Seguindo a onda de outras gigantes do mercado mundial, a Fórmula 1 (F1) também tem enxergado na agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) uma oportunidade de negócio e de agregar valor para o mercado esportivo.
Considerado um dos esportes mais poluentes do mundo, um carro de Fórmula 1 emite, em média, 1.500g de dióxido de carbono por quilômetro rodado, ou 500 kg de CO₂ por corrida, segundo dados da Unicamp. Além disso, um único litro de óleo lubrificante usado pode contaminar 1 milhão de litros de água, segundo a entidade que representa o setor, a Associação Ambiental para coleta, gestão e rerrefino do OLUC (Ambioluc).
Diante deste cenário, a categoria tem promovido mudanças nos últimos, visando zerar a emissão de poluentes até 2030. O GP de São Paulo, realizado no Autódromo de Interlagos entre os dias 3, 4 e 5 de novembro, repetirá o feito dos últimos dois anos de neutralizar 100% das emissões de gases do efeito estufa (GEEs).
Além da compensação de 5 mil toneladas de emissões de carbono gerada durante a corrida através da compra de créditos de carbono das empresas Prospera + Greener e Solvi, o evento ainda ganhou o status de “carbono negativo” por neutralizar mais carbono do que emite em 2023.
Pelo segundo ano consecutivo, a Fórmula 1 promoverá a coleta do óleo lubrificante usado nos carros dos vinte pilotos que irão disputar o GP deste fim de semana. Para colocar em prática, haverá a instalação de tambores da Lwart Soluções Ambientais na área dos boxes de onde os carros saem para a coleta do óleo lubrificante usado pelas escuderias — conhecido também como àquele óleo preto que sai das máquinas e dos motores durante a troca.
Após coletado, o produto usado será transformado em um novo óleo, podendo voltar a ser comercializado. “A ação é uma mensagem de conscientização em relação à importância do descarte correto do óleo contaminado, já que ele está presente na vida de todos, seja nos veículos, transporte público ou indústrias”, afirma o CEO da Lwart, Thiago Trecenti.
Além disso, a ação também permite que haja uma extração menor de recursos naturais e commodities, poluindo menos. “Contribui também para a redução da extração de petróleo e consequente importação desse tipo de óleo, já que o Brasil não é autossuficiente em sua produção”, diz a presidente da Ambioluc, Aylla Kipper.
Vale destacar que o descarte incorreto do óleo é não só um risco para o meio ambiente, mas também para a saúde, podendo contaminar água, solo e o ar. A lei brasileira (resolução Conama nº 362) obriga que todo óleo lubrificante usado ou contaminados (OLUC) deve ser coletado e destinado para o rerrefino, uma espécie de reciclagem do material, que permite que ele seja vendido novamente no mercado como óleo puro.
Procurada pelo Estadão para entender como esse processo era feito pelo GP de São Paulo antes da parceria com a Lwart — considerando a lei brasileira sobre o OLUC —, a entidade afirmou que anteriormente as escuderias eram as responsáveis pelo descarte.
Questionada sobre o motivo da mudança, a entidade afirmou que “os promotores do GP de São Paulo estão ampliando todas as ações ambientais, de acordo com a política da Fórmula 1. O rerrefino do óleo está incluído nesse processo”.
Ao ser perguntada sobre o motivo de assumir um custo a mais — considerando que anteriormente esse processo era custeado pelas próprias equipes —, a entidade não respondeu.
Sustentabilidade em foco
Além da “reciclagem” de óleo e da borracha dos pneus, outras atividades também foram adotadas pelo GP de São Paulo para enquadrá-lo na agenda ESG. Além do uso de aço sustentável fornecido pela Gerdau, a gestão de resíduos também compõe as ações ambientais feitas pelo evento. Oito toneladas de latinhas de alumínio consumidas pelo público do GP serão recicladas pela Novelis.
Em parceria com a Cooperativa de Coleta Seletiva Capela do Socorro (Coopercaps), as latinhas serão coletadas em todos os setores do Autódromo de Interlagos por meio de “Tuk tuks” elétricos, da Cicloway.
Além da coleta, a diminuição do uso de plástico também foi um ponto trabalhado pelo GP de São Paulo com a redução do uso de copos e garrafas, sendo substituídas por embalagens cartonadas para o fornecimento de água e o uso de copos de vidro para todas as bebidas no Paddock Club, local reservado para convidados.
Mudanças nos próprios combustíveis também estão sendo feitas pela categoria visando diminuir o impacto dos combustíveis. Atualmente, os carros de F1 utilizam aditivos com 10% de etanol renovável. Segundo a instituição, a ideia é que a partir de 2026 os combustíveis sejam totalmente sustentáveis.
Outra novidade é o uso do etanol de segunda geração (E2G) para os veículos da Ferrari, sendo a única escuderia a usar este biocombustível na temporada. Fornecido pela Shell e produzida pela Raízen, o E2G é produzido com o reaproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar utilizado na produção de etanol de primeira geração. Ele é considerado um elemento chave na transição energética pois tem potencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 80%.
Diversidade
Na divulgação de suas ações, o GP de São Paulo afirmou que as questões sociais da sigla ESG também estavam sendo tratadas pela instituição, com o “compromisso da Fórmula 1 com as comunidades próximas aos locais dos circuitos onde as corridas são disputadas”.
Segundo a entidade, todo o material reciclado é doado às cooperativas locais, assim como os excedentes de alimentos que são posteriormente destinados para o consumo de instituições da região através da atuação de ONGs.
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Embora a pauta social esteja encaixada na F1, a diversidade, considerada uma das principais pautas dessa agenda dentro do ESG, ainda não é amplamente trabalhada pelo evento.
No Paddock Club, considerado um camarote para convidados, em que estiveram presentes empresários de diversos ramos, influenciadores digitais e profissionais da imprensa, o público selecionado ainda era de pessoas majoritariamente brancas.
Nos últimos anos, empresas líderes de mercado passaram a afirmar que a diversidade era pauta constante dentro de suas empresas, não só em cargos iniciais, mas também os de liderança. No local, que contou com a participação em peso de grandes companhias que tiveram estandes e espaços reservados na área VIP se posicionando como patrocinadoras, essa diversidade não foi vista.
Procurada para comentar esse ponto, o GP de São Paulo não se manifestou até o fechamento dessa reportagem.