Novo Mercado: Escândalos levam B3 a estudar exclusão de empresas do indicador de governança


Mudança pode ocorrer na próxima revisão do indicador, mas ainda não tem data para ser colocada em prática

Por Wesley Gonsalves
Atualização:

A Bolsa de Valores brasileira vai avaliar junto ao mercado de capitais a possibilidade de excluir empresas envolvidas em escândalos que integram o indicador Novo Mercado. De acordo com a B3, a mudança nas regras para participação no segmento pode ser criada na próxima revisão do indicador. No entanto, a companhia não informou quando essa alteração será colocada em prática.

Criado nos anos 2000, o segmento de listagem é dedicado às companhias que, voluntariamente, adotam as mais rígidas regras de governança corporativas e as práticas de administração e transparência. Entre as exigências impostas estão a criação de uma área de auditoria interna, conselho de administração com ao menos dois ou 20% dos conselheiros independentes, divulgação das políticas de remuneração e de gerenciamento de riscos, entre outras normas.

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A indicação da mudança e atualização das regras da B3 para participação das empresas no Novo Mercado acontece em meio as denúncias de inconsistências contábeis nos balanços da Americanas, empresa que integra o segmento. Em janeiro deste ano, a varejista divulgou um rombo bilionário em suas contas. A denúncia foi feita pelo ex-presidente Sergio Rial, que deixou o cargo após dez dias à frente da presidência da companhia.

“É um debate interessante, mas que sozinho não evita prejuízo ao investidor porque funciona após o surgimento do problema. O mais relevante é buscarmos medidas cada vez mais eficientes para evitar que isso ocorra”, afirmou Gilson Finkelsztain, presidente da B3, em conversa com jornalistas em janeiro deste ano.

Unidade da Americanas, que entrou em recuperação judicial após revelar rombo bilionário. Foto: Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo  Foto: Pedro Kirilos/Estadão
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Conforme divulgou o Estadão, o segmento da bolsa tem sido testado nos últimos anos diante de inúmeros casos de denúncias envolvendo, justamente, grandes companhias listadas na Bolsa brasileira no índice Novo Mercado.

Conheça denúncias envolvendo empresas listadas no Novo Mercado.

Americanas: rombo bilionário

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Em 11 de janeiro, o então presidente da Lojas Americanas, Sergio Rial, divulgou um rombo bilionário nas finanças da empresa. Segundo ele, as “inconsistências contábeis” seriam de R$ 20 bilhões, relacionadas a dívidas com fornecedores e operações de crédito com grandes bancos (chamadas de “risco sacado”) que não teriam sido registradas nos relatórios nem identificados pela auditoria PwC.

Na última sexta-feira, a Americanas decidiu afastar toda a diretoria da empresa. Dias antes, a varejista já havia anunciado a criação de um comitê independente para investigar os problemas financeiros.

As “inconsistências” no balanço fizeram as ações da companhia derreterem. Antes da denúncia, os papéis da empresa eram negociados na Bolsa a R$ 12. Eles caíram quase 90%, chegando a R$ 1,63. O caso também se transformou em uma guerra judicial envolvendo bancos como BTG Pactual, Santander, Itaú e Bradesco.

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Questionada sobre o caso, a varejista, que integra o Novo Mercado há nove anos, afirmou, em nota, que suas práticas de governança corporativa “refletem um alto nível de transparência perante seus stakeholders, conforme regem os órgãos regulatórios como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários)”. “A companhia reforça que todos os seus órgãos sociais (conselho, diretoria e comitês) estão trabalhando conjuntamente com o objetivo de manter as operações da companhia de forma adequada e apoiar os trabalhos do Comitê Independente.”

CVC: prejuízo de R$ 362 milhões

No Novo Mercado desde 2013, a CVC informou no início de 2020 que havia constatado problemas contábeis. O suposto erro ocorria na contabilização de valores provisionados no momento da contratação de serviços turísticos e nos valores efetivamente transferidos aos fornecedores após a realização das viagens. Após investigação, chegou-se à conclusão de que a distorção contábil causou uma perda de R$ 362 milhões à empresa. Há uma arbitragem em andamento para tentar solucionar a questão.

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Procurada, a companhia informou que, desde a divulgação dos fatos, vem implementando “uma série de melhorias em sua estrutura de governança corporativa”. “A CVC Corp é uma empresa com mais de meia década de história e uma operação consolidada no País e está em conformidade com todas as suas obrigações. A companhia segue comprometida com as melhores práticas do mercado e informa que mantém seu plano estratégico de foco na operação, digitalização da companhia e ganho de eficiência”, afirmou em nota.

Embraer: esquema de propina

Dez anos após ser listada no Novo Mercado, a Embraer admitiu, em 2016, ter montado um esquema internacional de pagamento de propinas e concordou em pagar US$ 206 milhões a autoridades dos Estados Unidos e do Brasil. As investigações apuraram o pagamento de vantagens indevidas a autoridades de países como República Dominicana, Arábia Saudita, Índia e Moçambique para garantir a escolha de aeronaves da empresa em compras governamentais.

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Nos quatro países em que foi investigada, a companhia teria pago cerca de US$ 9,5 milhões em subornos. As estimativas da investigação apontaram que, ao descumprir regras e autorizar pagamentos ilegais, a Embraer pode ter auferido lucro irregular superior a US$ 83 milhões. Procurada, a empresa não retornou a reportagem.

IRB Brasil: apropriação em forma de bônus

Os indícios de fraude na resseguradora IRB Brasil surgiram em 2019, quando a gestora de investimentos Squadra apontou inconsistências nas demonstrações financeiras da empresa. Pouco mais de um ano depois, após investigação interna, a empresa afirmou que ex-executivos haviam se apropriado de cerca de R$ 60 milhões em forma de bônus pela venda de imóveis, além de terem recomprado um lote de ações, avaliado em R$ 100 milhões, acima do limite autorizado pelo seu conselho de administração.

No Novo Mercado desde 2017, o IRB informou, à época da divulgação dos resultados da investigação, que estava “comprometida em prosseguir no processo de aprimoramento constante de seus mecanismos de compliance, integridade corporativa, governança e controles internos com base nos fatos apurados” e que pretendia “atuar para aperfeiçoar pontos de atenção identificados por meio das referidas investigações”.

JBS: delações premiadas

Maior exportadora de carne bovina do mundo, a JBS viu sua receita saltar de R$ 3,9 bilhões em 2006 para R$ 350 bilhões em 2021. De 2007 a 2015, ela recebeu mais de R$ 5 bilhões em capital do BNDES.

Apesar do sucesso nos negócios, a empresa atravessou uma séria crise envolvendo pagamento de propina para políticos e autoridades. Em 2017, Joesley e Wesley Batista, herdeiros do fundador da JBS, José Batista Sobrinho, firmaram um acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões com o Ministério Público Federal, por delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato. Os irmãos contaram que reportavam venda de gado que nunca era de fato entregue, gerando dinheiro usado como propina para políticos e autoridades.

No ano seguinte à delação, a JBS aumentou o rigor nas suas operações. Em abril de 2018, a companhia conseguiu o reconhecimento do Instituto Ethos para ser signatária do pacto empresarial pela integridade e contra a corrupção.

Procuradas, JBS e sua holding controladora, J&F, não comentaram.

Vale: tragédia de Brumadinho

Após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), que resultou na morte de 272 pessoas, um relatório feito por um comitê independente apontou que a Vale tinha problemas de governança e gestão de risco. De acordo com o comitê, liderado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie, em 2016 e 2017 foram realizados estudos que indicavam que a barragem estava em situação de fragilidade, “mas a área geotécnica da Vale ofereceu resistência quanto à aceitação dos resultados obtidos em 2017″, dizia o documento.

O relatório também afirmava que não havia sido identificadas evidências de discussões sobre os problemas de segurança da barragem no conselho de administração, nos comitês de assessoramento ou na diretoria.

Além das inúmeras ações que tramitam no País em decorrência do desastre humano e ambiental, a companhia também é alvo de acusações no exterior. No ano passado, foi acusada pela Securities and Exchange Commission (SEC) - o órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, equivalente à CVM no Brasil - de produzir documentos “falsos e enganosos” acerca da segurança das barragens na cidade mineira.

Segundo o órgão regulador americano, a Vale teria manipulado “múltiplas auditorias” e enganando investidores, o governo e a comunidade local sobre a segurança das barragens. Questionada sobre as acusações, a mineradora negou as alegações da SEC e informou que se defenderá “vigorosamente” neste caso.

Via: denúncias anônimas

Denúncias anônimas feitas no fim de 2019, um ano após a Via ser listada no Novo Mercado, apontaram a existência de supostas fraudes contábeis na empresa. Uma investigação independente feita posteriormente concluiu que havia evidências de falta de controle interno e de “fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão para processos trabalhistas” e “pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos fora de suas respectivas competências mensais”.

Ainda de acordo com fato relevante divulgado pela empresa após a investigação, o valor final dos ajustes feitos no balanço do quatro trimestre de 2019 chegou a R$ 1,19 bilhão. Desse total, R$ 20,8 milhões se referiam aos efeitos das fraudes. Procurada pela reportagem, a empresa não quis comentar o caso.

A Bolsa de Valores brasileira vai avaliar junto ao mercado de capitais a possibilidade de excluir empresas envolvidas em escândalos que integram o indicador Novo Mercado. De acordo com a B3, a mudança nas regras para participação no segmento pode ser criada na próxima revisão do indicador. No entanto, a companhia não informou quando essa alteração será colocada em prática.

Criado nos anos 2000, o segmento de listagem é dedicado às companhias que, voluntariamente, adotam as mais rígidas regras de governança corporativas e as práticas de administração e transparência. Entre as exigências impostas estão a criação de uma área de auditoria interna, conselho de administração com ao menos dois ou 20% dos conselheiros independentes, divulgação das políticas de remuneração e de gerenciamento de riscos, entre outras normas.

A indicação da mudança e atualização das regras da B3 para participação das empresas no Novo Mercado acontece em meio as denúncias de inconsistências contábeis nos balanços da Americanas, empresa que integra o segmento. Em janeiro deste ano, a varejista divulgou um rombo bilionário em suas contas. A denúncia foi feita pelo ex-presidente Sergio Rial, que deixou o cargo após dez dias à frente da presidência da companhia.

“É um debate interessante, mas que sozinho não evita prejuízo ao investidor porque funciona após o surgimento do problema. O mais relevante é buscarmos medidas cada vez mais eficientes para evitar que isso ocorra”, afirmou Gilson Finkelsztain, presidente da B3, em conversa com jornalistas em janeiro deste ano.

Unidade da Americanas, que entrou em recuperação judicial após revelar rombo bilionário. Foto: Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Conforme divulgou o Estadão, o segmento da bolsa tem sido testado nos últimos anos diante de inúmeros casos de denúncias envolvendo, justamente, grandes companhias listadas na Bolsa brasileira no índice Novo Mercado.

Conheça denúncias envolvendo empresas listadas no Novo Mercado.

Americanas: rombo bilionário

Em 11 de janeiro, o então presidente da Lojas Americanas, Sergio Rial, divulgou um rombo bilionário nas finanças da empresa. Segundo ele, as “inconsistências contábeis” seriam de R$ 20 bilhões, relacionadas a dívidas com fornecedores e operações de crédito com grandes bancos (chamadas de “risco sacado”) que não teriam sido registradas nos relatórios nem identificados pela auditoria PwC.

Na última sexta-feira, a Americanas decidiu afastar toda a diretoria da empresa. Dias antes, a varejista já havia anunciado a criação de um comitê independente para investigar os problemas financeiros.

As “inconsistências” no balanço fizeram as ações da companhia derreterem. Antes da denúncia, os papéis da empresa eram negociados na Bolsa a R$ 12. Eles caíram quase 90%, chegando a R$ 1,63. O caso também se transformou em uma guerra judicial envolvendo bancos como BTG Pactual, Santander, Itaú e Bradesco.

Questionada sobre o caso, a varejista, que integra o Novo Mercado há nove anos, afirmou, em nota, que suas práticas de governança corporativa “refletem um alto nível de transparência perante seus stakeholders, conforme regem os órgãos regulatórios como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários)”. “A companhia reforça que todos os seus órgãos sociais (conselho, diretoria e comitês) estão trabalhando conjuntamente com o objetivo de manter as operações da companhia de forma adequada e apoiar os trabalhos do Comitê Independente.”

CVC: prejuízo de R$ 362 milhões

No Novo Mercado desde 2013, a CVC informou no início de 2020 que havia constatado problemas contábeis. O suposto erro ocorria na contabilização de valores provisionados no momento da contratação de serviços turísticos e nos valores efetivamente transferidos aos fornecedores após a realização das viagens. Após investigação, chegou-se à conclusão de que a distorção contábil causou uma perda de R$ 362 milhões à empresa. Há uma arbitragem em andamento para tentar solucionar a questão.

Procurada, a companhia informou que, desde a divulgação dos fatos, vem implementando “uma série de melhorias em sua estrutura de governança corporativa”. “A CVC Corp é uma empresa com mais de meia década de história e uma operação consolidada no País e está em conformidade com todas as suas obrigações. A companhia segue comprometida com as melhores práticas do mercado e informa que mantém seu plano estratégico de foco na operação, digitalização da companhia e ganho de eficiência”, afirmou em nota.

Embraer: esquema de propina

Dez anos após ser listada no Novo Mercado, a Embraer admitiu, em 2016, ter montado um esquema internacional de pagamento de propinas e concordou em pagar US$ 206 milhões a autoridades dos Estados Unidos e do Brasil. As investigações apuraram o pagamento de vantagens indevidas a autoridades de países como República Dominicana, Arábia Saudita, Índia e Moçambique para garantir a escolha de aeronaves da empresa em compras governamentais.

Nos quatro países em que foi investigada, a companhia teria pago cerca de US$ 9,5 milhões em subornos. As estimativas da investigação apontaram que, ao descumprir regras e autorizar pagamentos ilegais, a Embraer pode ter auferido lucro irregular superior a US$ 83 milhões. Procurada, a empresa não retornou a reportagem.

IRB Brasil: apropriação em forma de bônus

Os indícios de fraude na resseguradora IRB Brasil surgiram em 2019, quando a gestora de investimentos Squadra apontou inconsistências nas demonstrações financeiras da empresa. Pouco mais de um ano depois, após investigação interna, a empresa afirmou que ex-executivos haviam se apropriado de cerca de R$ 60 milhões em forma de bônus pela venda de imóveis, além de terem recomprado um lote de ações, avaliado em R$ 100 milhões, acima do limite autorizado pelo seu conselho de administração.

No Novo Mercado desde 2017, o IRB informou, à época da divulgação dos resultados da investigação, que estava “comprometida em prosseguir no processo de aprimoramento constante de seus mecanismos de compliance, integridade corporativa, governança e controles internos com base nos fatos apurados” e que pretendia “atuar para aperfeiçoar pontos de atenção identificados por meio das referidas investigações”.

JBS: delações premiadas

Maior exportadora de carne bovina do mundo, a JBS viu sua receita saltar de R$ 3,9 bilhões em 2006 para R$ 350 bilhões em 2021. De 2007 a 2015, ela recebeu mais de R$ 5 bilhões em capital do BNDES.

Apesar do sucesso nos negócios, a empresa atravessou uma séria crise envolvendo pagamento de propina para políticos e autoridades. Em 2017, Joesley e Wesley Batista, herdeiros do fundador da JBS, José Batista Sobrinho, firmaram um acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões com o Ministério Público Federal, por delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato. Os irmãos contaram que reportavam venda de gado que nunca era de fato entregue, gerando dinheiro usado como propina para políticos e autoridades.

No ano seguinte à delação, a JBS aumentou o rigor nas suas operações. Em abril de 2018, a companhia conseguiu o reconhecimento do Instituto Ethos para ser signatária do pacto empresarial pela integridade e contra a corrupção.

Procuradas, JBS e sua holding controladora, J&F, não comentaram.

Vale: tragédia de Brumadinho

Após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), que resultou na morte de 272 pessoas, um relatório feito por um comitê independente apontou que a Vale tinha problemas de governança e gestão de risco. De acordo com o comitê, liderado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie, em 2016 e 2017 foram realizados estudos que indicavam que a barragem estava em situação de fragilidade, “mas a área geotécnica da Vale ofereceu resistência quanto à aceitação dos resultados obtidos em 2017″, dizia o documento.

O relatório também afirmava que não havia sido identificadas evidências de discussões sobre os problemas de segurança da barragem no conselho de administração, nos comitês de assessoramento ou na diretoria.

Além das inúmeras ações que tramitam no País em decorrência do desastre humano e ambiental, a companhia também é alvo de acusações no exterior. No ano passado, foi acusada pela Securities and Exchange Commission (SEC) - o órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, equivalente à CVM no Brasil - de produzir documentos “falsos e enganosos” acerca da segurança das barragens na cidade mineira.

Segundo o órgão regulador americano, a Vale teria manipulado “múltiplas auditorias” e enganando investidores, o governo e a comunidade local sobre a segurança das barragens. Questionada sobre as acusações, a mineradora negou as alegações da SEC e informou que se defenderá “vigorosamente” neste caso.

Via: denúncias anônimas

Denúncias anônimas feitas no fim de 2019, um ano após a Via ser listada no Novo Mercado, apontaram a existência de supostas fraudes contábeis na empresa. Uma investigação independente feita posteriormente concluiu que havia evidências de falta de controle interno e de “fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão para processos trabalhistas” e “pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos fora de suas respectivas competências mensais”.

Ainda de acordo com fato relevante divulgado pela empresa após a investigação, o valor final dos ajustes feitos no balanço do quatro trimestre de 2019 chegou a R$ 1,19 bilhão. Desse total, R$ 20,8 milhões se referiam aos efeitos das fraudes. Procurada pela reportagem, a empresa não quis comentar o caso.

A Bolsa de Valores brasileira vai avaliar junto ao mercado de capitais a possibilidade de excluir empresas envolvidas em escândalos que integram o indicador Novo Mercado. De acordo com a B3, a mudança nas regras para participação no segmento pode ser criada na próxima revisão do indicador. No entanto, a companhia não informou quando essa alteração será colocada em prática.

Criado nos anos 2000, o segmento de listagem é dedicado às companhias que, voluntariamente, adotam as mais rígidas regras de governança corporativas e as práticas de administração e transparência. Entre as exigências impostas estão a criação de uma área de auditoria interna, conselho de administração com ao menos dois ou 20% dos conselheiros independentes, divulgação das políticas de remuneração e de gerenciamento de riscos, entre outras normas.

A indicação da mudança e atualização das regras da B3 para participação das empresas no Novo Mercado acontece em meio as denúncias de inconsistências contábeis nos balanços da Americanas, empresa que integra o segmento. Em janeiro deste ano, a varejista divulgou um rombo bilionário em suas contas. A denúncia foi feita pelo ex-presidente Sergio Rial, que deixou o cargo após dez dias à frente da presidência da companhia.

“É um debate interessante, mas que sozinho não evita prejuízo ao investidor porque funciona após o surgimento do problema. O mais relevante é buscarmos medidas cada vez mais eficientes para evitar que isso ocorra”, afirmou Gilson Finkelsztain, presidente da B3, em conversa com jornalistas em janeiro deste ano.

Unidade da Americanas, que entrou em recuperação judicial após revelar rombo bilionário. Foto: Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Conforme divulgou o Estadão, o segmento da bolsa tem sido testado nos últimos anos diante de inúmeros casos de denúncias envolvendo, justamente, grandes companhias listadas na Bolsa brasileira no índice Novo Mercado.

Conheça denúncias envolvendo empresas listadas no Novo Mercado.

Americanas: rombo bilionário

Em 11 de janeiro, o então presidente da Lojas Americanas, Sergio Rial, divulgou um rombo bilionário nas finanças da empresa. Segundo ele, as “inconsistências contábeis” seriam de R$ 20 bilhões, relacionadas a dívidas com fornecedores e operações de crédito com grandes bancos (chamadas de “risco sacado”) que não teriam sido registradas nos relatórios nem identificados pela auditoria PwC.

Na última sexta-feira, a Americanas decidiu afastar toda a diretoria da empresa. Dias antes, a varejista já havia anunciado a criação de um comitê independente para investigar os problemas financeiros.

As “inconsistências” no balanço fizeram as ações da companhia derreterem. Antes da denúncia, os papéis da empresa eram negociados na Bolsa a R$ 12. Eles caíram quase 90%, chegando a R$ 1,63. O caso também se transformou em uma guerra judicial envolvendo bancos como BTG Pactual, Santander, Itaú e Bradesco.

Questionada sobre o caso, a varejista, que integra o Novo Mercado há nove anos, afirmou, em nota, que suas práticas de governança corporativa “refletem um alto nível de transparência perante seus stakeholders, conforme regem os órgãos regulatórios como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários)”. “A companhia reforça que todos os seus órgãos sociais (conselho, diretoria e comitês) estão trabalhando conjuntamente com o objetivo de manter as operações da companhia de forma adequada e apoiar os trabalhos do Comitê Independente.”

CVC: prejuízo de R$ 362 milhões

No Novo Mercado desde 2013, a CVC informou no início de 2020 que havia constatado problemas contábeis. O suposto erro ocorria na contabilização de valores provisionados no momento da contratação de serviços turísticos e nos valores efetivamente transferidos aos fornecedores após a realização das viagens. Após investigação, chegou-se à conclusão de que a distorção contábil causou uma perda de R$ 362 milhões à empresa. Há uma arbitragem em andamento para tentar solucionar a questão.

Procurada, a companhia informou que, desde a divulgação dos fatos, vem implementando “uma série de melhorias em sua estrutura de governança corporativa”. “A CVC Corp é uma empresa com mais de meia década de história e uma operação consolidada no País e está em conformidade com todas as suas obrigações. A companhia segue comprometida com as melhores práticas do mercado e informa que mantém seu plano estratégico de foco na operação, digitalização da companhia e ganho de eficiência”, afirmou em nota.

Embraer: esquema de propina

Dez anos após ser listada no Novo Mercado, a Embraer admitiu, em 2016, ter montado um esquema internacional de pagamento de propinas e concordou em pagar US$ 206 milhões a autoridades dos Estados Unidos e do Brasil. As investigações apuraram o pagamento de vantagens indevidas a autoridades de países como República Dominicana, Arábia Saudita, Índia e Moçambique para garantir a escolha de aeronaves da empresa em compras governamentais.

Nos quatro países em que foi investigada, a companhia teria pago cerca de US$ 9,5 milhões em subornos. As estimativas da investigação apontaram que, ao descumprir regras e autorizar pagamentos ilegais, a Embraer pode ter auferido lucro irregular superior a US$ 83 milhões. Procurada, a empresa não retornou a reportagem.

IRB Brasil: apropriação em forma de bônus

Os indícios de fraude na resseguradora IRB Brasil surgiram em 2019, quando a gestora de investimentos Squadra apontou inconsistências nas demonstrações financeiras da empresa. Pouco mais de um ano depois, após investigação interna, a empresa afirmou que ex-executivos haviam se apropriado de cerca de R$ 60 milhões em forma de bônus pela venda de imóveis, além de terem recomprado um lote de ações, avaliado em R$ 100 milhões, acima do limite autorizado pelo seu conselho de administração.

No Novo Mercado desde 2017, o IRB informou, à época da divulgação dos resultados da investigação, que estava “comprometida em prosseguir no processo de aprimoramento constante de seus mecanismos de compliance, integridade corporativa, governança e controles internos com base nos fatos apurados” e que pretendia “atuar para aperfeiçoar pontos de atenção identificados por meio das referidas investigações”.

JBS: delações premiadas

Maior exportadora de carne bovina do mundo, a JBS viu sua receita saltar de R$ 3,9 bilhões em 2006 para R$ 350 bilhões em 2021. De 2007 a 2015, ela recebeu mais de R$ 5 bilhões em capital do BNDES.

Apesar do sucesso nos negócios, a empresa atravessou uma séria crise envolvendo pagamento de propina para políticos e autoridades. Em 2017, Joesley e Wesley Batista, herdeiros do fundador da JBS, José Batista Sobrinho, firmaram um acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões com o Ministério Público Federal, por delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato. Os irmãos contaram que reportavam venda de gado que nunca era de fato entregue, gerando dinheiro usado como propina para políticos e autoridades.

No ano seguinte à delação, a JBS aumentou o rigor nas suas operações. Em abril de 2018, a companhia conseguiu o reconhecimento do Instituto Ethos para ser signatária do pacto empresarial pela integridade e contra a corrupção.

Procuradas, JBS e sua holding controladora, J&F, não comentaram.

Vale: tragédia de Brumadinho

Após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), que resultou na morte de 272 pessoas, um relatório feito por um comitê independente apontou que a Vale tinha problemas de governança e gestão de risco. De acordo com o comitê, liderado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie, em 2016 e 2017 foram realizados estudos que indicavam que a barragem estava em situação de fragilidade, “mas a área geotécnica da Vale ofereceu resistência quanto à aceitação dos resultados obtidos em 2017″, dizia o documento.

O relatório também afirmava que não havia sido identificadas evidências de discussões sobre os problemas de segurança da barragem no conselho de administração, nos comitês de assessoramento ou na diretoria.

Além das inúmeras ações que tramitam no País em decorrência do desastre humano e ambiental, a companhia também é alvo de acusações no exterior. No ano passado, foi acusada pela Securities and Exchange Commission (SEC) - o órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, equivalente à CVM no Brasil - de produzir documentos “falsos e enganosos” acerca da segurança das barragens na cidade mineira.

Segundo o órgão regulador americano, a Vale teria manipulado “múltiplas auditorias” e enganando investidores, o governo e a comunidade local sobre a segurança das barragens. Questionada sobre as acusações, a mineradora negou as alegações da SEC e informou que se defenderá “vigorosamente” neste caso.

Via: denúncias anônimas

Denúncias anônimas feitas no fim de 2019, um ano após a Via ser listada no Novo Mercado, apontaram a existência de supostas fraudes contábeis na empresa. Uma investigação independente feita posteriormente concluiu que havia evidências de falta de controle interno e de “fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão para processos trabalhistas” e “pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos fora de suas respectivas competências mensais”.

Ainda de acordo com fato relevante divulgado pela empresa após a investigação, o valor final dos ajustes feitos no balanço do quatro trimestre de 2019 chegou a R$ 1,19 bilhão. Desse total, R$ 20,8 milhões se referiam aos efeitos das fraudes. Procurada pela reportagem, a empresa não quis comentar o caso.

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