A chegada ao País do grupo chileno Vitamina marca uma nova etapa no mercado da educação privada brasileira. Depois do ensino superior, médio e fundamental, os negócios agora se voltam para o atendimento de crianças de 0 a 5 anos. Desde 2020, o grupo já comprou 29 escolas de educação infantil em São Paulo e deve chegar a 40 nas próximas semanas.
A oportunidade de negócios ganhou força com a pandemia. Muitas escolas perderam grande parte da receita, já que só há obrigatoriedade de matrícula no País a partir dos 4 anos de idade e o ensino online não é recomendado para crianças pequenas.
Para especialistas no setor, no entanto, há desafios. A educação infantil é considerada a mais complexa de se operar porque são poucos alunos por professor, não tem provas ou testes de desempenho e as famílias costumam ter uma relação emocional com as escolas.
Mas a Vitamina aposta na valorização da educação na primeira infância, que cresceu nos últimos anos após pesquisas mostrarem a importância do estímulo adequado antes dos 5 anos para o desenvolvimento do indivíduo e para a economia.
“Há 20 anos, a educação infantil era um lugar pra criança brincar antes de ir pra escola. Hoje sabemos que nessa etapa se desenvolvem as questões cognitivas, mas há poucos programas, currículos menos profundos”, disse ao Estadão o fundador e CEO do Grupo Vitamina, Alejandro Bascuñán. “No Chile estamos muito concentrados em Santiago. O Brasil é a oportunidade que temos para aumentar de tamanho.”
Ele diz que não há uma meta sobre o número de escolas brasileiras que pretendem comprar, mas já avisa que a empresa “deve se tornar maior no Brasil do que no Chile”. Bascuñán também pretende expandir para outros Estados e mais países latinos. Hoje, a Vitamina é uma empresa de 15 anos, com 65 centros de educação infantil chilenos, todos com estrutura padronizada, diferente do que vai acontecer aqui.
Em São Paulo, segundo Bascuñán, as escolas compradas manterão seus nomes de origem e suas equipes. Os projetos pedagógicos e as estruturas serão acompanhados pelos funcionários da Vitamina para indicar ou não adaptações. O CEO também afirmou que as salas terão, no máximo, 10 ou 12 alunos por cada professor. A empresa pretende ganhar escala nas atividades administrativas, na alimentação, itens de segurança e no treinamento dos profissionais.
Um dos acionistas minoritários do Grupo Vitamina é a Península Participações, empresa da família do empresário Abílio Diniz, que investe em educação, principalmente por meio de formação de professores. Segundo fontes, Ana Maria Diniz, filha do empresário e responsável pelas iniciativas na área da educação, teria influenciado na vinda da Vitamina para o País. Procurada, a Península informou por meio de nota que a empresa chilena é “um modelo para alavancar nossa atuação e impactar positivamente o desenvolvimento das crianças do Brasil”.
Aquisições
Entre as compras há a Escola Jacarandá, referência em educação infantil, com 27 anos. Ela fica em Higienópolis, atende a classe alta e tem mensalidades em torno de R$ 2.700 para meio período. E outras menores, com estrutura bem simples, como a Luxor, em Santos. Muitas delas são bilíngues como Bee Kids, no Itaim, Building, no Campo Belo, Playcare, em Moema, e Baby School, em Osasco. A maioria é de escolas familiares, pequenas e conhecidas apenas nos bairros. A Vitamina não divulgou o valor das aquisições nem quanto pretende investir no País.
“É um momento em que as escolas estão descapitalizadas e uma oportunidade de sair do negócio sem dívida”, diz o diretor de uma das escolas compradas que pediu para não ter seu nome divulgado. Para ele, é muito difícil a educação infantil ser lucrativa e a pandemia ainda piorou o cenário, com descontos nas mensalidade e perda de alunos. “No espaço em que você coloca seis bebês, pela exigência de lactário, berços, alimentação, poderia colocar 30 alunos maiores.”
No Chile, há unidades que funcionam até 24 horas, de segunda-feira a domingo. E ainda há escolas dentro de empresas, como no banco Santander, que bancam parte da mensalidade das crianças. A Vitamina também pretendeinvestir nessa modalidade no Brasil, segundo o gerente geral no País, Paulo Serino, que veio da Saber, que também atua na educação básica e faz parte da Kroton Educacional. “A consciência está subindo, se a empresa puder dar esse suporte, ela vai ser mais inclusiva”, disse. No Brasil, as empresas podem oferecer auxílio-creche às trabalhadoras quando não possuem local para os filhos pequenos, mas o valores muitas vezes não cobrem as mensalidades das escolas privadas.
Segundo Eugenio Cordaro, proprietário da Corus Consultores, que atende escolas privadas, outros grupos devem se interessar em breve pela educação infantil. Mas ele afirma que as empresas precisam conhecer bem o perfil das famílias das escolas em que estão investindo e fazer uma comunicação eficiente com elas. “Os pais de crianças pequenas são muito apegados com a escola, quando muda o dono, o risco é alto de ter muita perda de alunos.”
Serino não acredita numa grande consolidação na educação infantil porque o mercado é muito pulverizado, com uma quantidade de escolas bem maior do que há no ensino superior. Segundo o censo do Ministério da Educação, o País tem 113 mil escolas de educação infantil e cerca de 2.600 universidades. Na semana passada, a Vitru – controladora do grupo de educação catarinense Uniasselvi – assinou um acordo para comprar 100% da paranaense Unicesumar (Centro de Ensino Superior de Maringá) por cerca de R$ 3 bilhões. Cifras também que devem ficar bem longe dos negócios na educação infantil.
Investimento na primeira infância traz ganhos para a vida toda
O economista americano James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel em 2000, mostrou que a política pública voltada para a primeira infância reduz déficits e fortalece a economia. Na chamada “equação Heckman” ele diz que para cada dólar investido, o retorno é de US$ 7, já que o país estará dando “ferramentas para a ascensão social e para o desenvolvimento de uma força de trabalho altamente instruída e qualificada”.
Heckman, que é professor da Universidade de Chicago, explica que na primeira infância o cérebro se desenvolve rapidamente para construir as bases das habilidades cognitivas e de caráter, necessárias para o sucesso na escola, saúde, carreira e na vida.
Ele defende ainda que o foco tem que ser o mais cedo possível nas crianças pequenas, principalmente as mais carentes, que têm menos recursos educacionais em casa. “Começar na idade de 3 ou 4 anos é um pouco tarde demais, pois significa não reconhecer as habilidades de uma forma complementar e dinâmica”, afirma.
Veja a lista de escolas compradas pelo grupo Vitamina:
- Conhecer
- Living
- Amor Perfeito
- Blue Sky
- Materna
- Alfa
- Vila do Aprender
- Mundo Melhor
- Pueri Regnum
- Tio Juca
- Building
- Creare
- Girassol
- Primeiro Passo
- Raio de Luz
- Olívia Palito
- Lumens
- Sol Azul
- Luxor
- Jacarandá
- Vila Feliz
- Bee Kids
- Espaço Singular
- Playcare
- Baby School
- Pirilampo
- Recanto dos Peraltas