LONDRES – “Eu não gostaria de sair agora, com um projeto incompleto.” Com essa declaração, o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, deixa claro seu interesse em permanecer no comando da mineradora após o fim do seu contrato, em maio de 2024. Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, o executivo afirma que sentiria a saída como se não tivesse tido a oportunidade de concluir os ajustes que promoveu desde que assumiu o comando da Vale, logo após a tragédia com a barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019.
Nos últimos meses, no entanto, o executivo tem sido alvo de ataques indiretos, com rumores sobre a indicação, pelo governo, de outro nome para o cargo - repetindo o processo que terminou, em 2011, com a saída de Roger Agnelli do comando da mineradora. Agnelli ficou no comando por dez anos e transformou a Vale na empresa bilionária que é hoje.
Bartolomeo chegou à multinacional para substituir Fabio Schvartsman, executivo afastado de suas funções por causa das investigações sobre o acidente de Brumadinho. Agora há um movimento do governo e até de acionistas institucionais para que ele passe o comando da mineradora para outro executivo. Entre os nomes cotados para a vaga está o de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda do governo Lula 1 e 2 e Dilma Rousseff.
Mas Bartolomeu diz que confiar na governança da companhia e na qualidade dos conselheiros. Ele afirma que empresa está colhendo os frutos das iniciativas dos últimos anos. Segundo o executivo, as agências de rating já começam a reconhecer os avanços em segurança e parâmetros ESG da companhia. “Se eu for embora daqui a cinco anos e olhar para trás, quero ser reconhecido como a pessoa que estabilizou operacionalmente a Vale”, disse.
Em um hotel em Londres, onde está para participar de um encontro com analistas financeiros e investidores, o executivo admite que seu trabalho para reerguer a companhia é mais reconhecido internamente do que para fora. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Qual é a principal marca de sua gestão?
Segurança. Se eu for embora daqui a cinco anos e olhar para trás, quero ser reconhecido como a pessoa que estabilizou operacionalmente a Vale. Se eu for lembrado como a pessoa que criou as bases da excelência operacional e da estabilização da companhia, eu estarei feliz. Meu ídolo é o doutor Eliezer Batista [presidente da Vale duas vezes], que conceitualizou a companhia. Não posso fazer o que ele fez, porque ele era um gênio. Mas eu quero pegar o que ele fez e usar direito. A gente ainda performa abaixo do nosso potencial. A gente está mostrando isso no Vale Day. Existe uma lacuna que está sendo preenchida.
O mercado já enxerga melhoras?
Quando a gente olha cinco anos depois [do acidente de Brumadinho], a companhia é absurdamente mais segura do que era em 2019. Hoje, a gente tem um controle total sobre nossas barragens. Temos condições de garantir a não repetição [dos acidentes]. É um processo contínuo. Enquanto não eliminar todas as barragens a montante, enquanto não atingir zero fatalidade, a gente não vai ficar satisfeito. A gente sabe que andou muito. Vou mostrar na apresentação [do Vale Day] que as agências de rating começam a reconhecer que fomos fechando todos os gaps (lacuna) de ESG e controvérsias da companhia. De 2019 para hoje, reduzimos em 61% a Taxa Total de Frequência de Acidentes Registráveis (TRIFR), que é um índice do setor.
Que outras realizações o senhor destaca?
Vendemos dez negócios da companhia. Foram decisões difíceis, muito suportadas pelo Conselho. A saída de Nova Caledônia, de Moçambique, de fertilizantes, siderúrgicas – a última foi a MRN, que anunciamos na sexta-feira. A Vale é hoje uma companhia pronta para vencer. Passou de empresa de portfólio, holding, para empresa de gestão de ativos. A gente tem hoje uma capacidade muito melhor de executar os nossos planos. Tudo que plantamos nos últimos cinco anos está começando a frutificar. Vamos gerar muito valor.
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O que falta avançar?
Temos 2026 como uma data mágica. Vamos retirar mais duas barragens do nível 3 de segurança. Elas não geram risco para ninguém, pois não tem ninguém embaixo e têm barreiras de contenção, mas traz restrição de alguns investidores.
A sua permanência na Vale tem sido alvo rumores. O senhor está se sentindo sobre a sucessão?
Sim. No último call, comentei que nunca estive tão otimista. A companhia mudou em 2020. Eu fui eleito por um bloco de controle. E fui renovado numa corporação. Hoje existe um conselho, que tem oito conselheiros independentes – a regra é no mínimo sete. E o Conselho, sim, ele toma as decisões. E o que tem de acontecer agora? O Conselho tem de avaliar que tipo de skills [habilidades profissionais e pessoais] a pessoa tem de ter para tocar a Vale. Aí ela vai cruzar com as minhas competências e vai dizer “o Eduardo deveria ficar”. É um processo meio feijão com arroz. Se, por um acaso, o Conselho entender que não, que essa pessoa que precisa é diferente..... aí entre essa fofocada toda.
A fofocada atrapalhou?
Não. Primeiro que confio muito na governança da companhia. Confio demais na qualidade dos conselheiros. Sempre tive suporte integral do Conselho. Ninguém vende dez negócios, ninguém fecha negócio de Moçambique, ninguém fecha Nova Caledônia sem suporte do Conselho. Então, se você está confortável com quem está acima de você porque conhece o seu trabalho e se você sabe que tem regras… A governança da companhia hoje protege a coisa certa. Ela garante que a coisa certa seja feita. Não estou dizendo que a governança anterior não fazia. Mas é muito mais fácil você decidir, entre quatro pessoas [como quando a companhia tinha blocos de controle], tirar alguém, do que você pegar 13 pessoas que têm obrigação fiduciária de proteger a companhia.
Como funciona isso?
Quando a pessoa é eleita para o Conselho, ela está representando os 200 mil acionistas, incluindo a BlackRock, que não está lá [com um conselheiro], a Capital, que não está lá. No boletim de votação, eles se posicionam como independentes. Eu me fio na responsabilidade fiduciária dessas pessoas, que elas vão garantir que a governança seja executada. Que pode até ser tipo assim: “a gente precisa de uma outra pessoa aqui”. Então, eu vou embora tranquilo, pois foi feito de forma limpa. Falando sério, essa companhia nunca esteve tão próxima de dar resultado excepcional. Seria de fato, na minha concepção, uma perda de uma oportunidade de concluir um projeto que eu comecei sob um ponto de vista muito, muito agressivo (acidente de Brumadinho).
O senhor se sente reconhecido?
Eu acho que as pessoas dentro da Vale reconhecem muito claramente as coisas. Talvez fora da Vale não reconheçam. Essa companhia em 2019… A gente não sabia se sobreviveria. Então, é muito fácil, né? A gente pegou essa companhia em 2019, então trouxemos ela até 2023. Agora ela está com certeza nessa posição de uma vitória. (...) Fundamentalmente, eu não gostaria de sair agora, com um projeto incompleto.
O senhor vê o preço do minério alcançando US$ 150, como alguns analistas?
Não como em 2021, quando a China estava produzindo muito e as siderúrgicas estavam fazendo dinheiro. É muito difícil prever preços. Mas os estoques estão muito baixos, então a cotação deve se manter no nível atual ou subir. Todos os indicadores, como estoques e utilização de alto fornos, apontam para uma demanda. O que atrapalha hoje é a margem. [As siderúrgicas chinesas estariam produzindo com pouca margem de lucro como parte do esforço do governo para gerar empregos e aquecer a economia]. Se a margem voltar, aí os preços podem subir mais. Já acreditamos, porém, que US$ 130 é um preço muito saudável.
Por que a Vale é negociada a indicadores abaixo dos concorrentes?
Empresas que têm excelência operacional ficam um ponto acima da gente [nos ratings das agências]. A Vale tem o risco, a questão dos acidentes e duas barragens em nível 3. Além disso, tem o CDS [credit default swaps, que medem o risco-país], independentemente do governo. A Austrália tem CDS menor. Mas o que importa para nós é eliminar a percepção de risco [da companhia] e mostrar que somos confiáveis. Isso vai gerar um valor muito grande. A gente vai ter de voltar com produção, nós perdemos tamanho.
A companhia ainda foca na produção de 400 mil toneladas por ano?
Derrubou isso. E o mercado não quer tanto volume. A gente quer trazer qualidade, segmentar o mercado, ser um operador de nichos, pois temos um produto de nicho. Isso permite que a gente traga mais 40 milhões de toneladas. Os novos projetos trazem 50 milhões de toneladas, mas as minas sofrem depleção (exaustação). mesmo que se fale em mais 35 milhões de toneladas, pode alocar isso em qualidade. Mas também não posso operar uma estrutura de 400 milhões de toneladas com 300 milhões. Tenho ferrovias e portos para 400 milhões de toneladas. Nosso ponto de equilíbrio é 350 a 360 milhões de toneladas.
O quanto o aumento do teor de ferro no minério afeta o resultado?
A cada ponto porcentual a mais, o Ebitda (geração de caixa) sobe US$ 500 milhões. Queremos sair de 62% para 64% em 2030. Os projetos que estamos trazendo para a operação são de 65%, 64%. Porque temos minério rico pela natureza, que é o de Carajás, e o de Minas, que ficaram mais pobres, mas a gente concentra. a Vale é uma empresa que concentra o minério. Você pode pegar um minério de 40% e transformar em 67%. Os novos projetos vão trazer essa meta de qualidade.
Qual deve ser esse impacto nos próximos anos?
Quando se consolida a produção de 340 milhões de toneladas – um incremento de cerca de 25 milhões - e aumenta o teor em 1 ponto porcentual e mais o prêmio, estamos falando em elevar o Ebitda a US$ 23 bilhões ao ano. O potencial para destravar é de US$ 4 bilhões em dois anos. Claro que tudo depende do preço do minério. Mas a gente já vê uma boa inclinação em 2025 e quase uma realização em 2026. Estamos falando em um terço do valor de mercado da Vale, que é de US$ 65 bilhões.