Professor nos últimos 30 anos e reitor entre 2017 e 2021 de uma das mais conceituadas universidades públicas do País, a Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel substituirá o economista Marcos Lisboa na presidência do Insper a partir de 1º de março. Lisboa deixará a instituição de ensino superior após comandá-la por dez anos.
Físico, com pesquisas na área de nanomagnetismo (partículas magnéticas nanoscópicas que podem ser usadas em tratamentos inovadores de câncer, por exemplo), o novo presidente foi selecionado por uma empresa de headhunter, sem nunca antes ter pisado no Insper. Agora, pretende ampliar a área de pesquisa da instituição e internacionalizá-la.
“Acho que (os recrutadores) buscaram um acadêmico com experiência administrativa que possa trazer conhecimento, contato e boas práticas no que diz respeito à pesquisa e à internacionalização. Temos a possibilidade de entrar com mais força em editais da Fapesp, do CNPq, da Finep, internacionais”, diz em entrevista ao Estadão.
Entre as propostas para internacionalizar a instituição, estão a atração de professores do exterior e o desenvolvimento de pesquisa em parceria com profissionais de universidades de fora. Há ainda a intenção de adotar inglês e espanhol nas salas de aula, o que pode aumentar o interesse de estudantes estrangeiros pela instituição.
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Knobel assumirá o Insper após a instituição ter registrado, em meio à disputa eleitoral do ano passado, ofensas a Marcos Lisboa durante um ato de estudantes em apoio ao então presidente Jair Bolsonaro (PL). O físico, que à época expressou apoio ao então candidato ao governo de São Paulo pelo PT, Fernando Haddad, e ao então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, afirma não se preocupar com o risco de uma recepção pouco amistosa.
“Não tenho filiação político-partidária. Não terei problema de me posicionar em outros momentos se for em defesa dos direitos humanos, contra as desigualdades, a favor da ciência e da educação. Espero que, em uma instituição como o Insper, os colaboradores e alunos consigam debater e atuar de maneira democrática.”
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
Qual a razão dessa mudança?
O que me levou a aceitar a posição é que o Insper é um modelo para o País. Criou cursos baseados na experiência de ensino e aprendizagem. Foi desenvolvendo pesquisa na área de administração e de economia. Agora tem engenharia, ciência da computação, direito. Também está buscando aprimorar as atividades de pesquisa. A ideia de contribuir para um novo modelo de universidade - de instituições privadas sem fins de lucro -, baseado nas melhores práticas internacionais, uma universidade de excelência que permita diversificar e ajudar a formar pessoas, a fazer pesquisa, a melhorar o País de uma maneira geral, me despertou interesse.
O sr. falou de pesquisa, mas o Insper forma profissionais mais para o mercado do que para a academia. O Insper vai desenvolver mais pesquisa?
O Insper se consolidou na educação executiva, de MBAs, e também na graduação, que começou com administração e economia. Mas tem um corpo docente, nessas áreas principalmente, que tem feito pesquisa de ponta: pesquisa aplicada, formulação de políticas públicas, avaliação de políticas públicas. Ao longo do tempo, o Insper também foi desenvolvendo outros cursos. Tem três engenharias, direito e ciência da computação. Nessas áreas, é preciso dar esse salto de qualidade na direção de pesquisas. Posso contribuir para isso e também em parcerias com empresas, diversificação de fontes de recursos. Isso pode se dar através da pesquisa e naturalmente da conexão com a formação de novos talentos.
A sua ida para o Insper significa uma mudança de perfil da instituição?
Nas entrevistas, nunca me disseram um direcionamento, apenas me ressaltaram a missão e a visão do Insper, que é promover a transformação do Brasil por meio da formação de líderes inovadores e pesquisa aplicada, atuando com a excelência acadêmica e visão integrada das áreas do conhecimento. Trago a experiência de gestão em uma universidade e de governança, que é importante para preparar o Insper para ações mais complexas, dado que o caminho natural é transformá-lo em uma universidade. Então é preparar o terreno para esse crescimento e ampliar duas áreas: a pesquisa e a internacionalização. Acho que buscaram um perfil de um acadêmico com experiência administrativa e que, ao mesmo tempo, possa trazer conhecimento, contato e boas práticas no que diz respeito à pesquisa e à internacionalização. Temos a possibilidade de entrar com mais força em editais da Fapesp, do CNPq, da Finep, internacionais.
Como seria a internacionalização?
Atrair professores da América Latina e do exterior, brasileiros que eventualmente tenham feito pós-graduação no exterior. Ampliar as colaborações em intercâmbio de estudantes e nas pesquisas. A pesquisa é uma prática de caráter internacional hoje.
Vocês devem adotar aulas em inglês?
Isso está no radar. Não só em inglês, mas também em espanhol, que é importante na nossa região. A gente tem uma avenida de possibilidades para ampliar a internacionalização.
Há intenção de criar novos cursos?
É prematuro dizer sobre ampliação de áreas. No momento, o importante é consolidar as áreas novas. Tem um curso de computação que está incrível e que precisa se consolidar. Tem o curso de direito que traz uma inovação: os alunos estudam computação, inteligência artificial e todas as novidades que um profissional antenado a esse novo momento deverá ter.
O Insper é uma instituição de elite. O sr. vem de uma universidade pioneira em programa de inclusão. Pensa em trazer cotas e diversificar o corpo discente?
Essa não é uma preocupação só minha. É uma preocupação do Insper. Boa parte das doações que o Insper recebe vai para o programa de bolsas, que atende 10% dos estudantes. Está no plano ampliar o programa de ações afirmativas. Temos parceria, como a da Eduafro, para ampliar o número de estudantes pretos e pardos. É um caminho que vamos trilhar.
Isso inclui cotas?
Não são cotas neste momento, mas parceria onde são identificados estudantes que tenham esse perfil e que possam eventualmente estudar no Insper.
Há intenção de aumentar o número de bolsistas?
Está nos planos ampliar, mas isso virá com um projeto de sustentabilidade financeira. Vamos buscar ampliar o número de doadores e parcerias com empresas.
Há projetos para aumentar a diversidade entre professores?
Ainda não conheço todos os detalhes da instituição. Estou chegando agora. Eu nunca tinha pisado no Insper. Não conhecia o Cláudio Haddad, ninguém do conselho nem dos diretores. Mas está nas preocupações do Insper se tornar cada vez mais uma instituição que possa contribuir para as questões de inclusão social e ação afirmativa.
Antes das eleições, o atual presidente do Insper, Marcos Lisboa, foi ofendido por alunos em um ato bolsonarista. Na ocasião, ele defendeu a liberdade de expressão. Na mesma época, o sr. se posicionou contra o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O sr. se preocupa com o risco de ataques?
Temos vivido um momento de polarização no Brasil e no mundo. Devemos buscar, na formação das pessoas e na discussão dentro da instituição, um diálogo aberto, com respeito pela opinião dos outros. Um diálogo civilizado baseado em evidências e práticas, não em crenças. Esse é um caminho importante: saber conversar, entender o momento histórico, possibilitar que as pessoas possam ter opiniões diferentes dentro dos limites da ética. Tenho muita tranquilidade. O Insper tem agido de maneira correta ao não expressar uma opinião institucionalmente. Mas nós somos humanos e temos opiniões que devem ser diferenciadas do posicionamento institucional. A minha postura é de diálogo e tenho convicção que conseguirei continuar fazendo isso no Insper.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi professor do Insper e foi questionado pelos alunos. O sr. teme algum tipo de animosidade?
Não tenho nenhuma filiação político-partidária. Não terei o menor problema de me posicionar em outros momentos se for em defesa dos direitos humanos e da vida, contra as desigualdades, a favor da ciência e da educação. Espero que, em uma instituição como o Insper, os colaboradores e alunos consigam debater e atuar de maneira democrática.
Que análise faz do primeiro mês do governo Lula no que diz respeito à educação?
Tem um desafio importante, porque há restrições orçamentárias complexas. O orçamento em educação, ciência e tecnologia atingiu os menores patamares possíveis. Promessas demais podem acabar não sendo cumpridas, porque tem a dificuldade do orçamento e também a de se ter um Congresso com uma oposição relevante. Por outro lado, vejo os primeiros movimentos positivamente. As pessoas que têm sido indicadas são capacitadas.
Marcelo Knobel
Qual diagnóstico o sr. faz do ensino superior no País?
Tem alguns problemas que ainda não foram bem debatidos e são estruturais. Aproximadamente 20% dos jovens de 18 a 24 anos estão em um curso universitário. Desses, 77% estão em instituições privadas. Das quais, aproximadamente metade com fins de lucro. Não há outro país no mundo que tenha um setor com fins lucrativos tão forte.
Ter fins lucrativos é o que leva à má qualidade no ensino superior privado?
Não posso generalizar, mas tem a sua parcela de contribuição. A lógica nessas instituições é a busca de minimização de custos e aumento de matrículas. É uma lógica que vai um pouco contra, em alguns momentos, a busca da qualidade. Mas um aspecto mais preocupante é o crescimento quase exponencial nas matrículas de cursos à distância, que, em grande maioria, tem qualidade duvidosa. Temos de repensar o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), verificar se as instituições estão cumprindo com a missão de formar jovens de maneira adequada. Fora isso, temos, do lado público, instituições de excelente qualidade, mas que estão sofrendo com problemas de infraestrutura, falta de recursos, falta de reposição de quadros. Laboratórios que não estão conseguindo continuar porque não têm recursos. E os salários estão defasados. É uma situação dramática.
O que diria para quem afirmar que o sr. abandonou a luta da universidade pública?
Não abandonei. Vou continuar ligado à Unicamp. Nesse momento, pedi licença. Mas o caso como o do Insper é interessante. Temos de ver de que maneira podemos servir o público. Temos um terceiro setor no País absolutamente fundamental, que atua para o bem público. Universidades estão se formando nesse modelo e tem na própria missão servir ao País: melhorar políticas públicas, avaliar políticas públicas, fazer pesquisas aplicadas para o desenvolvimento do País. A missão é a mesma: contribuir para termos um País melhor.
Os acionistas de referência da Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, foram sócios do Insper e hoje estão no centro do escândalo da empresa. Sendo o Insper uma instituição que forma executivos que vão estar à frente das grandes empresas brasileiras, como acha que se deve trabalhar a questão de ética na instituição para evitar problemas como, por exemplo, falta de transparência nas companhias? Como a instituição pensa isso?
O Insper é uma instituição independente, sem fins lucrativos. Ela contou com o apoio dessas pessoas e de outras. Faz parte da instituição trabalhar para desenvolver um espírito ético, crítico, formar profissionais competentes para que esse tipo de situação não ocorra. É esse espírito de discussão e formação que uma instituição como Insper deve ter. Esses assuntos devem ser discutidos com os estudantes, entre os professores, com a direção, para tentar tirar lições para que não se repitam esses tipos de casos.