprador de participações acionárias, desde o governo do presidente Michel Temer.

“Com todos esses fatores, o mercado deve continuar favorável para a emissão de dívidas, talvez num ritmo menos acelerado do que o dos últimos meses”, avalia o CEO da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello. “Como a janela para IPOs continua fechada, as companhias vão precisar mudar o perfil da dívida ou de recursos para fazer investimento, e podem acessar o mercado para isso, até porque existe demanda dos investidores.”

Emissões externas

Para as maiores empresas, outra alternativa é fazer a emissão externa de títulos. Isso pode ser adequado para aquelas que precisam captar volumes maiores de capitais, com emissões superando US$ 1 bilhão, volume que não é tão fácil levantar no Brasil. Externamente, também é possível alongar ainda mais os prazos do resgate dos títulos, com taxas de juros menores a serem pagas aos investidores.

Isso funciona especialmente para empresas que têm receita em dólar, como grandes exportadores agrícolas. Mas até a Eletrobras aproveitou para ir ao mercado externo em 2024.

O ano passado foi o primeiro desde 2021 em que as empresas brasileiras captaram mais de US$ 20 bilhões no exterior. Até novembro, já haviam sido registrados US$ 20,1 bilhões emitidos, em comparação com os US$ 15,5 bilhões de 2023. O bom momento pode ser mantido neste mês de janeiro, época que costuma ser forte para essas emissões externas, caso as incertezas quanto ao Brasil não afetem muito as empresas locais.

O risco é se a percepção sobre os ativos brasileiros continuar piorando. “A curva de juros futuros tão acentuada significa que o mercado está preocupado com a política fiscal do País, e o investidor internacional vai pedir mais prêmio para dar recursos para uma empresa brasileira. Pode ser que elas não estejam tão dispostas a aceitar pagar juros tão altos”, afirma Mello. “Nesse cenário, só não vai adiar a captação quem precisa, de qualquer jeito, de recursos para se financiar.”

O mercado de capitais brasileiro bateu recorde de movimentação de recursos em 2024, apesar da falta de novas ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de empresas na Bolsa de Valores. No acumulado do ano até novembro, o volume de captações feitas pelas empresas somou R$ 677,3 bilhões, mais do que qualquer ano completo desde o início da série histórica iniciada em 2012 divulgada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Antes do ano passado, o melhor resultado havia sido alcançado em 2009, com R$ 609,9 bilhões movimentados. Já o ano de 2023 fechou com R$ 467,9 bilhões. Ou seja, o crescimento de 2024 passará dos 45% frente ao período anterior.

O ano passado ainda registrou os dois melhores meses de toda a série histórica. Em julho, o mercado movimentou R$ 98,4 bilhões, e, em outubro, R$ 90,6 bilhões.

Avenida Faria Lima, em São Paulo, considerada o coração do mercado financeiro por abrigar as sedes de gestoras e bancos de investimentos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Depois do mês de outubro muito forte, houve uma certa acomodação em novembro e dezembro”, afirma o responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil, Enrico Castro. Essa desaceleração aconteceu para o mercado absorver o volume das emissões e por causa do recrudescimento da preocupação com a questão fiscal e com os impactos nos juros americanos após a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA.

As dúvidas permanecem para 2025 e trazem um pouco de cautela para um cenário que ainda é visto com otimismo por quem trabalha com renda fixa no mercado, em contraste com o pessimismo generalizado para a renda variável.

O forte volume de recursos movimentados em 2024 provou que, mesmo sem uma janela de oportunidades que permitisse a novas empresas levarem suas ações para serem negociadas na B3 e levantarem recursos por meio de IPOs, as companhias brasileiras encontram alternativas para se financiar no mercado de capitais. A tendência é vista pelos analistas como uma prova da maturidade atingida pelo mercado nos últimos anos.

“Houve um volume bastante grande e uma predominância dos instrumentos de dívida corporativa. A surpresa foi a magnitude deles nos últimos dois anos, que foi bastante representativa e fruto do ambiente macroeconômico”, afirma o presidente da Anbima, Carlos André, também vice-presidente executivo do Santander. “E, pelo que se vislumbra para 2025, será um pouco mais do mesmo.”

Devido aos juros altos e às incertezas geopolíticas internacionais e fiscais domésticas, há mais de três anos não acontece um IPO na B3. Os últimos foram da Vittia, empresa de insumos e de tecnologia para o agronegócio, que estreou na Bolsa em setembro de 2021, e do Nubank, que, em dezembro do mesmo ano, adotou uma dupla listagem, com ações na Bolsa de Nova York e BDRs (certificados de ação emitidas no exterior, conhecidos pela sigla para “brazilian depository receipts”) na B3. O banco digital pediu, em 2022, o fim do registro como companhia aberta no Brasil, para evitar a duplicação de custos regulatórios e burocráticos.

Desde então, o cenário se mostrou hostil até mesmo para os follow-ons, que são as vendas adicionais de ações no mercado feitas por empresas que já têm capital aberto. Em 2024, os follow-ons movimentaram R$ 25 bilhões, até novembro. O valor é bastante inferior ao registrado em 2019, de R$ 79,8 bilhões, ou mesmo em 2023, que ficou em R$ 32,4 bilhões. Entre os poucos destaques de follow-ons em 2024 estiveram os do Banco Inter, Sabesp, Eneva e Energisa.

Com menos possibilidade de levantar recursos por meio desses mecanismos mais conhecidos, as empresas se viram obrigadas a buscar alternativas dentro ou fora do mercado de capitais.

Fora do mercado de capitais, isso poderia acontecer com a venda da companhia ou de participação relevante do seu capital para outras empresas, ou por meio de empréstimos bancários. As duas saídas envolvem contrapartidas, como entregar o controle da empresa ou se comprometer a pagar altas taxas de juros por empréstimos de curto prazo, respectivamente. Para as companhias mais endividadas, a saída poderia ser um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

Carlos André, presidente da ANBIMA e vice-presidente executivo de Wealth Management do Santander Foto: Werther Santana/Estadão

O mercado de capitais, no entanto, tem se mostrado receptivo a negociar debêntures (títulos de dívidas corporativas), notas comerciais (que é um título de crédito), títulos setoriais de renda fixa de créditos, casos do CRA (certificado de recebíveis de agronegócio) e CRI (certificado de recebíveis imobiliários), e ainda fundos de investimentos em cadeias agroindustriais ou em ativos imobiliários, conhecidos pelas siglas Fiagro e FII.

Além deles, outra alternativa são os FIDICS (fundo de investimento em direitos creditórios), que combinam investidores em fundos que destinam mais de metade do seu patrimônio para aplicar em direitos para receber créditos das empresas. Esse último mecanismo, por exemplo, foi muito utilizado ao longo dos anos para as fintechs se financiarem.

“Dentro das condições apresentadas, o mercado de capitais tem sido muito funcional. As empresas têm encontrado alternativas para levantar recursos e o mercado de crédito corporativo mostrou nos últimos dois anos que evoluiu na negociação desses instrumentos”, diz André.

A mais relevante dessas alternativas foram as debêntures, que resultaram em emissão de R$ 405,5 bilhões, no acumulado até novembro de 2024. No ano anterior completo, haviam sido emitidos R$ 236,6 bilhões. O salto é ainda mais significativo se comparado com o resultado de anos anteriores. Em 2018, o mercado de debêntures tinha menos da metade do tamanho atual, e movimentou apenas R$ 151,2 bilhões.

Em seguida às debêntures, os mecanismos mais utilizados para financiamento no mercado de capitais em 2024 foram, em ordem decrescente, os FIDICs (R$ 64,4 bilhões, até novembro), CRIs (R$ 52,6 bilhões) e FIIs (R$ 40,8 bilhões). As únicas quedas registradas no ano, além da falta de IPOs e follow-ons, aconteceram com os CRAs e Fiagros, refletindo uma safra agrícola inferior à de 2023, bastante afetada por eventos climáticos extremos.

Perspectivas

“Para 2025, é muito difícil ver um cenário muito diferente do atual, com os instrumentos de renda fixa dominando. Pode haver, num cenário positivo, uma certa retomada de renda variável para o segundo semestre, se a curva longa de juros começar a baixar. E, então, veremos os IPOs voltando a sair”, afirma o corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America no Brasil, Bruno Saraiva. “O lado positivo é que continuamos fazendo conversas estratégicas com as empresas, que demonstram interesse em aquisições e vendas. Não é um ambiente de decisão agora, mas está todo mundo olhando as oportunidades.”

Para os próximos meses, no entanto, mecanismos como as debêntures devem continuar sendo as estrelas do mercado. Mas esses instrumentos não substituem totalmente as vendas de ações e aumentos de capital, alerta Saraiva. “Os financiamentos por dívida e por venda de participação têm motivações e objetivos diferentes”, diz. “O mercado de renda fixa não supre 100% da necessidade das empresas. Você posterga o problema, joga o boleto para a frente, mas vai precisar pagá-lo depois. Se a companhia já tem um nível de endividamento alto, captar mais dívida para fazer expansão pode deixar o balanço estressado.”

Os juros altos e a perspectiva de mais duas altas de um ponto percentual da Selic, mencionada na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), devem continuar estimulando os investimentos em renda fixa, mas há algumas armadilhas nesse cenário.

“Obviamente, juros altos tendem a beneficiar a renda fixa em comparação com a variável. Mas juros altos demais trazem um sinal amarelo, e nos leva a olhar nome o nome das empresas com mais cuidado, para ter certeza que a despesa financeira não prejudique a saúde de empresas que atuam em setores com margens de lucro mais comprimidas”, diz o executivo responsável pela área de renda fixa internacional do Itaú BBA, Pedro Frade Rodrigues.

“Aquele mar extremamente favorável em 2024 terminou o ano exigindo um pouco mais de atenção. Ninguém tem uma visão muito clara no momento de como será o mercado em 2025, depois da volatilidade das últimas semanas.”

Maturidade

Essa ampliação do mercado de capitais, mesmo em períodos de seca de IPOs, está causando uma grande reviravolta para o perfil do setor financeiro brasileiro e na relação das empresas com os bancos. Segundo dados do Banco Central, o mercado de crédito, em janeiro de 2013, era composto por 81% de empréstimos bancários e por 19% de títulos de dívida privada ou securitizada, quando os ativos são agrupados e transformados em instrumentos negociáveis no mercado. Em outubro de 2024, já houve quase um empate, com 51,5% vindo de financiamento tradicional e 48,5% do mercado de capitais.

O motivo para essa transformação foi o forte crescimento da segunda opção nos últimos anos. Enquanto o financiamento bancário se ampliou em 35%, entre dezembro de 2015 e outubro de 2024, a expansão dos títulos de dívida foi de 464% no mesmo período.

“Temos visto muitas empresas substituindo dívidas bancárias de curto prazo por outras com custos mais baixos e prazos muito mais longos. Estruturamos, no último ano, dois CRIs somando R$ 400 milhões, com prazos de 15 e de 16 anos, o que seria totalmente inviável para os bancos concederem. Afinal, eles têm como fonte de recursos os depósitos, que são de curto prazo, e as poupanças estão secando”, afirma Daniel Wainstein, sócio diretor da assessoria financeira Seneca Evercore.

“Essa desconcentração de crédito é um movimento muito saudável. Os bancos funcionam muito bem para financiamento de curto prazo”, afirma. “Agora, estamos no mesmo caminho em que os bancos vão financiar apenas o capital de curto prazo, mas o grosso das dívidas virá do mercado de capital. Nos EUA, o financiamento bancário responde por apenas 10%.”

O impacto do aumento de participação do mercado nos financiamentos deve favorecer “tanto as empresas, que necessitam de acesso a recursos, quanto o investidor, que passa a ter mais alternativas para continuar alocando e diversificando os seus investimentos”, segundo André, da Anbima. “Estamos bem felizes em ver que, apesar de toda incerteza e toda volatilidade, o mercado de capitais está funcionando, e muito melhor do que há cinco ou dez anos.”

Nos últimos tempos, o mercado ganhou diversificação de setores econômicos que o acessam, uma quantidade maior de empresas participantes e até mesmo um alongamento de prazos para o pagamento dos títulos, mesmo em um ambiente de juros elevados. Isso se reflete em alguns números registrados pela Anbima. Em 2018, um total de 302 empresas emitiram debêntures, e em 2024, em 11 meses, foram 430. Já o prazo de pagamento desses títulos passou de uma média de 5,93 anos, em 2018, para 7,83 anos, em 2024.

“O mercado de capitais brasileiro sempre foi mais concentrado em empresas de utilities, como as de energia elétrica. Mas agora existem muitas empresas de infraestrutura, varejo, consumo e construção civil captando, o que também ajuda o gestor de investimentos a montar uma carteira mais diversificada”, afirma André.

As empresas em melhor situação financeira são as que devem ter mais facilidade para continuar acessando o mercado. As exportadoras, por exemplo, estão se beneficiando do dólar fortalecido. “Além delas, devem participar as varejistas, que, no entanto, podem ser impactadas pela inflação, as de infraestrutura, que têm mais previsibilidade de receita, e as integrantes do mercado de baixa renda do setor imobiliário”, diz Saraiva.

Os motivos para esse aumento de maturidade envolvem ainda fatores institucionais. “Houve uma modernização dos fundos de investimentos, a criação do marco regulatório de securitização e mudanças de regras para instrumentos como CRA e CRI, que foram positivas”, diz Castro, do BNP Paribas. “Isso tudo contribuiu para um crescimento sustentável do mercado nos últimos anos.”

Enrico Castro, responsável pela atividade de mercado de capitais local do BNP Paribas Brasil Foto: Ramede Felix

Outro fator que levou as grandes empresas para o mercado tem relação com a diminuição da atuação do BNDES como financiador e comprador de participações acionárias, desde o governo do presidente Michel Temer.

“Com todos esses fatores, o mercado deve continuar favorável para a emissão de dívidas, talvez num ritmo menos acelerado do que o dos últimos meses”, avalia o CEO da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello. “Como a janela para IPOs continua fechada, as companhias vão precisar mudar o perfil da dívida ou de recursos para fazer investimento, e podem acessar o mercado para isso, até porque existe demanda dos investidores.”

Emissões externas

Para as maiores empresas, outra alternativa é fazer a emissão externa de títulos. Isso pode ser adequado para aquelas que precisam captar volumes maiores de capitais, com emissões superando US$ 1 bilhão, volume que não é tão fácil levantar no Brasil. Externamente, também é possível alongar ainda mais os prazos do resgate dos títulos, com taxas de juros menores a serem pagas aos investidores.

Isso funciona especialmente para empresas que têm receita em dólar, como grandes exportadores agrícolas. Mas até a Eletrobras aproveitou para ir ao mercado externo em 2024.

O ano passado foi o primeiro desde 2021 em que as empresas brasileiras captaram mais de US$ 20 bilhões no exterior. Até novembro, já haviam sido registrados US$ 20,1 bilhões emitidos, em comparação com os US$ 15,5 bilhões de 2023. O bom momento pode ser mantido neste mês de janeiro, época que costuma ser forte para essas emissões externas, caso as incertezas quanto ao Brasil não afetem muito as empresas locais.

O risco é se a percepção sobre os ativos brasileiros continuar piorando. “A curva de juros futuros tão acentuada significa que o mercado está preocupado com a política fiscal do País, e o investidor internacional vai pedir mais prêmio para dar recursos para uma empresa brasileira. Pode ser que elas não estejam tão dispostas a aceitar pagar juros tão altos”, afirma Mello. “Nesse cenário, só não vai adiar a captação quem precisa, de qualquer jeito, de recursos para se financiar.”

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