O apetite de investidores, especialmente os estrangeiros, pelas startups no Brasil vem arrefecendo nos últimos tempos. Um levantamento da consultoria Distrito mostra que os aportes em startups brasileiras caiu 54,6% em 2022, após um ano recorde de captações em 2021 - passou de US$ 9,76 bilhões para US$ 4,45 bilhões. No primeiro semestre deste ano, o volume ainda piorou mais: caiu 51% em relação ao semestre anterior, de US$ 1,57 para US$ 778 milhões.
Mesmo assim, alguns negócios ainda têm conseguido se sobressair. Companhias de tecnologia financeira, como Pismo, Sinqia e QI Tech, têm conseguido fechar negócios importantes. Somadas, as três já movimentaram cerca de R$ 8,5 bilhões em 2023, entre aportes e aquisições de outras empresas menores.
Esse segmento de infraestrutura de finanças para empresas passa por uma boa fase, puxada pela tendência global de oferta de serviços financeiros por companhias de diferentes ramos, como operadoras de telefonia, aplicativos de entrega e varejistas. De acordo com Renato Nobile, gestor e analista da Buena Vista Capital, o apetite dos investidores de capital de risco tem voltado a aumentar neste fim de ano, após a maior seca de investimentos desse tipo desde 2021, devido à escalada dos juros no Brasil e nos Estados Unidos, e esse é um segmento que chama a atenção neste momento.
Esse é o caso da QI Tech, que recebeu o maior aporte de 2023 entre as fintechs brasileiras. O dinheiro será usado pela empresa para acelerar o crescimento com aquisições de concorrentes e negócios que permitam a entrada em novos setores. O investimento de R$ 1 bilhão, liderado pela gestora General Atlantic, ajudará na expansão do negócio no Brasil, mirando a abertura de capital na Bolsa em três anos.
A empresa presta serviços de infraestrutura tecnológica, como para o aplicativo de carteira digital Vivo Money, da operadora Vivo. A tecnologia da startup possibilita recargas de créditos para celular, oferece cashback em compras, permite o pagamento de boletos e viabiliza transferências via Pix.
Fundada em 2018 por Pedro Mac Dowell, Marcelo Bentivoglio e Marcelo Buosi, a QI Tech havia captado R$ 270 milhões em uma rodada de séria A no começo de 2021, do Fundo Soberano de Singapura. O capital foi usado para expandir a equipe e comprar a Zaig, empresa especializada em prevenção de fraudes e validação de cadastro de clientes.
“Navegar desde o final de 2021 até hoje com geração de caixa fez com que a gente pudesse crescer de duas a três vezes. A geração de caixa acima de R$ 100 milhões em uma companhia com quatro anos de funcionamento nos deixou em uma posição privilegiada por ser uma fintech fundamentalista, mais focada em resultado do que só em crescimento”, diz Mac Dowell, que é o CEO da QI Tech.
Trajetória de sucesso
Já a Sinqia foi alvo de aquisição pela Evertec, uma empresa de tecnologia financeira sediada em Porto Rico e que está presente em 11 países. O acordo de quase R$ 2,5 bilhões, concluído no início deste mês, levou a Sinqia a fechar capital na B3, onde era listada havia dez anos.
A estratégia de crescimento da empresa, que fornece software para bancos, consórcios, fundos de pensão e gestoras de recursos, foi baseada na aquisição de empresas. A companhia brasileira comprou 24 empresas desde seu IPO (oferta pública inicial de ações), em 2013, e viu o valor de mercado saltar de R$ 90 milhões para mais de R$ 2 bilhões em dez anos.
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Quando o negócio foi concluído, a Evertec anunciou ter decidido manter o time de executivos da Sinqia e também o nome da empresa - pelo menos, por ora. Isso porque, segundo a Evertec, a Sinqia tem uma trajetória de sucesso e uma marca forte no Brasil, e não faria sentido uma mudança de rumo no momento.
Celeiro de Inovação
Para o sócio da gestora Ártica Investimentos, Érico Nikaido, o Brasil tem sido celeiro de inovação em fintechs, e o Banco Central tem um papel fundamental nessa tendência, por permitir e estimular a modernização do sistema financeiro. O especialista diz ainda que as empresas têm alguns pontos em comum, como boa geração de caixa, livros de finanças bem saudáveis e tecnologias proprietárias.
No caso do aporte da QI Tech, diz ele, trata-se de um caso típico de investidor de longo prazo. O perfil da gestora é esse. “Os investimentos estrangeiros nas empresas brasileiras de tecnologia bancária são movimentos estratégicos. No caso da Sinqia, o comprador queria entrar no mercado brasileiro e ela era a melhor posicionada”, diz Nikaido.
Já o interesse pela Pismo, uma startup de tecnologia de bancos que tem como investidores Amazon e Softbank, deveu-se ao fato de a empresa ser a única a conseguir montar um sistema de infraestrutura na nuvem que nenhuma empresa no mundo conseguiu, afirma Nikaido. Isso chamou a atenção da Visa, que agora quer ser mais do que uma empresa do ramo de cartões. Em junho, a Visa comprou a startup, fundada em 2016, por R$ 4,8 bilhões numa disputa travada com a rival Mastercard.