A fabricante de pneus Pirelli se prepara para renovar o ciclo de investimentos no Brasil, dando sequência às iniciativas para atualizar sua linha de produtos e substituir materiais de origem fóssil por fontes renováveis, o que incluiu a compra, anunciada em julho, da Hevea-Tec, uma usina de beneficiamento de borracha natural.
Segundo o CEO responsável pelos negócios da Pirelli na América Latina, Cesar Alarcon, o plano é manter o fluxo dos últimos seis anos, quando a fabricante de pneus investiu cerca de R$ 2 bilhões. Entre outras frentes, os recursos serão direcionados a um laboratório de pesquisa e desenvolvimento na região. “Estamos discutindo com as autoridades, principalmente nos Estados onde estamos presentes com estabelecimentos produtivos, para renovar o ciclo de investimentos.”
O executivo também reforçou o coro da indústria contra pneus importados que chegam ao País com preços inferiores ao custo de produção, e falou sobre o impacto do pacote de medidas anunciado na Argentina, seu país de origem e onde a Pirelli tem uma fábrica de pneus para carros de passeio, utilitários esportivos e motos. Alarcon acredita que a Argentina deve enfrentar uma recessão severa neste ano, porém também aposta em efeito positivo da super desvalorização cambial nas exportações da indústria. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como o Brasil está hoje posicionado para disputar os investimentos da Pirelli? A empresa está discutindo um novo ciclo de investimentos no Brasil?
Nos últimos seis anos, a Pirelli investiu no Brasil quase R$ 2 bilhões, principalmente em modernização, mas também para trazer melhores tecnologias ao consumidor brasileiro. Estamos discutindo com as autoridades, principalmente nos Estados onde estamos presentes com estabelecimentos produtivos, para renovar o ciclo de investimentos. Seguramente, eles vão na mesma direção dos últimos anos. Estamos investindo nas nossas infraestruturas, também temos um acordo para a compra de uma empresa de transformação da borracha natural em São Paulo (a Hevea-Tec). Depois disso, temos novos ciclos de investimentos, também associados à renovação de tecnologias e um novo laboratório de pesquisa e desenvolvimento para toda a região, que estará localizado aqui no Brasil. Estamos falando com as autoridades e a ideia é fazer o anúncio oficial (desses novos investimentos) em 2024.
O sr. tem uma ideia do tamanho desses novos investimentos?
Vai seguir a tendência dos últimos seis anos. Para os próximos três anos, seguramente vai estar em linha com o que temos investido no Brasil, renovando principalmente a tecnologia e em especificações mais modernas dos produtos.
A indústria de veículos não conseguiu mais retomar os volumes de antes da pandemia. O mercado de reposição (aftermarket) e as exportações têm absorvido os pedidos que deixaram de ser feitos pelas montadoras ou a empresa precisou fazer ajustes nas operações?
A produção de veículos no Brasil está numa situação muito delicada, trabalhando com apenas pouco mais de 40% da capacidade instalada. Claramente, isso tem impacto em toda a cadeia de fornecedores, inclusive de pneus. Vamos fechar este ano com 2,2 milhões de veículos leves vendidos no mercado brasileiro, o que significa, basicamente, os níveis de produção da indústria de 18 anos atrás. Essa queda de produção de veículos se soma ao ingresso desleal, em termos competitivos, de produtos de origem, principalmente, asiática. São importações que não chegam em condições isonômicas.
Qual é a diferença de preços desses pneus importados?
Estão chegando ao Brasil pneus asiáticos com custo de importação inferior ao valor dos componentes dos pneus, não só os da Pirelli, mas de todos os produtores locais. Isso tem um impacto direto sobre a geração de emprego, mas também do ponto de vista ambiental porque esses importadores não têm responsabilidade civil de tratamento do pneu no fim de sua vida útil. Nenhum pneu dos produtores locais tem impacto no meio ambiente.
Como a situação está sendo tratada com o governo?
Estamos apresentando nossas preocupações. A interação tem sido boa com o governo, que está pedindo detalhes. Eu entendo que os governos, seja federal, seja dos Estados onde os produtores estão presentes, têm muita sensibilidade ao que está acontecendo. Tenho confiança que vamos ter um canal de comunicação sensível porque estamos falando de emprego e de novos ciclos de investimentos para o País.
Quais são os pedidos da indústria? Elevar o imposto de importação, por exemplo, é uma reivindicação?
Os pleitos são no sentido de garantir que os preços de importação não estejam em condição de dumping, que não desfavoreçam a Receita Federal a partir da declaração de preços mais baixos do que o custo dos produtos. Também visam a definir uma responsabilidade civil no tratamento ambiental desses pneus. Enfim, uma série de medidas que estabeleçam igualdade de condição e, sobretudo, protejam o consumidor e o meio ambiente brasileiro.
A indústria está levando pedidos de investigação de dumping?
Isso está em curso, sim. Estamos fazendo e aprimorando todas as análises e pedidos de informação do governo federal. Temos reuniões frequentes para apresentar todas essas evidências.
O foco são pneus para veículos leves?
O problema acontece em pneus de veículos leves e comerciais, mas também de veículos pesados, em toda a indústria, não somente em algum segmento particular.
Como o sr. avalia as primeiras medidas anunciadas pelo governo argentino e seus impactos não apenas na operação do país, mas também no Brasil?
A Argentina sai de um período muito difícil, muito delicado. Vemos com muita preocupação os índices macroeconômicos, sobretudo a inflação de quase 200% e os índices de pobreza muito significativos. Mas também temos a esperança de que Argentina inicie uma nova fase, de queda da inflação e maior abertura ao mundo. Vejo que o Brasil, como principal sócio da Argentina (no Mercosul), vai fazer diferença para que isso aconteça. Tenho muita, muita confiança de que o Brasil vai ser o principal instrumento para a Argentina voltar a crescer de modo mais estável e sustentável, o que contribuirá para que ambos os países cresçam e gerem bem-estar e emprego. Só que a Argentina vai ter, evidentemente, um 2024 de muito sacrifício para toda a população.
Para a indústria na Argentina, o crescimento das exportações pode ser um resultado positivo da desvalorização cambial?
A eliminação de subsídios ao transporte (público) e em energia, junto com a desvalorização da taxa de câmbio oficial, vai gerar, de imediato, impacto sobre os níveis de consumo, levando a um período recessivo com altas taxas de inflação. Não quero dizer quanto é a inflação que espero, mas seguramente será muito mais alta do que a dos últimos meses, que era superior a 10%, 12%. Será um período muito duro nos próximos meses. Mas que também vai provavelmente gerar oportunidades, e tem que gerar oportunidades, para exportar mais produtos made in Argentina a mercados internacionais. Fora isso, a política econômica do novo governo tem se manifestado no sentido de favorecer a entrada de produtos de mercados internacionais, entre os quais os brasileiros.