A sociedade não está disposta a pagar o preço da mudança para uma matriz limpa, diz CEO da Prumo


Executivo diz que custo da transição é muito elevado; no caso do hidrogênio, deve-se demorar de duas a três décadas para se ter escala e custo

Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Divulgação Prumo
Entrevista comRogério ZampronhaCEO da Prumo Logística

Apesar de ter ficado na 12ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), divulgado em relatório recente do Fórum Econômico Mundial, o Brasil deveria já ser o número um entre os países mais preparados para promover essa transformação, defende o CEO da Prumo Logística, Rogério Zampronha. A empresa, que administra o Porto do Açu, acompanha este processo, uma vez que pretende tornar o local no porto da economia sustentável brasileira.

Em entrevista ao Estadão, o executivo diz que alguns entraves para essa evolução se encontram ainda no custo do uso das fontes renováveis, como o hidrogênio verde, que ainda precisa desenvolver escala e tecnologia, e também na regulação. “No Brasil, a regulação anda muito lenta”, afirma.

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Zampronha Pupo será um dos participantes do evento “Neoindustrialização apoiada pela transição energética - Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima sexta-feira, 20, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Leia entrevista com o executivo sobre o tema.

Qual é o principal desafio para a transição energética acontecer?

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O custo para fazer a transição é muito elevado. Não será um negócio que, a partir do ano que vem, a gente simplesmente comece a usar um novo combustível sem origem fóssil. A sociedade não está disposta a pagar esse preço da mudança para uma matriz totalmente limpa. Hoje, não se pode vender um detergente que não seja biodegradável, mas gosto desse exemplo. Se pudesse ter um detergente não biodegradável e o biodegradável na prateleira do mercado, provavelmente, 70% da população brasileira optaria pelo mais barato. Isso é um exemplo de como a regulação terá um papel muito importante na mudança, que acaba sendo imposta, mas que representa um desejo da sociedade.

E quais as prioridades de foco para se conseguir atender a essa demanda de mudança?

O gás natural é um combustível fóssil, porém, que provoca muito menos emissões do que o gás feito de petróleo ou da queima de combustível, e ele será muito importante na transição energética. O uso dele em determinados processos industriais permite que emitam muito menos gás carbônico, ou o gás de efeito estufa, do que os processos tradicionais. O problema é que o preço do gás no Brasil é muito caro. O hidrogênio verde, de baixo uso de carbono, é um substituto maravilhoso para o gás natural. Mas tem um detalhe. Ele ainda custa muito mais caro e até que a gente tenha volume, tecnologia e preço, o gás natural vai continuar tendo um papel relevante.

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E quando acredita que o hidrogênio verde pode se tornar viável economicamente?

Até ele ter escala e custo vai levar algumas décadas, em torno de duas ou três décadas. Tudo isso vai ter implicações importantes no nosso dia a dia, além de implicações geopolíticas gigantescas no futuro. Quando se fala em produção de hidrogênio, a gente fala em deslocar centros de produção de energia. Nossa energia, hoje, vem de centros dominados por produtores de petróleo, como o Oriente Médio. A Rússia é um importante produtor de petróleo e de gás natural. O Brasil está se tornando também um produtor de petróleo importante. Mas, uma vez que a cadeia da produção dos novos combustíveis passem a trazer hidrogênio, os ganhadores não serão mais Arábia Saudita, Venezuela, México e Rússia. Os ganhadores serão aqueles que têm recursos naturais abundantes. Seja biomassa, vento ou sol. Isso por que o hidrogênio é produzido por meio da separação do hidrogênio do oxigênio na água. Para gerar a separação dessas moléculas, você precisa de uma grande quantidade de energia elétrica, para fazer um processo chamado de eletrólise.

Então, é neste ponto que o Brasil pode se destacar?

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A energia renovável brasileira, com os ventos e o sol que temos no Brasil, é das melhores do mundo. Então, o País deveria ter a energia renovável mais barata do mundo. Além disso, tem a energia hídrica também, que eu não mencionei, mas a gente tem água em abundância. Pelo menos, até agora. Com isso, o Brasil pode também ganhar a corrida da biomassa. É possível produzir também, a partir dela, o hidrogênio e o biogás, que é o substituto natural do gás natural. Para completar, as florestas crescem no Brasil muito mais rápido do que em outros países. A gente tem três safras de soja por ano. O Brasil é abençoado nisso também.

Porto do Açu se prepara para ser um hub de hidrogênio verde  Foto: Prumo Logística/Divulgação

Como o Porto do Açu pode ajudar nesse desenvolvimento?

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A gente tem no porto essas três fontes: o hidrogênio, o gás natural e o biogás. É por sorte mesmo, e também um pouco por design. Açu tem biomassa extensiva ao redor. O norte fluminense foi um grande produtor de açúcar e álcool no passado, e agora volta a ser importante, para gerar a biomassa e o biogás que a gente precisa para sintetizarmos lá no porto. O Açu também tem já licenciado o maior hub de hidrogênio verde do Brasil, com um milhão de metros quadrados, com clientes já se instalando lá. Temos gás natural disponível pela nossa térmica. Não existe outro lugar no Brasil, quiçá no mundo, que tenha essas três rotas simultâneas. Por isso, o Porto do Açu é o porto da transição energética. Existe uma conjunção de fatores única, com as três rotas trabalhando de forma simbiótica.

A própria operação portuária vai mudar nessa evolução?

Embora Açu seja o segundo maior porto organizado em movimento do Brasil, superado pelo Porto de Santos, nós já recebemos mais navios do que lá, com cerca de 6,3 mil navios no ano passado. Isso por que muito do que recebemos são os navios de serviços, não de carga. E todos os armadores e os operadores de navegação estão investindo na descarbonização de suas frotas. Então, a produção de amônia verde, que é um combustível para navios, também encontra no Porto do Açu o maior mercado consumidor do Brasil. Há um mercado cativo aqui. A gente já tem o terminal que exporta 40% do petróleo exportado pelo Brasil. Portanto, para esse terminal ser usado para exportação dos novos combustíveis, requer pouquíssima adaptação. Ou seja, a gente tem toda a nossa cadeia de valor já montada lá.

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Por isso, vocês acompanham de perto toda essa transição?

Mais do que acompanhar, a gente está impulsionando a transição. A gente tem tido participação ativa em todos os fóruns. Tanto no tema de eólica em alto-mar, como no tema do Projeto de Lei (PL) do combustível do futuro, como no tema da discussão do gás, a gente está presente em todos eles.

Então, se tem espaço, boa localização e a demanda deve existir por parte das empresas, é possível ser otimista com essa transição? O que falta?

O problema do Brasil é que a regulação anda muito lenta. Nos países da Europa Ocidental, por exemplo, se andou muito mais rápido. Talvez exista mais consciência lá do que aqui. Mas, a nossa vai vir a reboque, porque o Brasil não poderá mais, por exemplo, exportar aço na escala que exporta hoje para a União Europeia se não atingir determinados níveis de redução de emissão, que será de 30% de redução nas siderúrgicas. Esse é só um dos exemplos. Se a gente não regula aqui, o mercado lá fora começa a impor barreiras, sejam tarifárias ou regulatórias, para os produtos brasileiros. Obrigatoriamente, a gente tem de se adaptar a essa regulação externa. O ideal é que a regulação interna ocorresse rapidamente, tão rápido quanto ocorreu no Chile.

Como a gente ficou atrás do que o Chile?

Não consigo imaginar como o Chile esteja tão na nossa frente em hidrogênio, considerando que temos um potencial de desenvolvimento desse mercado 1000 vezes maior que eles. Não sei nem estimar a grandeza dessa diferença. Mas é verdade que eles foram muito mais ágeis do que nós. O Fórum Econômico Mundial lançou um relatório recente sobre como estão conectados e preparados os países para a transição energética. O Brasil ranqueou em 12º lugar. Ele podia estar em primeiro.

Qual regulação é mais importante agora?

O Marco Legal do Hidrogênio, votado e aprovado nas últimas semanas, foi um grande passo. Foi relativamente bom. A gente espera ansiosamente a regulação do marco legal da energia eólica em alto-mar. O País precisa disso. Muita gente fala que o Brasil não precisa dela, porque tem excesso de energia. Mas hoje você não instala uma planta eletrointensiva que vai consumir um gigabyte de energia em nenhum lugar no Brasil. Você tem de estar localizada próxima às regiões de grande potencial de geração de energia renovável. O Porto do Açu é onde chegam os cabos da eólica em alto-mar.

Seria uma insanidade a gente colocar um projeto no Nordeste de geração de energia, e ter de fazer um linhão de 2 mil km, com um impacto ambiental gigantesco, para trazer energia para cá, quando a gente pode prescindir desse investimento. Se tivesse de fazer projetos solares de três ou quatro gigawatts somados, são milhares de hectares necessários. Então, as eólicas em alto-mar serão a espinha dorsal da transição energética, por que, se o hidrogênio requer a energia elétrica renovável, a gente precisa disso em larga escala. E a fonte em alto-mar é uma das opções que nós temos. Infelizmente, essa regulação não está andando.

E o mercado de crédito de carbono?

Essa regulação não está andando também. E esse mercado pode dar para o Brasil uma enorme vantagem competitiva. Podemos ser o grande produtor de soluções de mitigação de emissões de gás carbônico, por meio da venda de créditos.

Apesar de ter ficado na 12ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), divulgado em relatório recente do Fórum Econômico Mundial, o Brasil deveria já ser o número um entre os países mais preparados para promover essa transformação, defende o CEO da Prumo Logística, Rogério Zampronha. A empresa, que administra o Porto do Açu, acompanha este processo, uma vez que pretende tornar o local no porto da economia sustentável brasileira.

Em entrevista ao Estadão, o executivo diz que alguns entraves para essa evolução se encontram ainda no custo do uso das fontes renováveis, como o hidrogênio verde, que ainda precisa desenvolver escala e tecnologia, e também na regulação. “No Brasil, a regulação anda muito lenta”, afirma.

Zampronha Pupo será um dos participantes do evento “Neoindustrialização apoiada pela transição energética - Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima sexta-feira, 20, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Leia entrevista com o executivo sobre o tema.

Qual é o principal desafio para a transição energética acontecer?

O custo para fazer a transição é muito elevado. Não será um negócio que, a partir do ano que vem, a gente simplesmente comece a usar um novo combustível sem origem fóssil. A sociedade não está disposta a pagar esse preço da mudança para uma matriz totalmente limpa. Hoje, não se pode vender um detergente que não seja biodegradável, mas gosto desse exemplo. Se pudesse ter um detergente não biodegradável e o biodegradável na prateleira do mercado, provavelmente, 70% da população brasileira optaria pelo mais barato. Isso é um exemplo de como a regulação terá um papel muito importante na mudança, que acaba sendo imposta, mas que representa um desejo da sociedade.

E quais as prioridades de foco para se conseguir atender a essa demanda de mudança?

O gás natural é um combustível fóssil, porém, que provoca muito menos emissões do que o gás feito de petróleo ou da queima de combustível, e ele será muito importante na transição energética. O uso dele em determinados processos industriais permite que emitam muito menos gás carbônico, ou o gás de efeito estufa, do que os processos tradicionais. O problema é que o preço do gás no Brasil é muito caro. O hidrogênio verde, de baixo uso de carbono, é um substituto maravilhoso para o gás natural. Mas tem um detalhe. Ele ainda custa muito mais caro e até que a gente tenha volume, tecnologia e preço, o gás natural vai continuar tendo um papel relevante.

E quando acredita que o hidrogênio verde pode se tornar viável economicamente?

Até ele ter escala e custo vai levar algumas décadas, em torno de duas ou três décadas. Tudo isso vai ter implicações importantes no nosso dia a dia, além de implicações geopolíticas gigantescas no futuro. Quando se fala em produção de hidrogênio, a gente fala em deslocar centros de produção de energia. Nossa energia, hoje, vem de centros dominados por produtores de petróleo, como o Oriente Médio. A Rússia é um importante produtor de petróleo e de gás natural. O Brasil está se tornando também um produtor de petróleo importante. Mas, uma vez que a cadeia da produção dos novos combustíveis passem a trazer hidrogênio, os ganhadores não serão mais Arábia Saudita, Venezuela, México e Rússia. Os ganhadores serão aqueles que têm recursos naturais abundantes. Seja biomassa, vento ou sol. Isso por que o hidrogênio é produzido por meio da separação do hidrogênio do oxigênio na água. Para gerar a separação dessas moléculas, você precisa de uma grande quantidade de energia elétrica, para fazer um processo chamado de eletrólise.

Então, é neste ponto que o Brasil pode se destacar?

A energia renovável brasileira, com os ventos e o sol que temos no Brasil, é das melhores do mundo. Então, o País deveria ter a energia renovável mais barata do mundo. Além disso, tem a energia hídrica também, que eu não mencionei, mas a gente tem água em abundância. Pelo menos, até agora. Com isso, o Brasil pode também ganhar a corrida da biomassa. É possível produzir também, a partir dela, o hidrogênio e o biogás, que é o substituto natural do gás natural. Para completar, as florestas crescem no Brasil muito mais rápido do que em outros países. A gente tem três safras de soja por ano. O Brasil é abençoado nisso também.

Porto do Açu se prepara para ser um hub de hidrogênio verde  Foto: Prumo Logística/Divulgação

Como o Porto do Açu pode ajudar nesse desenvolvimento?

A gente tem no porto essas três fontes: o hidrogênio, o gás natural e o biogás. É por sorte mesmo, e também um pouco por design. Açu tem biomassa extensiva ao redor. O norte fluminense foi um grande produtor de açúcar e álcool no passado, e agora volta a ser importante, para gerar a biomassa e o biogás que a gente precisa para sintetizarmos lá no porto. O Açu também tem já licenciado o maior hub de hidrogênio verde do Brasil, com um milhão de metros quadrados, com clientes já se instalando lá. Temos gás natural disponível pela nossa térmica. Não existe outro lugar no Brasil, quiçá no mundo, que tenha essas três rotas simultâneas. Por isso, o Porto do Açu é o porto da transição energética. Existe uma conjunção de fatores única, com as três rotas trabalhando de forma simbiótica.

A própria operação portuária vai mudar nessa evolução?

Embora Açu seja o segundo maior porto organizado em movimento do Brasil, superado pelo Porto de Santos, nós já recebemos mais navios do que lá, com cerca de 6,3 mil navios no ano passado. Isso por que muito do que recebemos são os navios de serviços, não de carga. E todos os armadores e os operadores de navegação estão investindo na descarbonização de suas frotas. Então, a produção de amônia verde, que é um combustível para navios, também encontra no Porto do Açu o maior mercado consumidor do Brasil. Há um mercado cativo aqui. A gente já tem o terminal que exporta 40% do petróleo exportado pelo Brasil. Portanto, para esse terminal ser usado para exportação dos novos combustíveis, requer pouquíssima adaptação. Ou seja, a gente tem toda a nossa cadeia de valor já montada lá.

Por isso, vocês acompanham de perto toda essa transição?

Mais do que acompanhar, a gente está impulsionando a transição. A gente tem tido participação ativa em todos os fóruns. Tanto no tema de eólica em alto-mar, como no tema do Projeto de Lei (PL) do combustível do futuro, como no tema da discussão do gás, a gente está presente em todos eles.

Então, se tem espaço, boa localização e a demanda deve existir por parte das empresas, é possível ser otimista com essa transição? O que falta?

O problema do Brasil é que a regulação anda muito lenta. Nos países da Europa Ocidental, por exemplo, se andou muito mais rápido. Talvez exista mais consciência lá do que aqui. Mas, a nossa vai vir a reboque, porque o Brasil não poderá mais, por exemplo, exportar aço na escala que exporta hoje para a União Europeia se não atingir determinados níveis de redução de emissão, que será de 30% de redução nas siderúrgicas. Esse é só um dos exemplos. Se a gente não regula aqui, o mercado lá fora começa a impor barreiras, sejam tarifárias ou regulatórias, para os produtos brasileiros. Obrigatoriamente, a gente tem de se adaptar a essa regulação externa. O ideal é que a regulação interna ocorresse rapidamente, tão rápido quanto ocorreu no Chile.

Como a gente ficou atrás do que o Chile?

Não consigo imaginar como o Chile esteja tão na nossa frente em hidrogênio, considerando que temos um potencial de desenvolvimento desse mercado 1000 vezes maior que eles. Não sei nem estimar a grandeza dessa diferença. Mas é verdade que eles foram muito mais ágeis do que nós. O Fórum Econômico Mundial lançou um relatório recente sobre como estão conectados e preparados os países para a transição energética. O Brasil ranqueou em 12º lugar. Ele podia estar em primeiro.

Qual regulação é mais importante agora?

O Marco Legal do Hidrogênio, votado e aprovado nas últimas semanas, foi um grande passo. Foi relativamente bom. A gente espera ansiosamente a regulação do marco legal da energia eólica em alto-mar. O País precisa disso. Muita gente fala que o Brasil não precisa dela, porque tem excesso de energia. Mas hoje você não instala uma planta eletrointensiva que vai consumir um gigabyte de energia em nenhum lugar no Brasil. Você tem de estar localizada próxima às regiões de grande potencial de geração de energia renovável. O Porto do Açu é onde chegam os cabos da eólica em alto-mar.

Seria uma insanidade a gente colocar um projeto no Nordeste de geração de energia, e ter de fazer um linhão de 2 mil km, com um impacto ambiental gigantesco, para trazer energia para cá, quando a gente pode prescindir desse investimento. Se tivesse de fazer projetos solares de três ou quatro gigawatts somados, são milhares de hectares necessários. Então, as eólicas em alto-mar serão a espinha dorsal da transição energética, por que, se o hidrogênio requer a energia elétrica renovável, a gente precisa disso em larga escala. E a fonte em alto-mar é uma das opções que nós temos. Infelizmente, essa regulação não está andando.

E o mercado de crédito de carbono?

Essa regulação não está andando também. E esse mercado pode dar para o Brasil uma enorme vantagem competitiva. Podemos ser o grande produtor de soluções de mitigação de emissões de gás carbônico, por meio da venda de créditos.

Apesar de ter ficado na 12ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), divulgado em relatório recente do Fórum Econômico Mundial, o Brasil deveria já ser o número um entre os países mais preparados para promover essa transformação, defende o CEO da Prumo Logística, Rogério Zampronha. A empresa, que administra o Porto do Açu, acompanha este processo, uma vez que pretende tornar o local no porto da economia sustentável brasileira.

Em entrevista ao Estadão, o executivo diz que alguns entraves para essa evolução se encontram ainda no custo do uso das fontes renováveis, como o hidrogênio verde, que ainda precisa desenvolver escala e tecnologia, e também na regulação. “No Brasil, a regulação anda muito lenta”, afirma.

Zampronha Pupo será um dos participantes do evento “Neoindustrialização apoiada pela transição energética - Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima sexta-feira, 20, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Leia entrevista com o executivo sobre o tema.

Qual é o principal desafio para a transição energética acontecer?

O custo para fazer a transição é muito elevado. Não será um negócio que, a partir do ano que vem, a gente simplesmente comece a usar um novo combustível sem origem fóssil. A sociedade não está disposta a pagar esse preço da mudança para uma matriz totalmente limpa. Hoje, não se pode vender um detergente que não seja biodegradável, mas gosto desse exemplo. Se pudesse ter um detergente não biodegradável e o biodegradável na prateleira do mercado, provavelmente, 70% da população brasileira optaria pelo mais barato. Isso é um exemplo de como a regulação terá um papel muito importante na mudança, que acaba sendo imposta, mas que representa um desejo da sociedade.

E quais as prioridades de foco para se conseguir atender a essa demanda de mudança?

O gás natural é um combustível fóssil, porém, que provoca muito menos emissões do que o gás feito de petróleo ou da queima de combustível, e ele será muito importante na transição energética. O uso dele em determinados processos industriais permite que emitam muito menos gás carbônico, ou o gás de efeito estufa, do que os processos tradicionais. O problema é que o preço do gás no Brasil é muito caro. O hidrogênio verde, de baixo uso de carbono, é um substituto maravilhoso para o gás natural. Mas tem um detalhe. Ele ainda custa muito mais caro e até que a gente tenha volume, tecnologia e preço, o gás natural vai continuar tendo um papel relevante.

E quando acredita que o hidrogênio verde pode se tornar viável economicamente?

Até ele ter escala e custo vai levar algumas décadas, em torno de duas ou três décadas. Tudo isso vai ter implicações importantes no nosso dia a dia, além de implicações geopolíticas gigantescas no futuro. Quando se fala em produção de hidrogênio, a gente fala em deslocar centros de produção de energia. Nossa energia, hoje, vem de centros dominados por produtores de petróleo, como o Oriente Médio. A Rússia é um importante produtor de petróleo e de gás natural. O Brasil está se tornando também um produtor de petróleo importante. Mas, uma vez que a cadeia da produção dos novos combustíveis passem a trazer hidrogênio, os ganhadores não serão mais Arábia Saudita, Venezuela, México e Rússia. Os ganhadores serão aqueles que têm recursos naturais abundantes. Seja biomassa, vento ou sol. Isso por que o hidrogênio é produzido por meio da separação do hidrogênio do oxigênio na água. Para gerar a separação dessas moléculas, você precisa de uma grande quantidade de energia elétrica, para fazer um processo chamado de eletrólise.

Então, é neste ponto que o Brasil pode se destacar?

A energia renovável brasileira, com os ventos e o sol que temos no Brasil, é das melhores do mundo. Então, o País deveria ter a energia renovável mais barata do mundo. Além disso, tem a energia hídrica também, que eu não mencionei, mas a gente tem água em abundância. Pelo menos, até agora. Com isso, o Brasil pode também ganhar a corrida da biomassa. É possível produzir também, a partir dela, o hidrogênio e o biogás, que é o substituto natural do gás natural. Para completar, as florestas crescem no Brasil muito mais rápido do que em outros países. A gente tem três safras de soja por ano. O Brasil é abençoado nisso também.

Porto do Açu se prepara para ser um hub de hidrogênio verde  Foto: Prumo Logística/Divulgação

Como o Porto do Açu pode ajudar nesse desenvolvimento?

A gente tem no porto essas três fontes: o hidrogênio, o gás natural e o biogás. É por sorte mesmo, e também um pouco por design. Açu tem biomassa extensiva ao redor. O norte fluminense foi um grande produtor de açúcar e álcool no passado, e agora volta a ser importante, para gerar a biomassa e o biogás que a gente precisa para sintetizarmos lá no porto. O Açu também tem já licenciado o maior hub de hidrogênio verde do Brasil, com um milhão de metros quadrados, com clientes já se instalando lá. Temos gás natural disponível pela nossa térmica. Não existe outro lugar no Brasil, quiçá no mundo, que tenha essas três rotas simultâneas. Por isso, o Porto do Açu é o porto da transição energética. Existe uma conjunção de fatores única, com as três rotas trabalhando de forma simbiótica.

A própria operação portuária vai mudar nessa evolução?

Embora Açu seja o segundo maior porto organizado em movimento do Brasil, superado pelo Porto de Santos, nós já recebemos mais navios do que lá, com cerca de 6,3 mil navios no ano passado. Isso por que muito do que recebemos são os navios de serviços, não de carga. E todos os armadores e os operadores de navegação estão investindo na descarbonização de suas frotas. Então, a produção de amônia verde, que é um combustível para navios, também encontra no Porto do Açu o maior mercado consumidor do Brasil. Há um mercado cativo aqui. A gente já tem o terminal que exporta 40% do petróleo exportado pelo Brasil. Portanto, para esse terminal ser usado para exportação dos novos combustíveis, requer pouquíssima adaptação. Ou seja, a gente tem toda a nossa cadeia de valor já montada lá.

Por isso, vocês acompanham de perto toda essa transição?

Mais do que acompanhar, a gente está impulsionando a transição. A gente tem tido participação ativa em todos os fóruns. Tanto no tema de eólica em alto-mar, como no tema do Projeto de Lei (PL) do combustível do futuro, como no tema da discussão do gás, a gente está presente em todos eles.

Então, se tem espaço, boa localização e a demanda deve existir por parte das empresas, é possível ser otimista com essa transição? O que falta?

O problema do Brasil é que a regulação anda muito lenta. Nos países da Europa Ocidental, por exemplo, se andou muito mais rápido. Talvez exista mais consciência lá do que aqui. Mas, a nossa vai vir a reboque, porque o Brasil não poderá mais, por exemplo, exportar aço na escala que exporta hoje para a União Europeia se não atingir determinados níveis de redução de emissão, que será de 30% de redução nas siderúrgicas. Esse é só um dos exemplos. Se a gente não regula aqui, o mercado lá fora começa a impor barreiras, sejam tarifárias ou regulatórias, para os produtos brasileiros. Obrigatoriamente, a gente tem de se adaptar a essa regulação externa. O ideal é que a regulação interna ocorresse rapidamente, tão rápido quanto ocorreu no Chile.

Como a gente ficou atrás do que o Chile?

Não consigo imaginar como o Chile esteja tão na nossa frente em hidrogênio, considerando que temos um potencial de desenvolvimento desse mercado 1000 vezes maior que eles. Não sei nem estimar a grandeza dessa diferença. Mas é verdade que eles foram muito mais ágeis do que nós. O Fórum Econômico Mundial lançou um relatório recente sobre como estão conectados e preparados os países para a transição energética. O Brasil ranqueou em 12º lugar. Ele podia estar em primeiro.

Qual regulação é mais importante agora?

O Marco Legal do Hidrogênio, votado e aprovado nas últimas semanas, foi um grande passo. Foi relativamente bom. A gente espera ansiosamente a regulação do marco legal da energia eólica em alto-mar. O País precisa disso. Muita gente fala que o Brasil não precisa dela, porque tem excesso de energia. Mas hoje você não instala uma planta eletrointensiva que vai consumir um gigabyte de energia em nenhum lugar no Brasil. Você tem de estar localizada próxima às regiões de grande potencial de geração de energia renovável. O Porto do Açu é onde chegam os cabos da eólica em alto-mar.

Seria uma insanidade a gente colocar um projeto no Nordeste de geração de energia, e ter de fazer um linhão de 2 mil km, com um impacto ambiental gigantesco, para trazer energia para cá, quando a gente pode prescindir desse investimento. Se tivesse de fazer projetos solares de três ou quatro gigawatts somados, são milhares de hectares necessários. Então, as eólicas em alto-mar serão a espinha dorsal da transição energética, por que, se o hidrogênio requer a energia elétrica renovável, a gente precisa disso em larga escala. E a fonte em alto-mar é uma das opções que nós temos. Infelizmente, essa regulação não está andando.

E o mercado de crédito de carbono?

Essa regulação não está andando também. E esse mercado pode dar para o Brasil uma enorme vantagem competitiva. Podemos ser o grande produtor de soluções de mitigação de emissões de gás carbônico, por meio da venda de créditos.

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