Uma pequena fabricante de doces do interior do Rio Grande do Sul está dominando uma área muito específica dos supermercados: a ala bem do lado das gôndolas, onde tradicionalmente as empresas de chocolates se posicionam para que o consumidor caia na “tentação” e leve um docinho antes de passar no caixa. Com seus tubinhos de wafer e chocolate ao leite, a Trento passou a incomodar gigantes do setor, como Hershey’s, Lacta e Ferrero.
Apesar de a marca ter ganhado tração nos últimos anos com a venda de produtos à base de cacau, a empresa que produz os chocolates, Peccin, já está no setor há quase 70 anos. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, companhia soube surfar onda de aumento no consumo durante a pandemia de covid-19 que “abriu o paladar” para experimentar novos nomes no mercado.
A migração de doces mais baratos para o chocolate deu um empurrão no faturamento da companhia, que cresce 30% ao ano, em média. Segundo o balanço da companhia de 2020, a receita anual está em cerca de R$ 280 milhões. Hoje, as vendas da marca Trento já representam dois terços do movimento da Peccin, cuja fábrica fica em Erechim, a 370 km de Porto Alegre. A companhia agora quer aumentar a produção e tem uma meta ousada: triplicar de tamanho em cinco anos.
Nas redes sociais, consumidores comparam lançamentos recentes de grandes marcas – como Hershey’s e Sonho de Valsa – com os tradicionais “tubinhos” da pequenina Peccin. Na avaliação do professor de varejo da FGV, Ulysses Reis, esse tipo de “coincidência” é comum no mercado, que se inspira tanto em sucessos locais quanto internacionais. “No mundo varejo, são raros os produtos totalmente novos”, diz.
Diante do êxito dos chocolates da Trento, a Peccin investiu R$ 100 milhões na construção de uma nova fábrica de 15 mil metros quadrados. Para os próximos cinco anos o plano é investir mais R$ 150 milhões na produção, diz o presidente da empresa. Depois de depender por muito tempo das redes sociais e de ações de marketing mais baratas para tornar seu produto mais conhecido, a companhia agora flerta com voos mais altos, como a possibilidade de uma campanha em TV aberta para todo o País.
Dirceu Pezzin, presidente da Peccin Doces
Virada de chave por necessidade
Criada em 1956, a companhia familiar passou mais de meio século produzindo balas, pirulitos e chicletes com foco na exportação para cerca de 50 países. A mudança nessa receita que deu certo por tanto tempo veio durante um período de desvalorização da moeda americana ante o real, em 2010. Foi nessa época que a fabricante gaúcha decidiu que era preciso reduzir a sua dependência do negócio aos produtos à base de açúcar – na época, com o dólar abaixo de R$ 2, a empresa viu sua receita cair 20%.
Os chocolates vieram para virar esse jogo. “No começo, além de balas e pirulitos, nós também fabricávamos chocolates na Páscoa e no Natal, mas essa tradição foi se perdendo com o passar dos anos”, conta o presidente da empresa, Dirceu Pezzin, membro da segunda geração da família fundadora. “Passamos seis meses desenvolvendo os ‘dois rolinhos’ recheados que são nossa marca registrada. Se tivéssemos lançado uma barra, seríamos só mais um no mercado.”
Para lançar a primeira linha de Trento, da tradicional embalagem vermelha, a empresa investiu R$ 10 milhões, que custearam o desenvolvimento do produto e a compra de maquinário para a produção. Durante os três primeiros anos, a companhia operou em prejuízo, mesmo com o crescimento de vendas dos chocolates.
Distribuição em expansão
Com mais tempo em casa, por causa do período de isolamento, a população mundial aumentou o consumo de chocolates. Neste cenário, uma das mudanças feitas pela Peccin para abocanhar esse novo mercado foi expandir seus canais de distribuição. Agora, além da venda no varejo, o produto pode ser comprado também no site da Peccin. As vendas do produto cresceram 44% em 2021.
De acordo com o executivo, a expectativa da companhia é de aumentar pontos de distribuição – hoje, são 8 mil pontos de venda em todo o Brasil. “Temos algumas regiões que são mais complexas, como o Nordeste, devido à diferença de temperatura (onde é mais difícil de crescermos). Nós precisamos sempre pensar como não afetar a qualidade do produto na hora da distribuição.”
Na avaliação do professor de varejo da FGV, Ulysses Reis, entre os fatores que ajudam no crescimento da marca está justamente na diversificação do seu processo de distribuição, sem tirar o foco da competitividade de preço. “Ao criar novos canais de distribuição, e sem depender dos atacadistas como intermediários, eles vendem direito para os varejistas e chegam mais fácil às mãos dos clientes”, avalia.
Concorrentes
Para Cristina Souza, presidente da consultoria Gouvêa Foodservice, a competitividade dos chocolates Trento se dá por causa da união de um produto de bom custo-benefício, em comparação aos principais concorrentes. “Uma nova marca incomoda os grandes porque reduz a fatia de mercado deles – algo que nenhuma empresa quer”, afirma.
Ainda segundo Cristina, apesar de o produto ter uma quantidade maior de cacau na sua composição em relação aos seus concorrentes, a marca não tem utilizado esse diferencial para se destacar. A especialista lembra que no mercado premium de chocolates, em lojas como Dengo, Cacau Show e Kopenhagen, a quantidade de cacau presente no produto é a primeira informação utilizada para atrair o público.
“Eles têm essa vantagem nas mãos, mas não os vejo explorando isso”, pontua a especialista. “Qualidade é um atributo que o consumidor vem se preocupando cada vez mais. As pessoas preferem comer menos e comer melhor. É um movimento comum dentro do mercado.”