A chegada do empresário Henrique Blecher em setembro para comandar a Gafisa marca o fim de um período de três anos em que a incorporadora atuou sem a figura de um chief executive officer, o CEO, figura comum em qualquer companhia de capital aberto. Agora, Blecher fará o papel do bom e velho comandante geral que toca o barco, encerrando a operação da companhia no formato de holding, com negócios separados e liderados por executivos distintos com status de presidente.
Todas as áreas vão responder diretamente ao novo presidente executivo. A proposta de unificação partiu do próprio recém-chegado. “Para eu poder trabalhar era preciso ter carta branca”, disse Blecher, em entrevista ao Broadcast.
A Gafisa tinha cinco áreas de negócios: Construção e Incorporação; Rio de Janeiro (para empreendimentos na capital fluminense); Capital (operações de financiamentos para o grupo); Viver Bem (marketplace de serviços imobiliários) e Propriedades (para compra, administração e comercialização de imóveis comerciais visando renda recorrente).
Com exceção do braço de propriedades (que seguirá sob comando de Guilherme Pesenti), todos os outros quatro passarão a ser regidos pela batuta do novo presidente. O segmento de capital foi absorvido pela diretoria financeira, a marca Viver Bem ficou na diretoria comercial, e Rio está sob a diretoria de incorporação.
“A área de propriedades tem um mandato claro para desenvolver brownfields (empreendimentos já construídos e em operação), maximizar os resultados e se possível flipar (revender na alta). Já as demais áreas são mais inerentes à incorporação e não fazia sentido terem estruturas próprias”, disse o novo CEO.
Mais do que aglutinar os negócios, alguns deles serão revistos e voltarão para fase de incubação, como é o caso da Viver Bem. Esse braço de negócios foi lançado em 2021 com uma pegada digital. A ideia era funcionar como uma plataforma de classificados para compra, venda e locação de imóveis novos e usados, ofertas de serviços de decoração, reformas, seguros, eletroeletrônicos, crédito e até administração de condomínio. O negócio, entretanto, não cresceu como esperado.
A unificação das áreas ocorre paralelamente à saída dos executivos que exerciam posições-chave dentro da Gafisa desde a chegada de Nelson Tanure, em 2019, como acionista de referência da incorporadora. Ian Andrade saiu em maio. Depois foi a vez de Guilherme Benevides e Fabio Romano, em agosto. Eles vieram da Upcon, adquirida pela Gafisa anos antes, e tinham contrato até março. Acabaram estendendo mais alguns meses para passar o bastão e já se preparam para seguir empreendendo no mercado imobiliário.
Blecher foi levado para a Gafisa pelas mãos de Tanure. Até então, Blecher era sócio e diretor da Bait, companhia desenvolvedora de residenciais de alto padrão na zona sul do Rio, e que foi comprada este ano pela Gafisa. Para o cargo de CEO também estava cotado o empresário Mauro Silvestre, proprietário da construtora São José (residenciais de alto padrão em São Paulo) com quem a Gafisa negociou uma aquisição nos últimos meses que terminou sem êxito.
Perfil
Advogado de formação e estudioso de psicanálise, Blecher não é adepto de paletó. Prefere camiseta, calça folgada e tênis. Na entrevista ao Broadcast, conta que pensou mais de uma vez antes de aceitar o convite. “Eu podia estar velejando no Ceará”, brinca. Mas o tamanho do desafio o convenceu a assumir o posto de CEO. As conversas com Tanure começaram três meses atrás, com o mandato para adotar uma gestão mais singular, focada nas vendas e no marketing, com disciplina financeira e tomada de decisão mais ortodoxa.
O foco continuará em reposicionar a Gafisa como uma empresa de peso no mercado imobiliário de alto padrão e luxo - o que a Bait sabia fazer bem. Aliás, não foi batido o martelo se a marca Bait continuará existindo. O nome é bem reconhecido entre a clientela de alto poder aquisitivo e pode ser usada pelo grupo para avançar nesse meio. Neste momento, a companhia está perto de fechar a compra de um terreno na zona sul do Rio, região conhecida pela demanda altíssima por moradias e pela escassez de áreas para novas construções. Se a aquisição do terreno for concluída, servirá de base para um futuro empreendimento para milionários.
Por ora, o executivo descarta novas aquisições de incorporadoras. O foco está na integração da Bait, unificação das áreas e condução das vendas dos projetos lá lançados. “Agora a venda não está tão boa quanto se esperava por ninguém. O ambiente de juro alto atrapalha”, observa. Sendo assim, a Gafisa manterá a estratégia de lançar aos poucos, com projetos voltados para o público de alta renda. “É um negócio mais resiliente, mas de menos volume”.
Há também a discussão sobre um possível aumento de capital, conforme a própria Gafisa já comunicou o mercado. Segundo Blecher, todas as opções estão na mesa: capitalização via emissão de ações, tomada de dívida ou algum modelo híbrido, como emissão de títulos conversíveis em ações. O dinheiro será usado para reforçar a estrutura de liquidez e dar vazão a novos projetos.
A Gafisa começou o segundo semestre com R$ 530 milhões no caixa e R$ 410,4 milhões de dívidas com vencimento até o fim do ano. Para o acumulado do ano está previsto um total de R$ 715,7 milhões de recebíveis com a venda de imóveis.