O progresso nas discussões do novo arcabouço, que limitará o crescimento das despesas públicas, e da reforma tributária cria um ambiente mais positivo para o País na visão do presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy. Segundo ele, porém, o crescimento das receitas não pode ser o foco único das discussões sobre os gastos do governo federal: é preciso enfrentar o debate sobre as despesas públicas.
“A nossa preocupação é a de não entrar em uma agenda muito de curto prazo, com aumento de impostos e de carga”, disse ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.
O executivo afirmou, por outro lado, que a mudança da perspectiva da nota de crédito do Brasil pela agência de risco S&P para positiva, anunciada na quarta-feira, 14, é uma notícia positiva, bem como a queda do dólar, que ajuda a arrefecer a inflação e pode abrir espaço para que o Banco Central comece a reduzir a taxa Selic no terceiro trimestre deste ano.
Ainda assim, o Itaú não ampliou de forma generalizada o apetite para o crédito. O banco tem avançado no segmento agrícola, que tem sido o motor do PIB brasileiro, mas continua com torneiras a meio fio em outros, como nas pessoas físicas de menor renda. “Continuamos com cautela, dado o cenário e as perspectivas”, afirmou Maluhy.
Também não mudou a busca pela transformação digital do banco, uma das bandeiras da gestão de Maluhy, que chegou ao comando do maior banco da América Latina em 2021.
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Após avanços na migração de sistemas para a nuvem e ajustes na rede de atendimento, o Itaú começa a implementar o que chama de One Itaú: ao invés de se organizar por produtos ou marcas, como fazia até poucos anos atrás, o banco passará a ser dividido internamente em grandes áreas que terão o objetivo de olhar para o cliente como um só em todo o conglomerado. Ou seja: mesmo que não tenha uma conta corrente, o cliente é do Itaú e precisa ter o mesmo nível de atendimento que todos os demais.
“Quanto mais engajado e satisfeito é o cliente, maior é o resultado”, disse o presidente do banco, em entrevista concedida na quinta-feira, 15, após o Itaú Day, evento anual do conglomerado com investidores.
Confira os principais trechos da entrevista:
O banco vem apresentando resultados entre os melhores do setor. Quanto disso é reflexo da transformação digital?
Todo o esforço de transformação digital vem sendo acelerado. Uma alavanca importante é como medimos a satisfação dos clientes. Os nossos NPSs (net promoter scores, termo que define a satisfação dos clientes com a empresa) estão nas máximas históricas. E temos perspectivas de estar, até o fim do ano, acima de 70 em todos os negócios. Isso só é possível se abraçarmos a agenda de centralidade do cliente. E a transformação digital é a forma como entregamos uma melhor experiência todos os dias. Quanto mais engajado e satisfeito é o cliente, maior é o resultado.
O senhor tem ressaltado que o Itaú está fazendo esforços no digital, mas não será um banco remoto. Como todos os bancos, o Itaú fechou agências e investiu no digital. O banco já chegou a um ponto de equilíbrio?
Precisamos ajustar a presença à medida que os nossos clientes demandem mais ou menos os canais físicos e digitais. Acreditamos no modelo digital (que junta físico e digital), mas ser um banco digital não significa ser um banco remoto. Hoje, 100% dos nossos produtos estão nos canais digitais, com uma experiência que vem evoluindo, e contamos com uma rede de agências muito capacitada, com capital humano de primeira, que atende os clientes nas suas necessidades mais estruturadas. No horizonte recente, o banco reduziu sua rede de agências, mas ainda vemos uma demanda relevante.
Há uma pressão sobre fontes de receita transacionais, como recebimentos e conta corrente. Onde o Itaú vai compensá-la?
À medida que conseguimos ser mais eficientes, conseguimos entregar preço e produtos mais competitivos para o nosso cliente. Para vários negócios, estamos mudando a proposta de valor e, ao mesmo tempo, quando se perde receita de modo consciente e se toma decisões numa agenda de centralidade no cliente, o trabalho é de eficiência para que você consiga ser barato, reduzir custo e a proposta de valor continue sustentável. É um trabalho de ampliar o relacionamento com o cliente e é disso que se trata o novo modelo operacional, o One Itaú: entregar um banco que olha para o cliente de ponta a ponta.
O One Itaú já fazia parte do processo de transformação?
Começamos a desenhar o One Itaú no ano passado e passamos um bom período do tempo discutindo como de fato tornávamos a operação de varejo 100% focada no cliente e nas suas necessidades. Essa transformação começou a ser desenhada no ano passado. Iniciamos 2023 com as estruturas e os times organizados e agora estamos em processo de implementação.
Existe um prazo para que esteja pronto?
Um processo como esse, da magnitude e da relevância que está sendo feita, deve levar pelo menos mais dois anos para estar absolutamente estável e no ponto em que começamos a capturar benefícios relevantes.
Nos neobancos e fintechs, há um movimento de mudar incentivos, restringindo remuneração de contas ou cobrando tarifas. O modelo de dar isenção a tudo se esgotou?
A melhor vacina para os excessos é a taxa de juros. Tivemos uma etapa em que os juros no mundo eram baixos ou negativos e houve uma transferência de capital muito grande para empresas que tinham o único objetivo de crescer a base de clientes. À medida que as economias passaram a ter inflação e o juro subiu, o investidor começou a exigir um retorno diferente. Ele não está só olhando crescimento, mas também espera uma certa rentabilidade. Não só houve uma redução de alocação de investimentos para essas empresas, como também houve uma mudança de expectativa em relação ao plano de negócio. E aí vem uma racionalização. Agora, há uma competição mais racional, mas mesmo naquele momento, fomos capazes de crescer de forma relevante e consistente a base de clientes.
Os maiores entre os novatos começam a lidar com dilemas de um banco tradicional?
Vários estão passando pelo que chamamos de dores do crescimento porque quando a empresa é menor, o grau de dificuldade é um e, à medida que se torna mais complexa, começa a enfrentar outros desafios. Naturalmente, toda empresa que passa por um crescimento muito rápido vai enfrentar as dores. Não foi diferente para o Itaú Unibanco, e não vai ser diferente para essas companhias.
Qual a estratégia do Itaú na América Latina?
Queremos estar nos lugares em que temos condições de rentabilizar e levar as nossas operações para o mesmo nível de excelência com que operamos no Brasil. Temos um movimento específico na Argentina, em que não existe um acordo vinculante e sim uma conversa (para a venda). E a razão central é de que o nosso banco lá é muito pequeno. Ele tem por volta de 1% de mercado de varejo e é muito mais relevante no atacado, um negócio em que queremos continuar presentes. Temos duas grandes assimetrias como investidor brasileiro. O imposto que se paga nesses países tem de ter a diferença reconhecida no Brasil para a alíquota local. Uma segunda assimetria importante é capital. No Brasil, temos um apetite definido no conselho de não operar com capital abaixo de 13%, sendo 11,5% de nível 1 (capital de maior qualidade e liquidez). Esses países têm um nível de capitalização mais baixo, então, quando alocamos o capital adicional no Brasil, perdemos pelo menos quatro pontos na rentabilidade observada pelo investidor brasileiro do Itaú Unibanco em relação ao investidor daqueles países. São assimetrias importantes. Por isso, hoje, não há interesse em fazer uma expansão internacional mais forte. No Chile, a estratégia é o contrário: temos 65,6% do banco e estamos em uma oferta voluntária para adquirir até 100% das ações.
A operação de venda na Argentina deve sair neste ano?
É um processo bastante longo porque depende não só das condições, mas também das aprovações regulatórias. É muito difícil fazer qualquer tipo de estimativa, sobretudo quando se precisa de aprovação do regulador tanto no Brasil quanto na Argentina. Na América Latina, o que temos feito é incrementar o ecossistema, com fintechs, mais tecnologia e mais modelos de negócio. São acordos [aquisições] pequenos.
A qualidade de crédito no Brasil no segundo semestre será como se esperava, melhor ou pior?
Tínhamos uma expectativa de que a inadimplência da pessoa física iria se estabilizar no primeiro trimestre, o que de fato aconteceu. O que temos visto em pequenas e médias empresas é uma normalização gradual do atraso e não observamos credit crunch [crise de crédito] no mercado corporativo.
No último balanço, o senhor disse que a demanda de crédito pelas empresas estava menor. Ela melhorou?
Vemos a produção ligeiramente melhor do que observávamos nos meses anteriores, mas ainda em um ritmo inferior ao do ano passado. Existe um programa para micro e pequenas empresas, o FGI-Peac [garantido por um fundo gerido pelo BNDES], que tem se mostrado muito importante.
No início desta semana, o presidente do BNDES (Aloizio Mercadante) disse que os bancos têm a expectativa de aumento do FGI-Peac. O Itaú tem liderado os volumes do FGI. De fato, vocês esperam um volume de recursos maior?
Do ponto de vista de alocação de investimento, é uma das melhores porque, como tem garantia da perda, consegue alavancar dez vezes o recurso aplicado no fundo. Existe sim uma expectativa por parte dos bancos e o desejo de ampliação desses programas.
O Desenrola terá impacto sobre a qualidade do crédito de pessoa física neste ano?
Alguma recuperação, sem dúvida, é esperada. Entendo ser um programa único, que não vai ser reproduzido, mas ainda está em fase de operacionalização, processos, sistemas. É muito difícil fazer qualquer tipo de expectativa sobre os resultados. Vamos trabalhar da melhor forma possível para fazer com que esse programa chegue para os nossos clientes.
O Itaú elevou a expectativa de PIB para este ano. Alguns dados de atividade têm vindo acima do esperado. Isso muda o apetite de crédito do banco para este ano?
Continuamos com cautela, dado o cenário e as perspectivas. A parte mais relevante do crescimento (do PIB) do primeiro trimestre veio do agro e essa é uma carteira em que temos crescido ano após ano. Então, em setores em que temos visto oportunidades, nosso apetite segue o mesmo. Em outros segmentos, dado o que vimos na pessoa física, especialmente em alguns públicos mais específicos, há um apetite menor. Vemos um emprego mais estável e um consumo mais resiliente. Temos observado sinais mais positivos, tanto para a economia brasileira quanto sinais lá fora que ajudam o País. Um exemplo é o ritmo de aperto monetário dos Estados Unidos, que permitiu que o real se aprecie à medida que países com taxas de juros mais altas acabam se beneficiando de fluxo em um momento como esse. Ainda tem uma agenda reformista importante: reforma tributária, o arcabouço fiscal.
Como avalia o andamento das reformas?
O arcabouço trouxe uma certa tranquilidade para o mercado, mostrando uma vontade do governo de buscar metas fiscais relevantes. Ao mesmo tempo, vemos uma oportunidade do ponto de vista de gastos. A nossa preocupação é de não entrar em uma agenda muito de curto prazo, com aumento de impostos e de carga. O arcabouço tem um papel muito importante e na quarta-feira tivemos uma perspectiva positivo (para a nota de crédito do País atribuída pela agência de risco S&P), uma ótima notícia. Mas precisamos de disciplina no gasto.
O País vai discutir gastos no curto prazo?
Para cumprir o arcabouço e manter a dívida estável, a ambição é importante. São 0,5% (do PIB) de déficit neste ano, equilíbrio no ano que vem, 0,5% de superávit em 2025 e no seguinte 1%, o que requer um grau grande de esforço. Vemos a equipe do ministro da Fazenda Haddad fazendo um esforço importante, trazendo essa consciência, mas tem desafios.
A discussão da reforma tributária está na direção certa?
Sim, existe uma boa intenção. Os benefícios são de médio e longo prazos, mas é algo que precisa ser enfrentado e precisa de um espírito coletivo para que se saia com algo que é melhor para o País e não para cada setor. A equipe técnica é competente e tem feito um bom trabalho.
Diante disso tudo, estamos chegando ao momento de baixar os juros?
O processo de juros é algo que o Banco Central fará. Eles acompanham a inflação corrente, sem dúvida, e tivemos sinais importantes de que ela vem cedendo. A inflação de serviços ainda está um pouco mais resiliente, mas a queda do câmbio ajuda muito. O Banco Central saberá tomar a decisão no momento certo. O mais importante é que não exista nenhum risco de desancoragem das expectativas. A nossa melhor expectativa é de que já no próximo trimestre as condições estejam dadas para que esse processo se inicie e que isso aconteça em setembro.
Na emissão de cartões, o Itaú é líder. Na adquirência, com a Rede, a meta também é ser?
A meta é sermos relevantes para os nossos clientes. O trabalho neste ano foi de integração, para que a Rede possa estar na unidade de pessoa jurídica do banco. Se a qualidade do nosso produto, do serviço, no preço certo, nos fizer assumir a liderança, é uma consequência. O banco não vai pagar para ganhar mercado.
O varejo voltará a ser mais rentável que o atacado?
Nosso negócio de pessoa jurídica varejo tem uma rentabilidade importante. O que mudou foi o mundo de pessoa física. Houve mudanças regulatórias, como o teto do cheque especial, e uma maior competição, então é um segmento, hoje, mais dependente de crédito. No passado, as receitas de serviços e de crédito eram mais equilibradas. O desafio é a pessoa física de baixa renda; os negócios em que atendemos o cliente através de um único produto, mas que também trazem uma oportunidade gigante: clientes que optaram por entrar na relação por um produto que não é a conta corrente, que era o produto de relacionamento do passado. O One Itaú é para que eles possam incrementar a relação com o banco de forma digital, em um superapp. Isso sem dúvida nenhuma vai fazer com que a nossa rentabilidade em pessoa física cresça, não para os patamares lá de trás, mas que cresça nos próximos anos.