Influenciadores de finanças enfrentam crise de gestão e demitem depois de crescimento acelerado


Empresas lideradas por famosos na internet, como Nathalia Arcuri e Thiago Nigro, são alvo de críticas e frustrações de funcionários; Me Poupe demitiu cerca de 70 pessoas nesta sexta-feira, 27

Por Lucas Agrela
Atualização:

De 2015 para 2022, a quantidade de investidores na Bolsa de Valores subiu 850%, chegando a 5,3 milhões. Durante o mesmo período, os influenciadores pegaram carona no interesse dos brasileiros pelo mundo das finanças e criaram negócios que nasceram no YouTube e hoje empregam centenas de pessoas. É o caso de empresas como Me Poupe, da ex-jornalista de televisão de Nathalia Arcuri, e Grupo Primo, de Thiago Nigro (Primo Rico) e Bruno Perini.

Falando sobre temas que vão da renda fixa mais simples a investimentos complexos de renda variável, os influenciadores digitais conquistaram milhões de seguidores. No YouTube, Arcuri tem mais de 7 milhões de inscritos, enquanto Nigro tem mais de 6 milhões. Além de falar sobre finanças, os dois têm em comum o sucesso de audiência baseado em conteúdos de interesse do brasileiro. Eles começaram com pouca ou nenhuma ajuda, com o sucesso ou fracasso dependendo quase exclusivamente deles mesmos.

Com a evolução dos negócios, as empresas passaram a vender cursos sobre gestão financeira e investimentos, além de aumentar a produção de vídeos para diferentes plataformas, como Instagram, TikTok e YouTube. Segundo apurou o Estadão, na rodada de demissão nesta sexta-feira, 27, o Me Poupe demitiu cerca de 70 pessoas, sendo que tinha 140 funcionários no fim do ano passado, enquanto o Grupo Primo, segundo dados do LinkedIn, conta com 190 pessoas – já foram mais de 270.

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“A Me Poupe!, fundada em 2015 com o propósito de democratizar a educação financeira e ajudar as pessoas a assumirem o controle de suas decisões, passa por uma reestruturação que demandará reorganização de equipe e investimentos. Esse movimento exige outras formações e competências técnicas do time, o que motivou a difícil decisão de realizar os desligamentos mencionados”, informou a empresa, a respeito das demissões. Uma nova estrutura e novo modelo de negócios para a companhia de Arcuri será apresentada “em breve”.

Thiago Nigro, criador do canal Primo Rico e autor do livro "Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho". Foto: Werther Santana/Estadão 

Em abril do ano passado, o Grupo Primo foi às compras e adquiriu as empresas de educação TopInvest e Edufinance, além de se tornar sócia da casa de análise de criptomoedas da Paradigma Education. Mas a euforia passou em poucos meses.

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Com o aumento na taxa de juros, causando fuga para a renda fixa, empresas que se dedicavam mais ao mercado financeiro viram um horizonte bem menos otimista do que no passado. Por isso, a Empiricus demitiu 12% de seus colaboradores, por exemplo. O Grupo Primo também entrou para a estatística. Só em 2022, 90 pessoas perderam o emprego. Após a redução de equipe, o projeto com maior expectativa para 2022 no grupo, um canal sobre metaverso chamado Primoverso, foi abandonado.

Antes da nova rodada de cortes, entre o fim de agosto e o começo de setembro, a empresa de Nigro aumentou a pressão por resultados. Os relatos de ex-funcionários são de que eram estimulados a trabalhar a partir das 5h da manhã até depois das 19h, sem remuneração de horas extras. Também havia cobrança por trabalho em feriados e finais de semana. Além disso, a companhia promovia, às segundas-feiras, uma leitura coletiva de princípios cristãos, sempre com passagens bíblicas e “exposição de funcionários”.

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Em meio aos acontecimentos, o sócio Joel Jota, que é autor de livros e ex-atleta de natação, deixou de fazer parte do grupo alegando escolhas pessoais. Ele não foi o primeiro. Em julho, Luciana Seabra deixou a casa de análise Spiti, que passou a integrar o Grupo Primo após a XP Investimentos comprar fatias nas empresas e unificar os negócios. Seabra era sócia do Grupo Primo e passou a ocupar o conselho, além de continuar como analista especialista em fundos de investimentos na Spiti. Sua saída, porém, foi menos discreta do que a de Jota.

Em carta aberta, Seabra ressaltou a importância da sua independência na recomendação de investimentos para não ganhar duas vezes, uma como analista e outra com taxas de administração de fundos. “Construí, sim, com sua ajuda, uma bela casa, porém no terreno dos outros. Esse foi o meu grande erro”, escreveu a analista. “Não acredito em servir a dois senhores.”

No segundo semestre, pouco depois da saída de Seabra, o Primo Rico lançou seu primeiro fundo de investimento que promete ajudar a conquistar a independência financeira no longo prazo. Seabra foi procurada pela reportagem, mas preferiu não comentar sobre o assunto. O Grupo Primo foi procurado e não retornou os contatos da redação.

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Me Poupe

O Me Poupe fez sua primeira rodada de demissão em janeiro deste ano, mas enfrenta crise com os funcionários desde meados de 2022. A empresa sempre deu maior espaço para ensinamentos sobre investimentos na renda fixa e formas de fazer renda extra, duas vertentes que tiveram aumento de procura diante da alta da taxa Selic e da redução do poder de compra do brasileiro, corroído pela inflação.

Mas a expectativa e a realidade se mostraram bastante diferentes para quem acreditava em um ambiente bom para trabalhar, associado com a missão de tirar o brasileiro das dívidas e torná-lo um investidor. Ex-colaboradores da empresa falaram ao Estadão que a empresa estimula um clima super competitivo entre as pessoas e passou a aumentar a cobrança por metas cada vez mais inatingíveis, apesar de o negócio, à época, não passar por dificuldades financeiras.

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“As pessoas se decepcionam logo que entram na empresa. Há mensagens como o empoderamento feminino e transparência, autonomia, mas isso não acontece na prática”, diz um dos demitidos pela empresa, após a mudança de cultura que se deu no último ano.

Os casos vão de descaso e desligamento de pessoas com saúde mental abalada pelo trabalho à demissão de mulheres grávidas. “Um dos valores da cultura é fazer mais com menos e mais depressa do que a média. É como espremer uma laranja só para fazer dois copos de suco”, diz outro ex-funcionário. “O RH dizia abertamente aos gerentes que eles tinham um tempo determinado para resolver os problemas de saúde mental das pessoas ou teriam que demiti-las.”

Na plataforma de empregos Glassdoor, as críticas ao Me Poupe se acumulam desde agosto e citam problemas na gestão dos negócios, com metas que mudam de acordo com o humor de Arcuri – visão compartilhada pelos entrevistados pelo Estadão.

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“Parece que trocaram a Nathalia por outra pessoa. No começo, ela era muito diferente. Com o tempo, ela se tornou uma péssima líder. Deveria ser só a influenciadora da empresa porque não sabe lidar com pessoas”, afirma um ex-funcionário do Me Poupe.

Em nota ao Estadão, enviada em setembro, o Me Poupe informou que “está em constante inovação e aperfeiçoamento do modelo de negócio e realiza movimentos visando expansão e melhor experiência, com foco no fomento da gestão financeira autônoma com maior escala e impacto social”. “Gestão de pessoas é um pilar estratégico orientado pelo planejamento global do negócio que visa não só o compromisso no processo de contratar e reter talentos, mas sobretudo a responsabilidade das pessoas serem contratadas e mantidas no negócio em compasso com crescimento sustentável, evitando que sejam um custo, mas sobretudo um constante investimento da companhia”, disse a empresa.

Gestão profissional

A profissionalização da gestão de empresas é algo comum em negócios familiares que cresceram e deixaram de ser empresas que dependem apenas de um ou duas pessoas. No nicho de influenciadores, o Flow Podcast contratou um CEO que veio de empresas tradicionais, Andre Gaigher.

Sofia Esteves, fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia. de Talentos, diz que a gestão de pessoas é uma das maiores dificuldades dos empresários e que a rotatividade no quadro de colaboradores de uma empresa tende a afetar resultados financeiros devido ao tempo e investimento necessário para rescisões, contratações e treinamentos.

“A barreira de entrada nesses negócios digitais é muito baixa. O bom empreendedor sabe seus limites e procura perfis complementares aos seus. Mas o sucesso muito rápido pode cegar”, diz Esteves.

Para a especialista, o nível de cobrança exagerado pode acontecer em empresas sem metas e processos definidos, como acontece em bancos e empresas de grande porte do setor financeiro. Além disso, há uma tendência de os líderes desses negócios nascentes serem gananciosos e arrogantes, com pensamentos de todo mundo é igual a eles e precisam se dedicar tanto quanto eles mesmos ao negócio.

De 2015 para 2022, a quantidade de investidores na Bolsa de Valores subiu 850%, chegando a 5,3 milhões. Durante o mesmo período, os influenciadores pegaram carona no interesse dos brasileiros pelo mundo das finanças e criaram negócios que nasceram no YouTube e hoje empregam centenas de pessoas. É o caso de empresas como Me Poupe, da ex-jornalista de televisão de Nathalia Arcuri, e Grupo Primo, de Thiago Nigro (Primo Rico) e Bruno Perini.

Falando sobre temas que vão da renda fixa mais simples a investimentos complexos de renda variável, os influenciadores digitais conquistaram milhões de seguidores. No YouTube, Arcuri tem mais de 7 milhões de inscritos, enquanto Nigro tem mais de 6 milhões. Além de falar sobre finanças, os dois têm em comum o sucesso de audiência baseado em conteúdos de interesse do brasileiro. Eles começaram com pouca ou nenhuma ajuda, com o sucesso ou fracasso dependendo quase exclusivamente deles mesmos.

Com a evolução dos negócios, as empresas passaram a vender cursos sobre gestão financeira e investimentos, além de aumentar a produção de vídeos para diferentes plataformas, como Instagram, TikTok e YouTube. Segundo apurou o Estadão, na rodada de demissão nesta sexta-feira, 27, o Me Poupe demitiu cerca de 70 pessoas, sendo que tinha 140 funcionários no fim do ano passado, enquanto o Grupo Primo, segundo dados do LinkedIn, conta com 190 pessoas – já foram mais de 270.

“A Me Poupe!, fundada em 2015 com o propósito de democratizar a educação financeira e ajudar as pessoas a assumirem o controle de suas decisões, passa por uma reestruturação que demandará reorganização de equipe e investimentos. Esse movimento exige outras formações e competências técnicas do time, o que motivou a difícil decisão de realizar os desligamentos mencionados”, informou a empresa, a respeito das demissões. Uma nova estrutura e novo modelo de negócios para a companhia de Arcuri será apresentada “em breve”.

Thiago Nigro, criador do canal Primo Rico e autor do livro "Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho". Foto: Werther Santana/Estadão 

Em abril do ano passado, o Grupo Primo foi às compras e adquiriu as empresas de educação TopInvest e Edufinance, além de se tornar sócia da casa de análise de criptomoedas da Paradigma Education. Mas a euforia passou em poucos meses.

Com o aumento na taxa de juros, causando fuga para a renda fixa, empresas que se dedicavam mais ao mercado financeiro viram um horizonte bem menos otimista do que no passado. Por isso, a Empiricus demitiu 12% de seus colaboradores, por exemplo. O Grupo Primo também entrou para a estatística. Só em 2022, 90 pessoas perderam o emprego. Após a redução de equipe, o projeto com maior expectativa para 2022 no grupo, um canal sobre metaverso chamado Primoverso, foi abandonado.

Antes da nova rodada de cortes, entre o fim de agosto e o começo de setembro, a empresa de Nigro aumentou a pressão por resultados. Os relatos de ex-funcionários são de que eram estimulados a trabalhar a partir das 5h da manhã até depois das 19h, sem remuneração de horas extras. Também havia cobrança por trabalho em feriados e finais de semana. Além disso, a companhia promovia, às segundas-feiras, uma leitura coletiva de princípios cristãos, sempre com passagens bíblicas e “exposição de funcionários”.

Em meio aos acontecimentos, o sócio Joel Jota, que é autor de livros e ex-atleta de natação, deixou de fazer parte do grupo alegando escolhas pessoais. Ele não foi o primeiro. Em julho, Luciana Seabra deixou a casa de análise Spiti, que passou a integrar o Grupo Primo após a XP Investimentos comprar fatias nas empresas e unificar os negócios. Seabra era sócia do Grupo Primo e passou a ocupar o conselho, além de continuar como analista especialista em fundos de investimentos na Spiti. Sua saída, porém, foi menos discreta do que a de Jota.

Em carta aberta, Seabra ressaltou a importância da sua independência na recomendação de investimentos para não ganhar duas vezes, uma como analista e outra com taxas de administração de fundos. “Construí, sim, com sua ajuda, uma bela casa, porém no terreno dos outros. Esse foi o meu grande erro”, escreveu a analista. “Não acredito em servir a dois senhores.”

No segundo semestre, pouco depois da saída de Seabra, o Primo Rico lançou seu primeiro fundo de investimento que promete ajudar a conquistar a independência financeira no longo prazo. Seabra foi procurada pela reportagem, mas preferiu não comentar sobre o assunto. O Grupo Primo foi procurado e não retornou os contatos da redação.

Me Poupe

O Me Poupe fez sua primeira rodada de demissão em janeiro deste ano, mas enfrenta crise com os funcionários desde meados de 2022. A empresa sempre deu maior espaço para ensinamentos sobre investimentos na renda fixa e formas de fazer renda extra, duas vertentes que tiveram aumento de procura diante da alta da taxa Selic e da redução do poder de compra do brasileiro, corroído pela inflação.

Mas a expectativa e a realidade se mostraram bastante diferentes para quem acreditava em um ambiente bom para trabalhar, associado com a missão de tirar o brasileiro das dívidas e torná-lo um investidor. Ex-colaboradores da empresa falaram ao Estadão que a empresa estimula um clima super competitivo entre as pessoas e passou a aumentar a cobrança por metas cada vez mais inatingíveis, apesar de o negócio, à época, não passar por dificuldades financeiras.

“As pessoas se decepcionam logo que entram na empresa. Há mensagens como o empoderamento feminino e transparência, autonomia, mas isso não acontece na prática”, diz um dos demitidos pela empresa, após a mudança de cultura que se deu no último ano.

Os casos vão de descaso e desligamento de pessoas com saúde mental abalada pelo trabalho à demissão de mulheres grávidas. “Um dos valores da cultura é fazer mais com menos e mais depressa do que a média. É como espremer uma laranja só para fazer dois copos de suco”, diz outro ex-funcionário. “O RH dizia abertamente aos gerentes que eles tinham um tempo determinado para resolver os problemas de saúde mental das pessoas ou teriam que demiti-las.”

Na plataforma de empregos Glassdoor, as críticas ao Me Poupe se acumulam desde agosto e citam problemas na gestão dos negócios, com metas que mudam de acordo com o humor de Arcuri – visão compartilhada pelos entrevistados pelo Estadão.

“Parece que trocaram a Nathalia por outra pessoa. No começo, ela era muito diferente. Com o tempo, ela se tornou uma péssima líder. Deveria ser só a influenciadora da empresa porque não sabe lidar com pessoas”, afirma um ex-funcionário do Me Poupe.

Em nota ao Estadão, enviada em setembro, o Me Poupe informou que “está em constante inovação e aperfeiçoamento do modelo de negócio e realiza movimentos visando expansão e melhor experiência, com foco no fomento da gestão financeira autônoma com maior escala e impacto social”. “Gestão de pessoas é um pilar estratégico orientado pelo planejamento global do negócio que visa não só o compromisso no processo de contratar e reter talentos, mas sobretudo a responsabilidade das pessoas serem contratadas e mantidas no negócio em compasso com crescimento sustentável, evitando que sejam um custo, mas sobretudo um constante investimento da companhia”, disse a empresa.

Gestão profissional

A profissionalização da gestão de empresas é algo comum em negócios familiares que cresceram e deixaram de ser empresas que dependem apenas de um ou duas pessoas. No nicho de influenciadores, o Flow Podcast contratou um CEO que veio de empresas tradicionais, Andre Gaigher.

Sofia Esteves, fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia. de Talentos, diz que a gestão de pessoas é uma das maiores dificuldades dos empresários e que a rotatividade no quadro de colaboradores de uma empresa tende a afetar resultados financeiros devido ao tempo e investimento necessário para rescisões, contratações e treinamentos.

“A barreira de entrada nesses negócios digitais é muito baixa. O bom empreendedor sabe seus limites e procura perfis complementares aos seus. Mas o sucesso muito rápido pode cegar”, diz Esteves.

Para a especialista, o nível de cobrança exagerado pode acontecer em empresas sem metas e processos definidos, como acontece em bancos e empresas de grande porte do setor financeiro. Além disso, há uma tendência de os líderes desses negócios nascentes serem gananciosos e arrogantes, com pensamentos de todo mundo é igual a eles e precisam se dedicar tanto quanto eles mesmos ao negócio.

De 2015 para 2022, a quantidade de investidores na Bolsa de Valores subiu 850%, chegando a 5,3 milhões. Durante o mesmo período, os influenciadores pegaram carona no interesse dos brasileiros pelo mundo das finanças e criaram negócios que nasceram no YouTube e hoje empregam centenas de pessoas. É o caso de empresas como Me Poupe, da ex-jornalista de televisão de Nathalia Arcuri, e Grupo Primo, de Thiago Nigro (Primo Rico) e Bruno Perini.

Falando sobre temas que vão da renda fixa mais simples a investimentos complexos de renda variável, os influenciadores digitais conquistaram milhões de seguidores. No YouTube, Arcuri tem mais de 7 milhões de inscritos, enquanto Nigro tem mais de 6 milhões. Além de falar sobre finanças, os dois têm em comum o sucesso de audiência baseado em conteúdos de interesse do brasileiro. Eles começaram com pouca ou nenhuma ajuda, com o sucesso ou fracasso dependendo quase exclusivamente deles mesmos.

Com a evolução dos negócios, as empresas passaram a vender cursos sobre gestão financeira e investimentos, além de aumentar a produção de vídeos para diferentes plataformas, como Instagram, TikTok e YouTube. Segundo apurou o Estadão, na rodada de demissão nesta sexta-feira, 27, o Me Poupe demitiu cerca de 70 pessoas, sendo que tinha 140 funcionários no fim do ano passado, enquanto o Grupo Primo, segundo dados do LinkedIn, conta com 190 pessoas – já foram mais de 270.

“A Me Poupe!, fundada em 2015 com o propósito de democratizar a educação financeira e ajudar as pessoas a assumirem o controle de suas decisões, passa por uma reestruturação que demandará reorganização de equipe e investimentos. Esse movimento exige outras formações e competências técnicas do time, o que motivou a difícil decisão de realizar os desligamentos mencionados”, informou a empresa, a respeito das demissões. Uma nova estrutura e novo modelo de negócios para a companhia de Arcuri será apresentada “em breve”.

Thiago Nigro, criador do canal Primo Rico e autor do livro "Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho". Foto: Werther Santana/Estadão 

Em abril do ano passado, o Grupo Primo foi às compras e adquiriu as empresas de educação TopInvest e Edufinance, além de se tornar sócia da casa de análise de criptomoedas da Paradigma Education. Mas a euforia passou em poucos meses.

Com o aumento na taxa de juros, causando fuga para a renda fixa, empresas que se dedicavam mais ao mercado financeiro viram um horizonte bem menos otimista do que no passado. Por isso, a Empiricus demitiu 12% de seus colaboradores, por exemplo. O Grupo Primo também entrou para a estatística. Só em 2022, 90 pessoas perderam o emprego. Após a redução de equipe, o projeto com maior expectativa para 2022 no grupo, um canal sobre metaverso chamado Primoverso, foi abandonado.

Antes da nova rodada de cortes, entre o fim de agosto e o começo de setembro, a empresa de Nigro aumentou a pressão por resultados. Os relatos de ex-funcionários são de que eram estimulados a trabalhar a partir das 5h da manhã até depois das 19h, sem remuneração de horas extras. Também havia cobrança por trabalho em feriados e finais de semana. Além disso, a companhia promovia, às segundas-feiras, uma leitura coletiva de princípios cristãos, sempre com passagens bíblicas e “exposição de funcionários”.

Em meio aos acontecimentos, o sócio Joel Jota, que é autor de livros e ex-atleta de natação, deixou de fazer parte do grupo alegando escolhas pessoais. Ele não foi o primeiro. Em julho, Luciana Seabra deixou a casa de análise Spiti, que passou a integrar o Grupo Primo após a XP Investimentos comprar fatias nas empresas e unificar os negócios. Seabra era sócia do Grupo Primo e passou a ocupar o conselho, além de continuar como analista especialista em fundos de investimentos na Spiti. Sua saída, porém, foi menos discreta do que a de Jota.

Em carta aberta, Seabra ressaltou a importância da sua independência na recomendação de investimentos para não ganhar duas vezes, uma como analista e outra com taxas de administração de fundos. “Construí, sim, com sua ajuda, uma bela casa, porém no terreno dos outros. Esse foi o meu grande erro”, escreveu a analista. “Não acredito em servir a dois senhores.”

No segundo semestre, pouco depois da saída de Seabra, o Primo Rico lançou seu primeiro fundo de investimento que promete ajudar a conquistar a independência financeira no longo prazo. Seabra foi procurada pela reportagem, mas preferiu não comentar sobre o assunto. O Grupo Primo foi procurado e não retornou os contatos da redação.

Me Poupe

O Me Poupe fez sua primeira rodada de demissão em janeiro deste ano, mas enfrenta crise com os funcionários desde meados de 2022. A empresa sempre deu maior espaço para ensinamentos sobre investimentos na renda fixa e formas de fazer renda extra, duas vertentes que tiveram aumento de procura diante da alta da taxa Selic e da redução do poder de compra do brasileiro, corroído pela inflação.

Mas a expectativa e a realidade se mostraram bastante diferentes para quem acreditava em um ambiente bom para trabalhar, associado com a missão de tirar o brasileiro das dívidas e torná-lo um investidor. Ex-colaboradores da empresa falaram ao Estadão que a empresa estimula um clima super competitivo entre as pessoas e passou a aumentar a cobrança por metas cada vez mais inatingíveis, apesar de o negócio, à época, não passar por dificuldades financeiras.

“As pessoas se decepcionam logo que entram na empresa. Há mensagens como o empoderamento feminino e transparência, autonomia, mas isso não acontece na prática”, diz um dos demitidos pela empresa, após a mudança de cultura que se deu no último ano.

Os casos vão de descaso e desligamento de pessoas com saúde mental abalada pelo trabalho à demissão de mulheres grávidas. “Um dos valores da cultura é fazer mais com menos e mais depressa do que a média. É como espremer uma laranja só para fazer dois copos de suco”, diz outro ex-funcionário. “O RH dizia abertamente aos gerentes que eles tinham um tempo determinado para resolver os problemas de saúde mental das pessoas ou teriam que demiti-las.”

Na plataforma de empregos Glassdoor, as críticas ao Me Poupe se acumulam desde agosto e citam problemas na gestão dos negócios, com metas que mudam de acordo com o humor de Arcuri – visão compartilhada pelos entrevistados pelo Estadão.

“Parece que trocaram a Nathalia por outra pessoa. No começo, ela era muito diferente. Com o tempo, ela se tornou uma péssima líder. Deveria ser só a influenciadora da empresa porque não sabe lidar com pessoas”, afirma um ex-funcionário do Me Poupe.

Em nota ao Estadão, enviada em setembro, o Me Poupe informou que “está em constante inovação e aperfeiçoamento do modelo de negócio e realiza movimentos visando expansão e melhor experiência, com foco no fomento da gestão financeira autônoma com maior escala e impacto social”. “Gestão de pessoas é um pilar estratégico orientado pelo planejamento global do negócio que visa não só o compromisso no processo de contratar e reter talentos, mas sobretudo a responsabilidade das pessoas serem contratadas e mantidas no negócio em compasso com crescimento sustentável, evitando que sejam um custo, mas sobretudo um constante investimento da companhia”, disse a empresa.

Gestão profissional

A profissionalização da gestão de empresas é algo comum em negócios familiares que cresceram e deixaram de ser empresas que dependem apenas de um ou duas pessoas. No nicho de influenciadores, o Flow Podcast contratou um CEO que veio de empresas tradicionais, Andre Gaigher.

Sofia Esteves, fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia. de Talentos, diz que a gestão de pessoas é uma das maiores dificuldades dos empresários e que a rotatividade no quadro de colaboradores de uma empresa tende a afetar resultados financeiros devido ao tempo e investimento necessário para rescisões, contratações e treinamentos.

“A barreira de entrada nesses negócios digitais é muito baixa. O bom empreendedor sabe seus limites e procura perfis complementares aos seus. Mas o sucesso muito rápido pode cegar”, diz Esteves.

Para a especialista, o nível de cobrança exagerado pode acontecer em empresas sem metas e processos definidos, como acontece em bancos e empresas de grande porte do setor financeiro. Além disso, há uma tendência de os líderes desses negócios nascentes serem gananciosos e arrogantes, com pensamentos de todo mundo é igual a eles e precisam se dedicar tanto quanto eles mesmos ao negócio.

De 2015 para 2022, a quantidade de investidores na Bolsa de Valores subiu 850%, chegando a 5,3 milhões. Durante o mesmo período, os influenciadores pegaram carona no interesse dos brasileiros pelo mundo das finanças e criaram negócios que nasceram no YouTube e hoje empregam centenas de pessoas. É o caso de empresas como Me Poupe, da ex-jornalista de televisão de Nathalia Arcuri, e Grupo Primo, de Thiago Nigro (Primo Rico) e Bruno Perini.

Falando sobre temas que vão da renda fixa mais simples a investimentos complexos de renda variável, os influenciadores digitais conquistaram milhões de seguidores. No YouTube, Arcuri tem mais de 7 milhões de inscritos, enquanto Nigro tem mais de 6 milhões. Além de falar sobre finanças, os dois têm em comum o sucesso de audiência baseado em conteúdos de interesse do brasileiro. Eles começaram com pouca ou nenhuma ajuda, com o sucesso ou fracasso dependendo quase exclusivamente deles mesmos.

Com a evolução dos negócios, as empresas passaram a vender cursos sobre gestão financeira e investimentos, além de aumentar a produção de vídeos para diferentes plataformas, como Instagram, TikTok e YouTube. Segundo apurou o Estadão, na rodada de demissão nesta sexta-feira, 27, o Me Poupe demitiu cerca de 70 pessoas, sendo que tinha 140 funcionários no fim do ano passado, enquanto o Grupo Primo, segundo dados do LinkedIn, conta com 190 pessoas – já foram mais de 270.

“A Me Poupe!, fundada em 2015 com o propósito de democratizar a educação financeira e ajudar as pessoas a assumirem o controle de suas decisões, passa por uma reestruturação que demandará reorganização de equipe e investimentos. Esse movimento exige outras formações e competências técnicas do time, o que motivou a difícil decisão de realizar os desligamentos mencionados”, informou a empresa, a respeito das demissões. Uma nova estrutura e novo modelo de negócios para a companhia de Arcuri será apresentada “em breve”.

Thiago Nigro, criador do canal Primo Rico e autor do livro "Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho". Foto: Werther Santana/Estadão 

Em abril do ano passado, o Grupo Primo foi às compras e adquiriu as empresas de educação TopInvest e Edufinance, além de se tornar sócia da casa de análise de criptomoedas da Paradigma Education. Mas a euforia passou em poucos meses.

Com o aumento na taxa de juros, causando fuga para a renda fixa, empresas que se dedicavam mais ao mercado financeiro viram um horizonte bem menos otimista do que no passado. Por isso, a Empiricus demitiu 12% de seus colaboradores, por exemplo. O Grupo Primo também entrou para a estatística. Só em 2022, 90 pessoas perderam o emprego. Após a redução de equipe, o projeto com maior expectativa para 2022 no grupo, um canal sobre metaverso chamado Primoverso, foi abandonado.

Antes da nova rodada de cortes, entre o fim de agosto e o começo de setembro, a empresa de Nigro aumentou a pressão por resultados. Os relatos de ex-funcionários são de que eram estimulados a trabalhar a partir das 5h da manhã até depois das 19h, sem remuneração de horas extras. Também havia cobrança por trabalho em feriados e finais de semana. Além disso, a companhia promovia, às segundas-feiras, uma leitura coletiva de princípios cristãos, sempre com passagens bíblicas e “exposição de funcionários”.

Em meio aos acontecimentos, o sócio Joel Jota, que é autor de livros e ex-atleta de natação, deixou de fazer parte do grupo alegando escolhas pessoais. Ele não foi o primeiro. Em julho, Luciana Seabra deixou a casa de análise Spiti, que passou a integrar o Grupo Primo após a XP Investimentos comprar fatias nas empresas e unificar os negócios. Seabra era sócia do Grupo Primo e passou a ocupar o conselho, além de continuar como analista especialista em fundos de investimentos na Spiti. Sua saída, porém, foi menos discreta do que a de Jota.

Em carta aberta, Seabra ressaltou a importância da sua independência na recomendação de investimentos para não ganhar duas vezes, uma como analista e outra com taxas de administração de fundos. “Construí, sim, com sua ajuda, uma bela casa, porém no terreno dos outros. Esse foi o meu grande erro”, escreveu a analista. “Não acredito em servir a dois senhores.”

No segundo semestre, pouco depois da saída de Seabra, o Primo Rico lançou seu primeiro fundo de investimento que promete ajudar a conquistar a independência financeira no longo prazo. Seabra foi procurada pela reportagem, mas preferiu não comentar sobre o assunto. O Grupo Primo foi procurado e não retornou os contatos da redação.

Me Poupe

O Me Poupe fez sua primeira rodada de demissão em janeiro deste ano, mas enfrenta crise com os funcionários desde meados de 2022. A empresa sempre deu maior espaço para ensinamentos sobre investimentos na renda fixa e formas de fazer renda extra, duas vertentes que tiveram aumento de procura diante da alta da taxa Selic e da redução do poder de compra do brasileiro, corroído pela inflação.

Mas a expectativa e a realidade se mostraram bastante diferentes para quem acreditava em um ambiente bom para trabalhar, associado com a missão de tirar o brasileiro das dívidas e torná-lo um investidor. Ex-colaboradores da empresa falaram ao Estadão que a empresa estimula um clima super competitivo entre as pessoas e passou a aumentar a cobrança por metas cada vez mais inatingíveis, apesar de o negócio, à época, não passar por dificuldades financeiras.

“As pessoas se decepcionam logo que entram na empresa. Há mensagens como o empoderamento feminino e transparência, autonomia, mas isso não acontece na prática”, diz um dos demitidos pela empresa, após a mudança de cultura que se deu no último ano.

Os casos vão de descaso e desligamento de pessoas com saúde mental abalada pelo trabalho à demissão de mulheres grávidas. “Um dos valores da cultura é fazer mais com menos e mais depressa do que a média. É como espremer uma laranja só para fazer dois copos de suco”, diz outro ex-funcionário. “O RH dizia abertamente aos gerentes que eles tinham um tempo determinado para resolver os problemas de saúde mental das pessoas ou teriam que demiti-las.”

Na plataforma de empregos Glassdoor, as críticas ao Me Poupe se acumulam desde agosto e citam problemas na gestão dos negócios, com metas que mudam de acordo com o humor de Arcuri – visão compartilhada pelos entrevistados pelo Estadão.

“Parece que trocaram a Nathalia por outra pessoa. No começo, ela era muito diferente. Com o tempo, ela se tornou uma péssima líder. Deveria ser só a influenciadora da empresa porque não sabe lidar com pessoas”, afirma um ex-funcionário do Me Poupe.

Em nota ao Estadão, enviada em setembro, o Me Poupe informou que “está em constante inovação e aperfeiçoamento do modelo de negócio e realiza movimentos visando expansão e melhor experiência, com foco no fomento da gestão financeira autônoma com maior escala e impacto social”. “Gestão de pessoas é um pilar estratégico orientado pelo planejamento global do negócio que visa não só o compromisso no processo de contratar e reter talentos, mas sobretudo a responsabilidade das pessoas serem contratadas e mantidas no negócio em compasso com crescimento sustentável, evitando que sejam um custo, mas sobretudo um constante investimento da companhia”, disse a empresa.

Gestão profissional

A profissionalização da gestão de empresas é algo comum em negócios familiares que cresceram e deixaram de ser empresas que dependem apenas de um ou duas pessoas. No nicho de influenciadores, o Flow Podcast contratou um CEO que veio de empresas tradicionais, Andre Gaigher.

Sofia Esteves, fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia. de Talentos, diz que a gestão de pessoas é uma das maiores dificuldades dos empresários e que a rotatividade no quadro de colaboradores de uma empresa tende a afetar resultados financeiros devido ao tempo e investimento necessário para rescisões, contratações e treinamentos.

“A barreira de entrada nesses negócios digitais é muito baixa. O bom empreendedor sabe seus limites e procura perfis complementares aos seus. Mas o sucesso muito rápido pode cegar”, diz Esteves.

Para a especialista, o nível de cobrança exagerado pode acontecer em empresas sem metas e processos definidos, como acontece em bancos e empresas de grande porte do setor financeiro. Além disso, há uma tendência de os líderes desses negócios nascentes serem gananciosos e arrogantes, com pensamentos de todo mundo é igual a eles e precisam se dedicar tanto quanto eles mesmos ao negócio.

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