‘Não dá pra ficar criando exceção a torto e a direito na reforma tributária’, diz CEO da Cosan


Para executivo, se alíquotas com exceções foram muito numerosas, poucas empresas pagarão mais por todas, reduzindo incentivos para os negócios

Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Cosan
Entrevista comLuis Henrique GuimarãesCEO da Cosan

As grandes empresas brasileiras, como o grupo Cosan, têm verdadeiros exércitos para atuar em seu departamento tributário, tamanho o impacto do pagamento de impostos para os seus resultados e tal é a complexidade do sistema brasileiro. A reforma tributária em tramitação no Congresso promete simplificar isso, e tem potencial de destravar investimentos, mas precisa evitar cair em algumas armadilhas, como as de estabelecer muitas alíquotas de exceção, ou jogar mais o peso tributário em cima de poucas organizações, alerta o CEO da Cosan e membro do conselho de administração da Vale, Luis Henrique Guimarães.

“As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos”, diz o executivo. “O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do país ou via taxando mais quem já paga?”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

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Qual a importância de a reforma tributária sair?

O nosso sistema precisa mudar. Ele é caótico. Traz um custo e uma complexidade gigantesca. A incerteza é enorme. É só ver os casos de decisões judiciárias e cobranças retroativas. Isso cria uma geração de passivos nos balanços, tanto para a União quanto para as empresas. É uma enormidade o que existe de créditos tributários não aproveitados, o que se consome de balanços por que as empresas precisam registrar fianças, seguro-garantia e depósitos judiciais, que são recursos financeiros que não podem ser utilizados para investimentos. Assim, a economia opera com um grau de ineficiência o qual é pouco falado.

A estrutura de impostos brasileira implica custo operacional alto para as empresas lidarem?

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O custo de acompanhamento de todas as questões tributárias é muito grande. As regras mudam no meio do caminho. São reinterpretadas muitas vezes no Judiciário. Passam por quinhentas instâncias e muitas vezes, mesmo dentro da mesma vara de Justiça, o entendimento muda. Mas não quero criticar os juízes com isso. Coitados deles. Não existe um tribunal específico para questões tributárias. Há para questões trabalhistas, mas não para o sistema tributário. Imagina o que é para alguém julgar um caso complexo de ágio, sem ser especialista no assunto.

Luis Henrique Guimarães ainda não vê com preocupação a paralisação dos petroleiros, deflagrada nesta terça-feira, 29 Foto: FOTO: CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

Que outros benefícios a simplificação traria, além de diminuir essa ineficiência e baixar os custos de operação?

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Como o sistema é difícil e complexo, existe uma sonegação gigantesca. O Bernard Appy (secretário extraordinário da reforma tributária) comenta isso e já fizemos várias contas aqui do hiato entre a arrecadação teórica e real, e seria algo entre 21% e 24%. No nosso segmento de combustíveis, há cerca de R$ 26 bilhões de sonegação fiscal anual, de impostos federais e estaduais, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas. Então, ficamos discutindo risco fiscal e se criam impostos novos, enquanto temos R$ 26 bilhões não coletados. E isso acontece numa categoria fácil de ser cobrada. Não é como em cerveja, com um milhão de bares, espalhados pelo País. No nosso setor, são cerca de 40 mil postos de combustíveis, 30 distribuidoras e 100 produtores de etanol. Em tese, assim, seria fácil arrecadar e acompanhar a cobrança automática.

O modelo que a reforma está tomando agrada?

Sabemos que a reforma tem de ser a reforma possível. Mas, como tudo na vida, não adianta fazer alguma coisa que não vá trazer melhorias. A reforma não pode continuar deixando quem é sério e organizado pagar por quem não é, que é um grande problema do Brasil. Desse jeito, a conta vai crescendo e chega uma hora que não dá para ter negócio. Cada vez tem mais gente não pagando e quem paga vai acabar pagando mais. O final deste filme é horroroso.

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Como seria possível ela não melhorar a situação atual?

O grande risco dessa reforma é criar tanta exceção que a alíquota comum ficará tão alta a ponto de desincentivar quem trabalha seriamente. Não dá para ficar criando exceção a torto e a direito. Assim, quem ficar fora da exceção vai precisar pagar mais 30% de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). O pensamento por trás da reforma é bacana. O IVA é uma solução já testada em muitos países. Só não podemos começar a dar o nosso jeitinho brasileiro. O risco é que a gente troque cinco tributos por três absolutamente iguais. A grande base dessa reforma deve ser a simplicidade.

Apenas a simplicidade já resolve o problema?

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Existem cinco coisas muito importantes nessa reforma que precisam ser mantidas até o fim: simplicidade do sistema, com transparência e previsibilidade para o investimento; redução da guerra fiscal; segurança jurídica para diminuir a litigiosidade; não pode haver o aumento da carga tributária em relação ao PIB; e precisa trazer redução da sonegação.

O que mais agrada na modelagem da reforma?

Na Cosan, gostamos muito da incidência passar a acontecer no destino. É uma evolução importante. É muito importante também que exista uma boa vontade geral de lidar com algumas categorias de impacto mais relevante. Por exemplo, em combustível. Nele, a monofasia é fundamental. Se você for tentar cobrar de todos os elos da cadeia, a reforma não vai acontecer. Outros setores também são assim. No de bebidas mesmo, não vai dar para tentar cobrar de um milhão de botequins. O IVA precisa ser pensado dessa maneira, porque senão você entra naquela velha história da substituição tributária, que já foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), para a definição de alíquota.

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Quais são os pontos de preocupação no encaminhamento do projeto no Congresso?

Uma boa parte da reforma vai ser definida em lei complementar. E aí pode acontecer muita coisa. Existe um conceito na reforma, mas como ele vai acontecer? Deveria ter um esforço grande para simplificar, e não deixar os Estados poder legislar. Isso é um desafio para o pacto federativo. Mas os Estados não devem poder criar impostos específicos para alguns produtos. Isso é um perigo. O princípio da reforma tributária justamente está em ser uma coisa nacional. Você quer a redução da guerra fiscal, e a redução dos incentivos tributários. Se você abre a porteira aqui, a espinha dorsal da reforma estará sendo quebrada. Também será preciso definir os créditos do PIS/Cofins e como ficam os do ICMS. Temos hoje R$ 800 bilhões de créditos só de impostos federais nas empresas no Brasil. Se contarmos os estaduais, passam de R$ 1 trilhão. Imagina ter de explicar para o acionista que a empresa tem um monte de crédito tributário que não consegue acessar.

A transição do sistema antigo para o novo pode preocupar?

De fato, não se pode virar a chave no dia seguinte. Mas como vamos manter as obrigações? Teremos de contratar dois auditores, um para o sistema antigo outro para o novo? Vamos ter duas contabilidades? Uma sacada que pode ser fundamental e que seria legal se acontecesse é o que estão chamando de split automático de pagamento. Imagina comprar um celular na loja, e o preço do produto lá ser R$ 150, com IVA de R$ 15. Quando a compra foi feita, o pagamento já passaria pelo sistema de pagamento nacional e os R$ 15 já seriam separados e enviados diretamente para o órgão arrecadador. Se funcionar assim, seria um gol de placa, porque acabaria com 99% da sonegação, e o tal hiato de arrecadação real de 24% cairia, permitindo alíquotas menores. A sofisticação do mercado financeiro do país, que tem até o PIX, permite um sistema assim. O Banco Central está trabalhando nisso.

Falando em alíquotas, o imposto seletivo pode afetar o setor de combustíveis fósseis?

O imposto seletivo tem uma definição ampla, não é? Ele é explicado como aquele que vai incidir sobre a produção, comercialização ou importação de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente nos termos da lei. Como isso vai ser definido? Como ele se confunde no mercado de carbono? O mercado de carbono já traz o preço implícito do carbono para quem afeta o meio ambiente.

Qual é o risco de o governo taxar em excesso o setor?

As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos. O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do País ou via taxação maior de quem já paga? A primeira alternativa aconteceu em vários dos nossos vizinhos na América do Sul. Se você criou um imposto de exportação de soja ou de petróleo, é tudo uma maravilha no começo, e a arrecadação aumenta. Mas a base a ser tributada vai erodindo. O ideal é que a base cresça, que se cobre um porcentual menor e poder receber mais com isso. Não o contrário, de ter uma base pequena com alíquota maior. Afinal, isso incentivaria ao empresário sair do sistema.

As grandes empresas brasileiras, como o grupo Cosan, têm verdadeiros exércitos para atuar em seu departamento tributário, tamanho o impacto do pagamento de impostos para os seus resultados e tal é a complexidade do sistema brasileiro. A reforma tributária em tramitação no Congresso promete simplificar isso, e tem potencial de destravar investimentos, mas precisa evitar cair em algumas armadilhas, como as de estabelecer muitas alíquotas de exceção, ou jogar mais o peso tributário em cima de poucas organizações, alerta o CEO da Cosan e membro do conselho de administração da Vale, Luis Henrique Guimarães.

“As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos”, diz o executivo. “O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do país ou via taxando mais quem já paga?”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual a importância de a reforma tributária sair?

O nosso sistema precisa mudar. Ele é caótico. Traz um custo e uma complexidade gigantesca. A incerteza é enorme. É só ver os casos de decisões judiciárias e cobranças retroativas. Isso cria uma geração de passivos nos balanços, tanto para a União quanto para as empresas. É uma enormidade o que existe de créditos tributários não aproveitados, o que se consome de balanços por que as empresas precisam registrar fianças, seguro-garantia e depósitos judiciais, que são recursos financeiros que não podem ser utilizados para investimentos. Assim, a economia opera com um grau de ineficiência o qual é pouco falado.

A estrutura de impostos brasileira implica custo operacional alto para as empresas lidarem?

O custo de acompanhamento de todas as questões tributárias é muito grande. As regras mudam no meio do caminho. São reinterpretadas muitas vezes no Judiciário. Passam por quinhentas instâncias e muitas vezes, mesmo dentro da mesma vara de Justiça, o entendimento muda. Mas não quero criticar os juízes com isso. Coitados deles. Não existe um tribunal específico para questões tributárias. Há para questões trabalhistas, mas não para o sistema tributário. Imagina o que é para alguém julgar um caso complexo de ágio, sem ser especialista no assunto.

Luis Henrique Guimarães ainda não vê com preocupação a paralisação dos petroleiros, deflagrada nesta terça-feira, 29 Foto: FOTO: CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

Que outros benefícios a simplificação traria, além de diminuir essa ineficiência e baixar os custos de operação?

Como o sistema é difícil e complexo, existe uma sonegação gigantesca. O Bernard Appy (secretário extraordinário da reforma tributária) comenta isso e já fizemos várias contas aqui do hiato entre a arrecadação teórica e real, e seria algo entre 21% e 24%. No nosso segmento de combustíveis, há cerca de R$ 26 bilhões de sonegação fiscal anual, de impostos federais e estaduais, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas. Então, ficamos discutindo risco fiscal e se criam impostos novos, enquanto temos R$ 26 bilhões não coletados. E isso acontece numa categoria fácil de ser cobrada. Não é como em cerveja, com um milhão de bares, espalhados pelo País. No nosso setor, são cerca de 40 mil postos de combustíveis, 30 distribuidoras e 100 produtores de etanol. Em tese, assim, seria fácil arrecadar e acompanhar a cobrança automática.

O modelo que a reforma está tomando agrada?

Sabemos que a reforma tem de ser a reforma possível. Mas, como tudo na vida, não adianta fazer alguma coisa que não vá trazer melhorias. A reforma não pode continuar deixando quem é sério e organizado pagar por quem não é, que é um grande problema do Brasil. Desse jeito, a conta vai crescendo e chega uma hora que não dá para ter negócio. Cada vez tem mais gente não pagando e quem paga vai acabar pagando mais. O final deste filme é horroroso.

Como seria possível ela não melhorar a situação atual?

O grande risco dessa reforma é criar tanta exceção que a alíquota comum ficará tão alta a ponto de desincentivar quem trabalha seriamente. Não dá para ficar criando exceção a torto e a direito. Assim, quem ficar fora da exceção vai precisar pagar mais 30% de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). O pensamento por trás da reforma é bacana. O IVA é uma solução já testada em muitos países. Só não podemos começar a dar o nosso jeitinho brasileiro. O risco é que a gente troque cinco tributos por três absolutamente iguais. A grande base dessa reforma deve ser a simplicidade.

Apenas a simplicidade já resolve o problema?

Existem cinco coisas muito importantes nessa reforma que precisam ser mantidas até o fim: simplicidade do sistema, com transparência e previsibilidade para o investimento; redução da guerra fiscal; segurança jurídica para diminuir a litigiosidade; não pode haver o aumento da carga tributária em relação ao PIB; e precisa trazer redução da sonegação.

O que mais agrada na modelagem da reforma?

Na Cosan, gostamos muito da incidência passar a acontecer no destino. É uma evolução importante. É muito importante também que exista uma boa vontade geral de lidar com algumas categorias de impacto mais relevante. Por exemplo, em combustível. Nele, a monofasia é fundamental. Se você for tentar cobrar de todos os elos da cadeia, a reforma não vai acontecer. Outros setores também são assim. No de bebidas mesmo, não vai dar para tentar cobrar de um milhão de botequins. O IVA precisa ser pensado dessa maneira, porque senão você entra naquela velha história da substituição tributária, que já foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), para a definição de alíquota.

Quais são os pontos de preocupação no encaminhamento do projeto no Congresso?

Uma boa parte da reforma vai ser definida em lei complementar. E aí pode acontecer muita coisa. Existe um conceito na reforma, mas como ele vai acontecer? Deveria ter um esforço grande para simplificar, e não deixar os Estados poder legislar. Isso é um desafio para o pacto federativo. Mas os Estados não devem poder criar impostos específicos para alguns produtos. Isso é um perigo. O princípio da reforma tributária justamente está em ser uma coisa nacional. Você quer a redução da guerra fiscal, e a redução dos incentivos tributários. Se você abre a porteira aqui, a espinha dorsal da reforma estará sendo quebrada. Também será preciso definir os créditos do PIS/Cofins e como ficam os do ICMS. Temos hoje R$ 800 bilhões de créditos só de impostos federais nas empresas no Brasil. Se contarmos os estaduais, passam de R$ 1 trilhão. Imagina ter de explicar para o acionista que a empresa tem um monte de crédito tributário que não consegue acessar.

A transição do sistema antigo para o novo pode preocupar?

De fato, não se pode virar a chave no dia seguinte. Mas como vamos manter as obrigações? Teremos de contratar dois auditores, um para o sistema antigo outro para o novo? Vamos ter duas contabilidades? Uma sacada que pode ser fundamental e que seria legal se acontecesse é o que estão chamando de split automático de pagamento. Imagina comprar um celular na loja, e o preço do produto lá ser R$ 150, com IVA de R$ 15. Quando a compra foi feita, o pagamento já passaria pelo sistema de pagamento nacional e os R$ 15 já seriam separados e enviados diretamente para o órgão arrecadador. Se funcionar assim, seria um gol de placa, porque acabaria com 99% da sonegação, e o tal hiato de arrecadação real de 24% cairia, permitindo alíquotas menores. A sofisticação do mercado financeiro do país, que tem até o PIX, permite um sistema assim. O Banco Central está trabalhando nisso.

Falando em alíquotas, o imposto seletivo pode afetar o setor de combustíveis fósseis?

O imposto seletivo tem uma definição ampla, não é? Ele é explicado como aquele que vai incidir sobre a produção, comercialização ou importação de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente nos termos da lei. Como isso vai ser definido? Como ele se confunde no mercado de carbono? O mercado de carbono já traz o preço implícito do carbono para quem afeta o meio ambiente.

Qual é o risco de o governo taxar em excesso o setor?

As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos. O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do País ou via taxação maior de quem já paga? A primeira alternativa aconteceu em vários dos nossos vizinhos na América do Sul. Se você criou um imposto de exportação de soja ou de petróleo, é tudo uma maravilha no começo, e a arrecadação aumenta. Mas a base a ser tributada vai erodindo. O ideal é que a base cresça, que se cobre um porcentual menor e poder receber mais com isso. Não o contrário, de ter uma base pequena com alíquota maior. Afinal, isso incentivaria ao empresário sair do sistema.

As grandes empresas brasileiras, como o grupo Cosan, têm verdadeiros exércitos para atuar em seu departamento tributário, tamanho o impacto do pagamento de impostos para os seus resultados e tal é a complexidade do sistema brasileiro. A reforma tributária em tramitação no Congresso promete simplificar isso, e tem potencial de destravar investimentos, mas precisa evitar cair em algumas armadilhas, como as de estabelecer muitas alíquotas de exceção, ou jogar mais o peso tributário em cima de poucas organizações, alerta o CEO da Cosan e membro do conselho de administração da Vale, Luis Henrique Guimarães.

“As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos”, diz o executivo. “O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do país ou via taxando mais quem já paga?”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual a importância de a reforma tributária sair?

O nosso sistema precisa mudar. Ele é caótico. Traz um custo e uma complexidade gigantesca. A incerteza é enorme. É só ver os casos de decisões judiciárias e cobranças retroativas. Isso cria uma geração de passivos nos balanços, tanto para a União quanto para as empresas. É uma enormidade o que existe de créditos tributários não aproveitados, o que se consome de balanços por que as empresas precisam registrar fianças, seguro-garantia e depósitos judiciais, que são recursos financeiros que não podem ser utilizados para investimentos. Assim, a economia opera com um grau de ineficiência o qual é pouco falado.

A estrutura de impostos brasileira implica custo operacional alto para as empresas lidarem?

O custo de acompanhamento de todas as questões tributárias é muito grande. As regras mudam no meio do caminho. São reinterpretadas muitas vezes no Judiciário. Passam por quinhentas instâncias e muitas vezes, mesmo dentro da mesma vara de Justiça, o entendimento muda. Mas não quero criticar os juízes com isso. Coitados deles. Não existe um tribunal específico para questões tributárias. Há para questões trabalhistas, mas não para o sistema tributário. Imagina o que é para alguém julgar um caso complexo de ágio, sem ser especialista no assunto.

Luis Henrique Guimarães ainda não vê com preocupação a paralisação dos petroleiros, deflagrada nesta terça-feira, 29 Foto: FOTO: CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

Que outros benefícios a simplificação traria, além de diminuir essa ineficiência e baixar os custos de operação?

Como o sistema é difícil e complexo, existe uma sonegação gigantesca. O Bernard Appy (secretário extraordinário da reforma tributária) comenta isso e já fizemos várias contas aqui do hiato entre a arrecadação teórica e real, e seria algo entre 21% e 24%. No nosso segmento de combustíveis, há cerca de R$ 26 bilhões de sonegação fiscal anual, de impostos federais e estaduais, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas. Então, ficamos discutindo risco fiscal e se criam impostos novos, enquanto temos R$ 26 bilhões não coletados. E isso acontece numa categoria fácil de ser cobrada. Não é como em cerveja, com um milhão de bares, espalhados pelo País. No nosso setor, são cerca de 40 mil postos de combustíveis, 30 distribuidoras e 100 produtores de etanol. Em tese, assim, seria fácil arrecadar e acompanhar a cobrança automática.

O modelo que a reforma está tomando agrada?

Sabemos que a reforma tem de ser a reforma possível. Mas, como tudo na vida, não adianta fazer alguma coisa que não vá trazer melhorias. A reforma não pode continuar deixando quem é sério e organizado pagar por quem não é, que é um grande problema do Brasil. Desse jeito, a conta vai crescendo e chega uma hora que não dá para ter negócio. Cada vez tem mais gente não pagando e quem paga vai acabar pagando mais. O final deste filme é horroroso.

Como seria possível ela não melhorar a situação atual?

O grande risco dessa reforma é criar tanta exceção que a alíquota comum ficará tão alta a ponto de desincentivar quem trabalha seriamente. Não dá para ficar criando exceção a torto e a direito. Assim, quem ficar fora da exceção vai precisar pagar mais 30% de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). O pensamento por trás da reforma é bacana. O IVA é uma solução já testada em muitos países. Só não podemos começar a dar o nosso jeitinho brasileiro. O risco é que a gente troque cinco tributos por três absolutamente iguais. A grande base dessa reforma deve ser a simplicidade.

Apenas a simplicidade já resolve o problema?

Existem cinco coisas muito importantes nessa reforma que precisam ser mantidas até o fim: simplicidade do sistema, com transparência e previsibilidade para o investimento; redução da guerra fiscal; segurança jurídica para diminuir a litigiosidade; não pode haver o aumento da carga tributária em relação ao PIB; e precisa trazer redução da sonegação.

O que mais agrada na modelagem da reforma?

Na Cosan, gostamos muito da incidência passar a acontecer no destino. É uma evolução importante. É muito importante também que exista uma boa vontade geral de lidar com algumas categorias de impacto mais relevante. Por exemplo, em combustível. Nele, a monofasia é fundamental. Se você for tentar cobrar de todos os elos da cadeia, a reforma não vai acontecer. Outros setores também são assim. No de bebidas mesmo, não vai dar para tentar cobrar de um milhão de botequins. O IVA precisa ser pensado dessa maneira, porque senão você entra naquela velha história da substituição tributária, que já foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), para a definição de alíquota.

Quais são os pontos de preocupação no encaminhamento do projeto no Congresso?

Uma boa parte da reforma vai ser definida em lei complementar. E aí pode acontecer muita coisa. Existe um conceito na reforma, mas como ele vai acontecer? Deveria ter um esforço grande para simplificar, e não deixar os Estados poder legislar. Isso é um desafio para o pacto federativo. Mas os Estados não devem poder criar impostos específicos para alguns produtos. Isso é um perigo. O princípio da reforma tributária justamente está em ser uma coisa nacional. Você quer a redução da guerra fiscal, e a redução dos incentivos tributários. Se você abre a porteira aqui, a espinha dorsal da reforma estará sendo quebrada. Também será preciso definir os créditos do PIS/Cofins e como ficam os do ICMS. Temos hoje R$ 800 bilhões de créditos só de impostos federais nas empresas no Brasil. Se contarmos os estaduais, passam de R$ 1 trilhão. Imagina ter de explicar para o acionista que a empresa tem um monte de crédito tributário que não consegue acessar.

A transição do sistema antigo para o novo pode preocupar?

De fato, não se pode virar a chave no dia seguinte. Mas como vamos manter as obrigações? Teremos de contratar dois auditores, um para o sistema antigo outro para o novo? Vamos ter duas contabilidades? Uma sacada que pode ser fundamental e que seria legal se acontecesse é o que estão chamando de split automático de pagamento. Imagina comprar um celular na loja, e o preço do produto lá ser R$ 150, com IVA de R$ 15. Quando a compra foi feita, o pagamento já passaria pelo sistema de pagamento nacional e os R$ 15 já seriam separados e enviados diretamente para o órgão arrecadador. Se funcionar assim, seria um gol de placa, porque acabaria com 99% da sonegação, e o tal hiato de arrecadação real de 24% cairia, permitindo alíquotas menores. A sofisticação do mercado financeiro do país, que tem até o PIX, permite um sistema assim. O Banco Central está trabalhando nisso.

Falando em alíquotas, o imposto seletivo pode afetar o setor de combustíveis fósseis?

O imposto seletivo tem uma definição ampla, não é? Ele é explicado como aquele que vai incidir sobre a produção, comercialização ou importação de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente nos termos da lei. Como isso vai ser definido? Como ele se confunde no mercado de carbono? O mercado de carbono já traz o preço implícito do carbono para quem afeta o meio ambiente.

Qual é o risco de o governo taxar em excesso o setor?

As pessoas esquecem que o mesmo dinheiro que vai para o imposto é o que iria para investimentos. Não existem dois bolsos. O objetivo será aumentar a arrecadação via crescimento do País ou via taxação maior de quem já paga? A primeira alternativa aconteceu em vários dos nossos vizinhos na América do Sul. Se você criou um imposto de exportação de soja ou de petróleo, é tudo uma maravilha no começo, e a arrecadação aumenta. Mas a base a ser tributada vai erodindo. O ideal é que a base cresça, que se cobre um porcentual menor e poder receber mais com isso. Não o contrário, de ter uma base pequena com alíquota maior. Afinal, isso incentivaria ao empresário sair do sistema.

Entrevista por Carlos Eduardo Valim

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