Filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein (1923-2014), o empresário Michael Klein ainda é o maior acionista individual da empresa de varejo, que voltou a adotar desde o ano passado o nome Casas Bahia, depois de ser chamada de Via e de Via Varejo. Mas, sem deter o controle da companhia e sem ocupar assento no seu conselho de administração, Klein dedica agora a maior parte do seu dia a dia empresarial a outros negócios.
Por meio do Grupo CB (que não é a empresa de varejo, que tem hoje grande parte do capital pulverizado na B3), ele investe principalmente em galpões logísticos e concessionárias de automóveis de marcas de luxo.
Klein recebeu a reportagem do Estadão em seu escritório em São Caetano do Sul, nos arredores de São Paulo, onde o seu pai trabalhava e que era a sede da antiga Casas Bahia. O empresário voltou a dar expediente nessas dependências depois de trabalhar nos últimos anos no Aeroporto de Congonhas, onde ficava a sede de sua empresa de aviação executiva Icon - vendida depois da pandemia.
O empresário nasceu em Munique, na Alemanha, em 1950, depois de o seu pai fugir enquanto era transferido do campo de concentração Majdanek para o complexo de Auschwitz-Birkenau, ambos na Polônia, e foi criado em São Caetano do Sul. Nessa entrevista, Klein fala sobre seus novos investimentos e também comenta os rumos da Casas Bahia:
O sr. não participa mais do dia a dia das Casas Bahia. O que tem feito como empresário?
Estou copiando o modelo americano que eles chamam de “last mile” (última milha), com um empreendimento logístico em Itaquera (Zona leste de São Paulo), de 10 mil metros quadrados de área. Já temos um inquilino contratado. Não é possível para um caminhão grande de produtos ficar circulando pela cidade. Então, por esse modelo, a empresa traz os produtos para a cidade e depois eles circulam em vans de distribuição para as entregas aos consumidores.
Esse negócio de galpões não é exclusivo para atender à rede Casas Bahia, criada por sua família?
É para todo o mercado. Tenho três galpões alugados para a Luiza Trajano (controladora do Magazine Luiza), dois na Bahia e um em Francisco Morato (SP). Nós competimos nas vendas nas lojas, mas lá no topo queremos o melhor para cada um.
Qual a sua relação com o varejo atualmente, como maior acionista no Grupo Casas Bahia?
Na Via, sou acionista passivo. Não faço mais parte do conselho. Já deixei até de fazer parte de associação de varejo, e hoje sou representado pelo Secovi, de negócios imobiliários.
Mas não continua com direito a assento no conselho de administração na varejista, por meio do seu filho Raphael Klein?
Ele está lá, mas cada um tem a sua cabeça.
Quais são as perspectivas para esse setor, que sofreu tanto nos últimos anos?
Existe essa nova tendência de o governo incentivar a redução dos juros. Eles estão mostrando queda e, se seguir nesse ritmo, vai ser excelente. O governo tem isso de popularizar o crédito. E, para isso acontecer, é preciso ter juros mais baixos. Não sei até onde vai (a queda dos juros). Mas não podemos ter a segunda maior taxa real de juros do mundo. Se chegar a 7,75% está ótimo.
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E como está a situação para a Casas Bahia, em especial?
Eu fico sabendo pela imprensa, o que vocês reportam. Leio o que é divulgado. O Grupo Casas Bahia tem agora uma gestão profissional (o atual presidente Renato Franklin veio da Movida), que está dando um grande passo. A gestão anterior (liderada por Roberto Fulcherberguer) também fez coisas boas, como as vendas pelo programa Me Chama no Zap. A nova pegou bem a engrenagem. Pelo menos, pelo que tenho visto pelos jornais, deve entregar resultado no ano que vem. A gestão está vendo o mercado todo, e se voltando para o comércio físico. A gestão atual está corrigindo erros gerados na pandemia.
Mas o que foi feito de diferente na pandemia, que levou a empresa a um alto endividamento?
Na época, era melhor se voltar para o comércio eletrônico. Passou a pandemia e a empresa continuou priorizando o online. Mas o cenário mudou, com a entrada de novos competidores, como Amazon, Shopee e Shein. A nova diretoria resgatou o papel original do varejo, de fazer o crediário físico, presencialmente, via entrevista. Pela internet, só dá para saber o que as pessoas postam nas redes sociais.
Além do negócio imobiliário e de galpões logísticos, em que mais tem investido?
Eu tenho um acordo de não competição com a Via, pelo qual só posso vender produtos que a Casas Bahia não negocia. Então, tenho 14 concessionárias de carros, que são revendas das marcas Land Rover, Mercedes-Benz, Dodge Ram, Jeep, Honda e Mitsubishi. Tudo no Estado de São Paulo.
Não existe plano de expansão?
Não para fora do Estado. Percebemos que muitas pessoas desse público de luxo têm casa em São Paulo. Eles vêm para cá para comprar carros de marcas que não têm em concessionárias de seus Estados. Então, estamos crescendo de outra forma. Compramos três revendas Honda, e agora temos cinco delas.
Esse mercado de luxo ainda tem potencial de crescimento? Ele não chegou no teto no Brasil?
O mercado ainda tem espaço para crescer. Não bateu no teto. Se houver oportunidades, podemos comprar revendas, ou trocar a marca da concessionária, caso alguma montadora tenha um desempenho melhor.
Qual é o faturamento desse negócio?
O faturamento total da holding CB Autos, considerando que tem uns casos que a venda da montadora é direta e só ganhamos a comissão, fica em torno de R$ 1 bilhão por ano.
E essa divisão fica dentro da mesma empresa dona dos negócios imobiliários e que inclui também os seus terrenos que são alugados para as lojas da Casas Bahia?
Tudo fica embaixo da Casas Bahia Ltda. Temos faturamento anual com aluguéis de R$ 220 milhões. Então, contando o negócio logístico e as concessionárias, faturamos em torno de R$ 1,2 bilhão ao ano.
Quais são os investimentos feitos nos dois negócios?
Nas concessionárias temos R$ 50 milhões em investimentos no ano. Nos galpões, temos operação em Jundiaí e Ribeirão Preto (SP), Duque de Caxias (RJ), Taguatinga (DF) e Camaçari (BA). Agora, terminamos outro em Cajamar, que foi feito para dois inquilinos, mas veio a Ford, que entregou as suas fábricas no ABC Paulista e na Bahia, e alugou todo o espaço, todos os 80 mil metros quadrados. Também ficou pronto o de Itaquera, em novembro, e o segundo em Cajamar está em fase de terraplanagem e deve demorar dois anos para ficar pronto. Este último terá 250 mil metros quadrados e vamos gastar R$ 1 bilhão para a obra. São 2 quilômetros de frente para a Rodovia Anhanguera. O negócio de galpões chamamos de Icon Realty, para não confundir com os negócios para a Casas Bahia.
E agora que a Via voltou a adotar o nome de Casas Bahia ficou mais confuso diferenciar entre as duas empresas?
Complica, agora, que eles se chamam Grupo Casas Bahia. E nós adotamos Grupo CB. O meu registro é o mesmo desde 1952, como Grupo Casas Bahia Comercial Ltda. Podemos usar qualquer nome de fantasia, mas o registro continua esse. De vez em quando, eu recebo bloqueios de bens por conta de dívidas da empresa de varejo. O juiz, às vezes, confunde as empresas, e temos de explicar que são duas empresas diferentes.
Mas quanto a família Klein tem ainda de participação na varejista Casas Bahia?
Hoje, eu tenho menos de 10%. A família, ao todo, tem em torno de 24% e 25%. Arredondando, a minha filha Natalie Klein possui 5%, o meu filho Raphael Klein tem 5%, e a minha irmã Eva, que mora há 35 anos nos Estados Unidos, tem 5%.
Existe, no entanto, uma pendenga jurídica sua com a varejista por conta de dívidas trabalhistas. Como isso será resolvido?
Pelo acordo de acionistas, nós seríamos responsáveis durante cinco anos pelos trabalhadores que não chegassem a acordo com a empresa. Nós, eu e a empresa, temos entendimento diferente sobre isso. Não concordei, e continuo não concordando, que funcionários que antigamente eram meus e que passaram para eles sejam ainda de minha responsabilidade. Mas as cobranças continuam vindo para mim.
De quanto é o valor dessa disputa?
Não é um valor muito alto. No balanço deles, é uma conta de R$ 300 milhões. Pelas minhas contas, é de cerca de R$ 200 milhões. O meu pai dizia que, para fazer um acordo, todo mundo precisa abrir mão de alguma coisa. Mas eles dizem que não podem fazer acordo comigo, sendo uma empresa aberta. Infelizmente, como não chegamos a um acordo, vai ser preciso termos um terceiro, um árbitro, para decidir por nós.
A diretoria teria medo de fechar um acordo e ser responsabilizada por privilegiar um acionista?
Não é medo. Desculpe a correção, mas não é medo. A questão é que existem acionistas minoritários, e, querendo ou não, eu sou uma parte relacionada (com a empresa). Os minoritários podem alegar que eles não têm a vantagem que eu poderia ter. Então, se houver uma decisão judicial, por meio da arbitragem, a empresa simplesmente cumpre a decisão, e não há responsabilidade para a gestão.
Por que o seu negócio de aviação, a Icon, de aluguel de aeronaves, foi vendido no pós-pandemia?
Vendi em 2021 para a Voar, uma empresa de Goiás. Eles já tinham comprado uma empresa em Uberlândia (MG) e queriam vir para São Paulo. Daí, vendi a empresa com toda a operação, em São Paulo, Rio de Janeiro, Jundiaí (SP) e Brasília. Eram 20 aviões, nem todos eram próprios. Alguns eram de outros donos e eram gerenciados por nós, e tínhamos 52 pilotos. Mas o negócio não foi rentável para mim. Qual companhia aérea do mundo foi bem e que não é coberta por governos? Seja na Europa ou no Oriente Médio, elas têm apoio do governo. Ou então acabam em recuperação judicial.