Os astros estão alinhados para que 2024 seja um ano histórico no número de vendas de apartamentos para o público de baixa renda, diz o presidente da Cury, Fábio Cury. A reforma do programa Minha Casa Minha Vida e o novo plano diretor em São Paulo são os propulsores do crescimento esperado pela companhia neste ano.
Ele afirma que o plano diretor ajuda a levar a população de baixa renda para áreas mais próximas do centro para ter acesso ao transporte público. “Se pudermos fazer empreendimentos de 50 andares perto do metrô, temos de fazer.” De acordo com o plano diretor, nas zonas centrais de São Paulo, o limite para construção de prédios é de 60 metros (cerca de 20 andares). Já em zonas mistas, de empreendimentos residenciais e comerciais, o limite é 42 metros (14 andares).
Na avaliação de Cury, as pessoas vão continuar vindo morar em São Paulo. Não adianta jogar a população para as periferias. “Esse é o princípio do plano diretor, verticalizar muito ao longo dos eixos de transporte e não nos bairros. Precisamos tirar carros das ruas.”
A empresa lançou R$ 4,4 bilhões em empreendimentos em 2023, valor 34,1% maior do que no ano anterior. A aceleração veio a partir das mudanças feitas no Minha Casa Minha Vida, que aumentaram subsídios e permitiram ampliações no prazo de pagamento e no teto do valor de financiamento.
Para a Cury, que começou nos anos 1960 fazendo moradias populares na zona leste de São Paulo, o momento é de volta às origens. Em 2009, foi uma parceria com a Cyrela e o incentivo do governo para moradias sociais que fez a Cury decolar. No ano passado, em valor de mercado, a construtora foi a terceira maior empresa do ramo imobiliário na Bolsa.
Nos últimos anos, a construtora voltou sua atenção ao mercado imobiliário do Rio, ao aproveitar uma oportunidade de lançar apartamentos para a classe média no Porto Maravilha por até R$ 500 mil cada unidade. Na cidade de São Paulo, o foco da empresa é na oferta de apartamentos construídos perto de eixos de transporte, sem garagens, com tamanho de 40 m² e área de lazer parecida com a da classe média. “No empreendimento, colocamos a piscina, mas, em vez de mármore ou granito, a nossa tem azulejo”, diz.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir:
Como o aumento do teto e do prazo de parcelamento para o Minha Casa Minha Vida promovido pelo governo Lula afeta os negócios da Cury?
Estamos em um ano com os astros alinhados para ter aumento no número de vendas. Essas mudanças foram primordiais para os nossos projetos, não só em São Paulo. Depois do plano diretor de 2014, foram criadas zonas para construção de habitação social em quase qualquer lugar da cidade, e não só nas franjas do município. Temos empreendimentos em centros de bairros que estão ao lado de imóveis que custam R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. As pessoas não precisam mais levar duas ou três horas para se deslocar de casa para o trabalho. Hoje, existem lugares para baixa renda muito próximos de estações de metrô e linhas de ônibus no meio da cidade. Tomamos isso como premissa para os nossos negócios, porém, os terrenos não são baratos e os limites precisam ser ajustados de tempos em tempos. Por isso, a atualização da faixa do minha casa minha vida para R$ 350 mil foi muito importante, assim como foi o aumento do salário mínimo. Grande parte dos nossos projetos é vendido para quem ganha até seis salários. Temos projetos para quem ganha três, seis e dez salários mínimos.
O plano diretor ajuda a trazer a população de baixa renda para mais próximo do centro expandido?
Sim. As zonas de verticalização perto do transporte público foram expandidas. Nessa revisão do plano diretor, foram criados benefícios para fazer mais habitações de interesse social, o HIS. Quando compramos um terreno, podemos construir mais apartamentos em uma habitação de interesse social. São incentivos que foram criados e que ajudam bastante o nosso mercado. Isso tem mudado o jogo para nós.
Essas mudanças aumentam a concorrência para a Cury na construção de moradias para o público de baixa renda?
Sim, as mudanças mexem com o mercado. Mas não devemos ver aumento de preços porque temos mais áreas permissivas para o nosso negócio. Pode haver mais empresas interessadas, mas ao ter mais área temos mais oferta. Isso acalma os preços. Os preços permanecerão estáveis para a baixa renda, por causa do aumento de oportunidades que o plano diretor vai trazer.
Para as faixas de renda mais elevadas, no topo do Minha Casa Minha Vida, como está o mercado?
Temos negócios para a faixa três do programa e também atuamos acima dessa faixa. No Rio, por exemplo, atuamos um pouco acima do limite, na faixa de preço de R$ 350 mil a R$ 500 mil. No Porto Maravilha, temos muitos produtos nessa faixa de preço. Mas, mesmo nessa faixa, não abrimos mão de operar o crédito associativo, com a venda e repasse na planta.
Em São Paulo, quais são os bairros no radar da Cury em 2024?
Ficamos muito de olho nas áreas de desenvolvimento do metrô e em áreas que têm transporte abundante, como um terminal de ônibus. Atuamos em todas as regiões da capital paulista, até mesmo pelo tamanho da empresa hoje. Estamos mais em alguns bairros do que em outros, mas sempre estamos muito próximos de estações de metrô. Como os produtos de habitação social, que têm preço médio de R$ 278 mil, não têm garagem, o consumidor precisa estar a 1 km ou menos do transporte público.
Como a Cury manteve o controle de custos nos últimos anos, sendo que o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) subiu 13,85% em 2021 e 9,28% em 2022?
Conseguimos isso devido ao nosso foco. Sofremos com a inflação em 2021 e em 2022, como todo mundo, mas nós superamos essa fase com a nossa eficiência e experiência de mais de 50 anos.
Qual é o perfil mais comum do consumidor que compra um imóvel feito dentro programa Minha Casa Minha Vida?
O grande volume de clientes da Cury é o casal jovem que está começando a família. Ainda que tenhamos pessoas sozinhas ou divorciadas, a grande massa é composta pelo casal jovem.
Qual é o tamanho médio dos apartamentos feitos pela construtora?
Cerca de 40 metros quadrados. Não fazemos apartamentos de 19 ou 32 metros quadrados. Nossos apartamentos têm dois dormitórios. São moradias dignas para famílias com filhos.
O consumidor de baixa renda passou a ser mais exigente com a oferta de espaços na área comum dos condomínios?
Colocamos muito lazer nos nossos empreendimentos, alguns têm até quadra de beach tennis. Levamos um conceito de clube para as áreas comuns. O nosso produto é aspiracional. O consumidor olha para os empreendimentos de média e alta renda e gostaria de ter tudo. Dentro da nossa capacidade, tentamos reproduzir a experiência, a começar pelo estande de vendas, que tem hoje uma maquete de alta qualidade e um decorado feito por um profissional de renome. No empreendimento, colocamos a piscina, mas, em vez de mármore ou granito, a nossa tem azulejo. Temos saunas e outras coisas, dentro do possível para o projeto. O que tem de diferença é o requinte. Quem paga R$ 270 mil em um apartamento prefere ter um pet shop no condomínio do que granito na fachada do prédio.
Por que o mercado imobiliário não consegue suprir o déficit habitacional em São Paulo?
Porque é uma necessidade crescente do mercado. Produzimos 9 mil unidades em 2023 e somando esse número ao de todos os concorrentes que produzem imóveis voltados para a população de baixa renda não foi o suficiente para atender todo o mercado, que teve entrada de mais pessoas no cálculo do déficit habitacional.
Isso influencia nos preços dos apartamentos na capital paulista?
Na baixa renda, nem tanto, porque é um mercado bastante regulado. Mesmo com o topo sendo de 350 mil, a maior parte dos nossos apartamentos são vendidos na faixa dos R$ 270 mil.
A disputa por terrenos para a construção de empreendimentos voltados à baixa renda em São Paulo aumentou com o novo plano diretor?
A disputa está acirrada, mas o plano diretor acalma isso por ter aumentado a oferta ao mercado. Com mais opções e os mesmos grupos disputando a compra, isso deve acalmar o mercado.
Na sua visão, o plano diretor deveria levar em conta as particularidades de cada bairro?
Poderia haver mais cuidado com alguns bairros, mas o ponto principal do plano diretor é a verticalização nos eixos de transporte. Qualquer cidade no mundo tem de ter isso. O prefeito acertou, até indo contra nós, ao vetar a verticalização longe dos eixos. No raio próximo de transporte, se pudermos fazer empreendimentos de 50 andares, temos de fazer. As pessoas vão continuar vindo morar em São Paulo. Não adianta jogar a população para as periferias. Esse é o princípio do plano diretor, verticalizar muito ao longo dos eixos de transporte e não nos bairros. Precisamos tirar carros das ruas.
O que levou a Cury a criar projetos para a classe média Porto Maravilha, no Rio? Era uma oportunidade inexplorada pelo mercado imobiliário local?
Houve uma reurbanização completa por ali, com R$ 5 bilhões gastos na região portuária do Rio, pelo Eduardo Paes antes ainda da Olimpíada de 2016. Foi feito um túnel de acesso à região portuária e outras reformas. Em tese, era para ser uma Manhattan carioca. Eike Batista, nos tempos áureos, falava que faria prédios ali de 70 andares. Essa região parecia que ia decolar, e era o sonho de qualquer empreendedor, porque já estava urbanizada. Alguns prédios comerciais foram lançados, mas o Rio entrou em decadência e vimos ali uma grande oportunidade, com vários terrenos vazios e a Cepacs disponíveis. Era uma região perfeita para a classe média morar ao lado do centro do Rio, com infraestrutura de transporte e tudo pronto por ali. Em 2021, lançamos o Rio Wonder, nosso primeiro empreendimento lá. Hoje, estamos indo para o sexto empreendimento e vendemos mais de 4 mil apartamentos.
A exemplo do que faz a Cyrela, com as marcas de baixa renda Vivaz e de classe média Living, a Cury tem planos de criar outras marcas e lançar produtos para públicos de diferentes faixas salariais?
Não. Somos especialistas em produtos econômicos, voltados à baixa renda. Não pretendemos mudar o foco. Os apartamentos de R$ 200 mil a R$ 500 mil são os nossos produtos e só em duas cidades, que são São Paulo e Rio de Janeiro. Não precisamos ir para a média ou a altíssima renda. Todos na Cury têm o mesmo foco. Isso faz a empresa ser bastante efetiva.
Qual foi a importância da parceria com a Cyrela para aumentar o ritmo de lançamentos da Cury?
Em 2007, a Cyrela nos convidou para fazer uma operação conjunta no formato de joint-venture. Fomos assediados por outras empresas e levamos quase um ano para criar a sociedade. Conversamos com MRV e Direcional, mas optamos pela Cyrela, pela solidez e tudo que a empresa representava. Criamos então a Cury Construtora, focada em crescimento. Tínhamos a expertise e conseguimos algo que não tínhamos, que era o crédito ilimitado. Até então, operávamos na Caixa, mas conseguimos fazer dois ou três empreendimentos de cada vez. Com a assinatura do contrato, o céu era o limite.
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A Cyrela tinha metade do negócio?
Sim, era uma divisão de 50% para cada empresa. Em 2007, vendemos R$ 37 milhões em empreendimentos. Fechamos 2023 com R$ 4,4 bilhões em vendas. Essa trajetória foi muito vitoriosa. O crédito veio em boa hora para a Cury e, em 2009, veio o programa Minha Casa Minha Vida. Estávamos em uma empresa de grande porte, tínhamos experiência em construção de baixa renda, sabíamos operar crédito associativo, que vem da venda na planta, e tínhamos crédito.
Hoje, como é a relação com a Cyrela?
Em 2020, fizemos o IPO da companhia, no meio da pandemia. Era para ter acontecido na época do Carnaval, mas logo o mercado fechou no mundo todo, com bolsas caindo por toda parte. Continuamos os encontros com investidores de forma virtual e abrimos capital em setembro. Um dos filhos do Elie Horn, da Cyrela, ainda tem participação na empresa. A Cyrela tem 20% da Cury, enquanto eu, que sou o maior acionista, tenho 33%. A gestão é nossa, somos totalmente independentes. Até porque somos, de certa forma, concorrentes, por causa da marca de baixa renda que eles têm, a Vivaz. Em linhas gerais, a parceria rendeu frutos maravilhosos para os dois lados.