A Gessy está de volta, depois de mais de 15 anos fora do mercado. Tradicional em sabonetes em barra, a marca, que completa 113 anos em 2023, retornou às prateleiras dos supermercados e das farmácias em abril. “A primeira batelada de 5 milhões de sabonetes de perfume suave foi vendida num flash, já estamos no mercado com um segundo lote maior e um terceiro em negociação com o varejo”, conta Samuel Tocalino, sócio-diretor da Clariq.
Ele é trineto dos fundadores da Gessy, os imigrantes italianos, o sapateiro Giuseppe Milani e o químico Ettore Manarini. Juntos, eles iniciaram a produção de sabonetes em Valinhos (SP), que veio a ser a fábrica José Milani & Cia. A partir de 1930, a marca Gessy passou a dar nome à empresa.
Tocalino e dois irmãos abriram a Clariq para colocar de pé novamente a marca criada pela família. A meta é ter um grande projeto de longo prazo. “Queremos trazer a Gessy de volta ao panteão dos negócios brasileiros”, afirma.
No passado, a marca chegou a ser líder de higiene pessoal, com quase 80% do mercado de sabonetes do País. Também se tornou a maior anunciante brasileira em rádio e TV. No começo da década de 1960, a empresa foi vendida pelos herdeiros das famílias dos fundadores para a multinacional Unilever, de produtos de consumo, e a marca Gessy foi junto. “Meu bisavô contava que esse foi, na época, o maior negócio privado da história do Brasil até então, fechado na sede do Citibank, em Nova York (EUA).”
Planejamento da retomada
Engenheiro químico por influência do bisavô, Tocalino, de 52 anos, concluiu a faculdade e foi trabalhar no exterior no segmento de petróleo. Mas a marca Gessy nunca saiu da sua cabeça e de seus irmãos.
Voltando ao País decidido a empreender, buscou informações sobre a situação da marca Gessy no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e constatou que ela não estava sendo usada. Por meio de processo administrativo aberto no INPI, a marca voltou há dois anos e meio para a família – sem restrições.
De acordo com a Lei de Propriedade Industrial (9279/1996), depois de registrada, a marca tem até cinco anos para ser colocada em uso. Passado esse período, o nome precisa ser usado ininterruptamente. Se não for usado por cinco anos, poderá ser alvo de processo de caducidade.
“A caducidade é uma forma legal de se obter o registro de uma marca em desuso, podendo ser essa marca muito famosa”, afirma o advogado Paulo Roberto Toledo Correa, especializado em propriedade intelectual e patentes, responsável processo da Gessy.
Segundo o advogado José Mauro Decoussau Machado, sócio da área de propriedade intelectual do escritório Pinheiro Neto Advogados, qualquer pessoa pode requisitar a caducidade de uma marca ao INPI, mediante processo, desde que comprove que ela não está sendo usada.
Após a marca ter sido comprovadamente reconhecida em desuso pelo órgão, a Gessy foi registrada pela empresa dos três trinetos dos fundadores em várias classes de negócios no INPI, como insumos e fragrâncias, produtos de limpeza doméstica, farmácia, catálogos, por exemplo. Isso revela a extensão dos planos da família para o negócio que está surgindo.
“Estamos no processo de registro da classe 35, que é loja”, diz Tocalino. Mas ele pondera que a etapa de ter uma loja com a marca Gessy seria uma meta mais de longo prazo. Por ora, o foco é produtos de higiene pessoal, começando pelo sabonete em barra e, posteriormente, líquido.
Memória viva
Antes de colocar novamente o sabonete em barra no mercado, o empresário encomendou uma pesquisa para saber como andava a memória da marca e se surpreendeu com os resultados. A marca apareceu na lembrança de 53%, em média, dos brasileiros de todas as faixas etárias. Entre os mais velhos, acima de 50 e 60 anos, o índice beirou 80%. Isso explica o desempenho surpreendente de vendas do primeiro lote de sabonetes, sem publicidade.
Leia Também:
“Vendemos milhões de sabonetes e ainda nem arranhamos a superfície”, diz Tocalino. Ele compara a força da marca, que na sua avaliação é “fortíssima” a um grande fóssil de um dinossauro. “Vamos cavar até achar o negócio.”
O plano da companhia não é ter uma planta industrial como os ancestrais da marca, mas trabalhar com fabricantes terceirizados. A Clariq fechou contrato de cinco anos com a gigante JBS para a produção do sabonete Gessy e poderá fazer o mesmo com outras indústrias para outros itens. “A Gessy é um escritório de negócios, de designer”, diz o empresário.
Ele não revela quanto os sócios aplicaram no negócio. “Para nós três, o investimento foi grande, mas não se trata de milhões de dólares.” Tocalino observa que existem marcas que recebem investimentos de US$ 30 milhões logo no primeiro dia de operação. Mas esse não é o caminho escolhido pela família, que pretende ter um crescimento gradual e orgânico, sem perder o controle da marca.
No momento, ele conta que está se reunindo com potenciais investidores. Pelo fato de a marca já estar no mercado, com receita de vendas e recompra de clientes, diz, o risco do negócio diminui para o investidor e o valor da operação fica mais interessante.
Além de atrair investidores, por conta da marca forte, hoje a empresa está em fase de contratação de uma consultoria especializada para identificar a filosofia da marca Gessy. “Quando se fala em Natura, vem a ideia de natureza; quando se fala em Dove, hidratação”. Ele levanta as possibilidades de a Gessy vir a ser identificada como a marca da família, da mulher que trabalha, da profissional urbana. “É essa identidade que precisamos encontrar.”
Leia Também:
Além da forte memória, na opinião de Tocalino, o resgate de marcas antigas desativadas é conveniente neste momento por causa de outros fatores. Ele observa que é muito difícil criar novas marcas porque, praticamente, todos os nomes foram registrados no INPI. Ao reativar uma marca que não está sendo usada é possível evitar riscos de conflito.
Jaime Troiano, sócio da Troiano Branding, um dos maiores especialistas em marcas, frisa que o custo de lançar uma marca nova é elevado por causa dos gastos com mídia. Nos seus cálculos, o desembolso feito pelo o uso de uma marca existente é pelo menos 30% menor em relação ao investimento necessário para se ter uma marca da estaca zero. Isso explicaria, na opinião do especialista, a onda de retomada de marcas antigas que vem ocorrendo no mercado.
Procurada pela reportagem, a Unilever não comentou o tema.