O que Fafá de Belém, Jorge Ben Jor e o Rock in Rio têm em comum? Além de os dois primeiros serem cantores consagrados no mundo pop e o Rock in Rio reconhecido como um dos maiores festivais musicais do planeta, os três viraram protagonistas de campanhas publicitárias de metais e minerais.
Nos últimos tempos, gigantes produtores de alumínio, aço e outras matérias-primas básicas, como Hydro, ArcelorMittal, Gerdau, Vale e o próprio Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), vieram a público na mídia para falar do setor. Até contrataram influenciadores digitais para tornar os minerais e os metais pop.
Esse movimento repete o caminho de sucesso seguido pelo agronegócio. Até pouco tempo atrás, o agro era um setor praticamente desconhecido do cidadão comum. Mas, depois de campanhas para descortinar a produção agropecuária do País, o “agro é tec, agro é pop, agro é tudo” virou um bordão.
Vários fatores combinados movem o setor de metais e mineração para tornar seus produtos mais conhecidos dos brasileiros em geral. Depois dos acidentes de Brumadinho e Mariana, com rompimento de barragens de rejeitos, as mineradoras tiveram a sua reputação arranhada. Além disso, na era ESG, as empresas de mineração e também de outros setores passaram a ser avaliadas pelas decisões ambientais, sociais e de governança.
O pano de fundo da popularização dos minerais e dos metais é a transição para a economia de baixo carbono, afirma o presidente do Ibram, Raul Jungmann. “Não há transição para a economia de baixo carbono e superação da emergência climática, se você não tiver os chamados minerais críticos, que são usados nas baterias de carros elétricos, nas placas voltaicas”, afirma. Além disso, sem minerais não existe segurança alimentar. Apesar de ser um grande produtor de alimentos, 95% do potássio e 78% do fosfato, usados nos fertilizantes são importados no País.
Desde meados do ano, o Ibram lançou uma campanha publicitária que mostra a essencialidade dos minerais. Eles estão presentes na geladeira, no telefone celular, nas panelas, nos veículos, nas rodovias, por exemplo. O mote é que “os minerais estão presentes no que você imaginar”. Desenvolvida pela agência Oficina, foram investidos R$ 13 milhões. Ela envolveu TV aberta e fechada, jornal, rádio e até influenciadores digitais para furar a bolha do setor e falar da importância dos minerais, sobretudo para a população mais jovem.
Na prática, a peça publicitária do Ibram é resultado de um processo mais longo e maior de reposicionamento do setor de mineração. Dois anos e meio atrás, quando Jungmann chegou para dirigir a entidade, ele dizia que havia uma proposta de fazer uma campanha. O caminho escolhido, antes de vir a público para mostrar o papel da mineração, foi fazer uma espécie de arrumação da casa. Os episódios de Mariana e Brumadinho levaram o setor a um isolamento.
Uma das iniciativas foi mostrar, por exemplo, que mineração não tem nada a ver com garimpo ilegal. “Garimpo ilegal é cadeia, é polícia, nós não somos isso”, diz o presidente do Ibram. “A mineração tem impacto, mas ela está empenhada num movimento para mitigar isso, de ser sustentável e ter uma preocupação com a licença que nós chamamos de socioambiental”, observa Jungmann.
Rock in Rio, The Town e Fórmula 1 para se aproximar dos jovens
Um nome de peso da siderurgia brasileira, a Gerdau avaliou pouco mais de cinco anos atrás a necessidade de uma transformação cultural e corporativa, de aproximar das novas gerações. “As tragédias ambientais que ocorreram no País deixaram a sociedade mais cética em relação a alguns setores e as siderúrgicas também ficaram com imagem arranhada, criando dificuldades para atrair jovens”, relata Pedro Torres, diretor global de Comunicação do grupo. Foi necessária uma linguagem mais simples, falar diretamente com os jovens, ter uma presença mais digital. “Não era para vender mais aço”.
Grandes eventos, como o Rock in Rio e a Fórmula 1, com grandes plataformas de repercussão internacional, foram uma oportunidade de falar com públicos que não tinham interação com a empresa. “Levamos o aço para dentro do palco do Rock in Rio e fizemos ações para mostrar como o produto é feito e a sustentabilidade por meio da reciclagem. Neste ano mostramos um carro montado com sucata de aço”, diz Torres. Com o The Town, réplica do Rock in Rio, em São Paulo, ele destaca que são três eventos de expressão, envolvendo ações em paralelo com entidades como a Gerando Falcões.
Os resultados vieram além do esperado, destaca Torres. “Outras empresas do setor, e de mineração, também fizeram campanhas, o que é positivo, pois não se muda uma cultura sozinho”. Segundo o executivo, a Gerdau se tornou a empresa de aço mais seguida nas redes sociais (mais de 3 milhões de seguidores).
O projeto demandou aumento nos investimentos de marketing e comunicação. São dezenas de milhões de reais, diz o diretor, sem revelar o valor. Três vezes o montante que a companhia desembolsava antes. “Em 2023, o programa de trainee da companhia atraiu 44 mil inscritos, o maior de uma indústria no País”, informou.
Como pronunciar aquele nome estranho?
Uma pesquisa mostrou ao comando do grupo siderúrgico ArcelorMittal no Brasil que oito de dez pessoas não sabiam pronunciar o nome da empresa, um nome estranho, e muita gente não sabia de quem se tratava, mesmo sendo a maior produtora de aço do País (42% do total fabricado). “Vimos que era crucial tornar a companhia mais conhecida e contar seus atributos de qualidade, preocupação com meio ambiente, inovação, cuidado com pessoas”, conta Marina Soares, diretora jurídica, de relações institucionais e sustentabilidade.
A história do nome da companhia vem de uma fusão de duas empresas de aço, em 2006, que juntou a Arcelor (grupo europeu) e a Mittal (do empresário indiano Lakshmi Mittal). Depois vieram mais fusões e aquisições, agregando outras marcas e culturas, lembra a diretora. Para virar esse jogo, um ano e meio atrás foi contratado o publicitário Nizan Guanaes, que estudou campanhas de reposicionamento e de tornar mais popular a marca da empresa. As ações envolveram diversas mídias, das tradicionais às digitais.
Daí, relata Soares, a ideia de criar um jingle com base na música do cantor Jorge Ben Jor - W/Brasil (Chama o Síndico), pegando o refrão Alô, Alô W/Brasil, que foi gravada em 1991 em homenagem ao publicitário Washington Olivetto, dono da agência W/Brasil. Assim, no início deste ano, nasceu Alô, Alô ArcelorMittal. “Foi uma estratégia muito acertada, atingindo recall de 6% a 8%. O jingle se tornou a cara de uma empresa que tem um nome estranho”, afirma.
Antes, em 2022, a siderúrgica já havia patrocinado o programa Masterchef em uma rede de TV, onde falava do aço de uma forma mais simples e que produtos oriundos do metal estão em todo canto da casa e é parte da vida cotidiana das pessoas. Foi outra forma de fazer o nome da ArcelorMittal ser mais conhecido. O desafio, diz a diretora, era “como ser sedutor sendo uma empresa de aço” e buscar o jovem para se interessar em fazer parte de uma empresa siderúrgica.
Desde 2022, a companhia tem presença em eventos ligado ao esporte: participa da Stock Car, patrocinando um piloto da competição. Isso trouxe visibilidade para a marca dentro do meio esportivo automobilístico. A companhia contribui no desenvolvimento tecnológico do carro, fornecendo um aço especial com objetivo de garantir maior segurança. Em uma estratégia massiva de fortalecer a marca, nos aeroportos do País a ArcelorMittal está estampada em vários painéis externos e internos.
Invisibilidade
Para Jaime Troiano, sócio da TroianoBrading e um dos maiores especialistas em marcas, a decisão do setor de metais e mineração de mostrar a sua cara de um jeito pop indica que para grande parte da população esses produtos são absolutamente invisíveis. “Isso nunca havia sido feito e as empresas resolveram sair da sombra e dar esse passo.”
Segundo o especialista, o que desencadeou essa iniciativa foi a cultura ESG de transparência, de mostrar os papéis que a empresa desempenha na sociedade. “Isso é muito bom que esteja acontecendo para que os produtos de consumo não sejam os únicos protagonistas da nossa vida.” Um dos efeitos da mudança de postura das empresas que antes só falavam com outras empresas e agora passaram a se comunicar com as pessoas comuns é aumentar o orgulho e o engajamento dos funcionários. “Isso gera mais lucro no final do dia, não tenho a menor dúvida.”
Leia Também:
Troiano pondera que nenhuma empresa toma essa decisão contanto com esse cálculo matemático de quanto o seu lucro será aumentado. Mas os elos da cadeia de produção mais azeitada geram novos produtos e inovação. Isso acaba se refletindo em melhores resultados. Na opinião dele, esse é um caminho sem volta. “Não se trata de algo passageiro, mas de uma decisão corporativa da cultura ESG.”
Atuação na Amazônia e reconstrução da imagem
Aliando sua presença industrial na região Amazônica - da mineração à metalurgia do alumínio -, o grupo norueguês Hydro buscou uma virada de percepção da empresa, que teve, alguns anos atrás, a imagem associada a problemas ambientais na cidade onde opera uma fábrica de alumina, Barcarena, que fica 40 km ao sul de Belém. A empresa enfrentou três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), uma estadual e duas federais e, ao final, firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com os órgão públicos e com governo do Pará que envolveu investimentos na região.
Embora a empresa afirme que o ocorrido na época, em 2018, foi consequência de intensas chuvas que inundaram totalmente a cidade, e não houve rompimento de barragens, como noticiado, a decisão foi de mostrar mais a empresa à sociedade, o que ela produz, interagir mais com as comunidades onde tem operações e ter uma comunicação mais transparente e proativa. “É um desafio gigantesco atuar na Amazônia”, diz Lydia Damian, diretora de comunicação da companhia, que trouxe uma experiência de mais de 20 anos em empresas do agronegócio.
O mote de uma ampla campanha nacional em todas as mídias foi o tema ‘Mudar o Jogo do Alumínio’. “Tínhamos de mostrar quem somos, ser menos low profile (discreta). A figura da cantora Fafá de Belém, conhecida nacional e internacionalmente, encaixou como uma luva no projeto”, diz Damian. O objetivo, afirma, era apresentar a Hydro, suas atividades no Pará, a importância do alumínio, metal infinitamente reciclável, a atuação da empresa em favor da causa climática e da proteção da Amazônia, os investimentos na redução das emissões de CO2, além dos benefícios sociais que gera.
“Vimos a Fafá falando de assuntos ligados ao clima na COP 27 (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), realizada no Egito em 2022, onde também cantou”, lembra Anderson Baranov, CEO da Hydro Alumínio do Brasil. Ele comenta que a cantora paraense, além de tudo que faz, é um pessoa muito despachada. Ela se interessou em saber informações da empresa, o que fazia, e concordou, após várias conversas, em colocar seu nome e imagem numa grande campanha.
O executivo resume o propósito da campanha, com a presença de Fafá em vários filmes: mostrar toda a cadeia produtiva do alumínio, da mineração de bauxita no interior do estado, feita de forma sustentável (sem barragem de rejeitos, que são depositados a seco e o minério levado por mineroduto até a unidade de refino em Barcarena) e como a empresa se posiciona na sociedade. “Nossa mensagem é que somos bom vizinho do meio ambiente. Os incidentes lá de trás foram um alerta para a companhia, pois intenção e discurso não estavam em sintonia com as nossas ações”, diz o CEO.
Licença social para operar
Sob pressão dos desastres ambientais de Mariana, em 2015, e Brumadinho, 2019, envolvendo rompimento de duas grandes barragens de rejeitos em Minas Gerais, com repercussões internacionais, a Vale focou naquele momento numa comunicação de prestação de contas sobre a segurança de suas operações e na reparação das pessoas atingidas pelos eventos.
A partir deste ano, visando virar a página, a empresa iniciou uma campanha que busca mais proximidade com a sociedade e as comunidades no entorno de suas minas. Nessa fase, ampliou aparições em TVs, rádios e redes sociais, contando com influenciadores, para mostrar como o produto da empresa permeia o cotidiano.
A companhia não informa a verba da área de comunicação, incluindo publicidade e marketing. Garante que não representou aumento nos custos. O Estadão/Broadcast apurou, com pessoas próximas, que o valor gira em torno de R$ 200 milhões ao ano. “A gente quer trazer um espírito de comunicação mais aberta, conversar mais com os públicos de interesse, mostrar a transformação que estamos fazendo dentro da companhia”, diz o diretor de Comunicação, Leandro Modé. “Qualquer empresa precisa hoje de licença social para operar. Tudo se encaixa para criar uma marca, uma reputação.”
Inicialmente, a mineradora lançou, em redes sociais, TVs e rádios, a campanha “Tem a ver com a Vale”, criada pela agência África, com peças que tinham o objetivo de mostrar como os metais estão presentes no dia a dia das pessoas. Seguindo o mesmo espírito, em maio de 2024 veio a campanha “Essencialidade dos minerais no cotidiano”, com um mix mais amplo de mídia. Influenciadores do esporte, música e cultura foram contratados. Foi ainda desenvolvida a comunicação “Amazônia”, com Gaby Amarantos, cantora e personalidade do Pará, conhecida pelo envolvimento com a cultura amazônica, e o fotógrafo de renome Bob Wolfenson.
O desafio da Vale, com essas estratégias de comunicação, é a reconstrução da imagem, arranhada em decorrência dos eventos ambientais envolvendo responsabilidades da companhia. “A gente acredita que isso desemboca na licença real para operar, pois, mesmo que a companhia tenha o direito minerário, se a população local não quiser a atividade ali, será muito difícil operar”, afirma o diretor.