Exportação de lanchas e iates brasileiros supera as importações pela primeira vez


Movimento ganhou força nos últimos quatro anos com taxa de câmbio favorável e desenvolvimento de modelos atraentes ao público estrangeiro; expectativa é que vendas externas cresçam 20% ao ano

Por Hairton Ponciano
Atualização:

A maré está a favor das lanchas e iates produzidos no Brasil. Pela primeira vez, em 2022 as exportações de embarcações superaram as importações, e cada vez mais modelos nacionais navegam em águas de diversos países, incluindo os principais mercados, como as nações europeias e os Estados Unidos.

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar), no ano passado, as exportações do setor bateram recorde histórico e somaram US$ 30,1 milhões, volume quase quatro vezes superior às importações (US$ 7,6 milhões). Como comparação, em 2021, o País já havia exportado quase a mesma cifra (US$ 29,9 milhões), mas na época as importações chegaram a US$ 75,7 milhões.

Para o presidente da Acobar, Eduardo Colunna, o setor está “começando a colher os frutos” de uma iniciativa que nasceu há quase uma década, e que ganhou força nos últimos quatro anos. “(O setor) Sempre ficou de fora (das exportações) por erro dos próprios estaleiros, que não investiram na operação.” Agora, porém, ele acredita que o segmento está “sólido” e que a tendência é “crescer e se perpetuar”. Segundo ele, a expectativa é de crescimento anual em torno de 20% só com exportações.

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Fatores como taxa de câmbio favorável e o desenvolvimento de modelos atraentes para o público estrangeiro favoreceram as vendas externas. Além disso, Colunna diz que, durante o período de isolamento imposto pela covid-19, houve uma “descoberta do mar”. “Da pandemia para cá, o mercado melhorou muito no mundo todo e abriu oportunidades”, diz.

De acordo com ele, em fevereiro, pelo menos seis empresas brasileiras expuseram seus barcos no Miami Boat Show - considerado o maior evento náutico do mundo -, prova de que os estaleiros nacionais estão investindo no mercado externo. “Tem empresa exportando mais de 40% da produção”, garante ele, acrescentando que os barcos nacionais “não devem nada (em relação aos estrangeiros) em termos de qualidade técnica, design e acabamento”.

Itajaí virou o ABC dos barcos; cidade catarinense é uma das maiores fabricantes de barcos do País Foto: Anderson Coelho
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O atual momento do segmento náutico (de embarcações voltadas à recreação) contrasta com o setor naval (de construção de navios de grande porte e plataformas marítimas para exploração de petróleo), dependente de contratos com o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que pretende incentivar a construção de navios. No discurso de 100 dias de seu governo, completados em 10 de abril, ele disse que pretende ampliar a frota de navios da Transpetro, braço logístico da Petrobras.

No primeiro mandato de Lula, a Transpetro lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), que foi desativado em meados da década passada, na esteira dos escândalos de corrupção deflagrados pela Operação Lava Jato. Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) mostram que, em 2014, a indústria naval brasileira tinha contratos que chegavam a R$ 9,5 bilhões, volume que baixou para R$ 570 milhões em 2021.

Como reflexo, o setor, que chegou a empregar 82 mil trabalhadores em dezembro de 2014, fechou mais de 60 mil vagas e registrou 21 mil postos de trabalho em maio de 2022. Como comparação, o setor de náutico gera 30 mil empregos diretos e 50 mil indiretos, de acordo com a Acobar.

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Venda para a ‘Mamma”

Em março, pela primeira vez a marca italiana Azimut Yachts - que produz iates em Itajaí (SC) desde 2010 - exportou para a Itália uma unidade do megaiate 27 Metri, embarcação de luxo que no Brasil custa a partir de R$ 54 milhões. De acordo com o CEO da fábrica no País, o italiano Francesco Caputo, a única unidade fabril da marca fora da Itália nasceu para atender o mercado brasileiro, mas segundo ele havia um cliente com “urgência” em receber o iate a tempo de aproveitar a temporada de navegação europeia, que tem início em abril.

“A Páscoa é o momento em que começa a temporada na Europa, e o único barco que poderia respeitar esse prazo era o daqui do Brasil”, afirma. “Vendemos para a ‘mamma’, na Itália, e ela repassa para o distribuidor.”

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A meta da Azimut do Brasil é exportar 35% da produção este ano, estimada em 42 barcos. O volume deve superar R$ 500 milhões. No ano passado, a exportação representou 20% da produção. Embora o 27 Metri tenha sido o primeiro de sua classe a fazer o caminho de volta para a Europa, o estaleiro tem modelos menores feitos “já pensando em exportação”, diz o executivo.

“A exportação ajuda na economia total, porque nos protege contra a variação cambial”, diz. É o caso do iate Atlantis 51, barco de 16 metros de comprimento. Três unidades do modelo acompanharam o 27 Metri na viagem até a Itália, feita de navio. As quatro embarcações totalizam mais de R$ 140 milhões, informa a empresa.

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Mão de obra

Segundo Caputo, o custo menor da mão de obra no Brasil é um fator positivo para a competitividade do produto nacional, mas a vantagem se dilui por causa dos custos de transporte. “No final das contas o produto chega ao destino mais ou menos no mesmo preço, às vezes um pouco mais caro”, garante.

Eduardo Colunna, da Acobar, aponta ainda o sistema drawback como um aliado para a exportação. Por meio dele, itens importados destinados à construção de produtos a serem exportados entram no País sem recolhimento de tributos, como forma de incentivo à exportação. É o caso, por exemplo, de motores e equipamentos eletrônicos.

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Outro estaleiro de Itajaí, a Fibrafort sempre manteve o foco na exportação, garante a gerente comercial e de marketing da empresa, Barbara Yamamoto. Ela informa que a empresa chegou a exportar 100 barcos em plena crise econômica de 2009. A “virada de chave” para o mercado externo, segundo ela, foi reforçada logo no início da pandemia. O estaleiro, que tem 32 anos e 300 funcionários, contratou a Porsche Consulting para aperfeiçoar o processo produtivo e a competitividade em termos de eficiência de fabricação e prazo de entrega.

Atualmente a Fibrafort exporta em torno de 15% dos cerca de 600 barcos que produz anualmente. E a meta é elevar o volume de vendas externas, “para compensar a instabilidade do mercado nacional”, diz Barbara. Além do mercado europeu, a Fibrafort envia suas embarcações também para Austrália, Paraguai e Argentina. Barbara informa que agora o estaleiro está se planejando para exportar para os EUA. Segundo ela, a Fibrafort lançou a lancha Focker 370 especialmente para exportação.

O Grupo Okean, também sediado em Itajaí, tem duas linhas de iates: as embarcações que levam o nome Okean se destinam basicamente à exportação, enquanto os iates da italiana Ferretti (da qual é representante desde 2020), são vendidos no Brasil, a partir de kits importados da Europa.

Segundo o CEO da empresa, Roberto Paião, das oito unidades vendidas em 2021, a Okean dobrou o volume em 2022. O objetivo agora é subir para 22 em 2023 e alcançar 25 em 2024. Quanto aos modelos da Ferretti, das cinco unidades de 2022, o estaleiro planeja produzir 10 em 2023, sete dos quais já estão vendidos.

De acordo com Paião, em 2022 o faturamento da empresa foi de cerca de R$ 150 milhões, quase o triplo em relação aos R$ 60 milhões de 2021. Para 2023, Paião projeta faturamento de R$ 400 milhões. Como o modelo italiano é produzido com kits importados e a maior parte das vendas da Okean é exportada, Paião diz que consegue equilíbrio cambial. Entre os países para os quais a Okean exporta estão França, Estados Unidos, Espanha, Japão e Austrália, mercados conquistados nos quase seis anos de existência da empresa.

Embora não haja grandes diferenças entre as embarcações destinadas à exportação e as produzidas para suprir o mercado interno, em geral os modelos feitos para o Brasil têm cabines menores e áreas externas maiores. Isso porque no País o uso das embarcações costuma ser maior durante o dia. Já os modelos destinados à exportação normalmente têm área externa menor e cabines maiores, porque os clientes são mais adeptos do pernoite no mar.

“ABC dos barcos”

Da mesma forma como a região do ABC, na Grande São Paulo, ficou conhecida como um importante polo da indústria automotiva, Itajaí, no litoral de Santa Catarina, é uma espécie de “ABC dos barcos”, por concentrar grande quantidade de estaleiros. “De cada dez barcos produzidos no Brasil, sete saem de Itajaí”, garante o secretário de Desenvolvimento Econômico da cidade, Thiago Morastoni. Ele estima que, desse volume, entre 25% e 30% é destinado à exportação, “com tendência de crescimento”.

De acordo com Morastoni, Itajaí tem a “vida voltada à economia do mar”, com as atividades portuária, pesqueira e da construção naval e náutica formando os três pilares econômicos do município. O secretário informa que a cidade concentra 29 empresas do setor, que geram 1.100 empregos diretos, e que em 2022 contribuíram com R$ 611 milhões em impostos.

Em julho, a cidade irá sediar pela primeira vez uma exposição náutica organizada pela Boat Show Eventos, que há 25 anos realiza mostras náuticas em São Paulo e no Rio de Janeiro. A expectativa, segundo o Grupo Náutica, organizador do evento, é gerar mais de R$ 100 milhões em negócios já na primeira edição. O Marina Itajaí Boat Show nasce como uma evolução do Salão Náutico Marina Itajaí, que já teve cinco edições.

A maré está a favor das lanchas e iates produzidos no Brasil. Pela primeira vez, em 2022 as exportações de embarcações superaram as importações, e cada vez mais modelos nacionais navegam em águas de diversos países, incluindo os principais mercados, como as nações europeias e os Estados Unidos.

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar), no ano passado, as exportações do setor bateram recorde histórico e somaram US$ 30,1 milhões, volume quase quatro vezes superior às importações (US$ 7,6 milhões). Como comparação, em 2021, o País já havia exportado quase a mesma cifra (US$ 29,9 milhões), mas na época as importações chegaram a US$ 75,7 milhões.

Para o presidente da Acobar, Eduardo Colunna, o setor está “começando a colher os frutos” de uma iniciativa que nasceu há quase uma década, e que ganhou força nos últimos quatro anos. “(O setor) Sempre ficou de fora (das exportações) por erro dos próprios estaleiros, que não investiram na operação.” Agora, porém, ele acredita que o segmento está “sólido” e que a tendência é “crescer e se perpetuar”. Segundo ele, a expectativa é de crescimento anual em torno de 20% só com exportações.

Fatores como taxa de câmbio favorável e o desenvolvimento de modelos atraentes para o público estrangeiro favoreceram as vendas externas. Além disso, Colunna diz que, durante o período de isolamento imposto pela covid-19, houve uma “descoberta do mar”. “Da pandemia para cá, o mercado melhorou muito no mundo todo e abriu oportunidades”, diz.

De acordo com ele, em fevereiro, pelo menos seis empresas brasileiras expuseram seus barcos no Miami Boat Show - considerado o maior evento náutico do mundo -, prova de que os estaleiros nacionais estão investindo no mercado externo. “Tem empresa exportando mais de 40% da produção”, garante ele, acrescentando que os barcos nacionais “não devem nada (em relação aos estrangeiros) em termos de qualidade técnica, design e acabamento”.

Itajaí virou o ABC dos barcos; cidade catarinense é uma das maiores fabricantes de barcos do País Foto: Anderson Coelho

O atual momento do segmento náutico (de embarcações voltadas à recreação) contrasta com o setor naval (de construção de navios de grande porte e plataformas marítimas para exploração de petróleo), dependente de contratos com o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que pretende incentivar a construção de navios. No discurso de 100 dias de seu governo, completados em 10 de abril, ele disse que pretende ampliar a frota de navios da Transpetro, braço logístico da Petrobras.

No primeiro mandato de Lula, a Transpetro lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), que foi desativado em meados da década passada, na esteira dos escândalos de corrupção deflagrados pela Operação Lava Jato. Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) mostram que, em 2014, a indústria naval brasileira tinha contratos que chegavam a R$ 9,5 bilhões, volume que baixou para R$ 570 milhões em 2021.

Como reflexo, o setor, que chegou a empregar 82 mil trabalhadores em dezembro de 2014, fechou mais de 60 mil vagas e registrou 21 mil postos de trabalho em maio de 2022. Como comparação, o setor de náutico gera 30 mil empregos diretos e 50 mil indiretos, de acordo com a Acobar.

Venda para a ‘Mamma”

Em março, pela primeira vez a marca italiana Azimut Yachts - que produz iates em Itajaí (SC) desde 2010 - exportou para a Itália uma unidade do megaiate 27 Metri, embarcação de luxo que no Brasil custa a partir de R$ 54 milhões. De acordo com o CEO da fábrica no País, o italiano Francesco Caputo, a única unidade fabril da marca fora da Itália nasceu para atender o mercado brasileiro, mas segundo ele havia um cliente com “urgência” em receber o iate a tempo de aproveitar a temporada de navegação europeia, que tem início em abril.

“A Páscoa é o momento em que começa a temporada na Europa, e o único barco que poderia respeitar esse prazo era o daqui do Brasil”, afirma. “Vendemos para a ‘mamma’, na Itália, e ela repassa para o distribuidor.”

A meta da Azimut do Brasil é exportar 35% da produção este ano, estimada em 42 barcos. O volume deve superar R$ 500 milhões. No ano passado, a exportação representou 20% da produção. Embora o 27 Metri tenha sido o primeiro de sua classe a fazer o caminho de volta para a Europa, o estaleiro tem modelos menores feitos “já pensando em exportação”, diz o executivo.

“A exportação ajuda na economia total, porque nos protege contra a variação cambial”, diz. É o caso do iate Atlantis 51, barco de 16 metros de comprimento. Três unidades do modelo acompanharam o 27 Metri na viagem até a Itália, feita de navio. As quatro embarcações totalizam mais de R$ 140 milhões, informa a empresa.

Mão de obra

Segundo Caputo, o custo menor da mão de obra no Brasil é um fator positivo para a competitividade do produto nacional, mas a vantagem se dilui por causa dos custos de transporte. “No final das contas o produto chega ao destino mais ou menos no mesmo preço, às vezes um pouco mais caro”, garante.

Eduardo Colunna, da Acobar, aponta ainda o sistema drawback como um aliado para a exportação. Por meio dele, itens importados destinados à construção de produtos a serem exportados entram no País sem recolhimento de tributos, como forma de incentivo à exportação. É o caso, por exemplo, de motores e equipamentos eletrônicos.

Outro estaleiro de Itajaí, a Fibrafort sempre manteve o foco na exportação, garante a gerente comercial e de marketing da empresa, Barbara Yamamoto. Ela informa que a empresa chegou a exportar 100 barcos em plena crise econômica de 2009. A “virada de chave” para o mercado externo, segundo ela, foi reforçada logo no início da pandemia. O estaleiro, que tem 32 anos e 300 funcionários, contratou a Porsche Consulting para aperfeiçoar o processo produtivo e a competitividade em termos de eficiência de fabricação e prazo de entrega.

Atualmente a Fibrafort exporta em torno de 15% dos cerca de 600 barcos que produz anualmente. E a meta é elevar o volume de vendas externas, “para compensar a instabilidade do mercado nacional”, diz Barbara. Além do mercado europeu, a Fibrafort envia suas embarcações também para Austrália, Paraguai e Argentina. Barbara informa que agora o estaleiro está se planejando para exportar para os EUA. Segundo ela, a Fibrafort lançou a lancha Focker 370 especialmente para exportação.

O Grupo Okean, também sediado em Itajaí, tem duas linhas de iates: as embarcações que levam o nome Okean se destinam basicamente à exportação, enquanto os iates da italiana Ferretti (da qual é representante desde 2020), são vendidos no Brasil, a partir de kits importados da Europa.

Segundo o CEO da empresa, Roberto Paião, das oito unidades vendidas em 2021, a Okean dobrou o volume em 2022. O objetivo agora é subir para 22 em 2023 e alcançar 25 em 2024. Quanto aos modelos da Ferretti, das cinco unidades de 2022, o estaleiro planeja produzir 10 em 2023, sete dos quais já estão vendidos.

De acordo com Paião, em 2022 o faturamento da empresa foi de cerca de R$ 150 milhões, quase o triplo em relação aos R$ 60 milhões de 2021. Para 2023, Paião projeta faturamento de R$ 400 milhões. Como o modelo italiano é produzido com kits importados e a maior parte das vendas da Okean é exportada, Paião diz que consegue equilíbrio cambial. Entre os países para os quais a Okean exporta estão França, Estados Unidos, Espanha, Japão e Austrália, mercados conquistados nos quase seis anos de existência da empresa.

Embora não haja grandes diferenças entre as embarcações destinadas à exportação e as produzidas para suprir o mercado interno, em geral os modelos feitos para o Brasil têm cabines menores e áreas externas maiores. Isso porque no País o uso das embarcações costuma ser maior durante o dia. Já os modelos destinados à exportação normalmente têm área externa menor e cabines maiores, porque os clientes são mais adeptos do pernoite no mar.

“ABC dos barcos”

Da mesma forma como a região do ABC, na Grande São Paulo, ficou conhecida como um importante polo da indústria automotiva, Itajaí, no litoral de Santa Catarina, é uma espécie de “ABC dos barcos”, por concentrar grande quantidade de estaleiros. “De cada dez barcos produzidos no Brasil, sete saem de Itajaí”, garante o secretário de Desenvolvimento Econômico da cidade, Thiago Morastoni. Ele estima que, desse volume, entre 25% e 30% é destinado à exportação, “com tendência de crescimento”.

De acordo com Morastoni, Itajaí tem a “vida voltada à economia do mar”, com as atividades portuária, pesqueira e da construção naval e náutica formando os três pilares econômicos do município. O secretário informa que a cidade concentra 29 empresas do setor, que geram 1.100 empregos diretos, e que em 2022 contribuíram com R$ 611 milhões em impostos.

Em julho, a cidade irá sediar pela primeira vez uma exposição náutica organizada pela Boat Show Eventos, que há 25 anos realiza mostras náuticas em São Paulo e no Rio de Janeiro. A expectativa, segundo o Grupo Náutica, organizador do evento, é gerar mais de R$ 100 milhões em negócios já na primeira edição. O Marina Itajaí Boat Show nasce como uma evolução do Salão Náutico Marina Itajaí, que já teve cinco edições.

A maré está a favor das lanchas e iates produzidos no Brasil. Pela primeira vez, em 2022 as exportações de embarcações superaram as importações, e cada vez mais modelos nacionais navegam em águas de diversos países, incluindo os principais mercados, como as nações europeias e os Estados Unidos.

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar), no ano passado, as exportações do setor bateram recorde histórico e somaram US$ 30,1 milhões, volume quase quatro vezes superior às importações (US$ 7,6 milhões). Como comparação, em 2021, o País já havia exportado quase a mesma cifra (US$ 29,9 milhões), mas na época as importações chegaram a US$ 75,7 milhões.

Para o presidente da Acobar, Eduardo Colunna, o setor está “começando a colher os frutos” de uma iniciativa que nasceu há quase uma década, e que ganhou força nos últimos quatro anos. “(O setor) Sempre ficou de fora (das exportações) por erro dos próprios estaleiros, que não investiram na operação.” Agora, porém, ele acredita que o segmento está “sólido” e que a tendência é “crescer e se perpetuar”. Segundo ele, a expectativa é de crescimento anual em torno de 20% só com exportações.

Fatores como taxa de câmbio favorável e o desenvolvimento de modelos atraentes para o público estrangeiro favoreceram as vendas externas. Além disso, Colunna diz que, durante o período de isolamento imposto pela covid-19, houve uma “descoberta do mar”. “Da pandemia para cá, o mercado melhorou muito no mundo todo e abriu oportunidades”, diz.

De acordo com ele, em fevereiro, pelo menos seis empresas brasileiras expuseram seus barcos no Miami Boat Show - considerado o maior evento náutico do mundo -, prova de que os estaleiros nacionais estão investindo no mercado externo. “Tem empresa exportando mais de 40% da produção”, garante ele, acrescentando que os barcos nacionais “não devem nada (em relação aos estrangeiros) em termos de qualidade técnica, design e acabamento”.

Itajaí virou o ABC dos barcos; cidade catarinense é uma das maiores fabricantes de barcos do País Foto: Anderson Coelho

O atual momento do segmento náutico (de embarcações voltadas à recreação) contrasta com o setor naval (de construção de navios de grande porte e plataformas marítimas para exploração de petróleo), dependente de contratos com o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que pretende incentivar a construção de navios. No discurso de 100 dias de seu governo, completados em 10 de abril, ele disse que pretende ampliar a frota de navios da Transpetro, braço logístico da Petrobras.

No primeiro mandato de Lula, a Transpetro lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), que foi desativado em meados da década passada, na esteira dos escândalos de corrupção deflagrados pela Operação Lava Jato. Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) mostram que, em 2014, a indústria naval brasileira tinha contratos que chegavam a R$ 9,5 bilhões, volume que baixou para R$ 570 milhões em 2021.

Como reflexo, o setor, que chegou a empregar 82 mil trabalhadores em dezembro de 2014, fechou mais de 60 mil vagas e registrou 21 mil postos de trabalho em maio de 2022. Como comparação, o setor de náutico gera 30 mil empregos diretos e 50 mil indiretos, de acordo com a Acobar.

Venda para a ‘Mamma”

Em março, pela primeira vez a marca italiana Azimut Yachts - que produz iates em Itajaí (SC) desde 2010 - exportou para a Itália uma unidade do megaiate 27 Metri, embarcação de luxo que no Brasil custa a partir de R$ 54 milhões. De acordo com o CEO da fábrica no País, o italiano Francesco Caputo, a única unidade fabril da marca fora da Itália nasceu para atender o mercado brasileiro, mas segundo ele havia um cliente com “urgência” em receber o iate a tempo de aproveitar a temporada de navegação europeia, que tem início em abril.

“A Páscoa é o momento em que começa a temporada na Europa, e o único barco que poderia respeitar esse prazo era o daqui do Brasil”, afirma. “Vendemos para a ‘mamma’, na Itália, e ela repassa para o distribuidor.”

A meta da Azimut do Brasil é exportar 35% da produção este ano, estimada em 42 barcos. O volume deve superar R$ 500 milhões. No ano passado, a exportação representou 20% da produção. Embora o 27 Metri tenha sido o primeiro de sua classe a fazer o caminho de volta para a Europa, o estaleiro tem modelos menores feitos “já pensando em exportação”, diz o executivo.

“A exportação ajuda na economia total, porque nos protege contra a variação cambial”, diz. É o caso do iate Atlantis 51, barco de 16 metros de comprimento. Três unidades do modelo acompanharam o 27 Metri na viagem até a Itália, feita de navio. As quatro embarcações totalizam mais de R$ 140 milhões, informa a empresa.

Mão de obra

Segundo Caputo, o custo menor da mão de obra no Brasil é um fator positivo para a competitividade do produto nacional, mas a vantagem se dilui por causa dos custos de transporte. “No final das contas o produto chega ao destino mais ou menos no mesmo preço, às vezes um pouco mais caro”, garante.

Eduardo Colunna, da Acobar, aponta ainda o sistema drawback como um aliado para a exportação. Por meio dele, itens importados destinados à construção de produtos a serem exportados entram no País sem recolhimento de tributos, como forma de incentivo à exportação. É o caso, por exemplo, de motores e equipamentos eletrônicos.

Outro estaleiro de Itajaí, a Fibrafort sempre manteve o foco na exportação, garante a gerente comercial e de marketing da empresa, Barbara Yamamoto. Ela informa que a empresa chegou a exportar 100 barcos em plena crise econômica de 2009. A “virada de chave” para o mercado externo, segundo ela, foi reforçada logo no início da pandemia. O estaleiro, que tem 32 anos e 300 funcionários, contratou a Porsche Consulting para aperfeiçoar o processo produtivo e a competitividade em termos de eficiência de fabricação e prazo de entrega.

Atualmente a Fibrafort exporta em torno de 15% dos cerca de 600 barcos que produz anualmente. E a meta é elevar o volume de vendas externas, “para compensar a instabilidade do mercado nacional”, diz Barbara. Além do mercado europeu, a Fibrafort envia suas embarcações também para Austrália, Paraguai e Argentina. Barbara informa que agora o estaleiro está se planejando para exportar para os EUA. Segundo ela, a Fibrafort lançou a lancha Focker 370 especialmente para exportação.

O Grupo Okean, também sediado em Itajaí, tem duas linhas de iates: as embarcações que levam o nome Okean se destinam basicamente à exportação, enquanto os iates da italiana Ferretti (da qual é representante desde 2020), são vendidos no Brasil, a partir de kits importados da Europa.

Segundo o CEO da empresa, Roberto Paião, das oito unidades vendidas em 2021, a Okean dobrou o volume em 2022. O objetivo agora é subir para 22 em 2023 e alcançar 25 em 2024. Quanto aos modelos da Ferretti, das cinco unidades de 2022, o estaleiro planeja produzir 10 em 2023, sete dos quais já estão vendidos.

De acordo com Paião, em 2022 o faturamento da empresa foi de cerca de R$ 150 milhões, quase o triplo em relação aos R$ 60 milhões de 2021. Para 2023, Paião projeta faturamento de R$ 400 milhões. Como o modelo italiano é produzido com kits importados e a maior parte das vendas da Okean é exportada, Paião diz que consegue equilíbrio cambial. Entre os países para os quais a Okean exporta estão França, Estados Unidos, Espanha, Japão e Austrália, mercados conquistados nos quase seis anos de existência da empresa.

Embora não haja grandes diferenças entre as embarcações destinadas à exportação e as produzidas para suprir o mercado interno, em geral os modelos feitos para o Brasil têm cabines menores e áreas externas maiores. Isso porque no País o uso das embarcações costuma ser maior durante o dia. Já os modelos destinados à exportação normalmente têm área externa menor e cabines maiores, porque os clientes são mais adeptos do pernoite no mar.

“ABC dos barcos”

Da mesma forma como a região do ABC, na Grande São Paulo, ficou conhecida como um importante polo da indústria automotiva, Itajaí, no litoral de Santa Catarina, é uma espécie de “ABC dos barcos”, por concentrar grande quantidade de estaleiros. “De cada dez barcos produzidos no Brasil, sete saem de Itajaí”, garante o secretário de Desenvolvimento Econômico da cidade, Thiago Morastoni. Ele estima que, desse volume, entre 25% e 30% é destinado à exportação, “com tendência de crescimento”.

De acordo com Morastoni, Itajaí tem a “vida voltada à economia do mar”, com as atividades portuária, pesqueira e da construção naval e náutica formando os três pilares econômicos do município. O secretário informa que a cidade concentra 29 empresas do setor, que geram 1.100 empregos diretos, e que em 2022 contribuíram com R$ 611 milhões em impostos.

Em julho, a cidade irá sediar pela primeira vez uma exposição náutica organizada pela Boat Show Eventos, que há 25 anos realiza mostras náuticas em São Paulo e no Rio de Janeiro. A expectativa, segundo o Grupo Náutica, organizador do evento, é gerar mais de R$ 100 milhões em negócios já na primeira edição. O Marina Itajaí Boat Show nasce como uma evolução do Salão Náutico Marina Itajaí, que já teve cinco edições.

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