Sair da dieta comendo um “chocolatinho” na Páscoa já pode pesar mais no bolso do que na própria consciência. Isso porque o preço do doce teve sua maior alta em seis anos. Com a inflação acumulada para 12 meses em 13,61%, os chocolates tiveram mais que o dobro de alta em relação ao Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), que ficou, no mesmo período, em 5,77%. Às vésperas da Páscoa, o produto chega aos supermercados mais caro do que de costume, ainda sem contar com a elevação de preço para o período comemorativo.
Com o aumento, quem comprou um ovo de Páscoa por R$ 50 no ano passado, agora pode ter de pagar quase R$ 57 pelo mesmo produto. O maior impacto é para quem ganha um salário mínimo (hoje em R$ 1.302). Se antes o valor representava 3,8% da renda, agora pode ser 4,3%, o que pode fazer a pessoa deixar de comprar, por exemplo, 1 kg de arroz.
Para especialistas, a inflação acumulada dos chocolates é multifatorial e leva em conta questões como a alta no preço de insumos como leite e açúcar, inflação geral do País, os impactos globais causados pela Guerra da Ucrânia, que encareceu fertilizantes, e até eventos climáticos como o La Niña, que atrapalhou a safra em 2022.
Tatiana Nogueira, economista da XP, explica que na lista de ingredientes para a produção do chocolate, os três principais produtos - que são açúcar, cacau e leite em pó - sofreram grandes altas de preço ao longo de 2022. No caso do leite e derivados, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 41% em junho de 2022, devido à seca no País. “Toda a cadeia de produção do chocolate ficou mais cara em 2022, insumos, frete e mão de obra, o que refletiu diretamente no preço final”, afirma.
No varejo, outro fator que pode influenciar no preço dos chocolates é a recuperação judicial da Americanas. A empresa diz que é responsável pela “maior Páscoa do mundo” por vender um grande volume de ovos de chocolate, mas enfrentou dificuldades financeiras neste começo de ano e precisou tomar medidas para manter a presença na data comemorativa, como pagar fornecedores à vista. A varejista também irá promover os ovos de Páscoa de marca própria, a D’elicce. “Ao todo, são mais de 400 opções de chocolates das melhores marcas do mercado, de ovos mais simples aos modelos premium, além de produtos de mercado e mercearia para o almoço de Páscoa dos brasileiros e itens decorativos”, afirma, em nota, Aleksandro Pereira, diretor comercial da Americanas
Páscoa mais cara
Como a indústria do chocolate trabalha com uma antecedência em relação a produção dos ovos de páscoa, a maior parte da produção nacional para 2023 teve seus preços impactados diretamente pelas pressões no setor sentidos em 2022. Com isso, os especialistas apostam em uma inflação sazonal para a Páscoa superior ao que foi visto em anos anteriores.
Fabricio Silvestre, economista sênior da casa de análises do TC, afirma que as estratégias para o consumidor lidar com a nova realidade econômica dos produtos é buscar alternativas e usar a criatividade. “Em um primeiro momento, o consumidor pode mudar para uma marca menos premium, o que o levaria a pagar preços mais baixos. Se isso não for suficiente, o consumidor deve avaliar a possibilidade de consumir bens substitutos, como acontece com a manteiga que é substituída pela margarina.
Para o ovo de Páscoa, o concorrente é a barra de chocolate, que tende a ter um preço por grama de chocolate sensivelmente mais baixo. O consumidor pode ainda optar por fazer o próprio ovo de Páscoa ou uma sobremesa de chocolate, enfrentando apenas a inflação dos ingredientes”, afirma.
Essa é estratégia da Trento. Carlos Scarpa, diretor comercial da Peccin, responsável pela marca de chocolates Trento, afirma que a Páscoa se tornou uma data importante para as vendas, mesmo sem ter ovos de chocolate, porque o consumidor busca alternativas para comprar um produto similar que possa ser dado de presente. “A caixa Trento Mini Momentos, que tem dez unidades de Trento Mini, fez tanto sucesso no ano passado que, o que era para ser sazonal, entrou para a linha de produtos”, afirma.
Para combater as gigantes do mercado de chocolates, a companhia busca manter uma combinação de preço e qualidade, sem usar, por exemplo, gordura hidrogenada em seus produtos. Para evitar grandes abalos causados pelo cenário macroeconômico, a empresa está entre as que fecham acordos de longo prazo com fornecedores. “Sempre trabalhamos com a visão de compra de longo prazo, e não com a moeda do dia. Apesar de os insumos principais terem contratos lastreados em Bolsa e no dólar, compramos matéria-prima para um período longo. Isso ajuda a evitar variações climáticas ou de safra”, diz Scarpa.
Em meio as pressões inflacionárias à véspera da páscoa, a Dengo - marca que tem como um dos investidores Henrique Leal, fundador da Natura - decidiu manter seus produtos sem aumento de preço, com zero de repasse de custo para os clientes em 2023. Segundo o presidente da marca, Estevan Sartoreli, expectativa da companhia é ampliar vendas em 30% este ano e, assim, aumentar o faturamento na quantidade de produtos comercializados na data. “Várias marcas estão repassando os seus custos, mas nós optamos por manter o preço e ter zero repasse nos preços para 2022. Nós tentamos diminuir os custos em outras áreas do negócio″, diz Sartoreli.
Com os chocolates custando mais para serem fabricados, outra estratégia utilizada pelas marcas neste ano, segundo Ulysses Reis, da Strong Business School (SBS), deve ser a “reduflação” dos ovos. Esse processo é conhecido por reduzir a quantidade de gramas do produto nas embalagem e mantendo o mesmo preço final. “Este ano, com certeza, a Páscoa terá os ovos mais finos dos últimos tempos”, avalia Reis.
Chocolate mais barato? Só depois da Páscoa
A economista da XP alerta que uma redução de preços ainda deve demorar a chegar às gôndolas dos supermercados. Tatiana acredita que o preço final dos produtos só será sentido pelos consumidores depois da Páscoa, já no segundo semestre do ano, quando a demanda sazonal da data comemorativa é dissipada no mercado nacional.
A especialista explica que em casos de choques de oferta, como o vivenciado pelo chocolate, a tendência é de que os preços sejam ajustados com mais rapidez, já os fatores que pressionaram a produção no passado tem previsão de normalização para os próximos meses, vide o caso de chuvas para as lavouras e quanto a meta geral de inflação, que pode chegar até 4,75% em 2023. “O que temos para o chocolate é uma previsibilidade melhor neste ano”, diz.