Em 1999, o Mappin ia à falência por uma dívida de R$ 1,12 bilhão, encerrando atividades após 86 anos de existência. Anos mais tarde, em 2009, a rede varejista Marabraz arrematou a marca por R$ 5 milhões e levou dez anos para lançar um site de comércio eletrônico com o nome da finada empresa, por conta de entraves burocráticos. Para 2020, o plano era começar a inauguração de lojas físicas com a marca. Mas a pandemia mudou os planos, e até mesmo o novo site ficou fora do ar por mais de um ano.
Agora, o site foi reativado. Mas os especialistas em varejo têm muitas dúvidas se apenas o apelo de uma marca muito reconhecida tempos atrás será capaz de atrair compradores, num momento em que o comércio - especialmente o eletrônico - se torna mais e mais sofisticado.
Na atual configuração, o Mappin vende, especialmente, móveis para casa, segmento principal da Marabraz, uma rede popular especialmente nas camadas de renda mais baixa. Por isso mesmo, a marca é usada como um novo rosto da empresa, um novo canal de comunicação com um perfil de consumidor diferente daquele que compra nas lojas da rede. Porém, não apenas o sortimento de produtos oferecidos no site Mappin é similar, como até mesmo a interface do site é praticamente a mesma.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a marca Mappin tem o apelo da nostalgia para as gerações mais velhas, mas terá de enfrentar um ambiente de negócios muito diferente do passado, se quiser realmente ter alguma relevância. Quem nasceu nos anos 1950 ou 1960 provavelmente vai se lembrar que as lojas da rede vendiam de tudo, sendo comparáveis ao papel exercido hoje no comércio eletrônico, por exemplo, pelo Mercado Livre.
Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, lembra que o Mappin teve um papel importante por ser uma loja de departamentos que atendia a diversas demandas de consumo, mas essa função foi assumida pelo comércio eletrônico e pelos shoppings centers nos últimos 20 anos.
“O grande trunfo do Mappin é a nostalgia, a lembrança da marca”, diz Marinho. O especialista afirma que a empresa precisará ter presença no varejo físico se quiser ter alguma chance de vingar no contexto de mercado atual. “Nenhum varejista tem chance de ser bem-sucedido vendendo apenas em um canal. Começar pelo digital é um bom caminho. O segundo passo é a loja física, porque não há espaço para uma marca puramente digital no mercado brasileiro”, afirma.
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Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar), afirma que a marca, apesar de ter sido forte quase 25 anos atrás, não está mais na cabeça do público. As gerações mais jovens provavelmente nunca ouviram falar na empresa.
“A operação da Marabraz é razoavelmente bem-sucedida, especialmente para a baixa renda. Podem investir em uma operação de e-commerce, mas me parece que o tempo do Mappin passou. Com Amazon e Magalu, o mercado hoje é outro. O saudosismo não será o suficiente. Será preciso ter uma operação muito bem acertada para competir no mercado atual”, afirma.
Procurada, a Marabraz não comentou sobre a volta do Mappin ao comércio eletrônico.
A origem do Mappin
A empresa foi fundada em 1913 como uma loja de departamentos filial da inglesa Mappin & Webb. O negócio foi trazido ao Brasil pelos irmãos Walter e Hebert Mappin. A primeira loja foi aberta na Rua 15 de Novembro, em São Paulo, compartilhando o espaço com a Mappin & Webb. Seis anos depois, com o aumento no número de clientes, o Mappin mudou-se para a Praça do Patriarca, no Edifício Barão de Iguape. Mais tarde, a sede foi para o número 131 da praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal, onde permaneceu por 60 anos — local que, em breve, abrigará um Sesc.
Em 1936, os irmãos Mappin deixaram a sociedade, e suas ações foram compradas pelo empresário inglês Alfred Sim. Sob a nova gestão, a varejista retomou seu crescimento e mudou sua razão social para Casa Anglo Brasileira S.A. Entretanto, na década de 1940, a entrada de novas empresas varejistas afetou os negócios do Mappin, que acabou vendido em 1950 para Alberto Alves.
Empresário do ramo do café, ele assumiu o comando da empresa com o filho Alberto Alves Filho. Na década seguinte, o Mappin adquiriu cinco lojas da Sears no Brasil. Com a morte do empresário em 1982, o negócio ficou com a viúva, Sônia Cosette Domit Alves.
O Mappin ficou conhecido ao longo da história como a loja de tudo. A empresa vendia desde roupas e produtos para a casa até motor para Fusca.
A operação da varejista prosperou apesar das crises econômicas e mudanças de moedas, mas o ano de 1995 foi marcado pelo maior prejuízo da sua história. No ano seguinte, Cosette vendeu a empresa a Ricardo Mansur, que também assumiu a rival Mesbla.
O fim do Mappin
O Mappin foi uma das 130 empresas que faliram entre 1995 e 1999, segundo estimativa da Eletros. Antes do fim, o então governador de São Paulo, Mario Covas, tentou salvar a varejista e fez até uma reunião no Palácio dos Bandeirantes com o administrador José Paulo Amaral e fornecedores para obter mercadorias consignadas. A tentativa foi em vão com a decretação da falência, no fim de julho de 1999. Algumas unidades foram arrendadas pelo Pão de Açúcar, o que ajudou a manter cerca de 800 empregos.
O então deputado federal Luiz Antônio Medeiros (PFL-SP) tentou encontrar um comprador para o Mappin e considerou a decisão da Justiça precipitada. Pouco antes do fim da rede varejista, ele conseguira uma promessa de financiamento do BNDES.
Os especialistas consultados pelo Estadão à época da falência do Mappin atribuíram o fim da rede à má gestão. Posteriormente, Ricardo Mansur foi condenado por gestão fraudulenta do Mappin e da Credisul a 11 anos e meio de prisão, que seriam findados no segundo semestre de 2022. Mansur passou anos foragido. Chegou a se mudar para os Estados Unidos e retornou ao Brasil em 2017. Sua prisão aconteceu somente em 2020, nove anos depois da condenação de 2011. Ele cumpre prisão domiciliar.
Na decisão que determinou sua prisão, o empresário foi apontado como responsável por um esquema que envolveu a “inserção dos dados falsos na contabilidade da administradora de consórcio”. Segundo o juiz do caso, Marcelo Cavali, Mansur “evitava assinar documentos com o intuito de evitar sua futura responsabilização criminal”.