A falta de infraestrutura de carregadores deve atrasar a expansão do mercado de carros elétricos nos Estados Unidos, enquanto na Europa a discussão é o alto custo dos modelos, que começam a perder incentivos dados pelos governos nos últimos anos para estimular a compra.
Também há receio entre as montadoras de falta de matéria-prima e componentes, em especial, baterias, cuja produção é concentrada na Ásia. Com esse cenário, indústrias do setor automotivo ampliam os debates sobre uma revisão dos prazos para atendimento das metas de descarbonização na área de transporte.
Boa parte da indústria automobilística acredita que a mudança para a produção de veículos 100% elétricos não é viável nos prazos atuais. A primeira etapa prevê o fim da produção de carros a combustão entre 2030 e 2035 e, a segunda, de zero emissões de carbono no setor de transporte até 2050.
As montadoras afirmam estar comprometidas com investimentos na descarbonização, mas dizem haver um descompasso com as cadeias de suprimento de baterias, de matérias-primas (minerais), de infraestrutura de recarga e de energia renovável.
“Já estamos desenvolvendo, produzindo e vendendo carros elétricos e híbridos”, afirma John Bozzella, presidente da Organização Internacional dos Fabricantes de Veículos (Oica), entidade com sede na França que representa montadoras do mundo todo. “Somos os líderes desse time, mas são necessários todos os jogadores para atingir metas ambiciosas.”
Segundo ele, as vendas de EVs (veículos elétricos, na sigla em inglês) cresceram rapidamente, mas a infraestrutura não. “A indústria automotiva e outros setores não estão convencidos, ainda, de que haverá carregadores suficientes, assim como componentes, matéria-prima e energia sustentável.”
Bozzella esteve em São Paulo de quinta-feira, 26, a sábado, 28, para a Assembleia Geral da Oica, que ocorre anualmente e, pela primeira vez, foi realizada no Brasil. Ele defende que os governos criem estratégias regulatórias para a redução de emissões de CO₂ para todos os setores envolvidos. “Sem isso, não haverá condições para atingir emissão zero em 2050.″
O evento foi organizado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que aproveitou para mostrar aos representantes dos demais países as propostas de descarbonização do Brasil com combustíveis renováveis, como o etanol.
Participaram do evento dirigentes de associações de montadoras da África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Coreia do Sul, EUA, França, Holanda, Itália, Japão, Noruega, Portugal, Reino Unido e Suécia. Essas entidades representam empresas responsáveis pela produção de 60 milhões de veículos ao ano. Uma ausência importante foi a da China.
Menos incentivos
Bozzela também preside a Aliança para Inovação Automotiva, que reúne fabricantes de vários segmentos do setor automotivo dos EUA. Ele confirma que, no país, faltam postos de recarga. A consultoria Cox Automotive prevê vendas de 1 milhão de carros elétricos nos EUA neste ano. No primeiro semestre, já foram vendidas 557 mil unidades.
Embora as vendas estejam em alta, já há registros, nos EUA, de consumidores que estão trocando modelos elétricos por híbridos — que combinam um motor a combustão com uma bateria e não precisam ser abastecidos na tomada.
O presidente da Oica diz que já há desaquecimento de vendas de elétricos em alguns países, em parte porque os governos estão reduzindo ou retirando incentivos para a compra, que inicialmente ficavam na faixa de US$ 7,5 mil.
Na União Europeia, há um processo de revisão de metas para a descarbonização. Alemanha, Itália, Polônia e República Tcheca pediram exceções para manter a venda de carros a combustão além de 2035.
Pelo menos a reivindicação da Alemanha foi atendida até agora, desde que os veículos usem combustíveis sintéticos (produzido a partir da combinação de gás de hidrogênio e dióxido de carbono por meio de processos químicos). Eles poluem menos que o diesel e a gasolina, mas não são zero emissão.
Experiência brasileira
O presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, afirma que não vê o Brasil em atraso no processo de descarbonização porque o País dispõe de combustíveis “verdes”, como etanol e biocombustíveis, além de ter 80% de sua matriz energética renovável. “Será uma transição mais conservadora”, diz.
“Hoje, percebemos que há uma preocupação (por parte de outros países) com medidas que foram tomadas nesse processo de novas tecnologias”, afirma Leite. Segundo ele, os membros da Oica estão interessados em conhecer mais sobre as alternativas do País.
Lá fora, diz Leite, a opção foi pelos carros elétricos porque não tem outra opção, mas há um entendimento de que os prazos são curtos para mudar todo o sistema produtivo. A própria China, que saiu na frente, hoje tem 20% de suas vendas totais voltada aos carros elétricos, participação que ele considera pequena diante do tamanho do mercado.
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Ele ressalta que, no Brasil, ao fazer a medição das emissões pelo ciclo completo de produção do combustível (do plantio da cana ao escapamento do carro), o País está avançado em termos de emissões com o uso do etanol. Na Europa, por exemplo, onde países como a Alemanha tem sua energia elétrica baseado no carvão, o carro elétrico não seria considerado de emissão zero na medição feita pelo Brasil.
“Cada região tem uma realidade diferente e é preciso entender isso”, afirma o presidente da Anfavea.
Para Bozzella, a experiência brasileira “naturalmente será diferente do resto do mundo”. Em sua opinião, cada mercado precisa discutir com os governos o que é mais eficiente. “Temos de ser sensíveis às diferentes condições, mas é importante criar políticas necessárias para essa transição, pensando inclusive no que vai ocorrer com o mercado”, diz.