Ex-presidente dos bancos Real e Santander, Fábio Barbosa assumiu o comando da Natura em junho do ano passado, em meio a uma das maiores crises do grupo. Endividada e com as receitas em queda, a companhia precisou vender a marca de luxo Aesop (ativo que apresentava as melhores margens) e mudar sua estratégia de negócio, deixando o crescimento de lado para focar em rentabilidade. Para o executivo, a empresa não teria chegado a uma crise tão aguda se não houvesse pandemia.
“A empresa teve uma expansão internacional, que ocorreu com a compra de Avon e The Body Shop, e, logo em seguida, tivemos alguns problemas. Teve a pandemia, que prejudicou bastante o varejo, que é o caso da The Body Shop, e que chegou no momento de integração da Avon ao grupo. A aquisição da Avon se completou em janeiro de 2020 e, em março, começou o home office. As pessoas não se conheciam e não havia condição de a gente buscar uma sinergia sequer cultural”, diz o executivo.
Na avaliação de Barbosa, as transformações que a Natura demanda fazem com que 2023 ainda seja desafiador. Com a venda da Aesop, no entanto, o problema mais crítico - o alto endividamento - foi resolvido e será possível fazer os demais ajustes.
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Questionado sobre a avaliação que faz do atual governo, Barbosa diz que falta articulação com o Congresso. “O que está impedindo uma aceleração daquilo que o governo pretende fazer é justamente a articulação”, afirma o executivo, que, no ano passado, declarou voto para a atual ministra do Planejamento, Simone Tebet.
A seguir, trechos da entrevista.
No relatório de resultados, vocês afirmam que o ano é desafiador. Quais os principais desafios?
Queria destacar que, com a venda da Aesop, temos um grande alívio na pressão de caixa e de custo financeiro. Esse era o problema mais crítico e imediato. Nosso balanço agora está mais forte. Com isso feito, a gente tem de olhar os demais desafios. Na operação Latam, que é basicamente a Natura e a Avon, estamos trabalhando na integração das forças de vendas e do processo de distribuição. Isso começou no Peru. O próximo mercado será a Colômbia e, no terceiro trimestre, vamos fazer no Brasil. Esse é um desafio, é um processo complexo. Mas está acontecendo de acordo com o previsto.
Quando vocês falam, então, que o ano é desafiador é por causa das transformações internas, e não devido ao cenário econômico?
O principal é interno.
Por que a empresa chegou a essa crise e ao ponto de ter de vender a Aesop? Onde o grupo errou?
A empresa teve uma expansão internacional, que ocorreu com a compra de Avon e The Body Shop, e, logo em seguida, tivemos alguns problemas. Teve a pandemia, que prejudicou bastante o varejo, que é o caso da The Body Shop, e que chegou no momento de integração da Avon ao grupo. A aquisição da Avon se completou em janeiro de 2020 e, em março, começou o home office. As pessoas não se conheciam e não havia condição de a gente buscar uma sinergia sequer cultural. Além disso, veio um desaquecimento da economia global e a elevação da taxa de juros. Isso fez com que a gente precisasse repensar a nossa estratégia de crescimento.
Essa crise não teria acontecido se não tivesse a pandemia?
Se não tivesse pandemia, o problema teria sido menos agudo. Houve também desafios internacionais. O maior mercado da Avon fora da América Latina é a Rússia, e lá teve um problema de elevação de preços por causa da guerra. Vários fatores externos prejudicaram o varejo e o processo de integração. Estávamos em uma fase de expansão. Aí tivemos essas dificuldades operacionais e, depois, o custo financeiro subindo, além da atividade econômica mais contida. Tivemos de repensar o negócio. A estratégia da venda da Aesop foi com o objetivo de buscar um equilíbrio na nossa estrutura de capital. A empresa ficou muito endividada e a decisão era entre continuar ou desalavancar, reequilibrar a estrutura de capital.
Foi um erro ter comprado a Avon? Todo trimestre, a marca puxa os resultados do grupo para baixo.
A Natura, felizmente, continua bastante forte, puxando o resultado para cima. Na Avon, como falei, o processo de integração foi retardado pela pandemia, mas agora está em curso. A recuperação dos investimentos que hão de ser feitos na marca também dependia um pouco desse equacionamento do balanço. Não acho que dê para falar que foi um erro, mas aconteceu em um momento onde uma conjunção de fatores dificultou o melhor aproveitamento da aquisição. O que nos cabe agora é equacionar e reequilibrar tudo. Com a venda da Aesop, podemos fazer os investimentos necessários com disciplina para que Avon e The Body Shop voltem a crescer no seu potencial. Vamos buscar a melhor utilização dos recursos para melhorar a condição da Avon na América Latina, através da integração com a Natura, e da Avon Internacional. Estamos repensando a maneira de estarmos (com a Avon Internacional) em alguns países. A gente sai de uma presença direta para uma presença menor, através de distribuidores ou de exportação.
O grande desafio hoje do grupo é a integração de Natura e Avon. Os analistas apontam que é uma tarefa difícil e que pode resultar em perda de receita. Como garantir que dê certo?
A nossa ideia é buscar margem. Isso não significa que a gente não queira crescer, mas não quero crescer às custas de margens menores. As consultoras já trabalham com mais de uma marca. O problema não é tão grande. Mas a gente quer efetivamente que as vendas sejam concentradas em produtos de maiores margens. Sim, é possível que a gente não veja crescimento das vendas, especialmente da Avon, porque a gente está tirando ênfase dos produtos de baixa margem.
Sobre The Body Shop, vai haver mudança no mix de produtos? Porque havia alguma semelhança do catálogo com a Aesop.
The Body Shop tem produtos em excesso. Talvez haja uma consolidação. A ideia não é sair de nenhuma linha de produtos, mas ter menos produtos para racionalizar a oferta para o cliente e reduzir a poluição visual nas lojas. Os modelos de loja já estão mais simples e padronizados, com menos poluição visual, menos desconto e mais valorização da marca.
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O mercado aponta que preferia que vocês se desfizessem desse ativo, apesar de o sr. já ter dito que não vai vendê-lo. Como fazer o negócio voltar a dar resultado positivo?
A gente entende que The Body Shop é um ótimo ativo, uma ótima marca que sofreu, sim. Vinha melhorando antes da covid, mas foi bastante afetada pela pandemia. Mas a marca é muito boa e o produto é muito bom. Então, precisamos racionalizar a presença, ficar onde as lojas tem mais efetividade. A gente quer trabalhar mais margem e menos em crescimento de vendas. Estamos reduzindo os descontos para valorizar a marca.
Vocês devem, então, reposicionar a marca em uma faixa de preços superior?
Quando sua marca não é desejada, você acaba tendo de competir em preço. Os descontos são a maneira de falar que seu produto é mais barato. A gente não acha que The Body Shop seja uma marca que precise oferecer desconto. Então, estamos rejuvenescendo ela, para que não precisemos oferecer descontos. O produto tem de ser desejado pelo consumidor.
A Natura mudou algumas questões de governança: o presidente do conselho não é mais o CEO e houve redução no número de conselheiros. A empresa havia se perdido nessa questão?
Quando a Natura fez a expansão para o mercado internacional, trouxemos conselheiros da Avon, pessoas com experiência internacional. A ideia era de que o responsável pela gestão desse movimento seria não só um CEO, mas também um ‘executive chairman’. A única razão pela qual eu estava como CEO e board member era esperar a AGO (assembleia geral ordinária), que é o momento certo para fazer essas mudanças. Então, quando chegou esse momento, foi feito aquilo que devia ter sido feito antes. Aí repensamos também a estrutura do conselho. Temos, no conselho, comitês que olham para cada uma das unidades de negócio. Desde meados do ano passado, ficou claro que isso tinha de mudar.
Por que ficou claro?
Ficou claro que a estratégia de crescimento já não fazia mais sentido. Aí percebeu-se que, na própria governança da empresa, não estava muito claro de como essa decisão de crescer ou não crescer deveria ser tomada.
Qual sua avaliação dos primeiros meses do governo Lula?
O governo, em quatro meses, ainda não entrou em campo. Neste momento, o que está precisando é uma articulação com o Congresso. O Congresso ganhou muito poder nos últimos anos. O que está impedindo uma aceleração daquilo que o governo pretende fazer é justamente a articulação.
Como avalia a atuação da ministra Simone Tebet, que o sr. apoiou na campanha eleitoral?
Eu fui um entusiasta (da então candidata) e expressei isso. Ela, no governo, representa um canal importante para a sociedade, seja na questão da mulher ou na monetária. Estou satisfeito com a chegada dela e com a postura dela de diálogo.