“As construtoras e incorporadoras medem seus modelos econômicos por coisas muito chatas, como VGV (valor geral de vendas) e preço por metro quadrado”, diz Alex Allard, idealizador do complexo Cidade Matarazzo, fazendo um muxoxo. “Só que vendemos segundos de vida, pelos quais qualquer um pagaria o valor que fosse pedido, se isso fosse possível.” É com esse raciocínio totalmente fora das planilhas de contabilidade, com cara de gente rica, que ele fala de seu mais novo desafio feito para a Gafisa: o Allard Oscar Freire.
Localizado num terreno de 2 mil m² na Oscar Freire com a Consolação, nos Jardins, o empreendimento de 33 andares e mais de 100 metros de altura traz dois marcos importantes. Consolida o posicionamento da Gafisa no mercado de altíssimo luxo e o lançamento da marca Allard, que trará a linguagem já vista no Cidade Matarazzo, onde ficam o hotel Rosewood e centro cultural Casa Bradesco, atualmente com uma exposição de Anish Kapoor, entre outros espaços. A assinatura Allard inclui brasilidade, regeneração do espaço físico e integração com a natureza.
O lançamento também traz a “chatice” do que pode vir a ser um dos preços por metro quadrado mais caros da cidade — que as empresas não divulgam, bem como o valor dos apartamentos. O VGV do empreendimento é estimado em R$ 800 milhões. Como referência, o preço dos apartamentos no prédio residencial de luxo do Cidade Matarazzo saía por R$ 85 mil o m², há dois anos.
Isso porque o alto luxo do Allard Oscar Freire nasce a partir da concepção do que ele chama de “ressignificação” das experiências dos consumidores. Entre outras coisas, isso envolve o projeto desenhado pelo arquiteto Arthur Casas, paisagismo de Benedito Abbud, com os primeiros oito andares abertos ao público. Lá, funcionarão padarias e lojas, restaurantes, um centro de longevidade e saúde, uma área de eventos e muita arte brasileira, com curadoria de Marc Potier. “Por isso é um modelo econômico complicado: são oito andares dedicados à vida”, afirma Allard, que se recusa a falar de qualquer cifra.
‘Floresta vertical’
O projeto também vem envolvido no que ele chama de “floresta vertical” — e que se tornou sua marca nas construções do Cidade Matarazzo. Com a curadoria de design pensada nos mínimos detalhes e onde nada é trivial — como a garagem que no Rosewood começa em uma biblioteca na frente do lobby principal —, o novo empreendimento também pretende surpreender.
Além da área aberta ao público que planeja se integrar aos pedestres da Oscar Freire, o prédio terá 17 apartamentos de 430 m², a partir do 9º andar. Terá ainda dois duplex, com 770m² cada. E a cobertura triplex, com quase 1,3 mil m². Sua construção deve ter emissões negativas de carbono. Se o preço médio de R$ 85 mil por m² for mantido, o apartamento menor custaria mais de R$ 36,5 milhões.
Para Allard, não há contradição entre erguer um prédio tão alto, numa região marcada por empreendimentos menores, e o conceito de regeneração que ele defende. “Temos de resgatar a natureza na cidade e não mandar as pessoas irem viver onde ela está intacta”, diz ele.
Nova estratégia da Gafisa
Já a migração da Gafisa, do empresário Nelson Tanure, ao segmento de altíssimo luxo começou há cerca de cinco anos, após uma pesquisa que constatou a demanda crescente no segmento — e a falta de fornecedores desse padrão. “Vimos, não apenas no setor imobiliário, que havia um público de alta renda com mais referências em ascensão e que não encontrava no País o que vê lá fora”, diz Luis Fernando Ortiz, vice-presidente da incorporadora. “É mais do que design de interiores: trazemos um produto pensado nos mínimos detalhes desde o projeto arquitetônico.”
Com isso, a Gafisa pretende tornar-se uma empresa mais resiliente e com melhor resultado de margem. A incorporadora, que chegou a ter receita líquida de R$ 2,3 bilhões em 2015, encerrou o ano passado com R$ 1,1 bilhão e prejuízo de R$ 195 milhões. No ano, os papéis da empresa tiveram desvalorização de 83%.
“Esse segmento tem mais flexibilidade, margem melhor e ficamos mais propensos a não sermos impactados por fatores externos”, afirma Sheyla Resende, CEO da Gafisa. “Foi um trabalho extenso, e passamos os últimos anos para aculturar o time e todos os processos ao alto padrão.”
Ao desenhar a estratégia, a Gafisa se aproximou de Allard. Investiu em algumas unidades do complexo Cidade Matarazzo, no que dizem ser um aprendizado que já dura quatro anos. Segundo Resende, a incorporadora está preparada financeiramente para o projeto. Não foram fornecidas, no entanto, informações detalhadas sobre o investimento, financiamento ou o modelo de negócios.
Allard, por sua vez, diz ter postergado o lançamento de sua própria marca por pelo menos 15 anos e agora chega com a ambição de nada menos do que “criar ‘a’ marca de luxo do Sul global”. “O hemisfério Norte, que liderou por décadas a cultura do mundo, não tem nada tão novo e potente quanto o que emerge do Sul em termos de música, pintura e gastronomia, numa força pronta para ser lapidada”, diz ele. “Vamos fazer disso um projeto de altíssima costura.”
Sem entrar em nada tão mundano quanto valores, ele diz que seu grupo cresce com o novo negócio. Segundo Allard, deve passar de 4 mil funcionários, no fim de 2025, para 20 mil, num período de cinco anos. Ele diz ainda que já há outros projetos a serem desenvolvidos com sua marca, que ele prefere não detalhar.