No passado, a construção de uma marca passava por campanhas publicitárias em TV, rádio, jornais e revistas impressos e mídia de mobiliário urbano. Entre um comercial e outro, os consumidores associavam a marca ao produto e pronto. Hoje a vida das empresas ficou um pouco mais difícil. O maior desafio de agências, anunciantes e profissionais da criatividade é tentar decifrar as vontades da próxima grande força de consumo, a Geração Z, e achar uma fórmula para encantá-la.
Chamados de nativos digitais, esses jovens vivem num mundo movido pelo imediatismo e pela alta velocidade das informações. Um estudo feito pela consultoria Roland Berger mostra que a capacidade das pessoas prestarem atenção em alguma coisa vem diminuindo ao longo do tempo. Em 20 anos, caiu de 2,5 minutos para 47 segundos - um abismo para quem deseja fidelizar ou fixar uma marca entre os consumidores.
“O que estamos vendo é uma jornada cada vez mais fragmentada, com o consumidor bombardeado por zilhões de ruídos e informações. O que ocorre é um fenômeno em que o consumidor tem mais opções; isso faz com que ele seja menos leal a uma marca do que antes”, diz Guilherme Issa, consultor da Roland Berguer. Há dez anos, diz ele, não havia tantas opções como agora.
O imediatismo aliado ao perfil mais empoderado e consciente da Geração Z faz com que o mercado global da criatividade busque novos caminhos para conquistar esses consumidores tão diferentes das gerações anteriores. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o mercado ainda está longe de “decifrar” o que são e como agem esses jovens, nascidos entre 1997 e 2010.
Para gigantes que atuam no mercado brasileiro, como Mercado Livre, iFood, Vivo, Shein e outras companhias, a questão geracional movimenta os negócios e interfere nas decisões corporativas.
Uma saída percebida recentemente é a diversificação dos negócios. Empresas que antes se concentravam em apenas uma atividade, hoje estão mais democráticas. O diretor de novos negócios da Vivo, Rodrigo Gruner, conta que a companhia vê na diversificação um espaço de crescimento, para além do segmento de origem, que é a conectividade e telefonia.
Ao longo dos últimos anos, Gruner lembra que a telecom aportou em outros setores com a aquisição de empresas que complementem o “core business”, ou seja um serviço adicional para os seus clientes, em verticais de saúde, educação, energia, entretenimento e outros. Para atingir esse público, a Vivo aposta em aproveitar o tempo que o cliente passa em seu aplicativo - hoje com aproximadamente 22 milhões de usuários únicos por mês.
“Nosso aplicativo é uma oportunidade de criar jornadas digitais que facilitam a relação dos clientes e com nossos novos produtos”, afirma. “Uma das vantagens é justamente ter mais recorrência no nosso app”, complementa Gruner.
De olho nos mais jovens e no fato dessa geração ser nativa digital, a companhia investiu no projeto de educação, com uma empresa de cursos livres, que usa formatos de aulas mais curtos para atrair o público. “Nossos novos negócios são ‘mobile first’ (primeiro no telefone, em tradução livre), porque as novas gerações são muito mais digitalizadas”, analisa Gruner. “No final das contas, é sobre levar serviços de qualidade de forma mais acessível para essa geração, que é impactada pelos nossos serviços, e sempre de maneira mais digital.”
Outro exemplo ocorre com o gigante do e-commerce argentino Mercado Livre, que diante da relevância desse público, acabou diversificando suas ferramentas de comunicação para atingir da melhor maneira esse grupo.
O diretor de marketing da companhia no Brasil, Iuri Maia, conta que parte da estratégia tem sido pensada para chegar com mais facilidade aos consumidores mais jovens, com investimentos que passam por influenciadores, novos pontos de contato como o live marketing e também a expansão das categorias de consumo dentro do negócio.
Recentemente o gigante do varejo online reforçou sua estratégia no segmento de moda, com o apoio de imagem de nomes como Manu Gavassi e o Jão, além de ter lançado sua plataforma de streaming gratuito. “Talvez, do ponto de vista do consumo, eles sejam quem mais impacta o consumo do varejo online”, diz o diretor de marketing do Mercado Livre.
Maia também pontua que na estratégia de marketing, quando o foco é atingir esse grupo geracional, as ações precisam soar genuínas e diretas, mas trazendo a relação com a marca através dessas temáticas que permeiam as demandas da geração z, como o segmento de itens sustentáveis. “Quando nós falamos de sustentabilidade, de fazer uma campanha e iniciativas específicas na plataforma, é uma maneira de estarmos próximos e entregar algo que essa geração está buscando”, exemplifica o executivo.
O papel das marcas
Ainda que alguns nomes mais céticos da comunicação digam que a era das marcas chegou ao fim - a exemplo do pesquisador e professor da Escola de Negócios Stern, da Universidade de Nova York Scott Galloway -, para a especialista em construção de marcas da Troiano Branding, Cecília Russo, esse não é o fim das marcas, mas sim um momento de novas formas de conexão entre os negócios e seu público. “Essa geração vive e consome de forma muito fluida”, afirma.
Cecília acredita que, diferentemente do que preconizava no passado, hoje em dia, não basta expor o nome da marca, mas também repensar o seu papel na sociedade e com o público. Um exemplo, são as pautas ESG (sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança), que ganharam relevância no discurso das marcas ao ser visto como um valor importante de conexão com os mais jovens, diz a especializa.
Porém, a executiva pondera que essa relação da geração Z com os negócios precisa ser analisada não só em um recorte geográfico como de estratos sociais. Ela lembra que é necessário “tropicalizar” esse debate sobre o engajamento social como fator de decisão de consumo, porque se em outros mercados os jovens deixam de consumir uma marca que não se manifesta sobre determinadas causas, aqui no Brasil, isso só acontece quando o fator econômico não é o mais predominante para o público.
“Essas escolhas para os estrangeiros são muito comuns, mas por aqui só acontece quando publico pode, o que não é sempre. No Brasil é sempre assim: quando é possível”, avalia.
As diferenças entre a Geração Z e as demais vão muito além da forma como esse grupo se relaciona, utiliza as redes sociais, escolhe suas pautas, interage no mercado de trabalho, mas também envolve a forma que esses consumidores se conectam com as marcas e o mercado de consumo. Com isso, agências e anunciantes e outros interlocutores do setor tentam desvendar as diferenças geracionais que possam ajudar a se conectar com esse público.
Fator de autenticidade
Para fisgar a atenção do público mais jovem vale de um tudo: dancinha no Tiktok; colaborações com outras marcas; propaganda com celebridades em alta e muito mais. Na visão de Augusto Leme, da agência de publicidade Ampfy, esse comportamento das marcas é reflexo da busca pela conexão através da autenticidade. “A geração Z está indo atrás das marcas que são mais autênticas”, afirma.
Contudo, o diretor de estratégia da Ampfy destaca que é preciso reforçar com os anunciantes, que o que funciona para uma marca, não necessariamente funcionará para outra. Assim como outros especialistas em construção de marca, Leme enfatiza a importância da autenticidade e relação entre a marca a algumas pautas, para que a mensagem divulgada aos clientes mais jovens não soe como forçada, ou até como um movimento de “ESG Washing”. “Existe uma discussão diária entre agências de propaganda e marketing e os anunciantes sobre quais são os assuntos que nós devemos entrar, ou não entrar”, diz.
Mas afinal, como ser autêntico em meio a tantos estímulos e tantas marcas? Para o sócio da agência de publicidade LePub no Brasil, Aldo Pini, a resposta passa, também, por autenticidade e foco em não tentar rotular todos os membros da geração Z como uma grande massa de consumo homogênea. “A geração Z não é um estereótipo, a marca não pode tentar definir o que é esse grupo. O que precisamos é entender o comportamento dessa geração”, enfatiza o executivo.
Uma das idiossincrasias dessa nova geração que chega ao mercado de consumo é a sua relação com as bebidas. Dados do relatório Covitel sobre o consumo de bebidas alcoólicas apontam que o grupo de jovens entre 18 e 24 anos - que integram a geração Z- consomem menos esses produtos do que as gerações mais velhas.
Mas como uma cervejeira lida com esse dado? Segundo Pini, um dos nomes por trás da estratégia de marca da Heineken dentro da LePub, o jeito é entender o papel da marca na sociedade.
O executivo explica que ao perceber que os consumidores mais jovens bebiam menos produtos alcoólicos, além de trazer opções zero álcool, por exemplo, a propaganda da gigante de bebidas precisou entender que sua função com o consumidor era, na verdade, o foco na socialização, que ocorreria com ou sem álcool.
Assim, a marca passou a olhar para outros pontos de conexão dos jovens, como no caso dos jogos online, que passaram a fazer parte da estratégia de comunicação de Heineken, uma vez que os chamados “e-sports” - ou esportes online - são uma nova ferramenta cultural de socialização de muitos membros da Geração Z. “Às vezes, para o jovem o game é uma ferramenta de socialização como era o bar no passado para os mais velhos. Isso é entender como a marca pode ser relevante nesse ambiente”, analisa Pini.
Nativos digitais
Líder de estratégia e conexões da Monks, Quentin Mahé, vê no mercado o aumento do interesse de alguns clientes da agência por essa nova leva de consumidores, que tem, às vezes, algumas peculiaridades na relação com as marcas. O executivo pontua que um destaque na relação da Geração Z com as marcas é o fato de que esse grupo é nativo digital e diferentemente dos seus antecessores, que foram introduzidos a este mundo no decorrer da vida. “O que eu levo como a maior diferença dessa geração com as outras anteriores é o fato de ser a primeira geração que nasceu com internet como se fosse luz. Isso muda muito na forma como essa geração pode consumir”, diz.
Mahé explica que com essa mudança de acesso à tecnologia, os consumidores mais jovens são menos impactados pela propaganda que é veiculada na mídia tradicional. Ele acredita que o papel que a televisão teve para tantas outras gerações, hoje cabe a Meta, Google, TikTok e outras redes, que são as grandes plataformas que são a mídia de massa, quando se fala de público jovem, eles são 60% de investimentos que vão para o digital. “O anúncio na TV é caro e não é tão relevante para os mais jovens”, avalia.
Cecília Russo, da Troiano Branding, ressalta que, ainda que algumas marcas tenham um desempenho melhor do que outras, neste momento, ainda é cedo para garantir que já existe uma forma mais adequada de se conectar com os consumidores mais jovens. “Quem disser que tem a receita para falar com essa geração está mentindo, porque é uma receita que se move”, enfatiza.