Instalada no Brasil recentemente, a Great Wall Motor (GWM) adotou estratégia diferente de entrada no País. Ao contrário das demais marcas, que iniciaram operações como importadoras para testar o mercado e depois instalar unidades produtivas, o grupo chinês primeiro quis garantir sua fábrica, com a compra das instalações da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP), em 2021.
Pouco depois o grupo iniciou as reformas necessárias e, só agora, mais de um ano depois, inicia a importação do primeiro automóvel da marca, o híbrido plug-in Haval H6 GT. Trata-se de um utilitário esportivo (SUV), híbrido plug-in (é carregado na tomada), com equipamentos inéditos no mercado brasileiro para essa categoria de veículo. A produção local, não necessariamente desse modelo, só terá início no primeiro semestre do próximo ano. Será a primeira fábrica no País a produzir somente veículos eletrificados.
Com essa fórmula, o maior grupo automotivo privado da China pretende mostrar que “realmente quer fincar raízes no Brasil”, e ganhar a confiança do mercado, conforme define James Yang, CEO da GWM do Brasil e da América Latina. Em entrevista exclusiva ao Estadão, a primeira à imprensa local desde sua chegada ao País, em outubro, o executivo chinês, de 43 anos, diz que o grupo estudava o mercado brasileiro há dez anos.
A GWM chegou a avaliar a compra da fábrica da Ford, no ABC paulista, após a marca encerrar operações na região, em 2019, e depois a planta da Bahia, fechada quase dois anos depois, além de outras opções não reveladas. O fim das operações da Mercedes-Benz, que não teve sucesso na produção local de carros de luxo, foi vista como oportunidade pelo grupo. “Mas se não fosse essa fábrica teríamos buscado outra”, afirma Yang. Também apressou o processo o fato de um projeto de fábrica na Índia ter sido cancelado.
O Brasil já era atrativo para a Great Wall por seu mercado, que chegou a 3,8 milhões de unidades em 2012, embora no ano passado tenha vendido 2,1 milhões unidades. Desde que a discussão sobre a descarbonização global passou a ser prioridade, o que passou a ser o radar da fabricante foi a matriz energética brasileira, com 80% de geração “verde”, incluindo o uso de etanol nos veículos.
O grupo decidiu então que viria ao País para produzir apenas modelos eletrificados (híbridos, híbridos plug in e elétricos) e, futuramente, elétricos e a célula de combustão a hidrogênio derivado do etanol. Para essa empreitada, anunciou investimentos de R$ 10 bilhões, sendo que R$ 4 bilhões serão gastos até 2025 e o restante até 2032.
Parte do montante está sendo investida agora nas adaptações da fábrica e novos equipamentos. A capacidade produtiva será ampliada de 20 mil para 100 mil veículos ao ano para atender o mercado local e exportações. A empresa também trabalha na busca dos primeiros fornecedores de componentes, na formação de uma rede com 50 concessionárias, na instalação de 100 pontos de recarga elétrica gratuita e em campanha publicitária. A filial brasileira será a maior do grupo fora da China.
No início do mês, o grupo iniciou campanha publicitária que fala dos seus valores mais importantes como inovação, tecnologia, sustentabilidade e conectividade. O filme tem como fundo a música “Hello, goodbye”, dos Beatles, remixada pelo DJ Alok, que tem 28 milhões de seguidores no Instagram, com o slogan de “Hello, tomorrow”..
Mesmo sendo ainda um mercado pequeno, de apenas 2,5% das vendas totais de automóveis e comerciais leves, Yang acredita em crescimento contínuo das vendas de carros eletrificados nos próximos anos, como ocorreu em seu país.
James Yang, CEO da GWM do Brasil e da América Latina
A GWM pretende atrair mais consumidores para o mercado de carro eletrificados com um utilitário-esportivo híbrido plug-in que roda 170 km apenas no modo elétrico – mais que o dobro da média de outros modelos à venda no Brasil com essa tecnologia, que vai de 50 km a 60 km. Entre itens inovadores, tem câmera de reconhecimento facial para até cinco motorista, que personaliza as preferências do usuário e oferece entrega de carros por delivery em todas as cidades do País, sem que o consumidor tenha de ir à concessionária.
Os atributos estão no Haval H6 GT, que começará a ser vendido a partir de março e com entregas em abril. Nesta semana, a empresa passou a aceitar reservas por R$ 9 mil de sinal, que será devolvido caso o consumidor não queira ficar com o veículo. O preço do modelo só será divulgado no próximo mês mas, segundo especialistas do mercado, deve ficar perto dos R$ 300 mil.
“Quando o consumidor brasileiro dirigir o Haval, tenho certeza de que não vai querer nenhum outro veículo”, acredita Yang. O veículo recebeu várias mudanças de adaptação ao mercado brasileiro. Importado da China, tem dois motores elétricos e um a combustão, movido a gasolina. Combinados, resultam em autonomia de 1 mil km com carga completa de eletricidade e tanque cheio. Em breve serão importadas as versões H6 Premium com tecnologia HEV (híbrida tradicional) e PHEV (híbrida plug-in).
Motor flex
A fábrica de Iracemápolis deve iniciar produção na primeira metade de 2024, provavelmente com uma picape híbrida plug-in. Quando o SUV H6 também entrar em linha, passará a ter motor flex em vez do apenas a gasolina. Nos próximos três anos, o grupo promete dez lançamentos de suas três marcas: Haval, de SUVs urbanos, Tank (SUVs off-road de luxo) e Poer (picapes).
Carros puramente elétricos (BEV) estão nos projetos de longo prazo, assim como a produção de baterias. “Não sei se o Brasil vai precisar tão rápido dos elétricos”, justifica Oswaldo Ramos, diretor comercial da empresa.
Para que o Brasil siga uma trajetória de altas significantes de vendas, Yang avalia que o governo local precisa construir políticas de apoio à eletrificação. O governo chinês, por exemplo, faz altos investimentos para incentivar a produção local e oferece subsídios aos compradores. O executivo reconhece, porém, que para seu país de origem a escolha foi estratégica, por ser muito dependente de petróleo e carvão.
“É preciso insistir para que haja políticas de governo, pois o crescimento desse mercado é uma jornada longa, mas depois que começa a ficar mais forte é possível reduzir o apoio”, avalia Yang. Ele diz acreditar que o governo brasileiro tem essa visão para o País.
Imposto de Importação
Por causa dessa posição, a GWM defende a manutenção da regra atual de isenção do Imposto de Importação (II) para carros elétricos como forma de incentivar o consumo e, quando tiver escala, investimentos em manufatura. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), ao contrário, passou a defender a volta da tributação por avaliar que o benefício atrasa investimentos locais na produção.
A General Motors é outra montadora que defende manter imposto zero para elétricos e reduzido para os híbridos, que hoje recolhem de 4% a 7% de II, enquanto importados a combustão pagam 35%.
Outra bandeira da GWM é a extensão do hoje restrito benefício a montadoras do Norte, Nordeste e Centro Oeste, que até 2025 têm direito a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a título de ressarcimento pelo pagamento de PIS e Cofins.
“Não faz mais sentido manter um mecanismo regional que beneficia apenas um grupo pequeno de empresas (Stellantis, Caoa/Chery e HPE Mitsubish e Suzuki)”, afirma Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais da montadora.
Bastos explica que a ideia não é acabar com o incentivo para essas regiões, mas ampliá-lo para as demais empresas incentivando projetos de introdução de novas tecnologias, sem alterar o valor total. Seria uma nova divisão de um montante que, em 2021, chegou a R$ 5 bilhões.
Recente estudo feito McKinsey & Company indica que o Brasil deverá ter cerca de 11 milhões de automóveis e comerciais leves eletrificados em circulação em 2040. “Estimamos que os veículos elétricos respondam por 55% das vendas nesse período”, afirma Daniele Nadalin, diretora da Mckinsey.