THE WASHINGTON POST - No meio da malha urbana da maior cidade do Hemisfério Ocidental, aninhado em um emaranhado de rodovias, existe um shopping center com uma atração sem igual nos Estados Unidos.
O gigante Outback Steakhouse.
Nomeado o maior Outback do mundo em 2018 - e o mais lucrativo do mundo antes disso - suas dimensões e histórias desde então só cresceram. O restaurante tem agora quase o dobro do tamanho do maior Outback dos Estados Unidos, onde a rede falsamente australiana foi fundada.
Mas, mesmo assim, não é grande o suficiente. Não para o Brasil, e não em uma segunda-feira recente.
A hostess Kalany Nunes, de 19 anos, examina a fila para o almoço, com várias dezenas de pessoas à espera. “Este é o Outback”, explica ela. “É muito chique.”
Como filho dos subúrbios do coração da América, não sou estranho ao circuito culinário dos shopping centers. Red Lobster, Olive Garden, TGI Fridays, Chili’s - eu conheço e admiro todos eles. Quando eu era criança em Wisconsin, a ideia da minha família de jantar fora muitas vezes se resumia a uma questão de Applebee’s ou Pizza Hut. Mas nada me preparou para a cena que agora se desenrola diante de mim: uma multidão de pessoas esperando ansiosamente por sua experiência chique no Outback Steakhouse. E fazendo isso em um país onde eu nunca esperaria isso.
Poucas coisas evocam mais o Brasil do que a carne bovina. O país abate cerca de 30 milhões de cabeças de gado por ano - e ainda tem mais bois do que pessoas. Produz mais carne do que qualquer lugar fora dos Estados Unidos. A carne está no fogo em todos os lugares, o tempo todo. Em ruas urbanas movimentadas. Na parte de trás dos barcos. Fora dos bancos, dentro das prisões - em funerais. Quando milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram Brasília em janeiro, um homem foi flagrado em meio ao caos e gás lacrimogêneo grelhando e vendendo carne.
Apesar dessa cultura, o riff da América no churrasco australiano ganhou prestígio extraordinário no Brasil - um caso de amor que só está se aprofundando.
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Há cinco anos consecutivos, a rede é eleita o restaurante mais popular do Rio de Janeiro. O serviço de pesquisas Datafolha o elegeu como o restaurante de shopping mais popular de São Paulo. Nos últimos três anos, quando a pandemia de coronavírus dizimou a indústria de restaurantes do Brasil, o Outback se expandiu rapidamente aqui. O Brasil já responde por 83% do faturamento das lojas próprias da rede fora dos Estados Unidos.
O frenesi gerou até uma imitação de restaurante. O Outbêco estreou em 2020 e se espalhou pelo Rio de Janeiro e São Paulo, apesar de seus desafios sintáticos autoinfligidos.
Em alguns dias, parecia que eu era uma das últimas pessoas aqui que não estava comendo no Outback. Em meus quatro anos como chefe da sucursal do The Washington Post no Rio, optei principalmente pelo tradicional churrasco brasileiro, que rotineiramente trazia alguns dos melhores cortes de carne que já comi - tão bons, na verdade, que me sentia cada vez mais perplexo com as filas fora do Outback.
Como esse restaurante americano que serve churrasco australiano falso passou a dominar o país com talvez o melhor churrasco do mundo?
Na tarde daquela segunda-feira, decidi descobrir por mim mesmo. Dirigi até o Shopping Center Norte em busca do maior Outback do Brasil. Ao encontrá-lo, entrei na fila e, junto com os demais, esperei para entrar.
Afastando-se do arroz e feijão
Desde os seus primeiros dias, o Brasil tem sido um país de arroz e feijão. A combinação uniu uma nação de terreno vasto e variado, profunda diversidade e acentuada desigualdade social. Ricos e pobres, negros, brancos e indígenas - não importava. Os brasileiros comiam arroz e feijão.
Mas, nas últimas décadas, a dieta tradicional brasileira começou a mudar e a se fragmentar entre as classes. Como as demandas da vida moderna deixaram menos tempo para cozinhar, as classes média e alta estão cada vez mais escolhendo “alimentos globais que são menos saudáveis”, observou um pesquisador em um estudo. Nas últimas duas décadas, relata a Associação Nacional de Restaurantes, o consumo de alimentos em restaurantes de fast food aumentou 70%. Estima-se agora que, até 2025, o brasileiro típico deixará de comer arroz com feijão cinco vezes por semana.
“Está perdendo a importância”, disse Fernanda Granado, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais. “E isso não afeta apenas nossa saúde; é a perda de nossa cultura.”
Os pesquisadores observam que as redes de restaurantes americanas se beneficiaram e ajudaram a reforçar essa transformação alimentar. O McDonald’s, com 2.595 lanchonetes, é hoje a terceira maior rede do Brasil, segundo a Associação Brasileira de Franchising. O Subway, com 1.861 locais, é o sexto. E o Burger King Brasil, com 1.255, aparece em 11º.
O Outback, que obtém grande parte de sua carne no Brasil, acaba de abrir seu 150º restaurante no Brasil. Mas seu status aqui é mais bem medido em prestígio do que em número de pontos.
O primeiro Outback no Brasil, inaugurado em 1997, parece ter sido transportado direto dos subúrbios americanos - o mesmo telhado verde inclinado e amplo estacionamento empoleirado em uma estrada movimentada. Em seguida, expandiu-se rapidamente para São Paulo.
The Bloomin’ Onion, batatas fritas com queijo australiano, cervejas em canecas geladas: essas iguarias americanas “não eram conhecidas antes de chegarmos”, lembra Pierre Berenstein, presidente do Outback no Brasil. “Desde o primeiro dia, os restaurantes estavam lotados.”
Mas, nos anos seguintes, o restaurante subiu da beira da estrada para os salões perfumados do shopping brasileiro. Um agora fica no topo do Shopping Leblon, o shopping mais chique do bairro mais badalado do Rio de Janeiro. As refeições em família podem facilmente chegar a US$ 100 - muito dinheiro em um país onde a renda mensal média é de cerca de US$ 340.
A entrada da rede nos shoppings - no Brasil, um destino próspero e cobiçado - a colocou em concorrência direta com os restaurantes tradicionais do País.
Um deles é o Estrela do Sul. Churrascaria clássica, a Estrela do Sul apostava nas carnes grelhadas, acompanhadas de arroz, feijão e legumes. “Tudo era de qualidade”, disse o proprietário, Renato Caumo.
Mas a Estrela do Sul, com nove filiais no Rio e em São Paulo, estava morrendo. Sobrecarregado por impostos e custos crescentes de alimentos, e espremido por uma nova concorrência, o restaurante de Caumo de repente parecia obsoleto e caro em comparação com a chamativa rede americana. Ele via seus frequentadores agora jantando no Outback.
Para Caumo, a comida ali não era boa - “muita fritura e muito pão” -, mas reconheceu que muitos brasileiros estavam apaixonados. Até seus próprios filhos estavam pedindo para ir. “Outback é estilo”, disse ele. “Tem glamour.”
O Estrela do Sul não conseguiu competir. Não demorou muito para que começasse a fechar filiais. O último reduto, em um shopping carioca, fechou em 2021. Esse restaurante terminou com menos de 1.000 avaliações no Google. O vizinho Outback, enquanto isso, inspirou quase 10.000.
“Uma experiência impecável”, diz um revisor.
“Sem dúvida”, opina outro, “o melhor restaurante”.
Caumo suspirou. O Estrela do Sul era um restaurante familiar. Quase 50 anos de atividade. Uma verdadeira experiência brasileira. Agora, acabou. “Tudo”, diz, “tem um começo, meio e fim.”
‘A terra do canguru’
Entrando no maior Outback Steakhouse do mundo, levo alguns momentos para me orientar. O interior é escuro, barulhento e enorme. São 550 lugares e vários ambientes - suíte vip, brinquedoteca, espaço para levar seu animal de estimação. Os garçons estão cantando para os clientes que comemoram aniversários.
Esta foi “uma jornada para a terra do canguru”, disse Berenstein sobre a experiência no Outback. “Uma viagem por pontos importantes da cultura australiana.”
Crocodilos falsos se agarram aos tetos. A imagem de um coala domina uma das paredes. Artefatos de proveniência aparentemente aborígine adornam outro. O cardápio promete bifes frescos da grelha australiana e incentiva os clientes a escolher seu “momento Outback”.
Para um restaurante fundado por quatro executivos americanos que intencionalmente evitaram visitar a Austrália porque não queriam arriscar estragar sua visão com autenticidade, o tema é conhecido por irritar os australianos de verdade. “Outback não tem nada a ver com a Austrália”, disse o crítico gastronômico australiano Besha Rodell. “Zero. É uma invenção totalmente americana.”
Meus colegas comensais, no entanto, estão comendo.
Em uma das cabines está Maurício Godinho, 32 anos. Ele se considera um conhecedor do Outback. Ele prefere outros locais a este, que ele acha que sacrifica o serviço pelo tamanho. Mas qualquer Outback, diz ele, é melhor do que nenhum Outback. Ele comeria na casa todos os dias se pudesse, disse, e só se lembra de uma vez em que se arrependeu. Ele estava nos Estados Unidos. O entusiasmo do Outback brasileiro estava visivelmente ausente.
“Foi terrível”, diz ele. “Pior do que ruim.”
A decisão naquele dia foi entre Outback e Cheesecake Factory. Ele ainda pensa no que poderia ter sido. “Eu me arrependo muito.”
Algumas mesas adiante está Giovanna Scannerini, 21 anos. Para chegar até aqui, ela viajou mais de uma hora desde a cidade de Atibaia, trajeto que faz pelo menos uma vez por mês. “Sempre vale a pena”, diz ela. Este é um Brasil novo e moderno, diz ela, e ela não quer continuar comendo as mesmas comidas.
“Imagine comer a mesma coisa todos os dias durante 21 anos”, diz ela. “Arroz, feijão e um pouco de carne: estou enjoada disso.”
Mas não é apenas a comida, percebi, que tornou o Outback tão popular aqui. Seja por acaso ou marketing astuto, a rede se tornou um marco cultural para muitos brasileiros, mais experiência do que refeição, onde as pessoas podem se entregar à extravagância e comemorar os maiores marcos da vida. Um aniversário. Uma promoção de emprego. Mesmo um noivado.
Esperando na fila do lado de fora, verificando seu aplicativo Outback, está o operador de empilhadeira Thalles Ivan, 30 anos. A primeira vez que ele foi ao Outback foi há seis anos. Naquela noite, ele pediu a namorada, Laissa Inara, em casamento. Ela disse que sim e agora está sentada ao lado dele e do filho Arthur, de 2 anos.
Inara está desempregada e o casal não tem muito dinheiro. Mas eles fazem questão de voltar ao Outback todos os meses para celebrar o relacionamento e a família que construíram. “Lembramos o início da nossa história aqui”, diz Inara. “É um lugar onde nos sentimos bem.”
Depois de esperarem quase uma hora, seu nome é finalmente chamado. Eles entram, sentam-se com Arthur e pedem as costelas ao molho barbecue. / Colaborou Marina Dias, de Brasília