‘Mercado de imóveis para a classe média está adormecido’, diz Jorge Cury, da Trisul


Presidente da construtora diz que a empresa está focada em imóveis econômicos e de médio-alto padrão enquanto a classe média não volta a consumir, o que prevê apenas para 2025

Por Lucas Agrela
Atualização:
Foto: Trisul/Divulgação
Entrevista comJorge CuryPresidente da trisul

O presidente da construtora Trisul, Jorge Cury, avalia que o mercado imobiliário melhorou em 2023, em parte, pela procura por imóveis de interesse social e por apartamentos com preços acima de R$ 1,5 milhão. A classe média, carro-chefe do mercado imobiliário nacional, não está comprando moradias e só deve voltar a desembolsar valores de R$ 350 mil a 1,5 milhão a partir de 2025.

“Nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido”, diz Cury. A empresa diz não estar à procura de terrenos para empreendimentos voltados ao setor e que hoje está preparando os lançamentos para os segmentos médio-alto e econômico que foram adiados pela pandemia. A Trisul comprou aproximadamente R$ 800 milhões em terrenos após uma emissão de ações na Bolsa de Valores, em 2019, e precisou segurar os lançamentos até o cenário macroeconômico, influenciado pela pandemia de covid-19 e pela alta da taxa de juros, melhorar.

Cury diz que o Plano Diretor de São Paulo, que amplia o potencial construtivo em bairros nobres, como Itaim Bibi e Jardins, ajuda a aumentar a oferta de empreendimentos, mas não deve impedir uma alta de preços no ano que vem, provocada pela escassez de espaços na cidade.

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Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

Jorge Cury, presidente da Trisul Foto: Trisul/Divulgação

Fazendo um balanço do primeiro ano do governo Lula, o mercado imobiliário vai terminar 2023 melhor do que começou?

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Se olharmos para o fim de 2022, logo após a eleição presidencial, melhorou. O Lula tinha acabado de vencer o pleito e falou algumas coisas para desopilar o fígado e acabou assustando todo mundo. A curva longa de juros subiu, a expectativa de redução de juros para o ano mudou. Houve um stress, uma bagunça. Quem olha para esse passado e para como estamos hoje vê uma mudança fenomenal, da água para o vinho. Nesse primeiro momento, pensamos em devolver e vender terrenos para preservar o caixa e cancelar planos de lançamento. Agora, a partir de outubro, lançamos um guidance (projeção) bianual positivo. Vimos que as vendas voltaram. Em 2023, já vendemos R$ 1 bilhão e devemos fechar o ano com R$ 1,3 bilhão. Ficamos muito corajosos quando o mercado começa a girar, com o dinheiro novamente circulando. Quando somamos isso a uma inflação confortável, que já vem assim desde o começo do ano, e um juro real que estava alto e começou a acalmar com o arcabouço fiscal sendo levado a sério, ficamos surpresos em relação ao desempenho do ministro Fernando Haddad. Tudo isso encoraja o mercado, inclusive o consumidor. Quando o juro cai, bate um vento de popa que empurra o mercado para frente.

Qual foi o impacto das mudanças do Minha Casa Minha Vida para a Trisul?

A Trisul nunca esteve tão bem posicionada, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Compramos muitos terrenos em 2019, quando fizemos a emissão de ações na Bolsa e levantamos R$ 400 milhões. Preparamos a empresa para dobrar o ritmo de lançamentos por ano, indo a R$ 2 bilhões. Com o cenário macroeconômico e a pandemia, tivemos de segurar os planos. Estamos carregando quase R$ 800 milhões em terrenos comprados, o que equivale a R$ 4 bilhões em volume geral de vendas (VGV), que era para ter escoado e feito o giro em dois anos. Vamos lançar esses produtos agora, em 2024 e 2025. Não temos necessidade de comprar terrenos até 2025. O que comprarmos será para lançamentos em 2026. Por outro lado, tivemos de endividar a empresa um pouco mais do que gostaríamos. Com o estoque de terrenos, aumentamos o capital de giro. Por isso, a empresa deve ter uma grande desalavancagem ao longo de 2024. Isso também deve nos ajudar a recuperar a nossa margem de lucro. Entre maio de 2023 e setembro de 2024, estamos entregando 11 empreendimentos, o que vale mais de R$ 2 bilhões de VGV.

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O novo Plano Diretor vai permitir construir mais nos terrenos comprados antes da pandemia?

Alguns terrenos tiveram essa vantagem. Mas ainda não conseguimos as aprovações. O Executivo só vai fazer um decreto regulamentador sobre o Plano Diretor entre janeiro e fevereiro. Os técnicos não vão assinar algo relacionado às novas regras enquanto não houver segurança para isso. Alguns terrenos, que tinham vantagem pequena, já estamos lançando neste ano, como, por exemplo, o empreendimento Diogo Faria. Não era um benefício adiar o lançamento por oito ou dez meses.

Quantos empreendimentos foram lançados em 2023 pela empresa?

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Vamos fechar o ano com cinco empreendimentos. Os dois últimos do ano são os da Vila Clementina e um econômico no Alto do Ipiranga, na rua Pedro Gama.

O perfil do consumidor do mercado imobiliário mudou depois da pandemia?

No segmento econômico, não. O consumidor se enquadra no programa social, consegue o crédito e compra. Já no médio-alto padrão, os diferenciais dos empreendimentos fazem uma tremenda diferença, como um espaço pet, uma planta adaptada ao estilo de vida atual, bicicletário e uma boa localização. A pandemia acentuou algumas mudanças, como o trabalho remoto. Os salões de festa, por exemplo, que tendem a ficar vazios durante a semana estão entregues de forma a serem usados como ambientes para trabalhar. O mercado autônomo virou outra grande demanda.

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Como estão as vendas de imóveis para a classe média neste ano?

O nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido porque não estamos acreditando nesse mercado. Os produtos que vão de R$ 350 mil até R$ 1,5 milhão são os que sempre tocaram o mercado imobiliário. Mas esse setor está muito sofrido. Os produtos que estão sendo vendidos são aqueles que já estavam lançados no mercado. Os novos virão com preços mais altos. Para isso, é preciso ter mais tempo de inflação baixa, crescimento e estabilidade do País. Na minha conta, a classe média deve voltar em 2025. Estamos, portanto, focados em apartamentos de R$ 1,5 milhão ou mais e aqueles de R$ 260 mil ou até R$ 350 mil.

Então, podemos esperar aumento de preços no mercado imobiliário de São Paulo em 2024?

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Essa é uma pergunta difícil de ser respondida porque tem dois vieses. Quando os juros caem, o mercado imobiliário vai bem. Essa queda aumenta a capacidade de tomada de crédito. Mas não quer dizer que isso vai gerar um aumento de preço. Em um primeiro momento, não, porque os estoques serão escoados. A classe média que se recuperar de maneira mais rápida e comprar apartamentos no primeiro semestre de 2024 vai pegar boas oportunidades. No nosso caso, o estoque era zerado nos lançamentos. Hoje em dia, nossas entregas têm tido mais de 20% de estoque. Ou seja, o tempo de retorno do investimento é um pouco maior. Por outro lado, os terrenos são finitos em São Paulo. Os terrenos estão mais caros e os preços dos novos lançamentos serão mais caros do que os estoques que estão no mercado.

Na sua visão, a classe média sofre mais de falta de poder de compra ou de confiança para comprar um imóvel hoje em dia?

É uma combinação das duas coisas. No começo do ano passado, tínhamos incertezas. Uma família tem um comportamento parecido, deixa de viajar ou de jantar para guardar dinheiro. A confiança está voltando, com a queda dos juros e o aumento do poder de compra. Isso deu um incremento grande na velocidade de venda.

As mudanças do governo Lula feitas para permitir compras de imóveis mais caros e com maior prazo de financiamento tiveram impacto positivo ou negativo na estratégia da empresa?

Positivo. Com a queda do juro no governo Bolsonaro, investimos em empreendimentos com valores acima do programa Casa Verde e Amarela, porque o poder de compra da classe média aumentou muito naquela época. Com Lula no governo, tivemos o aumento da renda para R$ 8 mil para a compra de imóveis de interesse social, o aumento do parcelamento para 420 meses e a baixa dos juros para 7,6% ao ano. Isso caiu como uma luva para nós. O Minha Casa Minha Vida abraçou a nossa estratégia, que era fazer imóveis para serem vendidos acima do valor anteriormente permitido. Enquanto esperamos a classe média voltar, estamos fazendo esses empreendimentos do Minha Casa Minha Vida.

Há possibilidade de expandir as áreas nobres da cidade para além das regiões tradicionais, como Jardins, Itaim Bibi, Pinheiros e Vila Nova Conceição?

Tenho muitas dúvidas sobre isso. O Parque Ibirapuera, a Faria Lima e os hospitais são onde são. As pessoas não vão muito longe dos lugares que já frequentam. Não tem como deixar de ter zoneamento mais adensado em locais com maior demanda. Cabe ao poder público ir regulando a oferta, nem pode aumentar muito nem deixar de ter empreendimentos nesses bairros. No Plano Diretor, a distância máxima dos corredores de ônibus aumentou de 300 m para 400 m, enquanto a distância dos metrôs foi de 600 m para 700 m. Isso está certo. A cidade cresce e quem casa quer casa. Talvez, com o fim do bônus demográfico em 2050 passaremos a ter muito retrofit. Já demolimos prédios em áreas nobres para criar prédios maiores no lugar.

A disputa por terrenos em São Paulo está mais acirrada do que antes da pandemia?

Nossa área de novos negócios para médio-alto padrão vai comprando casas para compor terrenos. Esse é um tipo de aquisição em que temos expertise. No médio-alto, muitos fundos fomentaram pequenos incorporadores a comprar os terrenos, aumentando a disputa na Zona Oeste e na Zona Sul. Quem fez essa compra no passado vai vender e vai sair, porque não era esperado o aumento de juros que tivemos no País. Nossa briga por terrenos agora voltou a ser só com as incorporadoras, os fundos agora só querem emprestar dinheiro e não entrar nos empreendimentos como antes. Não estamos comprando terreno para empreendimento para a classe média, mas estamos comprando para o segmento econômico. Nesse caso, focamos nos imóveis de proprietário único que estejam no centro expandido, perto de um corredor de transporte, ônibus ou metrô.

O presidente da construtora Trisul, Jorge Cury, avalia que o mercado imobiliário melhorou em 2023, em parte, pela procura por imóveis de interesse social e por apartamentos com preços acima de R$ 1,5 milhão. A classe média, carro-chefe do mercado imobiliário nacional, não está comprando moradias e só deve voltar a desembolsar valores de R$ 350 mil a 1,5 milhão a partir de 2025.

“Nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido”, diz Cury. A empresa diz não estar à procura de terrenos para empreendimentos voltados ao setor e que hoje está preparando os lançamentos para os segmentos médio-alto e econômico que foram adiados pela pandemia. A Trisul comprou aproximadamente R$ 800 milhões em terrenos após uma emissão de ações na Bolsa de Valores, em 2019, e precisou segurar os lançamentos até o cenário macroeconômico, influenciado pela pandemia de covid-19 e pela alta da taxa de juros, melhorar.

Cury diz que o Plano Diretor de São Paulo, que amplia o potencial construtivo em bairros nobres, como Itaim Bibi e Jardins, ajuda a aumentar a oferta de empreendimentos, mas não deve impedir uma alta de preços no ano que vem, provocada pela escassez de espaços na cidade.

Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

Jorge Cury, presidente da Trisul Foto: Trisul/Divulgação

Fazendo um balanço do primeiro ano do governo Lula, o mercado imobiliário vai terminar 2023 melhor do que começou?

Se olharmos para o fim de 2022, logo após a eleição presidencial, melhorou. O Lula tinha acabado de vencer o pleito e falou algumas coisas para desopilar o fígado e acabou assustando todo mundo. A curva longa de juros subiu, a expectativa de redução de juros para o ano mudou. Houve um stress, uma bagunça. Quem olha para esse passado e para como estamos hoje vê uma mudança fenomenal, da água para o vinho. Nesse primeiro momento, pensamos em devolver e vender terrenos para preservar o caixa e cancelar planos de lançamento. Agora, a partir de outubro, lançamos um guidance (projeção) bianual positivo. Vimos que as vendas voltaram. Em 2023, já vendemos R$ 1 bilhão e devemos fechar o ano com R$ 1,3 bilhão. Ficamos muito corajosos quando o mercado começa a girar, com o dinheiro novamente circulando. Quando somamos isso a uma inflação confortável, que já vem assim desde o começo do ano, e um juro real que estava alto e começou a acalmar com o arcabouço fiscal sendo levado a sério, ficamos surpresos em relação ao desempenho do ministro Fernando Haddad. Tudo isso encoraja o mercado, inclusive o consumidor. Quando o juro cai, bate um vento de popa que empurra o mercado para frente.

Qual foi o impacto das mudanças do Minha Casa Minha Vida para a Trisul?

A Trisul nunca esteve tão bem posicionada, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Compramos muitos terrenos em 2019, quando fizemos a emissão de ações na Bolsa e levantamos R$ 400 milhões. Preparamos a empresa para dobrar o ritmo de lançamentos por ano, indo a R$ 2 bilhões. Com o cenário macroeconômico e a pandemia, tivemos de segurar os planos. Estamos carregando quase R$ 800 milhões em terrenos comprados, o que equivale a R$ 4 bilhões em volume geral de vendas (VGV), que era para ter escoado e feito o giro em dois anos. Vamos lançar esses produtos agora, em 2024 e 2025. Não temos necessidade de comprar terrenos até 2025. O que comprarmos será para lançamentos em 2026. Por outro lado, tivemos de endividar a empresa um pouco mais do que gostaríamos. Com o estoque de terrenos, aumentamos o capital de giro. Por isso, a empresa deve ter uma grande desalavancagem ao longo de 2024. Isso também deve nos ajudar a recuperar a nossa margem de lucro. Entre maio de 2023 e setembro de 2024, estamos entregando 11 empreendimentos, o que vale mais de R$ 2 bilhões de VGV.

O novo Plano Diretor vai permitir construir mais nos terrenos comprados antes da pandemia?

Alguns terrenos tiveram essa vantagem. Mas ainda não conseguimos as aprovações. O Executivo só vai fazer um decreto regulamentador sobre o Plano Diretor entre janeiro e fevereiro. Os técnicos não vão assinar algo relacionado às novas regras enquanto não houver segurança para isso. Alguns terrenos, que tinham vantagem pequena, já estamos lançando neste ano, como, por exemplo, o empreendimento Diogo Faria. Não era um benefício adiar o lançamento por oito ou dez meses.

Quantos empreendimentos foram lançados em 2023 pela empresa?

Vamos fechar o ano com cinco empreendimentos. Os dois últimos do ano são os da Vila Clementina e um econômico no Alto do Ipiranga, na rua Pedro Gama.

O perfil do consumidor do mercado imobiliário mudou depois da pandemia?

No segmento econômico, não. O consumidor se enquadra no programa social, consegue o crédito e compra. Já no médio-alto padrão, os diferenciais dos empreendimentos fazem uma tremenda diferença, como um espaço pet, uma planta adaptada ao estilo de vida atual, bicicletário e uma boa localização. A pandemia acentuou algumas mudanças, como o trabalho remoto. Os salões de festa, por exemplo, que tendem a ficar vazios durante a semana estão entregues de forma a serem usados como ambientes para trabalhar. O mercado autônomo virou outra grande demanda.

Como estão as vendas de imóveis para a classe média neste ano?

O nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido porque não estamos acreditando nesse mercado. Os produtos que vão de R$ 350 mil até R$ 1,5 milhão são os que sempre tocaram o mercado imobiliário. Mas esse setor está muito sofrido. Os produtos que estão sendo vendidos são aqueles que já estavam lançados no mercado. Os novos virão com preços mais altos. Para isso, é preciso ter mais tempo de inflação baixa, crescimento e estabilidade do País. Na minha conta, a classe média deve voltar em 2025. Estamos, portanto, focados em apartamentos de R$ 1,5 milhão ou mais e aqueles de R$ 260 mil ou até R$ 350 mil.

Então, podemos esperar aumento de preços no mercado imobiliário de São Paulo em 2024?

Essa é uma pergunta difícil de ser respondida porque tem dois vieses. Quando os juros caem, o mercado imobiliário vai bem. Essa queda aumenta a capacidade de tomada de crédito. Mas não quer dizer que isso vai gerar um aumento de preço. Em um primeiro momento, não, porque os estoques serão escoados. A classe média que se recuperar de maneira mais rápida e comprar apartamentos no primeiro semestre de 2024 vai pegar boas oportunidades. No nosso caso, o estoque era zerado nos lançamentos. Hoje em dia, nossas entregas têm tido mais de 20% de estoque. Ou seja, o tempo de retorno do investimento é um pouco maior. Por outro lado, os terrenos são finitos em São Paulo. Os terrenos estão mais caros e os preços dos novos lançamentos serão mais caros do que os estoques que estão no mercado.

Na sua visão, a classe média sofre mais de falta de poder de compra ou de confiança para comprar um imóvel hoje em dia?

É uma combinação das duas coisas. No começo do ano passado, tínhamos incertezas. Uma família tem um comportamento parecido, deixa de viajar ou de jantar para guardar dinheiro. A confiança está voltando, com a queda dos juros e o aumento do poder de compra. Isso deu um incremento grande na velocidade de venda.

As mudanças do governo Lula feitas para permitir compras de imóveis mais caros e com maior prazo de financiamento tiveram impacto positivo ou negativo na estratégia da empresa?

Positivo. Com a queda do juro no governo Bolsonaro, investimos em empreendimentos com valores acima do programa Casa Verde e Amarela, porque o poder de compra da classe média aumentou muito naquela época. Com Lula no governo, tivemos o aumento da renda para R$ 8 mil para a compra de imóveis de interesse social, o aumento do parcelamento para 420 meses e a baixa dos juros para 7,6% ao ano. Isso caiu como uma luva para nós. O Minha Casa Minha Vida abraçou a nossa estratégia, que era fazer imóveis para serem vendidos acima do valor anteriormente permitido. Enquanto esperamos a classe média voltar, estamos fazendo esses empreendimentos do Minha Casa Minha Vida.

Há possibilidade de expandir as áreas nobres da cidade para além das regiões tradicionais, como Jardins, Itaim Bibi, Pinheiros e Vila Nova Conceição?

Tenho muitas dúvidas sobre isso. O Parque Ibirapuera, a Faria Lima e os hospitais são onde são. As pessoas não vão muito longe dos lugares que já frequentam. Não tem como deixar de ter zoneamento mais adensado em locais com maior demanda. Cabe ao poder público ir regulando a oferta, nem pode aumentar muito nem deixar de ter empreendimentos nesses bairros. No Plano Diretor, a distância máxima dos corredores de ônibus aumentou de 300 m para 400 m, enquanto a distância dos metrôs foi de 600 m para 700 m. Isso está certo. A cidade cresce e quem casa quer casa. Talvez, com o fim do bônus demográfico em 2050 passaremos a ter muito retrofit. Já demolimos prédios em áreas nobres para criar prédios maiores no lugar.

A disputa por terrenos em São Paulo está mais acirrada do que antes da pandemia?

Nossa área de novos negócios para médio-alto padrão vai comprando casas para compor terrenos. Esse é um tipo de aquisição em que temos expertise. No médio-alto, muitos fundos fomentaram pequenos incorporadores a comprar os terrenos, aumentando a disputa na Zona Oeste e na Zona Sul. Quem fez essa compra no passado vai vender e vai sair, porque não era esperado o aumento de juros que tivemos no País. Nossa briga por terrenos agora voltou a ser só com as incorporadoras, os fundos agora só querem emprestar dinheiro e não entrar nos empreendimentos como antes. Não estamos comprando terreno para empreendimento para a classe média, mas estamos comprando para o segmento econômico. Nesse caso, focamos nos imóveis de proprietário único que estejam no centro expandido, perto de um corredor de transporte, ônibus ou metrô.

O presidente da construtora Trisul, Jorge Cury, avalia que o mercado imobiliário melhorou em 2023, em parte, pela procura por imóveis de interesse social e por apartamentos com preços acima de R$ 1,5 milhão. A classe média, carro-chefe do mercado imobiliário nacional, não está comprando moradias e só deve voltar a desembolsar valores de R$ 350 mil a 1,5 milhão a partir de 2025.

“Nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido”, diz Cury. A empresa diz não estar à procura de terrenos para empreendimentos voltados ao setor e que hoje está preparando os lançamentos para os segmentos médio-alto e econômico que foram adiados pela pandemia. A Trisul comprou aproximadamente R$ 800 milhões em terrenos após uma emissão de ações na Bolsa de Valores, em 2019, e precisou segurar os lançamentos até o cenário macroeconômico, influenciado pela pandemia de covid-19 e pela alta da taxa de juros, melhorar.

Cury diz que o Plano Diretor de São Paulo, que amplia o potencial construtivo em bairros nobres, como Itaim Bibi e Jardins, ajuda a aumentar a oferta de empreendimentos, mas não deve impedir uma alta de preços no ano que vem, provocada pela escassez de espaços na cidade.

Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

Jorge Cury, presidente da Trisul Foto: Trisul/Divulgação

Fazendo um balanço do primeiro ano do governo Lula, o mercado imobiliário vai terminar 2023 melhor do que começou?

Se olharmos para o fim de 2022, logo após a eleição presidencial, melhorou. O Lula tinha acabado de vencer o pleito e falou algumas coisas para desopilar o fígado e acabou assustando todo mundo. A curva longa de juros subiu, a expectativa de redução de juros para o ano mudou. Houve um stress, uma bagunça. Quem olha para esse passado e para como estamos hoje vê uma mudança fenomenal, da água para o vinho. Nesse primeiro momento, pensamos em devolver e vender terrenos para preservar o caixa e cancelar planos de lançamento. Agora, a partir de outubro, lançamos um guidance (projeção) bianual positivo. Vimos que as vendas voltaram. Em 2023, já vendemos R$ 1 bilhão e devemos fechar o ano com R$ 1,3 bilhão. Ficamos muito corajosos quando o mercado começa a girar, com o dinheiro novamente circulando. Quando somamos isso a uma inflação confortável, que já vem assim desde o começo do ano, e um juro real que estava alto e começou a acalmar com o arcabouço fiscal sendo levado a sério, ficamos surpresos em relação ao desempenho do ministro Fernando Haddad. Tudo isso encoraja o mercado, inclusive o consumidor. Quando o juro cai, bate um vento de popa que empurra o mercado para frente.

Qual foi o impacto das mudanças do Minha Casa Minha Vida para a Trisul?

A Trisul nunca esteve tão bem posicionada, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Compramos muitos terrenos em 2019, quando fizemos a emissão de ações na Bolsa e levantamos R$ 400 milhões. Preparamos a empresa para dobrar o ritmo de lançamentos por ano, indo a R$ 2 bilhões. Com o cenário macroeconômico e a pandemia, tivemos de segurar os planos. Estamos carregando quase R$ 800 milhões em terrenos comprados, o que equivale a R$ 4 bilhões em volume geral de vendas (VGV), que era para ter escoado e feito o giro em dois anos. Vamos lançar esses produtos agora, em 2024 e 2025. Não temos necessidade de comprar terrenos até 2025. O que comprarmos será para lançamentos em 2026. Por outro lado, tivemos de endividar a empresa um pouco mais do que gostaríamos. Com o estoque de terrenos, aumentamos o capital de giro. Por isso, a empresa deve ter uma grande desalavancagem ao longo de 2024. Isso também deve nos ajudar a recuperar a nossa margem de lucro. Entre maio de 2023 e setembro de 2024, estamos entregando 11 empreendimentos, o que vale mais de R$ 2 bilhões de VGV.

O novo Plano Diretor vai permitir construir mais nos terrenos comprados antes da pandemia?

Alguns terrenos tiveram essa vantagem. Mas ainda não conseguimos as aprovações. O Executivo só vai fazer um decreto regulamentador sobre o Plano Diretor entre janeiro e fevereiro. Os técnicos não vão assinar algo relacionado às novas regras enquanto não houver segurança para isso. Alguns terrenos, que tinham vantagem pequena, já estamos lançando neste ano, como, por exemplo, o empreendimento Diogo Faria. Não era um benefício adiar o lançamento por oito ou dez meses.

Quantos empreendimentos foram lançados em 2023 pela empresa?

Vamos fechar o ano com cinco empreendimentos. Os dois últimos do ano são os da Vila Clementina e um econômico no Alto do Ipiranga, na rua Pedro Gama.

O perfil do consumidor do mercado imobiliário mudou depois da pandemia?

No segmento econômico, não. O consumidor se enquadra no programa social, consegue o crédito e compra. Já no médio-alto padrão, os diferenciais dos empreendimentos fazem uma tremenda diferença, como um espaço pet, uma planta adaptada ao estilo de vida atual, bicicletário e uma boa localização. A pandemia acentuou algumas mudanças, como o trabalho remoto. Os salões de festa, por exemplo, que tendem a ficar vazios durante a semana estão entregues de forma a serem usados como ambientes para trabalhar. O mercado autônomo virou outra grande demanda.

Como estão as vendas de imóveis para a classe média neste ano?

O nosso segmento de produtos para a classe média está adormecido porque não estamos acreditando nesse mercado. Os produtos que vão de R$ 350 mil até R$ 1,5 milhão são os que sempre tocaram o mercado imobiliário. Mas esse setor está muito sofrido. Os produtos que estão sendo vendidos são aqueles que já estavam lançados no mercado. Os novos virão com preços mais altos. Para isso, é preciso ter mais tempo de inflação baixa, crescimento e estabilidade do País. Na minha conta, a classe média deve voltar em 2025. Estamos, portanto, focados em apartamentos de R$ 1,5 milhão ou mais e aqueles de R$ 260 mil ou até R$ 350 mil.

Então, podemos esperar aumento de preços no mercado imobiliário de São Paulo em 2024?

Essa é uma pergunta difícil de ser respondida porque tem dois vieses. Quando os juros caem, o mercado imobiliário vai bem. Essa queda aumenta a capacidade de tomada de crédito. Mas não quer dizer que isso vai gerar um aumento de preço. Em um primeiro momento, não, porque os estoques serão escoados. A classe média que se recuperar de maneira mais rápida e comprar apartamentos no primeiro semestre de 2024 vai pegar boas oportunidades. No nosso caso, o estoque era zerado nos lançamentos. Hoje em dia, nossas entregas têm tido mais de 20% de estoque. Ou seja, o tempo de retorno do investimento é um pouco maior. Por outro lado, os terrenos são finitos em São Paulo. Os terrenos estão mais caros e os preços dos novos lançamentos serão mais caros do que os estoques que estão no mercado.

Na sua visão, a classe média sofre mais de falta de poder de compra ou de confiança para comprar um imóvel hoje em dia?

É uma combinação das duas coisas. No começo do ano passado, tínhamos incertezas. Uma família tem um comportamento parecido, deixa de viajar ou de jantar para guardar dinheiro. A confiança está voltando, com a queda dos juros e o aumento do poder de compra. Isso deu um incremento grande na velocidade de venda.

As mudanças do governo Lula feitas para permitir compras de imóveis mais caros e com maior prazo de financiamento tiveram impacto positivo ou negativo na estratégia da empresa?

Positivo. Com a queda do juro no governo Bolsonaro, investimos em empreendimentos com valores acima do programa Casa Verde e Amarela, porque o poder de compra da classe média aumentou muito naquela época. Com Lula no governo, tivemos o aumento da renda para R$ 8 mil para a compra de imóveis de interesse social, o aumento do parcelamento para 420 meses e a baixa dos juros para 7,6% ao ano. Isso caiu como uma luva para nós. O Minha Casa Minha Vida abraçou a nossa estratégia, que era fazer imóveis para serem vendidos acima do valor anteriormente permitido. Enquanto esperamos a classe média voltar, estamos fazendo esses empreendimentos do Minha Casa Minha Vida.

Há possibilidade de expandir as áreas nobres da cidade para além das regiões tradicionais, como Jardins, Itaim Bibi, Pinheiros e Vila Nova Conceição?

Tenho muitas dúvidas sobre isso. O Parque Ibirapuera, a Faria Lima e os hospitais são onde são. As pessoas não vão muito longe dos lugares que já frequentam. Não tem como deixar de ter zoneamento mais adensado em locais com maior demanda. Cabe ao poder público ir regulando a oferta, nem pode aumentar muito nem deixar de ter empreendimentos nesses bairros. No Plano Diretor, a distância máxima dos corredores de ônibus aumentou de 300 m para 400 m, enquanto a distância dos metrôs foi de 600 m para 700 m. Isso está certo. A cidade cresce e quem casa quer casa. Talvez, com o fim do bônus demográfico em 2050 passaremos a ter muito retrofit. Já demolimos prédios em áreas nobres para criar prédios maiores no lugar.

A disputa por terrenos em São Paulo está mais acirrada do que antes da pandemia?

Nossa área de novos negócios para médio-alto padrão vai comprando casas para compor terrenos. Esse é um tipo de aquisição em que temos expertise. No médio-alto, muitos fundos fomentaram pequenos incorporadores a comprar os terrenos, aumentando a disputa na Zona Oeste e na Zona Sul. Quem fez essa compra no passado vai vender e vai sair, porque não era esperado o aumento de juros que tivemos no País. Nossa briga por terrenos agora voltou a ser só com as incorporadoras, os fundos agora só querem emprestar dinheiro e não entrar nos empreendimentos como antes. Não estamos comprando terreno para empreendimento para a classe média, mas estamos comprando para o segmento econômico. Nesse caso, focamos nos imóveis de proprietário único que estejam no centro expandido, perto de um corredor de transporte, ônibus ou metrô.

Entrevista por Lucas Agrela

Repórter de economia & negócios, pós-graduado em administração e marketing e em mídias digitais.

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