O plano de dobrar a capacidade de energia renovável até 2030, para 80 gigawatt (GW), coloca o Brasil no centro da estratégia global da franco-belga Engie. Segundo Mauricio Bähr, presidente da empresa, o País é considerado um dos três mais importantes - ao lado de França e Bélgica - para o grupo, que atua em 31 países. Nesse cenário, a multinacional avalia tanto a construção de projetos greenfield (novos) como compra de ativos de geração no mercado. “Estamos na iminência de avaliar outras possibilidades, mas tem de fazer sentido, tem de ter preços adequados”, salientou.
Nos últimos meses, a empresa anunciou que daria início à execução de dois novos projetos - o complexo eólico Serra do Assuruá, de 846 megawatts (MW), na Bahia, e o Assú Sol, de 752 MW, no Rio Grande do Norte. A previsão é que estejam integralmente concluídas e em operação até o fim de 2025. Somando com o complexo eólico Santo Agostinho, em fase mais adiantada de obras e previsão de entrada em operação nos próximos meses, a Engie adiciona mais 2 gigawatts (GW) ao portfólio.
O desenvolvimento de novos projetos no Brasil tem sido um desafio para as geradoras elétricas no momento, dado o cenário de preços baixos para a energia no curto prazo, que já influencia os contratos para períodos futuros, deixando os preços de mercado mais baixos que o custo de expansão. Isso sem contar o financiamento mais caro por causa do atual patamar de juros. Além disso, observa-se um avanço acelerado na instalação de sistemas de geração distribuída, que atuam como um limitador de crescimento da carga.
Em paralelo, há também um grande volume de projetos com outorga concedida pela Aneel, previstos para serem construídos nos próximos anos, o que poderia levar a um excesso de oferta nos próximos anos. Mesmo sem garantir a venda da energia futura dos novos parques, a Engie tomou a decisão de investimento. Bähr argumenta que os projetos representam menos de 5% do portfólio da companhia, por isso, não acrescentam risco.
“A gente vai ter dois efeitos: a natural renovação de contrato e a abertura de mercado, que vai chegar”, disse, referindo-se à expectativa de liberação do acesso ao ambiente de livre contratação para todos os consumidores até o fim da década. Ele também vislumbra uma significativa frustração na implementação de projetos novos. “Tem 32 GW de projetos com conexão e tudo isso não é realista, não vai acontecer.”
Por outro lado, o executivo defende que o País deveria aproveitar seu potencial de geração renovável em valores competitivos para atrair indústrias. “Com essa crise toda na Europa, muitas indústrias que querem produzir a partir de energia limpa - coisa que não está disponível na Europa. O Brasil é uma oportunidade para nearshoring (trazer cadeias de fornecimento).”
Sistema de Transmissão
Na área de transmissão, a Engie concluiu a implementação do projeto de transmissão Novo Estado, com a energização completa do sistema localizado entre Tocantins e Pará, no fim de fevereiro. Ao mesmo tempo em que estuda os lotes do próximo leilão de transmissão, a empresa não descarta avaliar potenciais ativos que venham a mercado, disse o presidente da Engie Brasil.
O projeto Novo Estado, que inclui 1,8 mil quilômetros de linhas de transmissão, uma nova subestação e a ampliação de outras três, foi adquirido em 2019 da indiana Sterlite, num negócio de R$ 410 milhões e que consumiu R$ 3,2 bilhões em investimentos. Esse foi o segundo projeto da Engie em transmissão. Antes dele, a empresa havia arrematado o projeto Gralha Azul, que também entrou em operação integral em fevereiro.
Com isso, a companhia tem agora em carteira, em fase de execução, apenas o projeto Gavião Real, composto pela ampliação da subestação Itacaiúnas e por um quilômetro de linha de transmissão, no Pará. O empreendimento foi arrematado em leilão no ano passado e é complementar ao sistema Novo Estado. O investimento foi estimado pela Aneel em R$ 110 milhões, mas a expectativa da companhia é conseguir uma redução em 30%.
Bähr comentou que a empresa também está estudando diversos lotes do próximo leilão de transmissão, marcado para o fim de junho. Em meados de fevereiro, o presidente da controlada Engie Brasil Energia (EBE), Eduardo Sattamini, disse que a empresa buscará ao menos um lote de tamanho médio ou grande.
O leilão contará com nove lotes, que exigirão investimento de quase R$ 16 bilhões, segundo a Aneel. Sattamini também afirmou que a companhia enxerga ainda mais oportunidades nos certames sucessivos previstos para 2023. “Vamos olhar também. Serão lotes até maiores do que os oferecidos neste primeiro leilão”, declarou.
Gasodutos
Em outra frente de negócios, a da Transportadora Associada de Gás (TAG), Bähr reiterou planos de avançar em iniciativas visando a ampliação do acesso de novos agentes, seja pela oferta de capacidade na malha para carregadores interessados, seja por meio da construção de ramais de conexão, viabilizando novos clientes. “A nossa visão é que o setor de gás vai repetir um pouco o setor elétrico, disse, referindo-se à abertura do mercado livre.
“O setor de gás está defasado vinte anos, mas vai acontecer a mesma coisa”, completou. Para ele, as poucas iniciativas observadas até agora no mercado livre de gás são o pontapé inicial para o desenvolvimento desse mercado, mas sua expansão também depende do estabelecimento de regras mais claras. “A gente quer ver a possibilidade desse mercado se expandir a partir da educação, a partir da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) sendo mais protagonista na regulamentação, tudo isso vai naturalmente acontecer”, disse.
Segundo o executivo, a situação observada na Europa também pode servir de estímulo para o desenvolvimento do mercado de gás. “O gás do pré-sal é uma riqueza do Brasil que precisa ser explorada, precisa ser aproveitada. E esse gás pode servir para a industrialização, para fabricar fertilizantes.
A gente vê usos nobres, industriais, que poderiam ser utilizados. E pensando que a gente importa mais de 50% dos fertilizantes que consome, é uma oportunidade de você estimular essa indústria”, observou.