Em meio às reclamações de clientes que compravam pacotes com a Hurb e não conseguiam viajar, o então CEO da empresa, João Ricardo Mendes, resolveu publicar um vídeo com referências futuristas e do mundo geek para posicionar a agência de viagens fundada por ele como a “melhor e mais moderna opção do mercado”. O que repercutiu, porém, foi a parte em que o próprio Mendes usa um banner com reclamações contra a empresa como tapete de seu escritório.
Além desse episódio, ele discutiu com clientes nas redes sociais e chegou a xingar e expor dados de um deles no último fim de semana. Com a repercussão do caso aumentando rapidamente – e o número de reclamações de clientes e hotéis parceiros também –, Mendes deixou nesta terça-feira, 25, o comando da companhia.
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Ao Estadão ele reconhece os erros na comunicação com os clientes e diz que foi “pego de surpresa” pela dificuldade de acessar o caixa da empresa e honrar os contratos.
Mendes diz ainda que sua saída deve ajudar a Hurb e que o novo CEO tem um perfil mais “amigável comercialmente” do que o dele. Sobre os clientes que se sentem lesados, afirma: “Todo mundo vai viajar”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O que te fez tomar a decisão de renunciar ao cargo de CEO?
Fomos pegos de surpresa e, pela primeira vez em 14 anos, demorei a agir. Já passamos por situações bem piores no início da empresa. Sou carregador de piano. O ex-CFO (Chief Financial Officer, o diretor financeiro) concentrava todo o dinheiro em um banco só. Ele foi indicação do conselho e tinha um bom currículo. Mas, agora, nosso conselho está ficando bem técnico.
Mas as reclamações de clientes vêm desde antes da pandemia.
Entre no Reclame Aqui e puxe nos últimos 24 meses se tem alguma empresa igual à gente, que antes era classificada como ótimo, aí depois ficou bom e aí agora ruim. Não vai ter. Embarcamos três ou quatro milhões de pessoas no ano passado. E tem um dado interessante: 70% das pessoas que estão reclamando só vão viajar em novembro ou depois. Durante a pandemia, fomos a única empresa que não aderiu à medida que permitia que não fizéssemos estornos.
Quais foram os motivos de o sr. publicar um vídeo ironizando as reclamações e, mais recentemente, xingar um dos clientes e expor suas informações?
Esse vídeo é de dezembro. A gente trabalha até bem tarde aqui e fica tendo ideias (move a câmera do computador para mostrar o escritório). A forma de você transformar o negativo no positivo é como você tem a razão. Aquele vídeo tem uma coisa errada. Eu ia editar a faixa dos clientes (no vídeo, Mendes aparece com os sapatos em cima de uma faixa com reclamações, como uma espécie de tapete). O resto, eu brinco aqui todo dia com isso, é o meu jeito, eu sou uma criança. Eu editei o vídeo, mas postei o errado. Quando eu postei, pensei: “Já foi”.
Não é a última vez que vamos ter problemas. Aliás, esse problema é mais midiático, a gente já teve desafios bem maiores. Eu não entendo nada de turismo, tá certo? Porque o que a gente faz aqui é arbitrar, usar a tecnologia para comprar uma ação mais barata, quando ela bate lá embaixo (no caso das passagens aéreas).
E sobre o caso deste final de semana?
Eu errei. Eu errei, eu escrevi isso. Eu falo com clientes, muitas vezes até as 6h da manhã. Quando eu falo com o cliente, eu ligo. E, igual esse cara falando negativo, tem mais 200 que vêm até mim e falam: “Eu já viajei tantas vezes por conta do Hurb”. Nós temos até uma métrica das reclamações, que são dos mesmos clientes. Parece até que o cara coloca um robô para ficar reclamando.
As reclamações são principalmente sobre os pacotes flexíveis. As pessoas dizem que chegam à data limite de resposta da empresa sem nenhum retorno, depois disso é oferecido estender o prazo ou um reembolso, muitas vezes sem correção. As pessoas que compraram um pacote com a Hurb podem ficar tranquilas de que vão viajar?
Sobre correção monetária, eu nunca tinha pensado nisso. Então, vou ver isso. Em relação aos clientes que estão querendo marcar data, é preciso entender que houve uma “obsolescência não programada”. É como um cara aqui que é programador, mas não tem noção de ordem de grandeza, achava que por dia tinham cerca de 200 voos para Orlando. A não ser que a gente coloque sinal – e eu estou sendo irônico sem desrespeitar ninguém – no céu ou que a gente construa aeroporto, porque não tem como. Às vezes, lota mesmo. A gente podia dizer agora “vou fazer jus à lei”, é impossível isso.
São três meses que acumularam. Uma passagem, por exemplo, pode variar de R$ 1 mil a R$ 600. A gente fica batendo na hora, high frequency trading, mas ainda não estamos conseguindo pegar a R$ 1 mil. Não é possível emitir tudo na mínima. A gente não consegue emitir dez, mas consegue emitir nove. Mas as pessoas pensam que, depois da mínima, vem a mediana, e não. Vem a segunda mínima.
Mas as pessoas vão conseguir viajar?
Posso garantir que todo mundo vai viajar. E eu sou o responsável legal pela companhia. Se não viajar, a culpa é minha.
E sobre os pagamentos a hotéis?
Durante a pandemia, a gente antecipou dinheiro para todos os hotéis parceiros. Os hotéis vão receber. O valor que ainda tem que ser pago, para hotéis e clientes, porque já passaram os 45 dias, gira em torno de 4% do valor que temos em caixa. Isso sem contar outros recebíveis. Você já viu algum banqueiro com coração?
Há uma previsão para a liberação desse dinheiro?
Eu tenho uma previsão minha, mas eu sou otimista por natureza. A minha previsão é a de que até sexta-feira algum banco vai liberar.
O que muda com a chegada do novo CEO?
Vamos ter um CEO que tem um perfil mais amigável comercialmente do que eu. Eu tomei essa decisão porque uma coisa é eu defender os meus valores, outra coisa é eu prejudicar quem trabalha aqui. Eu sei que tem milhares de clientes que podem me odiar e o estresse que isso está me causando.
Como eu sei que eu não posso passar por cima de certas coisas, como ver um cara me mandar mensagem no privado, colocando pressão. Eu tinha que ser, como empresário, mais político. O Otávio (Brissant, novo CEO) é muito mais calmo, tem a confiança do time e a empresa inteira confia nele. Ele já teria resolvido esse problema há muito tempo.
As pessoas podem continuar comprando e saber que vão viajar com a Hurb? É algo que está sob controle?
É algo que está totalmente no meu controle. Se não tivesse, eu não teria renunciado como CEO. No pior cenário do mundo, eu levanto dinheiro. É o que eu quero? Não. O melhor cenário do mundo é o banco liberar isso.