Quando uma incorporadora decide subir um edifício residencial, o financiamento da obra é um componente chave para que todo o projeto, altamente intensivo em uso de capital, tenha condições de sair do papel. E a dinâmica para pagar essa conta é complexa. Isso porque os grandes bancos, que já são acostumados a colocar dinheiro nos projetos, têm na cartilha algumas regras claras antes do desembolso: o dinheiro somente chega depois de a empresa ter vendido uma alta porcentagem dos apartamentos e ter “tirado a obra do chão”, o que historicamente cria um “limbo” para as empresas no início das obras.
Tem sido nesse nicho de mercado que fundos de investimento especializados estão atuando, com projeção de mais crescimento devido a uma expectativa de saques da poupança, de onde vem grande parte dos recursos de financiamento bancário para a construção civil. Esses fundos buscam crescer nesse mercado, com alguns mirando novas captações.
Esse movimento ocorre em um momento em que o mercado está muito seletivo para ofertas de ações de empresas já listadas na Bolsa e vive uma escassez de ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês), o que tirou uma importante alternativa de captação das incorporadoras.
Assim, um tipo de negócio que ganha fôlego e agrada tanto fundos quanto incorporadoras é uma transação em que é comprada uma quantidade de apartamentos do empreendimento que acaba de ser lançado, com um desconto. Com essa operação, a incorporadora coloca dinheiro no caixa e pode, com isso, dar tração ao início das obras.
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No contrato, um detalhe faz a diferença: fica prevista a opção de recompra do apartamento pela incorporadora, deixando um prêmio na mesa para o fundo ter sua rentabilidade. Assim, fica mais atrativo o negócio para a empresa, que pode tentar vender o imóvel para o cliente final, com uma melhor margem. Em miúdos, trata-se de uma operação de dívida, com apartamentos dados como garantia.
Rossano Nonino, sócio da ORE
No Fator ORE, plataforma destinada ao setor imobiliário do Banco Fator, o negócio está aquecido e a expectativa é que exista espaço para aproveitar o momento de mercado, afirma o sócio da ORE, Rossano Nonino. “Estamos vendo incorporadoras maiores precisando desse tipo de capital”, diz.
Sua expectativa está baseada, segundo ele, em três anos seguidos de recordes históricos de lançamentos de empreendimentos residenciais. Nonino explica que, atualmente, a gestora já está em oito projetos do tipo e que a previsão é de expansão dos fundos já existentes. Segundo ele, do lado dos investidores, esse tipo de fundo tem sido bem recebido, já que o brasileiro, historicamente, tem no imóvel um tipo de investimento já conhecido.
Danilo Ribeiro, sócio da gestora Paramis Capital, que também tem participado desse tipo de financiamento para as obras, afirma que a análise do projeto e do risco da incorporadora são trabalhos fundamentais para se gerir o risco embutido no negócio. “Sempre olhamos o histórico para fazer esse tipo de operação”, comenta.
Danilo Ribeiro, sócio da Paramis Capital
Como forma de mitigar eventuais riscos, a Paramis estrutura a operação de financiamento adquirindo uma parcela dos apartamentos quando a obra ainda está no chão, mas com uma opção de venda das unidades de volta para a incorporadora caso algumas condições não sejam atendidas, como ritmo de venda ao consumidor final. “Temos tido uma receptividade boa. É de fato um dinheiro que alavanca a obra e faz sentido para a incorporadora”, diz.
Fernando Gadelho, sócio da HSI
Já a HSI, gestora especializada em crédito ao setor imobiliário, está começando a analisar a atuação no segmento residencial. “A gente entende que agora é o momento”, comenta o sócio da empresa, Fernando Gadelho. Ele afirma que os bancos, no atual cenário econômico, com muitas incertezas e juros altos, estão ainda mais seletivos para o desembolso. “E as incorporadoras não querem só uma modalidade de financiamento”, diz. O ponto, segundo ele, é um equilíbrio entre os riscos – exatamente por conta do contexto macroeconômico, o que pode levar a um “preço do crédito” mais alto.
Racional
A entrada desse capital faz muito sentido para as incorporadoras porque existe uma alta necessidade de capital e um vácuo de entrada de dinheiro no início da obra. O professor da FGV, especialista no setor imobiliário, Alberto Ajzental, explica que os bancos querem mitigar tanto os riscos de mercado, quanto os da incorporação para colocarem dinheiro.
Assim, apenas dão o crédito com a equação fechada entre o sucesso de vendas no lançamento e obras já em um estágio mais avançado, o que significa a primeira ou até mesmo a segunda laje já construída. É por isso que a incorporadora tanto precisa do dinheiro no início da obra, abrindo espaço para novas estruturas de capital sejam bem aceitas no mercado.
Por se tratar de um negócio que é altamente intensivo de capital, o retorno à incorporadora acontece após a entrega das chaves, momento do chamado “repasse”, que é quando o banco procura os clientes para fazer o financiamento dos 80% do valor do imóvel ainda não pago e o apartamento é dado como garantia. O banco, em contrapartida, paga a incorporadora. “É só nessa hora que a incorporadora verá a cor do dinheiro. Até o repasse, o fluxo é negativo”, afirma.