Como as fintechs brasileiras romperam o domínio dos ‘bancões’ e captaram US$ 10 bi em investimentos


Em uma década, empresas do setor receberam mais de US$ 10 bilhões em investimentos no País e mais de 1 mil negócios foram concretizados, aponta estudo da Distrito

Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:

O Brasil tem se posicionado como uma das referências globais para investimentos em fintechs, as startups da área financeira. Em cerca de uma década, de 2014 ao primeiro semestre de 2024, o País movimentou US$ 10,4 bilhões (R$ 56,5 bilhões, ao câmbio do dia) em investimentos no setor, com 1.034 negócios, de acordo com o estudo FinTech Report 2024, realizado pela Distrito, consultoria e empresa de pesquisas sobre empresas de tecnologias emergentes.

O valor equivale a 66,67% do total aportado em fintechs na América Latina. A região foi destino de US$ 15,6 bilhões em recursos, com a concretização de 1.658 rodadas de investimento, na última década.

“O mercado financeiro brasileiro tem tradição de uso de tecnologias, mas também era muito consolidado e dominado por poucos bancos, e então trazia grande potencial de disrupção por meio de novos modelos de negócios”, afirma o responsável pela área de pesquisas da Distrito, Victor Harano. “O setor tem muitos bons profissionais, e muita gente saiu de carreiras em bancos para fundar fintechs, nos últimos anos.”

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A maior concentração delas está no Brasil, com 58,7% das empresas, seguida pelo México, com 20,7%. “O brasileiro é muito rápido na adoção de tecnologia. Temos uma população relativamente jovem, e mesmo os mais velhos adoram as redes sociais e usar Uber”, diz o cofundador da Upload Ventures, um fundo de venture capital brasileiro, Carlos Simonsen. “Podemos estar atrás da China em tecnologias financeiras, mas muito à frente de Índia, Rússia, México e África.”

Entre as categorias de fintechs da América Latina, as de concessão de crédito são as mais numerosas, com a abertura de 477 startups, representando 18% do total. Considerado o volume de investimentos, a liderança da última década ficou com as fintechs de serviços digitais, que captaram US$ 5,3 bilhões, seguidas exatamente pelas especializadas em crédito, que receberam US$ 3,1 bilhões em investimentos.

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'Estamos à frente de Índia, Rússia, México e África', diz Carlos Simonsen, cofundador do Upload Ventures Foto: Divulgação/Upload Ventures

O ano com maior investimento no setor na América Latina foi o de 2021, quando atingiu US$ 5,7 bilhões em captações, em 363 rodadas. Logo depois da pandemia, os fundos e grandes investidores contavam com muitos recursos disponíveis pelo mundo e buscavam teses de investimentos mais voltadas a crescimento forte, uma vez que os juros baixos por quase todo o mundo, adotados para proteger as economias de serem congeladas pelas paradas das atividades presenciais, tiraram a atratividade dos títulos públicos.

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Com tanto dinheiro disponível e liquidez no mercado, as fintechs latino-americanas, em especial, as brasileiras, chamaram grande atenção. Apesar da grande movimentação do pós-pandemia, o ano que registrou maior número de startups fundadas foi 2019, com 298 novas fintechs. Atualmente, existem 2.712 fintechs ativas.

Volta à normalidade

Depois desse momento de efervescência, veio a ressaca. Com a subida rápida dos juros em diversos países desenvolvidos e nos maiores emergentes, o dinheiro fácil sumiu, e se viu uma crise geral para as startups, incluindo as fintechs. “O ano de 2021 foi uma distorção de mercado. No Brasil e na América Latina, não se viu tanta loucura, mas nos Estados Unidos aconteceram muitos investimentos sem sentido. Depois disso, a barra de qualidade para se receber investimentos subiu muito, com menos volume de financiamento disponível.”

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Com a parada no mercado de fusões e aquisições e das aberturas de capital, houve uma redução grande da liquidez no ecossistema. Nos Estados Unidos, segundo Simonsen, existem cerca de 1.400 unicórnios, termo utilizado para startups com valor de mercado de pelo menos US$ 1 bilhão, à espera da retomada do mercado de capitais, para que os investidores sejam recompensados pelos aportes feitos.

Agora, acontece uma normalização do mercado, que parece mais maduro do que nos anos anteriores. No primeiro semestre deste ano, já foram fechadas na região 83 rodadas de investimentos em fintechs, movimentando US$ 700 milhões. No mesmo período do ano passado, foram US$ 400 milhões, com 77 negócios.

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Os dois maiores investimentos do ano na América Latina aconteceram no Brasil. A plataforma financeira QI Tech, que atua em serviços para bancos, recebeu US$ 250 milhões - negócio que fez dela um unicórnio. Já a Celcoin, do mesmo segmento de atuação, levantou US$ 125 milhões.

Também ocorre uma mudança na categoria de fintech buscada para receber investimentos. Se a primeira onda de fintechs trouxe interesse por negócios como carteiras digitais e bancos digitais, como o Nubank, e os anos entre 2019 e 2021 viu uma onda de investimentos em empresas que buscavam democratizar o acesso ao crédito, agora seria a vez de modelos de negócios que não são voltados ao cliente final.

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As fintechs que chamam a atenção, agora, são direcionadas para serviços voltados para empresas, como são os casos das já citadas QI Tech e Celcoin, além da Pismo, comprada pela Visa por US$ 1 bilhão, no ano passado. Elas adotam modelos de negócios de mais difícil compreensão para quem não está inserido no setor, como por exemplo, oferecerem plataformas para empresas rodarem serviços financeiros.

“A disputa saiu do mercado voltado a consumidores final, em que a disputa acontece pela atração do maior número de clientes, e que já é muito competitivo, com Nubank, C6, Nomad e com a reação dos incumbentes, como o BTG Digital, e os esforços do Itaú”, analisa Simonsen. “Agora, o interesse está em se aprofundar na cadeia de valor inteira. As empresas pensam para que precisam de um banco tradicional para fazer as suas transações financeiras, se podem usar as infraestruturas de fintechs e movimentar seus pagamentos por conta própria.”

Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades.

Rafael Stark, fundador do Stark Bank

Um exemplo desse interesse foi percebido pelo Stark Bank, fundado em 2018, para atender o mercado corporativo e que já se coloca entre os 15 que mais fazem transações por Pix entre empresas. “Fomos procurados recentemente por seis fundos. Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades”, afirma o fundador, Rafael Stark, que diz não estar buscando financiamento.

“Não aceitamos os investimentos, por que fizemos R$ 100 milhões de lucro líquido nos últimos dois anos e temos R$ 440 milhões em caixa. Não precisamos de mais R$ 500 milhões, para fazer aquisições, em troca de venda de participação na empresa e porque não montamos este negócio para vender ele depois de poucos anos”, diz. “Também não precisamos de caixa para rodar o negócio depois de 12 meses. Já passamos desta fase há dois anos.”

Stark Bank, fundado por Rafael Stark, movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões Foto: Divulgação/Stark Bank

O Stark Bank movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões e realiza mais de 1 bilhão de transações. Desde sua criação, já recebeu cinco aportes que totalizaram US$ 61,1 milhões – incluindo investimentos da Bezos Expedition, fundo pessoal de Jeff Bezos, fundador da Amazon. Além de Bezos, também atraiu o interesse de outros sócios de peso, como os fundadores do Airbnb e Slack.

Papel do Banco Central

Muito desse efervescente ambiente de negócios tem relação com a desregulação promovida pelo Banco Central do Brasil, que permitiu aumentar a competitividade em diversas atividades financeiras e trazer disrupção ao mercado.

As bases para isso vêm sendo desenvolvidas desde o Plano Real, que completou 30 anos. “Ele tirou a principal receita dos bancos, que até 1994 era apostar contra o governo e lucrar com o aumento da inflação”, diz Simonsen, sobrinho-neto de Mario Henrique Simonsen (1935-1997), ministro da Fazenda de Geisel (1974-1978) e um dos apoiadores desde o início do plano de desindexação elaborado por Pérsio Arida e André Lara Resende, pilar do projeto do real.

Já, nos últimos anos, em diferentes governos desde a presidência de Michel Temer (mandato de 2016-2019) foi adotada uma agenda pelo BC de desregulamentar mercados que anteriormente só poderiam ser explorados por bancos. A evolução permitiu oferecer serviços de pagamentos digitais por Pix, concessão de crédito e gestão de cartões de crédito e débito.

Um exemplo recente que pode abrir mais oportunidades são as transações por Pix por aproximação, em parceria com Google Pay e Apple Pay, prevista para entrar em operação neste ano.

Outra ação importante de 2024 deve ser a regulação do Banking as a Service (BaaS), tradução do inglês para banco como serviço. Esse conceito autoriza que empresas de diferentes segmentos, como lojas de varejo e supermercados, ofereçam serviços financeiros diretos aos seus clientes. Há consulta pública prevista para definir as diretrizes dessa nova forma de oferecer serviços bancários.

Mas pouco teve mais impacto do que a chegada dos pagamentos pelo sistema Pix, que terá ainda o reforço do Drex, o sistema chamado de real digital, ainda em fase de testes pelo BC. As simulações testadas envolvem um token, num modelo similar ao de criptomoedas, para operações entre indivíduos e empresas.

Outro campo de grande potencial a ser percebido ainda é o Open Finance, que obriga o compartilhamento de dados financeiros dos clientes entre instituições. Isso ajuda o ecossistema inteiro a ter mais informações sobre os seus clientes atuais e potenciais, e elaborar ofertas mais ajustadas para eles.

“O Brasil tem feito a desregulamentação de maneira muito organizada”, diz Simonsen. “A joia da coroa deve ser o que o Drex e Open Banking podem fazer pelo mercado de capitais, e isso não tem precedentes no mundo, para sabermos o que vai acontecer. Também vemos hoje empresas, até farmacêuticas, pensando em fazer empréstimo consignado para funcionários, desconto de duplicata, desconto de duplicata e oferecer crédito por risco sacado. Cinco anos atrás, não existia essa conversa.”

As fintechs brasileiras também receberam um estímulo legislativo ao poderem apurar o Imposto de Renda (IR) com base no lucro presumido, reduzindo potencialmente a carga tributária em até 50%.

O Brasil tem se posicionado como uma das referências globais para investimentos em fintechs, as startups da área financeira. Em cerca de uma década, de 2014 ao primeiro semestre de 2024, o País movimentou US$ 10,4 bilhões (R$ 56,5 bilhões, ao câmbio do dia) em investimentos no setor, com 1.034 negócios, de acordo com o estudo FinTech Report 2024, realizado pela Distrito, consultoria e empresa de pesquisas sobre empresas de tecnologias emergentes.

O valor equivale a 66,67% do total aportado em fintechs na América Latina. A região foi destino de US$ 15,6 bilhões em recursos, com a concretização de 1.658 rodadas de investimento, na última década.

“O mercado financeiro brasileiro tem tradição de uso de tecnologias, mas também era muito consolidado e dominado por poucos bancos, e então trazia grande potencial de disrupção por meio de novos modelos de negócios”, afirma o responsável pela área de pesquisas da Distrito, Victor Harano. “O setor tem muitos bons profissionais, e muita gente saiu de carreiras em bancos para fundar fintechs, nos últimos anos.”

A maior concentração delas está no Brasil, com 58,7% das empresas, seguida pelo México, com 20,7%. “O brasileiro é muito rápido na adoção de tecnologia. Temos uma população relativamente jovem, e mesmo os mais velhos adoram as redes sociais e usar Uber”, diz o cofundador da Upload Ventures, um fundo de venture capital brasileiro, Carlos Simonsen. “Podemos estar atrás da China em tecnologias financeiras, mas muito à frente de Índia, Rússia, México e África.”

Entre as categorias de fintechs da América Latina, as de concessão de crédito são as mais numerosas, com a abertura de 477 startups, representando 18% do total. Considerado o volume de investimentos, a liderança da última década ficou com as fintechs de serviços digitais, que captaram US$ 5,3 bilhões, seguidas exatamente pelas especializadas em crédito, que receberam US$ 3,1 bilhões em investimentos.

'Estamos à frente de Índia, Rússia, México e África', diz Carlos Simonsen, cofundador do Upload Ventures Foto: Divulgação/Upload Ventures

O ano com maior investimento no setor na América Latina foi o de 2021, quando atingiu US$ 5,7 bilhões em captações, em 363 rodadas. Logo depois da pandemia, os fundos e grandes investidores contavam com muitos recursos disponíveis pelo mundo e buscavam teses de investimentos mais voltadas a crescimento forte, uma vez que os juros baixos por quase todo o mundo, adotados para proteger as economias de serem congeladas pelas paradas das atividades presenciais, tiraram a atratividade dos títulos públicos.

Com tanto dinheiro disponível e liquidez no mercado, as fintechs latino-americanas, em especial, as brasileiras, chamaram grande atenção. Apesar da grande movimentação do pós-pandemia, o ano que registrou maior número de startups fundadas foi 2019, com 298 novas fintechs. Atualmente, existem 2.712 fintechs ativas.

Volta à normalidade

Depois desse momento de efervescência, veio a ressaca. Com a subida rápida dos juros em diversos países desenvolvidos e nos maiores emergentes, o dinheiro fácil sumiu, e se viu uma crise geral para as startups, incluindo as fintechs. “O ano de 2021 foi uma distorção de mercado. No Brasil e na América Latina, não se viu tanta loucura, mas nos Estados Unidos aconteceram muitos investimentos sem sentido. Depois disso, a barra de qualidade para se receber investimentos subiu muito, com menos volume de financiamento disponível.”

Com a parada no mercado de fusões e aquisições e das aberturas de capital, houve uma redução grande da liquidez no ecossistema. Nos Estados Unidos, segundo Simonsen, existem cerca de 1.400 unicórnios, termo utilizado para startups com valor de mercado de pelo menos US$ 1 bilhão, à espera da retomada do mercado de capitais, para que os investidores sejam recompensados pelos aportes feitos.

Agora, acontece uma normalização do mercado, que parece mais maduro do que nos anos anteriores. No primeiro semestre deste ano, já foram fechadas na região 83 rodadas de investimentos em fintechs, movimentando US$ 700 milhões. No mesmo período do ano passado, foram US$ 400 milhões, com 77 negócios.

Os dois maiores investimentos do ano na América Latina aconteceram no Brasil. A plataforma financeira QI Tech, que atua em serviços para bancos, recebeu US$ 250 milhões - negócio que fez dela um unicórnio. Já a Celcoin, do mesmo segmento de atuação, levantou US$ 125 milhões.

Também ocorre uma mudança na categoria de fintech buscada para receber investimentos. Se a primeira onda de fintechs trouxe interesse por negócios como carteiras digitais e bancos digitais, como o Nubank, e os anos entre 2019 e 2021 viu uma onda de investimentos em empresas que buscavam democratizar o acesso ao crédito, agora seria a vez de modelos de negócios que não são voltados ao cliente final.

As fintechs que chamam a atenção, agora, são direcionadas para serviços voltados para empresas, como são os casos das já citadas QI Tech e Celcoin, além da Pismo, comprada pela Visa por US$ 1 bilhão, no ano passado. Elas adotam modelos de negócios de mais difícil compreensão para quem não está inserido no setor, como por exemplo, oferecerem plataformas para empresas rodarem serviços financeiros.

“A disputa saiu do mercado voltado a consumidores final, em que a disputa acontece pela atração do maior número de clientes, e que já é muito competitivo, com Nubank, C6, Nomad e com a reação dos incumbentes, como o BTG Digital, e os esforços do Itaú”, analisa Simonsen. “Agora, o interesse está em se aprofundar na cadeia de valor inteira. As empresas pensam para que precisam de um banco tradicional para fazer as suas transações financeiras, se podem usar as infraestruturas de fintechs e movimentar seus pagamentos por conta própria.”

Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades.

Rafael Stark, fundador do Stark Bank

Um exemplo desse interesse foi percebido pelo Stark Bank, fundado em 2018, para atender o mercado corporativo e que já se coloca entre os 15 que mais fazem transações por Pix entre empresas. “Fomos procurados recentemente por seis fundos. Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades”, afirma o fundador, Rafael Stark, que diz não estar buscando financiamento.

“Não aceitamos os investimentos, por que fizemos R$ 100 milhões de lucro líquido nos últimos dois anos e temos R$ 440 milhões em caixa. Não precisamos de mais R$ 500 milhões, para fazer aquisições, em troca de venda de participação na empresa e porque não montamos este negócio para vender ele depois de poucos anos”, diz. “Também não precisamos de caixa para rodar o negócio depois de 12 meses. Já passamos desta fase há dois anos.”

Stark Bank, fundado por Rafael Stark, movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões Foto: Divulgação/Stark Bank

O Stark Bank movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões e realiza mais de 1 bilhão de transações. Desde sua criação, já recebeu cinco aportes que totalizaram US$ 61,1 milhões – incluindo investimentos da Bezos Expedition, fundo pessoal de Jeff Bezos, fundador da Amazon. Além de Bezos, também atraiu o interesse de outros sócios de peso, como os fundadores do Airbnb e Slack.

Papel do Banco Central

Muito desse efervescente ambiente de negócios tem relação com a desregulação promovida pelo Banco Central do Brasil, que permitiu aumentar a competitividade em diversas atividades financeiras e trazer disrupção ao mercado.

As bases para isso vêm sendo desenvolvidas desde o Plano Real, que completou 30 anos. “Ele tirou a principal receita dos bancos, que até 1994 era apostar contra o governo e lucrar com o aumento da inflação”, diz Simonsen, sobrinho-neto de Mario Henrique Simonsen (1935-1997), ministro da Fazenda de Geisel (1974-1978) e um dos apoiadores desde o início do plano de desindexação elaborado por Pérsio Arida e André Lara Resende, pilar do projeto do real.

Já, nos últimos anos, em diferentes governos desde a presidência de Michel Temer (mandato de 2016-2019) foi adotada uma agenda pelo BC de desregulamentar mercados que anteriormente só poderiam ser explorados por bancos. A evolução permitiu oferecer serviços de pagamentos digitais por Pix, concessão de crédito e gestão de cartões de crédito e débito.

Um exemplo recente que pode abrir mais oportunidades são as transações por Pix por aproximação, em parceria com Google Pay e Apple Pay, prevista para entrar em operação neste ano.

Outra ação importante de 2024 deve ser a regulação do Banking as a Service (BaaS), tradução do inglês para banco como serviço. Esse conceito autoriza que empresas de diferentes segmentos, como lojas de varejo e supermercados, ofereçam serviços financeiros diretos aos seus clientes. Há consulta pública prevista para definir as diretrizes dessa nova forma de oferecer serviços bancários.

Mas pouco teve mais impacto do que a chegada dos pagamentos pelo sistema Pix, que terá ainda o reforço do Drex, o sistema chamado de real digital, ainda em fase de testes pelo BC. As simulações testadas envolvem um token, num modelo similar ao de criptomoedas, para operações entre indivíduos e empresas.

Outro campo de grande potencial a ser percebido ainda é o Open Finance, que obriga o compartilhamento de dados financeiros dos clientes entre instituições. Isso ajuda o ecossistema inteiro a ter mais informações sobre os seus clientes atuais e potenciais, e elaborar ofertas mais ajustadas para eles.

“O Brasil tem feito a desregulamentação de maneira muito organizada”, diz Simonsen. “A joia da coroa deve ser o que o Drex e Open Banking podem fazer pelo mercado de capitais, e isso não tem precedentes no mundo, para sabermos o que vai acontecer. Também vemos hoje empresas, até farmacêuticas, pensando em fazer empréstimo consignado para funcionários, desconto de duplicata, desconto de duplicata e oferecer crédito por risco sacado. Cinco anos atrás, não existia essa conversa.”

As fintechs brasileiras também receberam um estímulo legislativo ao poderem apurar o Imposto de Renda (IR) com base no lucro presumido, reduzindo potencialmente a carga tributária em até 50%.

O Brasil tem se posicionado como uma das referências globais para investimentos em fintechs, as startups da área financeira. Em cerca de uma década, de 2014 ao primeiro semestre de 2024, o País movimentou US$ 10,4 bilhões (R$ 56,5 bilhões, ao câmbio do dia) em investimentos no setor, com 1.034 negócios, de acordo com o estudo FinTech Report 2024, realizado pela Distrito, consultoria e empresa de pesquisas sobre empresas de tecnologias emergentes.

O valor equivale a 66,67% do total aportado em fintechs na América Latina. A região foi destino de US$ 15,6 bilhões em recursos, com a concretização de 1.658 rodadas de investimento, na última década.

“O mercado financeiro brasileiro tem tradição de uso de tecnologias, mas também era muito consolidado e dominado por poucos bancos, e então trazia grande potencial de disrupção por meio de novos modelos de negócios”, afirma o responsável pela área de pesquisas da Distrito, Victor Harano. “O setor tem muitos bons profissionais, e muita gente saiu de carreiras em bancos para fundar fintechs, nos últimos anos.”

A maior concentração delas está no Brasil, com 58,7% das empresas, seguida pelo México, com 20,7%. “O brasileiro é muito rápido na adoção de tecnologia. Temos uma população relativamente jovem, e mesmo os mais velhos adoram as redes sociais e usar Uber”, diz o cofundador da Upload Ventures, um fundo de venture capital brasileiro, Carlos Simonsen. “Podemos estar atrás da China em tecnologias financeiras, mas muito à frente de Índia, Rússia, México e África.”

Entre as categorias de fintechs da América Latina, as de concessão de crédito são as mais numerosas, com a abertura de 477 startups, representando 18% do total. Considerado o volume de investimentos, a liderança da última década ficou com as fintechs de serviços digitais, que captaram US$ 5,3 bilhões, seguidas exatamente pelas especializadas em crédito, que receberam US$ 3,1 bilhões em investimentos.

'Estamos à frente de Índia, Rússia, México e África', diz Carlos Simonsen, cofundador do Upload Ventures Foto: Divulgação/Upload Ventures

O ano com maior investimento no setor na América Latina foi o de 2021, quando atingiu US$ 5,7 bilhões em captações, em 363 rodadas. Logo depois da pandemia, os fundos e grandes investidores contavam com muitos recursos disponíveis pelo mundo e buscavam teses de investimentos mais voltadas a crescimento forte, uma vez que os juros baixos por quase todo o mundo, adotados para proteger as economias de serem congeladas pelas paradas das atividades presenciais, tiraram a atratividade dos títulos públicos.

Com tanto dinheiro disponível e liquidez no mercado, as fintechs latino-americanas, em especial, as brasileiras, chamaram grande atenção. Apesar da grande movimentação do pós-pandemia, o ano que registrou maior número de startups fundadas foi 2019, com 298 novas fintechs. Atualmente, existem 2.712 fintechs ativas.

Volta à normalidade

Depois desse momento de efervescência, veio a ressaca. Com a subida rápida dos juros em diversos países desenvolvidos e nos maiores emergentes, o dinheiro fácil sumiu, e se viu uma crise geral para as startups, incluindo as fintechs. “O ano de 2021 foi uma distorção de mercado. No Brasil e na América Latina, não se viu tanta loucura, mas nos Estados Unidos aconteceram muitos investimentos sem sentido. Depois disso, a barra de qualidade para se receber investimentos subiu muito, com menos volume de financiamento disponível.”

Com a parada no mercado de fusões e aquisições e das aberturas de capital, houve uma redução grande da liquidez no ecossistema. Nos Estados Unidos, segundo Simonsen, existem cerca de 1.400 unicórnios, termo utilizado para startups com valor de mercado de pelo menos US$ 1 bilhão, à espera da retomada do mercado de capitais, para que os investidores sejam recompensados pelos aportes feitos.

Agora, acontece uma normalização do mercado, que parece mais maduro do que nos anos anteriores. No primeiro semestre deste ano, já foram fechadas na região 83 rodadas de investimentos em fintechs, movimentando US$ 700 milhões. No mesmo período do ano passado, foram US$ 400 milhões, com 77 negócios.

Os dois maiores investimentos do ano na América Latina aconteceram no Brasil. A plataforma financeira QI Tech, que atua em serviços para bancos, recebeu US$ 250 milhões - negócio que fez dela um unicórnio. Já a Celcoin, do mesmo segmento de atuação, levantou US$ 125 milhões.

Também ocorre uma mudança na categoria de fintech buscada para receber investimentos. Se a primeira onda de fintechs trouxe interesse por negócios como carteiras digitais e bancos digitais, como o Nubank, e os anos entre 2019 e 2021 viu uma onda de investimentos em empresas que buscavam democratizar o acesso ao crédito, agora seria a vez de modelos de negócios que não são voltados ao cliente final.

As fintechs que chamam a atenção, agora, são direcionadas para serviços voltados para empresas, como são os casos das já citadas QI Tech e Celcoin, além da Pismo, comprada pela Visa por US$ 1 bilhão, no ano passado. Elas adotam modelos de negócios de mais difícil compreensão para quem não está inserido no setor, como por exemplo, oferecerem plataformas para empresas rodarem serviços financeiros.

“A disputa saiu do mercado voltado a consumidores final, em que a disputa acontece pela atração do maior número de clientes, e que já é muito competitivo, com Nubank, C6, Nomad e com a reação dos incumbentes, como o BTG Digital, e os esforços do Itaú”, analisa Simonsen. “Agora, o interesse está em se aprofundar na cadeia de valor inteira. As empresas pensam para que precisam de um banco tradicional para fazer as suas transações financeiras, se podem usar as infraestruturas de fintechs e movimentar seus pagamentos por conta própria.”

Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades.

Rafael Stark, fundador do Stark Bank

Um exemplo desse interesse foi percebido pelo Stark Bank, fundado em 2018, para atender o mercado corporativo e que já se coloca entre os 15 que mais fazem transações por Pix entre empresas. “Fomos procurados recentemente por seis fundos. Os estrangeiros estão batendo à porta procurando oportunidades”, afirma o fundador, Rafael Stark, que diz não estar buscando financiamento.

“Não aceitamos os investimentos, por que fizemos R$ 100 milhões de lucro líquido nos últimos dois anos e temos R$ 440 milhões em caixa. Não precisamos de mais R$ 500 milhões, para fazer aquisições, em troca de venda de participação na empresa e porque não montamos este negócio para vender ele depois de poucos anos”, diz. “Também não precisamos de caixa para rodar o negócio depois de 12 meses. Já passamos desta fase há dois anos.”

Stark Bank, fundado por Rafael Stark, movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões Foto: Divulgação/Stark Bank

O Stark Bank movimenta anualmente mais de R$ 150 bilhões e realiza mais de 1 bilhão de transações. Desde sua criação, já recebeu cinco aportes que totalizaram US$ 61,1 milhões – incluindo investimentos da Bezos Expedition, fundo pessoal de Jeff Bezos, fundador da Amazon. Além de Bezos, também atraiu o interesse de outros sócios de peso, como os fundadores do Airbnb e Slack.

Papel do Banco Central

Muito desse efervescente ambiente de negócios tem relação com a desregulação promovida pelo Banco Central do Brasil, que permitiu aumentar a competitividade em diversas atividades financeiras e trazer disrupção ao mercado.

As bases para isso vêm sendo desenvolvidas desde o Plano Real, que completou 30 anos. “Ele tirou a principal receita dos bancos, que até 1994 era apostar contra o governo e lucrar com o aumento da inflação”, diz Simonsen, sobrinho-neto de Mario Henrique Simonsen (1935-1997), ministro da Fazenda de Geisel (1974-1978) e um dos apoiadores desde o início do plano de desindexação elaborado por Pérsio Arida e André Lara Resende, pilar do projeto do real.

Já, nos últimos anos, em diferentes governos desde a presidência de Michel Temer (mandato de 2016-2019) foi adotada uma agenda pelo BC de desregulamentar mercados que anteriormente só poderiam ser explorados por bancos. A evolução permitiu oferecer serviços de pagamentos digitais por Pix, concessão de crédito e gestão de cartões de crédito e débito.

Um exemplo recente que pode abrir mais oportunidades são as transações por Pix por aproximação, em parceria com Google Pay e Apple Pay, prevista para entrar em operação neste ano.

Outra ação importante de 2024 deve ser a regulação do Banking as a Service (BaaS), tradução do inglês para banco como serviço. Esse conceito autoriza que empresas de diferentes segmentos, como lojas de varejo e supermercados, ofereçam serviços financeiros diretos aos seus clientes. Há consulta pública prevista para definir as diretrizes dessa nova forma de oferecer serviços bancários.

Mas pouco teve mais impacto do que a chegada dos pagamentos pelo sistema Pix, que terá ainda o reforço do Drex, o sistema chamado de real digital, ainda em fase de testes pelo BC. As simulações testadas envolvem um token, num modelo similar ao de criptomoedas, para operações entre indivíduos e empresas.

Outro campo de grande potencial a ser percebido ainda é o Open Finance, que obriga o compartilhamento de dados financeiros dos clientes entre instituições. Isso ajuda o ecossistema inteiro a ter mais informações sobre os seus clientes atuais e potenciais, e elaborar ofertas mais ajustadas para eles.

“O Brasil tem feito a desregulamentação de maneira muito organizada”, diz Simonsen. “A joia da coroa deve ser o que o Drex e Open Banking podem fazer pelo mercado de capitais, e isso não tem precedentes no mundo, para sabermos o que vai acontecer. Também vemos hoje empresas, até farmacêuticas, pensando em fazer empréstimo consignado para funcionários, desconto de duplicata, desconto de duplicata e oferecer crédito por risco sacado. Cinco anos atrás, não existia essa conversa.”

As fintechs brasileiras também receberam um estímulo legislativo ao poderem apurar o Imposto de Renda (IR) com base no lucro presumido, reduzindo potencialmente a carga tributária em até 50%.

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