O Itaú Unibanco acusa o ex-diretor financeiro (CFO) do banco, Alexsandro Broedel, de conflito de interesses na contratação de pareceres contábeis entre os anos de 2019 e 2024. Broedel teria autorizado pagamentos de R$ 13,3 milhões ao longo desse período a uma empresa do professor de contabilidade Eliseu Martins, de quem é sócio em outra firma. Posteriormente, teria recebido 40% desse valor. Broedel disse através de assessoria de imprensa que as acusações do Itaú são infundadas e que Martins já prestava serviços ao Itaú há décadas. Martins também nega irregularidades e afirma que prestou efetivamente os serviços - leia mais no fim deste texto.
Em um processo protocolado na Justiça de São Paulo, o Itaú afirma que Broedel aprovou a contratação de pareceres pelos quais uma empresa pertencente a Martins e a um de seus filhos recebeu R$ 13,255 milhões nos últimos cinco anos, sendo R$ 10,455 milhões entre 2022 e 2024. Parte desse valor era posteriormente repassada a contas de uma segunda empresa, em que Martins e Broedel eram sócios, e a contas do próprio Broedel.
Ao todo, afirma o Itaú, o ex-diretor teria recebido R$ 4,860 milhões ao longo dos últimos cinco anos. A situação configura conflito de interesses, de acordo com a defesa do banco, dado que Broedel autorizou pagamentos que em parte chegariam até ele.
Foram contratados ao todo 40 pareceres, e Broedel teria dado por recebidos 36 deles. No entanto, após investigação, o banco encontrou apenas 20 desses pareceres. Os demais, de acordo com argumentação dos acusados reproduzida pela defesa do banco, teriam sido relativos a serviços de consultoria, ou seja, de natureza distinta da que constava nas notas fiscais.
Ainda de acordo com o processo, Broedel e Martins, questionados sobre as operações financeiras entre empresas, afirmaram que se tratavam de transferências entre sócios, e que o próprio Broedel teria transferido recursos para uma das companhias. No entanto, nenhum documento sobre essas operações ou acertos entre sócios foi apresentado, afirma a defesa do banco.
Em assembleia geral extraordinária realizada na quinta-feira, o Itaú aprovou a entrada com processo contra Broedel e os demais envolvidos, além de tornar sem efeito a aprovação das contas do executivo entre os anos de 2021 e 2023.
Broedel deixou o Itaú neste ano rumo ao Grupo Santander, na Espanha. O executivo não assumiu imediatamente suas funções devido ao período de transição, mas de acordo com fontes, o Itaú interrompeu o chamado “garden leave” em setembro.
Em nota, o Itaú afirma que o caso foi informado aos órgãos reguladores. Diz ainda que o efeito do caso sobre o balanço está limitado aos valores pagos. “Ressalta-se, ainda, que seus balanços foram reavaliados pelo Comitê de Auditoria da Companhia e por consultoria externa e independente, a PWC, que certificaram a lisura e a ausência de impacto nas demonstrações financeiras e nos resultados do Itaú Unibanco”, diz o banco.
Broedel nega acusações
Procurado, Broedel disse através de assessoria de imprensa que as acusações do Itaú são infundadas, e que sempre atuou com ética e transparência ao longo dos 12 anos em que esteve no banco.
“O parecerista mencionado pelo Itaú (Eliseu Martins) já prestava serviços ao banco há décadas, muito antes de Broedel ser convidado para a diretoria da instituição. Os serviços mencionados eram do conhecimento do Itaú e requeridos por diferentes áreas do banco”, disse ele.
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O executivo afirmou ainda que “causa profunda estranheza” que o Itaú denuncie as supostas condutas impróprias após ele deixar o banco para assumir uma posição global em um de seus principais concorrentes. Ele disse também que tomará as medidas judiciais cabíveis.
Eliseu Martins nega irregularidade e afirma que prestou serviços
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Eliseu Martins negou neste sábado as acusações do Itaú Unibanco. De acordo com ele, os serviços pagos pelo banco foram efetivamente prestados e estão dentro da regularidade.
Em nota, Martins afirmou que Broedel foi seu aluno na pós-graduação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP), e que se tornou professor da instituição. “Sempre tivemos ligações acadêmicas e profissionais”, disse ele.
Martins não comentou diretamente sobre o suposto conflito de interesse. “Sempre fizemos pareceres para terceiros, às vezes assinando em conjunto e às vezes com ele sempre ajudando tecnicamente, como com outros colegas, com o faturamento por uma única empresa”, disse ele.
O professor afirma ainda que alguns pagamentos foram antecipados pelo Itaú, mas que ele declarou formalmente a necessidade de devolver os recursos dos quatro valores ainda não emitidos, porque não prestará mais serviços ao banco.
“Os trabalhos prestados ao Itaú durante sua gestão [de Broedel] foram de pareceres técnicos e consultoria”, disse Martins. “Há vários materiais suporte das consultorias que foram feitos sem formalidade, algo de que me arrependo agora, dada a má-fé da interpretação dada pelo banco.”
Martins afirmou que trabalha com seis outros colegas, e que eles só fornecem opiniões aos contratantes verbalmente ou por parecer. “Assim, há opiniões que não geram parecer e não aparecem em qualquer documento. Mas são serviços efetivamente prestados, como todos os que fiz ao Itaú.”
O professor da USP disse que leva sua vida profissional e acadêmica com conduta que pode ser verificada com “centenas ou milhares” de pessoas, e que muitas já lhe declararam apoio e se ofereceram para testemunhar a seu favor. Disse ainda que presta serviços ao Itaú há cinco décadas, passando por gerações de gestores do banco.
“Talvez influenciados pela perda de tão brilhante profissional, estão, no banco, interpretando de forma totalmente incorreta o que de fato ocorreu. E, além de me envolverem para atingi-lo, cometem ainda o absurdo de envolver meus filhos, que nada têm a ver com os fatos que o banco relata e mal interpreta”, afirmou Martins. “Reafirmo: não entendo e não aceito o que o banco está fazendo: atingir meu nome e, de forma ignóbil, o da minha família.”
CVM deve abrir processo administrativo
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve iniciar um processo administrativo para avaliar as denúncias do Itaú Unibanco contra Broedel, de acordo com fontes.
O caso pode ter repercussões nas ações do Itaú, listado na B3 e na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). O Estadão/Broadcast apurou que analistas já procuraram neste sábado o departamento de relações com investidores do banco para entender melhor a questão, mas ainda sem resposta.
A CVM não precisa ser acionada por nenhuma das partes para começar a investigação, segundo uma fonte. Como a notícia envolve o maior banco privado do país e pode mexer nas ações, a expectativa é que a autarquia inicie sua investigação já no início da próxima semana.
Inicialmente, deve ouvir o banco, pedir acesso a documentos das investigações e do processo que o Itaú abriu contra seu ex-diretor financeiro na Justiça de São Paulo.
Procurada neste sábado, a CVM informou em nota que “acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário. A Autarquia não comenta casos específicos”.