A InterCement se aproxima novamente dos limites de prazos de pagamentos sem ter concluído as negociações com a CSN para venda de suas operações no Brasil e na Argentina. No próximo dia 17 vencem US$ 549 milhões (quase R$ 3 bilhões) em títulos de dívida emitidos no exterior e, sem ter firmado nenhum acordo de venda, a empresa pode ter de recorrer à proteção da Justiça para evitar a cobrança de uma situação de inadimplência, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
O passo seguinte seria seguir negociando com bancos e, eventualmente, com a CSN, formando uma maioria para assegurar acordo via recuperação extrajudicial — ou judicial, se de fato os esforços não forem produtivos e a tensão aumentar, de acordo com pessoas próximas das negociações. Procuradas pela reportagem, a InterCement Participações e a CSN não responderam aos pedidos de comentário. A InterCement Brasil não se manifestou.
Os detentores dos títulos no exterior (bonds) se dizem isolados e já se mexem na Justiça para intervir no caso. No final de junho, entraram com uma ação pedindo esclarecimentos sobre o real estado de solvência do grupo, que rolou em 2020 uma dívida de R$ 4,7 bilhões com bancos. As instituições financeiras, por sua vez, ficaram com ações da subsidiária Loma Negra, na Argentina, como garantia. Os bondholders dizem haver ilegalidades nessas garantias, já que a empresa se encontrava insolvente e questionam supostos privilégios do Bradesco. Procurado, o Bradesco também não quis comentar.
A CSN ofereceu R$ 10 bilhões pela InterCement, incluindo a dívida que a Mover, controladora da cimenteira, tem com o Bradesco. A dívida tem como garantia ações da CCR (negócio de infraestrutura que tem a Mover como acionista). Esse valor já foi aumentado em relação às propostas iniciais e seria o limite para a CSN. O prazo de negociação com exclusividade para aquisição da InterCement pela siderúrgica de Benjamin Steinbruch termina nesta sexta-feira, 12.
Esse tempo, desde 1º de maio, foi praticamente todo gasto para acomodar diversos passivos e para a CSN negociar com Bradesco, Itaú e Banco do Brasil, detentores de debêntures, um novo perfil da dívida herdada na possível compra da cimenteira. Boa parte das conversas também envolveu as garantias que os bancos têm e os cerca de R$ 3 bilhões que a Mover deve ao Bradesco.
O débito da Mover com o Bradesco está garantido por cerca de 90% das ações que a holding tem na CCR, que representam 15% do capital da concessionária de infraestrutura. A dívida é oriunda de uma emissão de papéis preferenciais (PNs) resgatáveis da InterCement Participações, em 2013, no valor, à época, de R$ 1,53 bilhão.
A Mover quer pagar metade dessa dívida e que o restante seja assumido pela CSN, ou que seja mantido pelo Bradesco como participação societária em acerto com Steinbruch. Também entrou na mesa de negociações garantias para contingências fiscais, tributárias e outras, que somariam cerca de R$ 4 bilhões - sendo cerca de R$ 1 bilhão somente de uma multa aplicada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por cartel no setor de cimento há mais de uma década.
“Parece desafiador chegar a uma proposta que funcione para todo mundo até o dia 17″, afirmou uma fonte.
Dívidas
A InterCement tem R$ 4,7 bilhões em dívidas por meio de debêntures com Bradesco, Itaú e Banco do Brasil. As debêntures foram emitidas em 2020, ao custo da taxa CDI mais 3,75% ao ano - os pagamentos de 2023 e de junho deste ano foram rolados e não quitados. Os compromissos com as debêntures são a parte mais pesada da dívida financeira consolidada da InterCement, que somada aos bonds é estimada entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões.
A InterCement Participações é a controladora da InterCement Brasil, terceira maior cimenteira do País, com 15 fábricas no País e que atingiu em torno de 14% de participação de mercado em 2023. Além das operações no Brasil, o grupo cimenteiro também possui mais da metade da participação na argentina Loma Negra, além de ter feito acordos no último ano para a venda de ativos em Moçambique e na África do Sul.
Procurada, a Mover respondeu que a InterCement fez importantes progressos em relação às negociações com seus credores.
“Essas negociações envolvem ainda potenciais operações de venda de ativos que, como previamente anunciado, seguem em caráter de exclusividade com a CSN até o próximo dia 12 de julho. É importante ressaltar que, durante todo esse período de negociações, a InterCement vem operando dentro da normalidade, sem intercorrências e mantendo seu planejamento operacional”, informou em nota a Mover.
Credores externos
Diante dos desdobramentos recentes, os detentores dos bonds foram à Justiça no final de junho com um pedido antecipado de provas. O movimento tem como objetivo exigir que a InterCement forneça informações sobre quais dispensas contratuais os bancos ofereceram à cimenteira, além de mais detalhes das tratativas que estão sendo realizadas com o Bradesco, que teria um conflito de interesse, segundo os credores.
Os detentores de bonds têm US$ 549 milhões (quase R$ 3 bilhões) em títulos de dívida emitidos pelo braço financeiro no exterior do grupo e garantidos pela InterCement Participações e InterCement Brasil. Esses bonds vencem no dia 17 de julho.
Na ação de antecipação de provas, obtida pelo Broadcast, esses credores buscam esclarecimentos sobre o estado de insolvência do grupo e sobre como os recursos de vendas recentes de ativos pelo conglomerado foram usados. Eles também alegam um suposto tratamento privilegiado dado a determinados credores individuais - citando o Bradesco - em detrimentos dos demais.
Os bondholders afirmam que os bancos rolaram em 2020 uma dívida que foi transformada em R$ 4,7 bilhões em debêntures, garantidas por ações da Loma Negra, subsidiária da InterCement Participações, e que opera na Argentina. A avaliação dos advogados do escritório Padis Mattar, responsável por representar os bondholders na ação, é a de que essas garantias são potencialmente inválidas e ineficazes, porque as devedoras não tinham naquele momento capacidade legal de conceder garantias, já que estavam insolventes. Para eles, há uma caracterização de “fraude” contra credores.
Sobre a venda de ativos, os credores questionam a destinação de US$ 40 milhões da venda das operações no Egito “para o pagamento de um determinado grupo de credores, incluindo o Bradesco, até então acionista da InterCement Participações”, com a empresa já em situação de insolvência.
Eles citam ainda a venda e integralização em dezembro do ano passado de US$ 231,6 milhões, como valor provisório, da venda das operações na África do Sul e Moçambique, e pedem esclarecimento sobre o destino desses recursos. No documento, os credores lembram que a companhia informou que usaria os valores para reparar parte de sua dívida, e que seriam distribuídos para as operações e para sanar compromissos financeiros de forma igualitária.
A ação também menciona o envio de solicitações por parte dos bondholders para a InterCement no dia 19 de junho. Os pedidos envolveram a preservação de documentos e comunicações internas da cimenteira relacionadas à venda de ativos e uso de eventuais recursos provenientes dessas operações, além de registros das negociações com credores e dados referentes ao endividamento da companhia. Segundo a peça, não houve nenhum tipo de retorno ou resposta sobre a demanda feita.
Há preocupações por parte dos bondholders sobre a atuação dos acionistas da cimenteira, razão pela qual o escritório Padis Mattar justificou a ação. Conforme aponta o documento, a antecipação de provas pode “esclarecer e comprovar a eventual ocorrência de atos de fraude a credores”, além de expor uma suposta “violação dos deveres fiduciários dos administradores e acionistas”.
Conflito de interesses
Os advogados dos credores lembram que o Bradesco, até o fim do ano passado, era dono de uma fatia de aproximadamente 4,267% da InterCement Participações. Foi celebrado um contrato de opção de compra e venda de ações com a Mover (antiga Camargo Corrêa) em dezembro de 2013, com o Bradesco BBI, por meio do qual o banco poderia vender essa participação à Mover por um preço pré-definido.
Essa opção, diz a ação, estaria em aproximadamente R$ 2,6 bilhões em dezembro de 2023, enquanto a mais recente prorrogação de prazo com o Bradesco dessa opção ocorreu em maio do ano passado e pela qual a Mover pagou R$ 27 milhões. O Bradesco, após 2013, também tomou 90% das ações de uma fatia de 15% que a Mover tem na CCR como garantia.
Os credores afirmam que não há informações sobre se já houve o exercício dessa opção e que por isso é necessário a produção de provas.