À frente da Suzano durante dez dos 99 anos da empresa, Walter Schalka afirma que, para se manter competitiva, a companhia trabalha para ter “cara de startup” e busca entregar valor a todos seus stakeholders. “A arte de gerir é saber criar valor e distribuir de forma equilibrada para clientes, acionistas, credores e comunidades. O capitalismo do passado era de maximização de lucro e ponto. Com o tempo, isso vem mudando, e a Suzano incorporou isso.”
A empresa - que completou 99 anos no domingo, 22, e é a maior fabricante de celulose de eucalipto do mundo - é uma das principais no Brasil a levantar a bandeira ESG (sigla em inglês para os aspectos relacionados a meio ambiente, social e governança). “Muita gente apareceu para falar de ESG recentemente. Isso já era realidade na empresa”, diz o executivo.
A Suzano celebra seu aniversário em meio a um momento de preços elevados da celulose no mercado, o que fortaleceu seus últimos balanços. A expectativa, porém, é que os valores comecem a recuar gradativamente neste ano. Schalka, no entanto, afirma que a companhia está preparada para a mudança. “O importante é a blindagem de custo que temos. Nosso custo por tonelada é de US$ 170, enquanto o dos concorrentes na Europa chega a US$ 480.”
Questionado sobre a falta de governança e a crise da Lojas Americanas, Schalka afirma não ver impacto para as companhias brasileiras em geral e considera que o controle das empresas aqui não é menor que no exterior. “Quantas empresas lá fora quebraram? Múltiplas. O Brasil não é pior do que o resto.”
Em relação ao governo, o executivo diz ser cedo para avaliar, mas acrescenta que a mudança na postura ambiental e diplomática deve favorecer todas as companhias brasileiras. “No mundo ambiental, a Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) tem credibilidade, o que vai ajudar de forma relevante.”
Confira trechos da entrevista:
O que esperar dos próximos 99 anos da Suzano?
A companhia vem se transformando, mas duas características estão no DNA. A primeira é a inovação. A Suzano passou por vários períodos nos quais conseguiu usar a inovação como alavanca transformadora dos negócios. Fomos a primeira empresa a trazer o eucalipto para o Brasil e a primeira a trabalhar com fibra curta para tirar a fibra longa do mercado. Hoje, buscamos outras áreas além de papel e celulose Trabalhamos no desenvolvimento de tecido e bio-óleo. A segunda característica nossa é a sustentabilidade. Muita gente apareceu para falar de ESG recentemente. Isso já era realidade na empresa.
A empresa tende a se diversificar mais?
Temos uma visão de longo prazo. Por exemplo, plantamos 1,2 milhão de árvores todos os dias que serão colhidas daqui a sete anos. Quando estudamos um novo mercado, como o de tecido, pensamos que ele pode ter uma representação importante nos negócios daqui quinze anos.
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Como manter a competitividade em uma empresa quase centenária?
Queremos ter uma cara de startup no futuro. Por isso, cada negócio tem um nível elevado de autonomia e estratégia de crescimento. Também temos um braço de investimento corporativo em startups. Buscamos novos caminhos o tempo todo, sempre entregando valor aos stakeholders. A arte de gerir é saber criar valor e distribuir de forma equilibrada para clientes, acionistas, credores e comunidades. O capitalismo do passado era de maximização de lucro e ponto. Com o tempo, isso vem mudando, e a Suzano incorporou isso.
Os produtos voltados ao consumidor tendem a ter maior participação nos negócios nos próximos anos?
Começamos o negócio de tissue (produtos como papel higiênico e papel-toalha) há quatro anos. Hoje, somos líderes no Norte e no Nordeste. Com a operação com a Kimberly-Clark (a empresa comprou a operação brasileira da americana em 2022), passaremos a ter a liderança em São Paulo. A empresa sempre tem o conceito de plantar uma muda, esperar que ela cresça e dê os resultados adequados. Acontecendo isso, expandimos. Há quatro anos, entramos no negócio de celulose fluffy, que vai para fraldas e absorventes. Diziam que a celulose fluffy de fibra curta não podia existir no mundo, que era um negócio 100% de fibra longa. Fizemos testes e achamos que dava para fazer. Hoje o mercado quer migrar para fibra curta e não temos mais capacidade.
Os últimos resultados financeiros da Suzano foram muito bons, em parte por causa do preço do eucalipto. A tendência é de queda de preço agora. Qual impacto isso deve ter para a empresa?
Em dezembro de 2021, os analistas de mercado fizeram projeções de geração de caixa para a Suzano muito abaixo do que está acontecendo. O mercado de celulose tem a ver com três variáveis. A mais óbvia é a demanda, que foi positiva, e acredito que continuará a ser. A China deve passar por um processo de crescimento, com injeção de capital do governo. Europa e EUA estão com a demanda em alta. No lado da oferta, haverá um aumento no curto prazo, com a fábrica da Arauco no Chile e da UPM no Uruguai. A terceira variável é o estoque. Os estoques estão baixos. Haverá um momento de reposição. Se houver desequilíbrio, pode haver queda de preços. Temos muita tranquilidade porque já passamos inúmeras vezes pelos ciclos de preços altos e baixos.
O sr. não está trabalhando então com o cenário de que o preço vai cair agora?
A tendência é que teremos preços menores neste ano. O importante é a blindagem de custo que temos. Nosso custo por tonelada é de US$ 170, enquanto o dos concorrentes na Europa chega a US$ 480 e na China a US$ 550. Essa diferença tende a aumentar. A nova fábrica, que será inaugurada no ano que vem, terá menor custo do que o menor custo nosso. O preço derruba a rentabilidade, mas é quase impossível não termos geração de caixa. Mesmo nos momentos mais ácidos, a geração de caixa vai acontecer, como em 2019, quando o preço foi a US$ 460 a tonelada e nós geramos caixa.
Como a Suzano lidou com as mudanças macroeconômicas ao longo dos 99 anos e como essa experiência ajuda a lidar com o cenário de 2023?
Duas questões são inegociáveis. A primeira é a robustez. Ninguém pode prever a próxima crise. Temos de ter, portanto, a robustez combinada com flexibilidade para uma rápida adaptação. Temos a proteção natural, que é o custo, mas precisamos nos adaptar às condições geopolíticas. Nossa dívida tem de ser longa. Antes do aumento da taxa de juros, prefixamos 98% da nossa dívida em 4,7% ao ano. São medidas assim que ajudam a nos proteger dos cenários mais ácidos
A Suzano costuma levantar a bandeira ESG, mas, recentemente, a fábrica que está construindo em Mato Grosso do Sul foi alvo de protestos de cerca de 40 ONGs. Elas afirmam que a planta vai reduzir a área do Cerrado. Como a empresa responde a isso?
A Suzano não entra em áreas que tenham sido desmatadas ou degradadas depois de 1994. Nós competimos com pasto. Não desmatamos para plantar. Não há como reduzir a biodiversidade em um pasto. Além disso, temos o lado da preservação. Temos 1,5 milhão de hectares de áreas plantadas e 1 milhão de hectares de áreas preservadas. Estamos preservando essas florestas muito acima da nossa obrigação. Tem menos diversidade nas áreas plantadas do que nas nativas? Tem, mas estamos repondo área de pasto, que também não tem biodiversidade. Não estou piorando a questão ambiental. Outro tabu é sobre o eucalipto secar o solo. Se isso fosse verdade, seríamos uma empresa nômade. Temos fábricas em São Paulo com 60 anos e não houve mudança no solo. Esse tabu foi criado porque ONGs influenciadas por gente do Hemisfério Norte não queriam o crescimento do plantio de eucalipto no Brasil por uma questão de competitividade.
A Suzano sempre foi muito atuante na agenda ESG. Estamos passando por um momento em que esse o G do ESG em xeque. Como vê o impacto do caso Americanas no mercado?
Infelizmente temos, no Brasil e no mundo, uma história de que as pessoas vão pela moda e vão fazendo o que é importante para atender aquele momento do mercado. ESG foi uma sigla criada para três coisas fundamentais: meio ambiente, social e governança. As empresas precisam evoluir nisso. Está cheio de empresas que fazem ‘green washing’. Tem um meme interessante de uma pessoa que tem uns 65 anos de idade que fala que vai parar de beber em 2050. É mais ou menos como os países ou as empresas que falam que vão ser carbono zero em 2050. Não vamos chegar até lá se não tomarmos medidas. Os eventos que estamos vendo são cada vez mais profundos de inundações, de secas, de furacões. Muita empresa quer jogar esse problema ambiental lá para frente. É a mesma coisa na governança. As empresas foram criando critérios para remunerar os executivos baseados em performance. Tem executivos que tentam achar contornos no processo para ter uma boa performance e, portanto, uma boa remuneração. Cada vez que acontece uma crise dessa, os controles vão se apertando.
Mas o Brasil está aquém em controle?
Não. Quantas empresas lá fora quebraram? Quantas ‘Enrons’ (gigante americana do setor de energia que pediu concordata em dezembro de 2001, após ter sido alvo de uma série denúncias de fraudes contábeis e fiscais) quebraram? Múltiplas empresas. O Brasil não é pior do que o resto. O Brasil talvez esteja no frontline em relação a isso. Agora desvios infelizmente acontecem em todo o mundo e aí as pessoas não podem generalizar. As pessoas tendem a falar que o Brasil ou tal setor é ruim ou é bom. Em todos os lugares tem gente boa e tem gente ruim.
Isso prejudica a imagem das empresas brasileiras?
Acho que vai naturalmente exigir mais um nível de verificação nas empresas. É gozado que a primeira pergunta que eu recebi (depois do caso Americanas) foi se nós fazemos risco sacado. Dá impressão que só risco sacado é problema. Nós não podemos taxar globalmente empresas, setores ou países como sendo ruim.
Dá para ser uma empresa ESG e lucrativa ao mesmo tempo?
Se acharmos que ESG vai tirar valor das empresas ou vai deixar elas não serem lucrativas, tem alguma coisa errada no mundo. Temos dois problemas sérios na sociedade global. Um é a crise climática. Somos oito bilhões de pessoas e temos de ter uma agenda colaborativa. O segundo é a desigualdade de oportunidades. Não dá para ter um conjunto de pessoas, cada vez menor, cada vez mais rica e um conjunto de pessoas, cada vez mais amplo, de pobres. Não dá para ter uma sociedade onde mulheres e pretos não têm as mesmas oportunidades que branco cis.
Como avalia as primeiras medidas econômicas do governo?
É cedo para analisar. Não dá para ter ainda uma clareza sobre como o governo vai equilibrar duas agendas que são concorrentes. A primeira é ter uma estabilidade fiscal. Ela é fundamental para ter credibilidade junto aos investidores locais e internacionais. Do outro lado, a gente tem um problema social. A forma de resolver isso seria com uma reforma administrativa e reduzindo o custo do Estado brasileiro para que ele não impactasse a produtividade. O Estado brasileiro tem uma representatividade grande no PIB, cerca de 35%. Se ganhássemos 20% de eficiência, seria 7% do PIB. Dá para resolver o problema social ou o da dívida com esse ganho de produtividade.
Recentemente o sr. falou da questão administrativa, de diminuir o tamanho do Estado e de fazer privatizações. Apesar de o governo ter começado há 20 dias, já sinalizou ser contra privatizações em geral. O que acha desse sinal?
Temos duas alternativas para as empresas públicas. Ou mudamos o modo de ser geridas - aí a reforma administrativa é uma opção - ou privatizamos. Não conheço nenhuma empresa pública que tenha sido privatizada em que a produtividade não tenha subido violentamente. Sou do conselho de administração da Vibra. A Vibra, para comprar uma caneta, tinha de fazer concorrência. O nível de gente para fazer isso era enorme. A empresa ganhou produtividade depois da privatização. A privatização é uma alternativa, não é a única. A outra é uma reforma administrativa profunda que dê agilidade para as empresas.
Mas como o sr. avalia os sinais do governo em relação a isso?
Lamento se a decisão for não privatizar. Você pode questionar a privatização de Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, mas, fora essas, não consigo enxergar razão pela qual tenhamos empresas públicas. Vou dar um exemplo: Correios. Não consigo enxergar por que não privatizar. Não é uma coisa de agenda de Estado.
O sr. está otimista ou pessimista com o novo governo?
Sempre sou reformista. O Brasil sem reformas não irá crescer. Se elas acontecerão ou não, ainda não tenho visibilidade, mas torço e trabalharei para que elas aconteçam. Precisamos criar um ambiente de negócios que gere empregos, que dê oportunidade e esperança para as pessoas.
Como está vendo a mudança de direção do governo na área ambiental e diplomática? Favorece a empresa?
Tende a ser muito positiva. O Brasil precisa ter uma inserção na geopolítica global através do meio ambiente. Se conseguíssemos zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, poderíamos criar valor para o País, sentando com os outros líderes globais e mostrando a importância que isso tem para o mundo. Resolver essa questão precisa ser feito através do carbono, não acho que o Fundo Amazônia vai resolver. É uma questão de o mundo pagar ao Brasil pela manutenção das florestas, através do carbono que está retido ali, e usar esse dinheiro para resolver o problema social da Amazônia.
A mudança da postura do governo muda algo para a Suzano?
Muda para o Brasil e para todas as empresas brasileiras. Existe risco de o Brasil ser colocado em lista de países de alto risco de desflorestamento. Nesse governo, esse risco deve ser mitigado. No mundo ambiental, a Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) tem credibilidade, o que vai ajudar de forma relevante.
Como analisa o impasse político na Fiesp?
Não tenho profundidade para analisar, mas gosto e respeito muito o Josué Gomes (presidente da entidade).